Inimigos e Aliados
A rainha do mundo bruxo descia as escadas lentamente. Lá embaixo, no saguão de entrada de Hogwarts, havia uma balbúrdia, mas, perdida em seus pensamentos, não parecia se incomodar com o barulho absurdo de vozes lamuriantes que se instaurava no lugar. Quando faltava o último lance de degraus para atingir o saguão de entrada, Hermione parou e se segurou no corrimão, respirando com dificuldade. Uma dor havia lhe passado pela espinha, tirando-lhe o equilíbrio por um breve instante.
O padre Carter, que vinha um pouco atrás, colocou a mão sobre seus ombros e curvou o pescoço para chegar ao tamanho dela.
- Você está bem, minha filha? – perguntou o sacerdote, olhando fixamente para o rosto pálido da moça, parecendo genuinamente preocupado.
- Sim. – mentiu.
Se pudesse, Hermione sentaria ali mesmo, choraria até perder as forças e desistiria de tudo, mas lá embaixo, dezenas de olhos se voltavam para ela, esperando encontrar a fortaleza de uma líder: a rainha. Eram padres, Centauros – cujos cascos faziam os únicos barulhos audíveis do ambiente -, alguns estudantes, que pareciam completamente perdidos, e uma auror, que Hermione conhecia pelo nome de Myrna. Esta última segurava uma estudante nos braços, que parecia estar tremendo de choque ou... Deus queira que seja apenas de choque.
Assim sendo, sem alternativa, Hermione fincou as unhas compridas dos dedos trêmulos na palma de sua mão, que estava gelada. Aquela dorzinha na mão fê-la se esquecer por alguns segundos da dor que sentia no peito, nas costas e no estômago e lhe deu a coragem para terminar os últimos degraus até alcançar o saguão.
Mithos, um centauro grande, negro e forte, que se destacava entre todos os demais, aproximou-se dela.
- Fuja enquanto há tempo... não perderemos mais tempo aqui...
Hermione tentou esquecer o comentário do centauro e deu uma risada mais histérica do que irônica.
- Vocês são inimigos ou amigos, Mithos? – Hermione perguntou, tentando controlar um enjôo que parecia esmagar seu estômago.
- Nem uma coisa nem outra! – respondeu, batendo com os cascos no chão. Parecia nervoso. – Somos uma raça independente, e por culpa de Harry acabamos nos envolvendo nessa guerra estúpida. Se Aquele-que-não-deve-ser-nomeado retornar, será Potter o maior culpado.
- Por quê? –perguntou. Estava nervosa também. Sabia que Harry tinha pouco tempo na floresta se Voldemort realmente retornasse, ela não poderia perder tempo, mas precisava de informações. Informações estas que poderiam fazer a diferença quando chegasse ao confronto que Harry agora enfrentava.
- Harry Potter pediu para escondermos o orbe que contém o último resquício da alma d’Aquele-que-não-deve-ser-nomeado. Nós o fizemos, mas depois ele quebrou a promessa de que deixaria somente nós a cargo de tal fardo e mandou Aurores a floresta proibida, invadiu nosso espaço.
- Por isso ficaram contra ele? Por isso, só por isso se aliaram aos vampiros?
- Claro que não! – Mithos respondeu. – Há um tempo, Firenze nos visitou. Nós não queríamos a presença dele, pois já o havíamos expulsado da ordem desde que ele se submeteu aos comandos de Dumbledore. Mas ele nos disse que estava ali porque precisava de nossa ajuda para deter o rei dos vampiros. Disse que Drácula estava querendo trazer Você-sabe-quem de volta, que fingiu ser aliado dos vampiros para descobrir os planos de Drácula e depois, ele nos disse que deveríamos fingir também. Se atacássemos Harry, Drácula acreditaria em nós e seria o nosso aliado. A idéia era armar uma armadilha para os vampiros.
- E por que não fizeram isso? – Hermione perguntou, cética.
- Nós fizemos. – respondeu o centauro.
Hermione balançou a cabeça.
- Não entendi. Se armaram uma armadilha para Drácula, então por que ele está lá fora, tentando trazer Voldemort de volta?
- Porque você falhou!
Hermione deu um passo para trás, sem entender nada.
- Eu? O que eu tenho a ver com isso? –perguntou completamente perplexa.
- Não somos mágicos, Srta. Granger, mas conhecemos as plantas muito bem.
- Ainda não entendi. Quando isso vai começar a clarear? – comentou com ceticismo.
- Deve se lembrar de que foi atingida por uma flecha enquanto atacávamos a mansão Potter, há quase dois meses atrás.
- Sim, e o que tem isso a ver?
- A Flecha que te atingiu foi embebida numa solução feita com uma planta rara. Uma planta que dá ao bruxo atingido forças contra vampiros. Infelizmente, essa poção leva o bruxo à morte. Sabíamos o que estava em jogo. Queríamos que fosse Potter, mas quando você saiu da mansão, enquanto atacávamos Harry, Firenze acabou acertando você.
Hermione se sentiu mal, sentiu como se alguém tivesse atirado uma pedra em seu estômago. Queria não acreditar, mas sabia que era verdade. Ela ainda se impressionava com o poder que conjurou contra os vampiros quando estava na frente da Igreja do padre Carter; naquele instante, demonstrara uma força superior da que os bruxos poderiam contra vampiros, que eram uma raça fraca, mas bastante numerosa. Não bastasse isso, Hermione sabia que a segunda parte do efeito da flecha também era verdade. Ela sentia que morria aos poucos, achou que poderia ter sido infectada por Drácula, mas sabia no fundo que só poderia ser outra coisa, uma coisa bem pior: ela morreria de qualquer forma. Era isso... a morte afligia seu corpo cada dia mais e mais. Seus planos, seus sonhos para um futuro... estes morreriam todos com ela.
Sentindo uma tristeza profunda com aquela revelação, Hermione não conseguiu deixar de lacrimejar. Uma lágrima solitária cruzou seu rosto alvo, caindo sobre o chão, que parecia mais tentador do que nunca. Não... não posso desistir agora...
- Então quer dizer que eu vou morrer... ? – Perguntou, sentindo-se trêmula.
- Sim, Hermione... você é forte e poderosa, mas não creio que vá sobreviver mais tempo...
- Firenze... ele... ele me disse que...
- Firenze deveria lhe dizer que Sesmonas era o feitiço que libertaria Voldemort e deveria pedir a você que procurasse Drácula. Foi o que você fez. Achamos que assim que você dissesse a Drácula o que Firenze havia lhe dito, ele iria atacá-la, ainda na Transilvânia. No plano de Firenze, você se defenderia e destruiria todos os vampiros e Voldemort jamais seria libertado. Quando você voltou para Londres, como aliada de Drácula, percebemos que o plano havia falhado. Tentamos continuar com ele, fingindo apoiar Drácula e se opor a Harry, mas deu tudo errado. O que aconteceu, Hermione? Acaso, Firenze não conseguiu falar com você? Ele me disse que deixaria ser pego por Harry para contatá-la. O que deu errado...?
- Ele conseguiu... conseguiu sim... Firenze me disse para que eu procurasse Drácula, mas eu não disse nada a Drácula sobre Sesmonas. Eu simplesmente me esqueci. Achei que isso era secundário, pois não sabia o que significava. Como idiota que sou, acreditei que os vampiros poderiam ser uma raça boa no fundo... uma raça injustiçada... eu acreditei que...
Hermione enterrou o rosto entre as mãos, sentindo-se cada vez mais mal.
- Meu Deus!Meu Deus!
Ela acreditara em tanta coisa que agora provava ser apenas uma ilusão. Os padres, os centauros, os vampiros, Harry... ninguém era como ela pensava que eram. Eles enganavam, mentiam, traíam, apenas para seu próprio bem, ou por um bem maior, como todos diziam, embora ela mesma não conseguia ter a visão necessária para entender essas artimanhas.
- Sentimos muito... mas não há mais nada a fazer... – respondeu o centauro.
Mithos se virou, já ia saindo, quando Hermione correu e se pôs em sua frente.
- Vocês já fizeram muita bagunça! Agora vão me ajudar a limpá-la!
- Essa guerra não é nossa! – disse Mithos.
- AGORA É!!! – respondeu Hermione firme, levantando a varinha para as criaturas que um dia foram suas aliadas.
Atrás de Mithos e outros centauros, o padre Carter enfiou a mão no bolso nervosamente e procurou pelo seu terço. Segurou-o fortemente entre os dedos. Ainda estava trêmulo, estava desconfiado da doença de Hermione, mas não imaginou que ela morreria. Sabia que ele tinha uma parcela de culpa nisso, porque tudo havia começado nele e por ele. “Meu Deus, me ajude... que eu possa ser forte para fazer o que é certo”. Se tudo desse certo, Harry seria obrigado a realizar nesta noite aquilo que não havia realizado dez anos atrás, quando nem ele era um padre e nem Harry era um assassino.
Harry acordou assustado. Havia desmaiado por alguns minutos, mas não tinha idéia de quanto tempo ao certo. Sentiu uma dor terrível nos dois pulsos. Quando olhou para o corpo, viu que em cada braço um vampiro sugava seu sangue por dois orifícios feitos nos pulsos. O sangue escorria pelo braço e caía em poças que se formavam no chão.
- Nosferatu!!!! – gritou ele com raiva, apenas com a força dos seus pensamentos.
Os dois vampiros viraram pó no mesmo instante.
Cambaleante, Harry se levantou. Não havia sinal de Drácula, mas podia ser que ele estivesse na caverna. Pensava em correr para lá quando escutou um barulho e se virou. A nuvem de morcegos dançava em círculos no céu, mas agora havia poucos vampiros no solo. A maioria estava sugando o sangue de dezenas de pessoas – aurores e estudantes – que agora jaziam no chão. Contudo, o barulho que escutou vinha do professor Snape, que era subjugado por quatro deles ao mesmo tempo, e duraria poucos segundos se não interferisse.
Analisou a situação por alguns segundos, mas não deu bola. Deu uns três passos em direção à caverna, parando novamente. Sua consciência lhe dizia: “Vá em frente, Harry. Você sabe que deter Drácula é a prioridade”, mas havia ainda outra voz em sua mente, uma voz que era como a de Hermione, e sussurrava-lhe: “Deter o mal não é o mesmo que fazer o bem. Se deixar Snape morrer, você será tão mal quanto eles!!!!”.
Naquele duelo interno, Harry sentiu um peso dentro de si. Deu mais um passo para frente, como querendo dar vantagem à sua razão. Contudo, foi seu coração quem imperou.
- NOSFERATU!!! – gritou, olhando para os vampiros que atacavam Severus virarem pó no mesmo instante.
Snape caiu. Estava mal, muito mal. Harry correu para ele e o ergueu.
- Professor... agüente firme!!!!
Alguns morcegos que faziam voltas no ar fizeram um vôo rasante e se transformaram em vampiros, a alguns metros de onde Harry e Snape estavam. Cinco, seis, oito, dez vampiros surgiram da mesma forma.
- É o fim!!! – disse Snape, sentindo-se fraco. – Vá, Harry... deixe-me e vá.
É... é o fim... Harry concordava. E naquele instante derradeiro, em que a morte se insinuava à sua frente, ele pensou nos padres que o haviam abandonado. Tinha raiva deles, porque eles fariam toda a diferença naquela hora, não poderia deter muitos vampiros mais. Ele morreria, ou se transformaria num deles, o que era ainda pior. E se morresse...
Harry nunca havia acreditado que houvesse outra vida além desta. Mas os padres, principalmente Carter, acreditavam nisso piamente. Pregavam sobre o céu e o inferno. E se eles estivessem certos? O que aconteceria com ele se morresse? Iria para o céu? Harry sempre quis fazer o bem... mas essa intenção nem sempre se concretizou. Havia tentado... fez o que era necessário, mas uma coisa pesava em sua alma... a morte de um homem inocente... cujo fim poderia ter sido evitado. A morte de Colin Creevey era um fantasma em sua vida. Dez anos haviam se passado e as lembranças ainda assolavam frescas a sua alma...
No dia da batalha profética, esperava com seu exército de aurores escondidos em algum lugar daquela floresta. Numa clareira demarcada, Colin esperava por ele nervosamente. Hermione, que estava ao seu lado, olhava para a cena calada, um silêncio que lhe perturbava profundamente, pois sabia que ela o reprovava.
- Creevey é um agente duplo, Hermione. Ele escolheu seu próprio destino. Essa é a chance para acabarmos com essa guerra de uma vez por todas e eu não vou deixar passar...
Voldermort chegou em seguida, junto com uns poucos comensais da morte. Logo o mestre das trevas percebeu que se tratava de uma cilada.
- Onde está Potter? – disse o Lord – Você disse que havia conseguido convencer Harry... disse que ele estaria aqui...!
- Espere, Mestre... Harry deve estar chegando em poucos... ARGHHHHH!!!!
Harry viu quando Voldemort brandiu a varinha para Creevey, viu quando o raio verde partiu da varinha e penetrou o corpo do rapaz, mas piscou assustado quando Colin gritou de dor. “Foi um mal necessário”, lembrava-se de ter pensado naquela hora.
Harry e os aurores saíram da escuridão e atacaram Voldemort e os comensais. Foi uma batalha horrenda. Muitos morreram.
Quando viu que perderia, Voldemort fugiu e correu para o castelo, junto com Lucius Malfoy. Harry os seguiu. A luta continuava, os raios cruzando os céus de Hogwarts quando Harry foi atingido. Hermione apareceu do nada e o ajudou. Ela lhe deu a mão e o levantou... Deu-lhe a força que precisava naquela hora. Distraída com Harry, não viu quando um feitiço de Lucius a atingiu, fazendo-a desmaiar. Harry acabou com Malfoy e enfrentou Voldemort sozinho. Não conseguiu matá-lo, contudo, mas reduziu seu último resquício de alma a um orbe inquebrantável, a não ser pelo feitiço de Sesmonas.
Quando Hermione acordou, Harry já havia guardado o orbe e falou a todos que era o fim. Os aurores, que chegavam aos poucos, e os estudantes que saíam do castelo, juntamente com os professores, comemoraram o fim da batalha profética. Gritavam e pulavam e cumprimentavam Harry pelo feito.
- Viu, Hermione... eu tinha razão não tinha... – disse Harry, olhando ironicamente para a garota, que era a única que não comemorava.
- Razão, Harry... isso você sempre teve... o que lhe faltou... foi sensibilidade e humanidade...
Hermione deixou a festa, abrindo espaço entre todos que tentavam chegar perto de Harry. E daquele momento em diante, nunca mais se falaram como amigos...
- Estamos mortos... mortos!!! – Choramingou Snape, tirando Harry de seus devaneios.
Sim, estavam mesmo mortos, mas ganhando ou não a vida eterna, não deixaria esse mundo sem lutar. Pensando assim, Potter empurrou Snape para trás, fazendo o professor cair de costas no chão. - Nosferatu!!!! –gritou, levantando a mão em direção aos vampiros. Uns seis ou sete se desvaneceram no ar. O professor arregalou os olhos impressionado com o feito. Harry havia dominado a magia a ponto de não precisar usar a varinha, o que era muito difícil para um feitiço como aquele. Além do mais, a força havia se intensificado. Por um segundo, talvez mais, Snape chegou a ter esperanças, mas o véu negro de morcegos começou a pousar no chão, materializando-se em centenas, talvez milhares de vampiros.
- Deus... que eu possa ter uma morte rápida! – rezou o professor baixinho, sabendo o que lhe esperava.
No mesmo instante, como se Deus tivesse escutado sua prece, a situação se reverteu. Do meio da multidão de vampiros surgiu Hermione, muito mais poderosa que Harry, pois seu feitiço produzia um raio negro que atingia centenas de vampiros ao mesmo tempo. E, junto com ela, vieram padres, que aspergiam água benta, matando instantaneamente as criaturas mais próximas e afugentando as mais distantes.
- Estamos salvos! – escutou Harry dizer. No mesmo instante, o poderoso auror desabou.
- Harry! HARRY!
Hermione correu para onde Harry e Snape estavam. O professor já não tinha forças para tentar se levantar e levantar Harry com ele. Resolveu abaixar a cabeça e ficar contemplando o céu, que começava a ter estrelas brilhando ao lado da lua imensa.
- Harry... – Hermione colocou a mão sobre seu e o apoiou.
- Snape está morrendo! Salve-o, Mione... salve-o!
Hermione olhou para o lado, vendo o estado lastimável do professor, que tanto admirava agora.
- MITHOS!!! MITHOS!!!!
Harry sorriu ao vê-lo se aproximando juntamente com uma bela quantidade de centauros.
O padre Carter, que também estava próximo, ajudou-a a colocar Snape sobre as costas de Mithos, que saiu em disparada para o castelo.
- Padre... como estamos?
- Dois padres morreram... precisamos de você, minha filha! – respondeu, olhando de soslaio para Harry.
- Vá, Hermione... precisamos deter os vampiros. Eu estou bem... vou tentar entrar na caverna e impedir Drácula.
- Você está fraco demais! – disse Hermione, preocupada com o estado de seu marido.
- Você também!!! – respondeu Harry, levantando-se, com dificuldade, num impulso.
Hermione sentiu um frio na barriga, pois sabia agora o por quê de sua fraqueza. Sabia que estava morrendo. E já que era para ela morrer, então seria ela a destinada a enfrentar Drácula e talvez... talvez... Voldemort.
- Harry... eu preciso ir enfrentar Dr...
- Não, Hermione! – disse Padre Carter, quando Harry se preparava para falar. – É seu dever ficar. O meu é o de ir e ajudar Harry e derrotar Drácula.
Hermione queria impedir, queria ir no lugar de Harry, mas o grito de um dos padres que havia sido subjugado, lembrou a ela da realidade que a cercava.
- Está bem, tomem cuidado!
Assim, Hermione ficou e enfrentou os vampiros que em poucos minutos seriam todos destruídos...
Já Harry e o padre Carter não teriam tanta sorte.
Continua.
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