Diário de Merlin - Pt. 1
As noites de Primavera são curiosas aqui na Bretanha, sabe? Apesar das flores já sarapintarem as árvores das mais variadas cores, ainda resta um resquício do frio do Inverno bretão. Bom, meu caro diário (pois, sim, você não passa disso: um diário), acho que tenho o dever de informar aqui minha história, não? Afinal, escrevo aqui com o único intento de deixar resquícios da minha existência.
O primeiro e mais importante de tudo, pelo menos no momento, é o seguinte fato: minha tia, Ambrósia, está morta no quarto ao lado. Sinceramente? Não consigo sentir mais do que perplexidade. Sei que deveria estar triste. Em prantos, talvez. Sim, eu sei. Mas não estou. Simplesmente não consigo derramar uma lágrima.
Talvez meu cérebro, com onze anos de vida, ainda não seja suficientemente evoluído para entender a morte, não é, diário (é tão incômodo te chamar assim. "Diário" é um nome estranho, não? Tenho que me lembrar de te dar um nome mais tarde)? Ou então eu não a amasse o suficiente. É... é possível.
Sabe? O mundo tem sido um tanto quanto cruel com a minha pessoa. Creio que seria impossível ter noção da complexidade de minha vida até ouvir (ou, neste caso, ler) minha história. Será que alguém, algum dia, se interessará por ela? De qualquer forma, deixe-me contá-la. Só espero que não fique muito enfadonha...
O Inverno tinha sido terrível naqueles meses, há onze anos (há exatos onze anos. É estranho lembrar que faço aniversário no dia da morte de minha tia). Quem passasse por aqueles campos, àquela noite, poderia ouvir o choro de um bebê, porém, daquela vez, as lágrimas do recém-nascido não foram precedidas pelos gritos característicos de uma mulher prestes a dar a luz. Afinal, aquela não era uma criança comum.
Eu nasci de um jeito estranho. Minha mãe, Mab, era uma temida feiticeira naqueles tempos e, um dia, decidiu que queria um filho. Assim, misturando seu próprio sangue com alguns outros elementos mágicos (alguns de procedência duvidosa, temo eu) ela criou a mim, a criatura perfeita: um ser belo, poderoso e irremediavelmente imortal (sinto dizer que isso não é egocentrismo meu, diário, afinal, comprometi-me de escrever aqui apenas a verdade).
Vivi até os dez anos com minha mãe, sendo praticamente obrigado a aprender magia e alquimia (dons necessários, dizia ela). Porém, graças aos deuses, consegui fugir uma semana depois do meu décimo aniversário. Assim, após algumas horas de caminhada, encontrei-me em frente da casa de minha tia Ambrósia (a mesma que morreu há pouco). É óbvio que Mab foi atrás de seu filho, porém concordou em deixar-me aqui por algum tempo. Vivi por um ano em paz nesta pequena cabana caindo aos pedaços (e não, não é sentido figurado). Nunca mais usei de minha magia desde então.
Obviamente, meu diário (meus deuses! Meu reino por um nome decente para uma folha de pergaminho!), que poupei aqui os detalhes. Afinal, dez anos não podem ser espremidos em uma simples folha e eu pretendo guardar as outras folhas para outras narrativas. Portanto, diário, você e o possível leitor desta história devem se contentar apenas com essas palavras.
Vejo que já é tarde. Creio que devo parar de escrever.
Prometo voltar assim que tiver algo interessante que mereça ser contado.
Ah, sim, correm-se boatos de que a filha do grande comandante Vortigern possa ser bruxa, assim como o filho do grande Rei Uther. Curioso...
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!