Um quarto, uma cama e...



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CAPÍTULO IV


Como R.J. previra, não houve embaraço algum quando passaram pela alfândega. Minutos depois da aterrissagem, já saiam do saguão do aeroporto quando um homem baixo e loiro aproximou-se dos três.
Pela euforia do abraço, só podiam ser velhos amigos. Que contraste formavam naquela atitude fraternal. Gabby pensou, intrigada. O desconhecido aparentava uns cinqüenta anos e usava roupas de brim cáqui, muito diferentes dos trajes elegantes de R.J. Botas de cano alto, um coldre na cintura e um enorme rifle a tiracolo não deixavam duvidas aquele era o mercenário a quem Remo prometera apresentá-la.
─ Archer, é uma alegria vê-lo, mesmo nessa situação - ele afirmou, sorrindo. ─ Não se preocupe, vamos tirar Marina das mãos daqueles idiotas. Apollo veio comigo. Quando lhe contei o que está acontecendo, ele não se conformou em ficar de fora.

R.J. acenou para um outro homem armado, que ficara num jipe estacionado a pouca distância.

─ E você continua com a mesma forma física, hein Marchal? ─ brincou, sorrindo para o amigo.
─ Na minha profissão, não sobra muito tempo para engordar, não é, chefe? ─ Marchal retrucou, olhando para Zabini.
─ Zabini disse que vocês dois e Drago estariam aqui. - Remo comentou, enquanto caminhavam para o jipe. - E Chen? Não me diga que se transformou num cidadão pacato!

Marchal soltou um suspiro triste antes de responder

─ Chen caiu no Líbano, amigo. Todos nós acabaremos assim, um dia... Pelo menos, foi em combate, como ele sempre quis. Bem, aqui estão os mapas e equipamentos de que vamos precisar. Está tudo arranjado. Teremos uns vinte homens na retaguarda, todos treinados por mim.
─ Então, são de minha inteira confiança ─ R.J. assegurou, ajudando Gabby a entrar no Jipe.

Marchal assumiu a direção do veiculo e, depois de todos acomodados, enveredaram por um atalho, ganhando distancia do aeroporto bem depressa. Logo, a única paisagem era uma estrada estreita, ladeada por uma luxuriante floresta.

Depois de algum tempo, penetraram numa área montanhosa, de difícil acesso. Viajavam há horas quando as primeiras plantações começavam a aparecer. Na maioria, produziam frutas tropicais cujo aroma doce se espalhava pelo ar quente. E Gabby se divertia tentando pronunciar os nomes das frutas em castelhano, quase sempre sem sucesso. Mas Zabini se mostrava um professor gentil e paciente incentivando-a enquanto R.J. discutia com Marchal e Apollo os planos de ataque.
A fazenda de Zabini ficava num pequeno vale. Como a grande maioria, produzia frutas em plantações enormes. Passou-se um bom tempo até chegarem à casa, sólida construção térrea, senhora absoluta de um jardim vasto e bem cuidado. Em meio aos variados matizes de verde, destacava-se com suas paredes branquíssimas, janelas e portas de madeira pesada e grandes arcos de madeira rústica sombreando o amplo terraço. Tudo dentro do mais perfeito estilo espanhol do século XVIII, Gabby pensou, encantada.

─ Gostou, Archer? ─ Zabini perguntou, com um sorriso orgulhoso. ─ Meu pai construiu essa casa há muitos anos. Queria enchê-la de filhos e netos, mulheres bonitas que tocassem guitarra nas noites de verão... Acho que ficaria meio decepcionado se visse que destino foi dado a ela por muito tempo...

Gabby observou o lugar com maior atenção. Tudo parecia tão tranqüilo e repousante! Difícil acreditar que se transformaria no quartel-general de uma operação de resgate!
Quando penetraram na ampla sala, a sensação de estranheza aumentou dentro dela. Toda a decoração partilhava de uma sobriedade sofisticada e exótica, combinando a mobília de madeira maciça e escura com as coloridas tapeçarias e cerâmicas da região. Um ambiente agradável e envolvente, exatamente como a personalidade de seu dono.

─ Aceitam um café? ─ Zabini ofereceu.
─ Claro! ─ Remo disse. ─ Morro de saudade do café daqui.
Zabini bateu palmas e logo surgiu uma mulher baixa e morena para atendê-lo.
─ Por favor, Clara, faça-nos um café bem caprichado, como só você sabe ─ ele pediu, sorridente.

Clara sorriu, orgulhosa, e saiu apressada, depois de curvar a cabeça num cumprimento respeitoso, mas cheio de dignidade.

─ Sentem-se, por favor. ─ Zabini indicou-lhes o espaçoso sofá de couro a um canto da sala. ─ Que tal um conhaque, Archer?
─ Não bebo mais ─ R.J. retrucou , sentando-se ao lado de Gabby. ─ Marchal, você conseguiu alguma informação sobre Marina?
─ Consegui saber que sua irmã não está sendo maltratada, pelo menos por enquanto. Está presa num velho deposito de uma fazenda a seis quilômetros daqui. Os seqüestradores não têm armas pesadas, só alguns AK 47 e granadas.
─ Ainda bem! ─ Gabby suspirou, distraída. ─ Se eles tivessem um RPG as coisas se complicariam muito. Aquele lança-projeteis russo não é brincadeira! Faz buracos enormes em qualquer coisa que encontrar pela frente!

Marchal olhou-a por alguns instantes, mudo de espanto.

─ Puxa, Gabriele, ouvi falar que era corajosa, mas ninguém me disse que sabia tanto sobre armas!
─ Ora, não exagere, Marchal. Ler alguma coisa aqui e ali não faz de ninguém um expert! Mas me diga... como ficou sabendo de minha coragem?

─ Adivinhe!

Marchal sorriu, mostrando Remo com um gesto de cabeça.

─É, andei fazendo um pouco de propaganda de você. - Remo admitiu, sem graça.
─Para todo mundo, menos pra mim! Nunca me fez um elogio sequer!
─ Fiz, sim, mas não com palavras.

R.J. sorriu de um jeito sedutor, insinuando uma intimidade bem maior do que eu o relacionamento profissional. Apenas em nome do famigerado disfarce Gabby retribuiu o sorriso.
─ Ninguém vive só de olhares, querido ─ afirmou meio cínica. ─ Mas me contento com isso, por enquanto. Agora, gostaria de me refrescar um pouco. Posso señor Zabini?
─Mas, é claro, se tirar o señor. ─ E, quando Clara entrou com a bandeja de café, ele acrescentou: ─ Clara vai lhe mostrar o quarto. Archer, por que não banca o cavalheiro e leva as malas para ela? Poderemos conversar mais tarde.

Remo ergueu-se do sofá com um sorriso um tanto desafiador.

-- Ainda bem que me liberou, chefe. Senão, teríamos primeiro caso de insubordinação em nossas linhas.
Pegou as malas e seguiu Gabby e Clara pelos longos corredores da casa. Quando entraram no aposento, Gabby notou com um certo desconforto a cama de casal. Era só o que lhe faltava, pensou, desanimada. Controlar-se diante dos assédios de Remo já estava difícil em quartos separados. Na mesma cama, o que não poderia acontecer!

Começou a mexer na bola de maquilagem quando Clara saiu e Remo fechou a porta. Um bom método de despistar maus pensamentos era manter as mãos ocupadas. Com naturalidade, depositou o blush e o frasco de colônia sobre a mesinha de toalete. Voltou-se para pegar a escova sobre a cama quando Remo aproximou-se dela e segurou-lhe a mão.

-- Gabby, não quero você longe de mim, está bem? ─ pediu com seriedade. - Zabini é charmoso, mas você não sabe nada sobre ele, nem sobre os outros....
─ Nem sobre você. Então, por que deveria me assustar com os demais?- Ele suspirou.
─ O que você quer saber?
─ Nada que não queria me contar. Só espero que não continue me tratando como uma idiota, porque eu não sou.
─ Deu para perceber. Com tudo que você sabe sobre armas... Se importaria de me dizer onde aprendeu tanta coisa?
─ Me importava, sim. Confiança é uma coisa recíproca, meu caro. Nada me obriga a me abrir com quem não confia em mim.

R.J. soltou outro suspiro fundo. Enfiou as mãos nos bolsos e virou-se para a janela do quarto. Ficou alguns momentos em silêncio, observando com ar perdido as árvores do jardim.
─ Faz tanta diferença saber quem fui, Gabby? Não basta conhecer o homem que sou agora?
─ Não estou lhe cobrando nada, Remo. Apenas acho péssimo para você viver assim, sempre escondendo alguma coisa. As cargas ficam mais leves quando divididas, não concorda?
─ Pois eu divido minhas coisas com esses homens. Eles nunca me abandonaram num momento de perigo. Zabini uma vez... ─ Interrompeu-se, com uma expressão soturna mas, logo em seguida, prosseguiu. ─ E é por isso também que a quero comigo o tempo todo. Não me perdoaria se alguma coisa grave lhe acontecesse.
─ Mas quanta generosidade! Não quer que nada grave me aconteça... se não for com você, não é? Por isso estamos no mesmo quarto, dormindo na mesma cama?
─ Você não conhece as regras de comportamento por aqui. Nem sempre é possível bater nas portas antes de entrar. E quem a respeitaria quando soubesse que não temos nada um com o outro?
─ Já lhe pedi para não me fazer de idiota, Remo! Nenhum daqueles homens lá na sala me atacaria à força e você sabe muito bem. O que talvez não saiba é que, se algum deles se atrevesse, teria resposta à altura... e não seriam palavras.
─ Está bem, eu confesso: dormir com você é uma fantasia que alimento desde que a vi pela primeira vez... nem que fosse apenas para sentir seu corpo contra o meu. Nunca teve esse pensamento, meu anjo?
─ Anjos só pensam no paraíso.
─ E transformam a vida dos outros num inferno!
Gaby não teve tempo de protestar, pois Remo tomou-a nos braços de repente, sufocando-lhe a voz com os lábios úmidos, febris. Num beijo ardente, acariciava-lhe as costas, puxando-a para si com possessiva ternura.
─ Te quero feito um louco! ─ gemeu-lhe bem próxima ao ouvido.
─ Remo...
Ela queria recusá-lo, fingir indiferente, pedir-lhe para soltá-la... mas como? Também naufragava num oceano de desejo e deliciava-se a cada nova ousadia de Remo. Abraçou-o, retribuindo-lhe os beijos com uma paixão que desconhecia em si própia...
─ Não ─ afirmou de repente, empurrando-o de leve.
─ Por que não, se nós dois queremos, meu anjo?
─ Não é bem assim.
─ Claro que é! Olhe para mim e negue que me quer.
R.J. segurava-a pelos ombros, pressionando-lhe a base do pescoço com sensualidade. Aquele troque irradiava uma energia incandescente contra a qual Gabby lutou muito para sorrir, tranqüila.
─ Apenas o meu corpo te quer, Remo e, para mim, isso representa muito pouco. Se fizéssemos amor agora, meu corpo me satisfaria, mas minha cabeça ficaria péssima. Eu custei muito para deixá-la como é, para jogar tudo para o alto por tão pouco.
─ Puxa, você sabe elogiar um homem!
R.J. soltou-o de repente, tão ofendido que ela riu.
─ Não estava falando de você, Remo. Você é sexy, charmoso, inteligente... Eu quero você, mas não inteiro, entende?
─ Muito melhor do que você imagina: eu seria apenas um caso passageiro na sua vida, não é?

Gabby observou-o por um momento, intrigada. Nunca vira Remo tão magoado.

─ Tem certeza de que não trocamos as falas nessa conversa? ─ E, como Remo continuava sério, acrescentou:
─ Não estou zombando dos seus pensamentos, mas quantas mulheres já ouviram a mesa frase de você?
─ Eu não quero saber das outras mulheres!
─ E eu não quero saber de homens na minha vida agora.
─ Nem Zabini?
─ Nenhum homem. Aprenda uma lição com as mulheres, Remo: perder faz parte de qualquer jogo, em especial o da sedução. ─ Ele tirou a cigarreira do bolso da calça e, acendendo um cigarro, tragou-o profundamente.

─ Não foi uma boa idéia trazê-la para cá... - resmungou, desconsolado. ─ Dois dias fingindo de namorados, e veja o que me acontecer!

─ Você disse que precisava de mim...
─ Então, não me tente, Gabby!
─ Ora, não fui eu quem comecei a beijá-lo, fui?
─ Mas eu não resisto a você, entende? Não consigo! Nunca me aconteceu isso antes, mas perco o controle só de olhar pra você!

─ Já conversamos sobre isso em Roma, lembra? Isso é conseqüência da tensão que estamos enfrentando juntos. O perigo cria uma cumplicidade estranha entre as pessoas. Se eu fosse homem, ficaríamos amigos. Como sou mulher, você está confundindo tudo.
-- Mas não é de hoje que eu a quero, Gabby.
-- Também não é de hoje que enfrentamos perigos juntos. Dessa vez a sensação esta mais forte por que você emocionalmente envolvido na situação...

Remo tragou o cigarro, passando a mão pelos cabelos desalentado.

-- Meu Deus, nós dois aqui, discutindo tolices, e a vida de Marina em perigo! Só de pensar no que pode estar acontecendo com ela nesse exato... e tudo por minha causa!

Ela quase perguntou o porque daquela afirmação mas desistiu. Remo não lhe diria nada sobre o passado dele,sob nenhum pretexto.

-- Por isso você faz questão de ir com os outros? -- Indagou apenas.
-- Eu devo isso a Martina. Se não fizer o resgate eu mesmo, nunca mais vou poder encará-la de frente. Isso é ponto de honra para mim.
R.J. tocou de leve o rosto e saiu do quarto. Sozinha, Gabby sentou-se na cama, desanimada. Toda aquela experiência consistia em algo inédito em sua vida. Seria proveitoso e excitante... se não fosse a súbita mudança no relacionamento entre ela e Remo.
Todos aqueles argumentos racionais que ela utilizara poucos minutos antes eram verdadeiros... pelo menos em parte. Gabby não desejava mesmo um envolvimento sério com ninguém. Sedenta de conhecimento e novas aventuras, pensava antes em construir o próprio futuro profissional. Decidir-se por uma carreira capaz de lhe garantir uma vida independente e produtiva lhe parecia mais urgente do que qualquer namoro.

Por isso mesmo, espantava-se com a rapidez com que se envolvera com R.J. Havia algo naquele homem capaz de instigá-la, roubar-lhe a paz, a lucidez. Essa repentina revelação a inquietava, pois nunca vira nele nada além do chefe polido, gentil... e distante.
Talvez, ela própria impusesse tal distancia. Sempre achara Remo atraente e não queria correr o risco de vê-lo como homem. E estava certa, pensou com um sorriso amargo. Algumas horas a mais do lado dele haviam bastado para descontrolá-la.

Sacudiu a cabeça, tentando afastar o pessimismo. Remo estava fragilizado e carente por causa do seqüestro da irmã. E ela se envolvera no drama, aproximando-se mais do lado humano que, no trabalho, ele jamais deixara aparecer. Quando Marina estivesse fora de perigo, os sentimentos de ambos se normalizaram. E a volta à rotina do escritório os ajudaria a esquecer os beijos ardentes, as palavras cheias de desejo...

Depois de um banho demorado, sentiu-se bem melhor. Vestiu um jeans, um blusão confortável, botas de cano alto e foi pra a sala. R.J. e os amigos planejavam os últimos detalhes do resgate e Gabby ficou por perto, ouvindo a discussão.
Era estranho ver Remo de roupas de brim cáqui, uma espécie de uniforme de guerrilheiro. Parecia outro homem, manuseando armas e rifles com a mesma desenvoltura com que manejava livros e canetas no escritório. Estava até mais à vontade naquela situação do que no tribunal!
─ Posso dar uma espiada nessa arma? ─ ela pediu, apontando para o minúsculo revolver nas mãos dele.

Sem se importar com os olhares de espanto dos camponeses do grupo, Gabby segurou-o e simulou a mira.

─ Brinquedinho lindo, não acham? ─ disse, devolvendo a arma para Remo. ─ Tão pequeno e tem trinta tiros de repetição!
─ Não me digam que esta é a famosa Gabby! ─ exclamou um homem baixo, muito moreno e de sorrido largo.
─ A própria ─ R.J. respondeu, orgulhoso. ─ Querida, este é Drago, o maior especialista em explosivos que eu conheço. E Apollo é o maior gatuno: se precisarmos de amoras bravas no Pólo Norte, ele arranja.

As aparências enganam, Gabby pensou, sorrindo para o homem alto, moreno, de modos polidos e gestos lentos.

─ Olá, Gabby, viemos juntos para cá e nem tivemos tempo de conversar ─ ele disse, ocupado em polir um rifle enorme.
─ Engraçado com os RPG-7 parecem inofensivos quando desmontados ─ ela comentou com Apollo. ─ Mas eu não queria ser alvo de um projétil lançado por ele!

Apollo olhou-a com um sorriso de aprovação e já preparava outro elogio a arma quando Zabini interrompeu-o.

─ Venha cá, Gaby, quero lhe mostrar como o radio funciona ─ disse, erguendo-se.
─ Pode deixar que eu faço isso ─ Remo retrucou com secura.

Zabini esboçou um sorriso irônico e sentou-se de novo, muito calmo.
Gabby pediu licença a todos e foi com Remo para a sala ao lado. Ali estavam instalados um computador e vários rádios.

─ Não precisava ser tão ríspido com Zabini ─ ela comentou. ─ Ele só estava querendo...
─ Zabini quase matou uma mulher, uma vez ─ R.J. interrompeu-a, fechando a porta. ─ Com ele, todo cuidado é pouco. Quando a chamar, esquive-se.

Gabby deu de ombros despreocupada.

─ Se você conta o milagre mas não o santo, fica difícil julgar. Além do mais, sei muito bem me defender.
─ Eu sei disso, mas duvido que na cidadezinha onde você nasceu existiam homens como esses que estão na sala.
─ Em todo lugar existe gente de todo tipo. E, quanto aos rádios, já os conheço muito bem.
─ Então, vamos direto ao assunto. Quando voltarmos para a sala, pelo amo de Deus, não diga nada que encoraje Zabini, entendeu? Ele é meu amigo, mas eu o mataria se encostasse um dedo em você!

A expressão dura e determinada de Remo confirmava-lhe as palavras. Gabby quase o desconheceu. Despido da costumeira cordialidade, tornava-se muito semelhante à descrição que fizera dos companheiros.
─ Se ele pensar nisso, eu mesma dou conta do recado ─ ela afirmou.
─ Gabby, não estou brincando.
─ Nem eu. Mas, se isso o tranqüiliza, prometo tomar cuidado. Está bem assim?
─ Não, estaria bem assim... ─ Ele a puxou e abraçando-a, acariciou-lhe os ombros, o pescoço, os cabelos e, por fim, os lábios, numa persuasão gradativa e abrasadora. ─ Acho que você tem razão ─ sussurrou-lhe bem junto ao ouvido. ─ Eu represento um perigo muito maior para você do que qualquer outro homem.

─ Controle-se, Remo, pode entrar alguém.
─ E daí? Seria muito bom, assim ninguém duvidaria de que estamos juntos de verdade. Além do mais, não consigo em controlar perto de você, meu anjo...

E Gabby também não conseguia. O calor do corpo de Remo, tão próximo dela, penetrava-lhe a alma, incendiando-a com um desejo irrefreável. Que lhe importava não saber quase anda a respeito do passado dele? Talvez jamais tivessem futuro, juntos, a guerrilha ou a vida poderia separá-los dali a poucos instantes. Com Remo, aprendia a valorizar cada momento como se fosse o ultimo. Por isso se entregou com paixão quando ele beijou-lhe a boca com audaciosa habilidade.
Apenas quando alguém abriu a porta os dois se separaram, relutantes.

─ Desculpem, mas vocês demoraram tanto... ─ Zabini justificou-se com um sorriso. ─ Pensei que estivessem com problemas....
─ E, estamos, mas não com o radio. ─ R.J. retrucou, um tento contrariado.

Zabini riu e se aproximou, colocando-se diante da aparelhagem.

─ Bem, já que o mal está feito, deixe-me explicar a Gabby como funcionam as freqüências por aqui. São um pouco diferentes das de Chicago, mas nada de muito complicado...

Ela colocou o fone no ouvido, esforçando-se por disfarçar do anfitrião o próprio desapontamento. Devia ficar grata a Zabini pela interrupção, no entanto estava irritada. Dali a algumas horas, quem a salvaria de Remo quando os dois se deitassem na enorme cama de casal? Pior ainda: ela não queria ser salva, mesmo tendo consciência de que qualquer envolvimento ente os dois na certa lhe traria grandes sofrimentos.
Operar o rádio e memorizar os códigos não apresentou dificuldades. Apesar disso, Gabby fez uma lista das palavras-chaves e a estudou pelo resto da tarde enquanto o grupo se reunia na sala. Era um pretexto para ficar sozinha, preparando-se para manter sangue-frio à noite.
Apenas Gabby, Zabini e Remo permaneceram a mesa após o jantar. A refeição transcorrera num clima descontraído, mas os outros preferiram a solidão quando deram por encerrada.

-- Pelo que vejo, eles continuam anti-sociais como sempre -- Remo brincou indulgente.
-- Velhos hábitos -- Zabini justificou,olhando para Gabby - Depois de um jantar tão agradável, eles não querem estragar a descontração com assuntos violentos. Numa situação dessas, a conversa se torna inevitável.
-- Eu entendo... Pena que minha presença os constranja.
-- De maneira alguma, Gabby, acho que você os lisonjeia -- Remo contrapôs. -- Você os trata como "Gente" e, posso garantir, faz um bom tempo que eles se sentem assim...

-- Gostaria de saber por que se tornaram mercenários... Se você puder contar, é claro.
-- Marchal estava nas tropas de elite, como eu – R.J. fez uma pausa, como se escolhesse bem as palavras. -- Quando deixou o exercito, não encontrava trabalho que combinasse com a vida que gostava de levar, cheia de perigos e imprevistos. Daria um bom policial, mas o salário não era nada atraente. Um conhecido dele lhe ofereceu um serviço como mercenário. Quem não se interessaria por um homem com o domínio que ele tem com armas não convencionais e de pequeno porte? Gostaram tanto do desempenho dele que hoje Marchal tem contatos em quase todo o mundo.
-- E Apollo? Também pertenceu as tropas de elite?
-- Não, conheci-o só mais tarde... Ele foi acusado por um crime que não cometeu. Era pobre e tinha inimigos influentes, a receita perfeita para uma condenação. Então ele fugiu e vive escondido na América Central. Que trabalho sobraria para um clandestino e, além de tudo, foragido da justiça no país de origem?
-- Mas ele não pode se inocentar?
-- Espero que um dia eu consiga convencê-lo a enfrentar a situação. Eu ganharia essa causa com os pés nas costas, se a pegasse!
-- Não duvido nada! Pelo que tenho visto de sua atuação...
-- Há quanto tempo trabalha com esse mal humorado, Gabby? -- Zabini perguntou.
-- Pouco mais de dois anos. Tem sido uma experiência muito educativa. aprendi, por exemplo, que quanto mais alto se grita, mas facilmente se consegue as coisas.
-- Não me diga que você grita com ela, Archer!
-- Tenho coragem, mas nem tanto -- Remo defendeu-se -- Da primeira vez que tentei, quase levo um peso de papel na cabeça!
-- Que exagero, Remo .Eu atirei na porta.
-- Porque eu a fechei na hora exata. Devo isso a meus bons reflexos, não a sua pontaria.

Os três riram mas logo a expressão de Zabini tornou-se preocupada.

-- Ainda bem que seus reflexos estão em ordem, meu velho, sua vida dependerá disso amanhã. Os adversários não facilitaram as coisas para nós.
-- Se facilitassem perderia a graça. Além disso, temos o elemento surpresa a nosso favor.
-- É verdade. -- Zabini sorriu para Gabby, como se lhe pedisse -- Agora, acho bom darmos uma boa olhada nos mapas. Se estudarmos bem o terreno, a operação fica mais fácil.
Gabby pediu licença e foi para o quarto. Era um alivio a oportunidade de se trocar sem Remo por perto, pensou, colocando a camisola comprida e simples. Infelizmente, o tecido era fino, mas Remo na certa chegaria cansado demais para fantasias eróticas.

Deitou-se na cama e leu um pouco pára distrair enquanto o sono não vinha. Porém, mil pensamentos cruzavam-lhe a mente, impedindo-lhe a concentração. Dormir na mesma cama com Remo era uma prova de fogo para a frieza que, até o momento, ela conseguira manter. Cedera aos beijos dele, estava certo, mas também encontrara forças para afastar-se quando a situação fugia ao controle de ambos.
Agora, tudo seria muito diferente. Se a simples proximidade de Remo a perturbava, o que não o contato intimo e convidativo do corpo dele por inteiro! Ela também o desejava com assustadora intensidade. Tremia de prazer só em pensar em como seria entregar-se por completo a paixão abrasadora que os consumia.
Fechou o livro, impaciente consigo mesma. Onde ficara a determinação de ser independente, construir uma carreira bem-sucedida? Não desejava um romance com homem algum naquele momento, nem mesmo com R.J.. O amor embriagava como o melhor dos vinhos.
Sob o efeito dele, as pessoas mudavam os rumos de suas vidas, entregavam-se a devaneios febris e se empenhavam para torná-los realidade. E, quase sempre, deixavam de lado os próprios projetos em função da pessoa amada.
Gabby não queria isso para si. Nem ela nem R.J. se satisfariam com uma única noite de prazer. Depois daquela, viriam outras, muitas outras, até que o fogo da paixão se extinguisse por completo. Então, o que lhe sobraria? Apenas recordações, incerteza, amargura. Remo não desejava um relacionamento permanente com ninguém, de certo um casamento entre os dois seria um fracasso. Apesar da forte atração física existente entre ambos, faltavam o essencial para união permanente: amor.

Não valia a pena arriscar o certo pelo duvidoso, decidiu. Agora, tinha um bom emprego, muitos planos para o futuro e estava cheia de esperanças. Uma desilusão amorosa só a enfraqueceria, roubando-lhe a vontade de lutar por seus ideais. Melhor gastar energias com coisas menos românticas, mas, sem duvida, mais seguras.

Exausta, Gabby apagou a luz e cobriu-se com o lençol. Ainda pensando em Remo, fechou os olhos com a intenção de apenas descansá-los... E quando os reabriu, a luz clara da manha já entrava pela janela, inundando o quarto.

Espreguiçou-se devagar, sentindo-se descansada e refeita. Afastou os cabelos do rosto com movimentos lentos, o corpo ainda lânguido de uma gostosa sonolência. Esfregou os olhos e virou-se na cama, acomodando-se para cochilar um pouco mais... quando deparou-se com Remo, sentado numa poltrona ao lado da cama, observando-a.
O sorriso dele dissipou ,de repente, a preguiça de Gabriele. Completamente desperta, ela cobriu-se com os lençóis devagar, simulando calma.

-- Devia ser proibido por lei alguém observar a gente enquanto dorme -- resmungou --É uma invasão de privacidade contra a qual não se tem defesa.
-- Desculpe, mas não pude evitar. Você tem o despertar mais bonito que já vi. Nem uma artista de cinema faria melhor!
-- Esqueci que não estava sozinha.
-- Por isso mesmo fiquei tão encantado. Sabia que era tudo natural...

Remo deu um sorriso malicioso, cheio de promessas... mas Gabby quase não reparou. Naquele instante, estava mais interessada no físico dele. Músculos fortes, peito largo e bronzeado, barriga rija e lisa, coxas poderosas. Um homem elegante e charmoso até na semi-nudez mal-encoberta pela sunga mínima.

-- Estou vendo o quanto você gosta das coisas naturais. -- Gabby comentou, observando o corpo dele sem disfarces.
-- Detesto pijamas. Normalmente durmo nu, mas achei que você encararia isso como uma provocação.
-- E isso não é?

Ela aludiu a reduzida peça que o separava da nudez completa com um gesto de cabeça. Depois, observou-lhe o rosto, arrependida do comentário. Pela expressão de Remo ele gostara muito de saber o quanto ela lhe apreciava a beleza.

-- E assim que você me agradece a consideração? -- Perguntou fingindo-se decepcionado. -- Pois da próxima vez, sigo meus hábitos, já que você não se importa...
-- Ora Remo, você entendeu muito bem o que eu quis dizer!
-- Entendi, sim, meu anjo, mais do que você pensa. Entendi que você também me quer, que já não da mais para esconder isso.

Enquanto falava, ele se levantara, exibindo todo o vigor do corpo másculo. Aproximou-se da cama e, sentando-se na beirada, acariciou-lhe o rosto com apaixonada ternura.
-- Porque não admite que também me deseja, Gabby? -- murmurou, fitando-a com intensidade. -- É algo natural, puro, bonito. Não procuramos por isso, simplesmente aconteceu. O que pode haver de errado com a nossa descoberta?
-- Eu nunca neguei que você me atraia, Remo, mas...

Ele colocou-lhe os dedos sobre os lábios, pedindo silencio e, ao mesmo tempo, acariciando-os.

-- Por favor, pelo menos uma vez, esqueça as explicações racionais. Apenas toque-me, sinta-me inteiro, todinho seu. O que importa o futuro, Gabby? Hoje, nem sei se haverá futuro para mim...

Num impulso, ela sentou-se na cama e beijou-a na boca, calando-lhe as palavras amargas. Depois, fitou-o nos olhos, explorando-lhe o peito, as costas, o rosto em caricias ardentes.

-- Não quero que você repita isso, Remo.Você terá um futuro brilhante, cheio de conquistas.
-- Eu me contento com este momento. Sonhei tantas vezes com isso, suas mãos me tocando, me enlouquecendo... mesmo que quisesse, não conseguiria pensar em outra coisa.
-- Nem eu... Ah Remo, te quero tanto...

Gabby desconhecia a si própria. Toda a antiga determinação de resistir aos encantos de Remo se convertia agora no desejo insaciável de se entregar a ele. Uma outra mulher, sedenta e voraz, madura e audaciosa em seus desejos se soltava dentro dela, guiando-lhe as mãos, os lábios, a língua. Com um gemido, Remo se deixou dominar pela sua suave possessão.

-- Faça de mim o que quiser, Gabby -- Sussurrou-lhe ao ouvido, penetrando-o em seguida com a língua -- Sou teu escravo, teu servo, teu...

A voz morreu-lhe noutro gemido de prazer. Gabby beijou-lhe os lábios outra vez, língua e dentes participando da caricia. Depois, reinventou-lhe cada contorno do tórax,pescoço e ombros com pequenos beijos.

-- Deixe-me fazer o mesmo com você -- Ele pediu num gemido. -- Deixe-me tocá-la. - e deslizou as mãos hábeis dentro da camisola de Gabby, tocando-lhe os seios com delicadeza. O corpo dela ardeu ao contato intimo, fazendo-a gemer baixinho enquanto Remo estimulava-lhe os mamilos. Beijou-os, em seguida sugando-os com doçura, fazendo-a ofegar.

-- Remo...
-- Não diga nada, agora. Nós dois nos desejamos e nos temos. Só existe este instante, nada mais.

Gabby entreabriu os lábios e Remo traçou-lhe os contornos com a língua úmida. Ela retribuiu a caricia e os lábios de ambos se uniram num beijo mutuo, completo, febril. Remo abraçou-a com força, depois afrouxou o abraço para fitá-la nos olhos.

-- Queria tanto prometer voltar para você, amor! -- Exclamou, num lamento.

Essa frase devolveu-lhes o sentido da realidade, esquecidos por alguns instantes em meio à turbulência da paixão. Existia um mundo lá fora, no qual Marina corria perigo e os companheiros de Remo o esperavam para salvá-la. Não poderiam esquecer isso; por mais que tentassem, os beijos já traziam o gosto amargo da despedida. Gabby sorriu e tocou-lhe de leve os lábios com os seus.

-- Você vai precisar de cabeça fria quando sair daqui, doutor -- comentou, ajeitando a camisola -- Nos dois podemos esperar.
-- Isso é uma promessa?
-- Digamos que é um incentivo. Vai pensar duas vezes antes de fazer alguma loucura...

Remo acariciou-lhe o rosto, observando-a como se quisesse memorizar-lhe todos os traços. Depois, afastou-se para vestir a camisa. Gabby sentou na beirada da cama, um imenso vazio dominando-a.
-- Acho que foi um erro me trazer com você -- Comentou com ar perdido. -- Soldados não podem ter muito apego a vida, não e?
-- Eu posso, afinal não sou soldado.
-- Mas foi.
-- Ora, nas tropas de elite as coisas não...
-- Não estou falando das tropas de elite, Remo, sabe disso muito bem.
-- Não sei, não. Gostaria que você me explicasse. Do que esta falando, Gabby?
-- Da mesma coisa que falávamos ontem à tarde: não sou idiota, Remo. Pelo menos, sei fazer contas e ligar certas informações desconexas. A idade máxima para fazer parte das tropas de elite é vinte e três anos, não é?
-- Sim, mas o que isso tem a ver...
-- Você começou a faculdade de direito com quase vinte e sete anos. Sobram quase quatro anos... Esses são os velhos tempos de que Zabini sempre fala, Archer? Foi quando você se tornou tão amigo de Marchal, Apollo e Drago, não foi?

Ele baixou a cabeça, com um suspiro.

-- Foi, sim, Gaby. Também fui mercenário. Comandei Marchal e os outros em algumas guerras mais sórdidas deste século.

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COMENTÁRIOS = CAPÍTULO V

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