≈. A carta esquecida.
Aquela era a pior das dores. Era o pesadelo mais terrível. Talvez fosse melhor morrer...
Amanda acordou depois de muito tempo. Demorou até perceber que estava sozinha, na ala hospitalar. Olhava inexpressivamente para o teto, sentindo um grande vazio por dentro. Perdera a vontade de viver.
- Então você já está melhor? - perguntou Madame Promfrey ao ver que ela acordara. - Você precisa tomar essa poção...
- Não encosta em mim! - disse Amanda rispidamente; a última coisa que queria era a piedade de alguém. - Não preciso de nada!
Ela se levantou e deixou a ala hospitalar o mais rápido possível. Hogwarts estava silenciosa. Será que todos já sabiam que ali houvera um assassinato? Será que alguém sabia que Amanda estava sentindo um enorme peso na consciência por não ter conseguido salvar Vallery?
Amanda estava com tanto frio que mal conseguia andar; subiu as escadas lentamente, consciente da enorme dor que estava sentindo. Ela olhou para fora: o sol forte de início de verão iluminava os jardins, ironicamente. Amanda enxugou as lágrimas geladas ao entrar na sala comunal da Grifinória. Várias pessoas a seguiam com os olhos. Amanda não lhes deu atenção. Observou Harry brevemente e subiu as escadas para o dormitório.
Harry também a viu, mas a deixou ir. Ela precisava ficar sozinha.
- Ela deve estar arrasada - murmurou Hermione, encostada no ombro de Rony, suas mãos entrelaçadas. - Nunca imaginei... aqui em Hogwarts... uma coisa desse tipo...
- O difícil é descobrir quem fez uma coisa desse tipo - disse Gina baixinho, mas para ela mesma do que para os outros. - Um ataque e uma morte seguidos... o que está acontecendo aqui... ?
- O que está acontecendo é que tem um assassino louco maníaco solto em Hogwarts - explicou Rony. - Quase mataram a Luna, mas Vallery foi morta... pensando bem, acho que isso tem uma ligação.
- Como assim, ligação? - perguntou Gina, mas foi Harry quem respondeu:
- Essa garota, Vallery... foi ela que salvou Luna na floresta proibida, junto com a Amanda. - disse ele, fitando Gina nos olhos. - Mas talvez isso esteja só por trás da Vallery e da Amanda.
- Vallery era da... Sonserina... - Gina cruzou as pernas no sofá, com o olhar vago. - Talvez, sabe, o roubo da esmeralda do Slughorn, seu espelho desaparecido, Harry...
- Harry disse que o perdeu - interrompeu Hermione, se virando para Harry.
- E se eu não o perdi? - retrucou Harry em voz baixa. Parecia que um pedaço dele tinha desaparecido junto com o espelho de Sirius. - E se...
- ... A mesma pessoa que roubou a esmeralda roubou também o seu espelho, atacou a Luna e matou a Vallery? - completou Rony com uma ansiedade indiscritível. - Ok, temos um caso para resolver daqui pra frente.
A tarde quente era iluminada por um bonito céu azul.
Amanda tinha uma rosa vermelha espetada nas vestes pretas e fitava inexpressivamente a frágil beleza de Vallery no caixão. Havia poucas pessoas ali e, Amanda tinha certeza, ninguém sentia tanta dor quanto ela mesma.
Os pais de Vallery estavam calados, como se fosse proibido demonstrar alguma emoção. Amanda odiou-os no mesmo instante em que os viu. A sra. Stevens parecia não lamentar a morte de uma filha problemática que fugia de casamentos forjados. Vallery lhe dissera uma vez "Meus pais me deserdariam de eu me casasse com um trouxa. Sempre foi assim." , e agora Amanda observava uma menina de sete ou oito anos, de cabelos perfeitamente lisos, que segurava a mão da sra. Stevens. Vallery nunca lhe contara que tinha uma irmã. Olhando-a, Amanda sentiu pena. Talvez ela também se tornaria uma vítima da obssessão pelo sangue puro da família.
Alguma coisa em Amanda pareceu deixá-la para sempre quendo ouviu a voz lenta e suave do bruxo de terno.
- Vallery Stevens era jovem, bela, nos deu amor e alegria...
Amanda voltou a sentir aquele frio descomunal e congelante. Queria que alguém ali gritasse que era tudo mentira, que tudo estaria bem... Mas ninguém o fez.
Ela tornou a observar os pais de Vallery e sua fingida tristeza; depois olhou para Mia, inconsolável nos braços do irmão: Vallery e ela eram como irmãs, ou talvez mãe e filha; Alexy e seus exuberantes cachos loiros emoldurando-lhe o rosto. Tinha uma expressão de superioridade ou até mesmo desdém: uma inimizade não superada com Vallery; Amanda sabia que Draco estava ali, mas não queria vê-lo; finalmente seu olhar foi atraído para Natalie, uma garota pequena, de cabelos escandalosamente ruivos que parecia querer se esconder. Ela não chorava. Seus olhos amedrontados fitavam todos nervosamente, um por um. Podia ser impressão, mas Natalie tinha uma expressão culpada.
Uma lembrança vívida aflorou num canto escuro da mente de Amanda. Natalie era vidente. Será que ela...
- No meio da vida estamos na morte.
Vallery estava morta.
Achando que não suportaria aquilo, e começando a sentir uma onda crescente de dor, frio e raiva, Amanda deu as costas ao túmulo. Foi andando lentamente até a garota ruiva.
- Natalie, vem comigo... - sussurrou para a garota assustada. Natalie se levantou rapidamente, sem hesitar e sem entender, e a seguiu para além dos portões de ferro do cemitério.
- O que você quer de mim? - perguntou a ruiva, desconfiada, quando chegaram a uma rua estreita e deserta, ladeada por um muro de pedra. Amanda sacou a varinha e girou-a nos dedos despreocupadamente.
- Basicamente, eu me lembrei que você prevê o que vai acontecer, certo, vidente? - os olhos de Amanda relampejaram. - Eu sei de tudo, não minta. Você sabia que Vallery ia morrer e não avisou a ninguém! - a voz dela tremeu. - Você sabia, do mesmo jeito que viu Luna ser atacada na floresta proibida, não sabia?
Natalie, que continuara andando, parou subitamente. Não respondeu, mas sua palidez a denunciava. Encarou nervosamente os olhos azuis de Amanda.
- Tem medo de dizer a verdade? - Amanda desafiou-a. - Você queria, não é? Queria saber se as suas visões são verdadeiras? Há quanto tempo sabia que a vallery ia morrer? Duas semanas? Um mês?
- Não se meta com as minhas visões, não é da sua conta! - gritou Natalie, reagindo á provocação. Queria sair dali, mas se lembrou que não tinha idade para desaparatar. Os olhos de Amanda pareciam soltar faíscas quando se encararam.
- Por quê? Por que você traiu a Vallery? - o tom de Amanda era baixo e perigoso. Natalie se viu encurralada em um dos pilares de pedra quando ela se aproximou. - O que você ganhou com isso? Ela era sua amiga! Você é uma criatura vergonhosamente covarde, Natalie.
Natalie reagiu. Num gesto rápido, ergueu a varinha.
- Expelliarmus! - gritou Amanda e a varinha dela voou pelos ares. - Tem que aprender a duelar antes de me ameaçar, ruiva!
Natalie olhou para os lados, tentando encontrar uma brecha para fugir. Reconheceu que caíra na armadilha preparada por Amanda, que agora a fitava com intensidade. A ruiva desviou o olhar, com raiva, e falou sem olhar para ela:
- Eu não sabia que seria a Vallery, ok? Tive essa visão não faz nem um mês, a culpa não é minha se a idiota da Val estava no lugar errado na hora errada!
Houve um estampido e Natalie soltou um grito de dor; a varinha de Amanda estava apontada a menos de um palmo do rosto dela e seu lábio sangrava.
- Nunca mais - Amanda tinha o tom de ameaça - fale assim da Vallery.
- Eu não quis... - murmurou Natalie trêmula, levando o dedo aos lábios para estancar o sangue. - Eu nunca quis o mal da Vallery, eu também não sei quem foi o assassino! Só não contei nada... porque... porque achei que você ia morrer, Amanda, não a Val! - ela abaixou a cabeça e sacudiu-a lentamente, de um lado para o outro, os longos cabelos ruivos escondendo seu rosto. - Foi um erro, eu me arrependo muito... mas como você mesma disse, eu queria saber se as minhas visões são verdadeiras...
Amanda estreitou os olhos. Baixou a varinha e percebeu, para seu espanto, que não sentia ódio de Natalie, apenas desprezo. O egoísmo da garota a havia destruído, e assim ela havia destruído a vida de Vallery.
- Você me dá nojo - disse Amanda rispidamente, se afastando dela.
Natalie continuou de olhos fechados, desejando que aquele pesadelo acabasse logo. Ouviu-se um craque e Amanda desaparatou.
A volta para Hogwarts não foi tão tranquila de início. todos os olhares eram dirigidos para Amanda e por onde passava se ouvia cochichos sobre ela e Harry terem estado na cena do crime. Amanda, mesmo abalada, parecia alheia a tudo isso. Desceu sem pressa até a sala comunal da Sonserina, passando por olhares indagadores e ignorando todos, e foi para o quarto que era de Vallery. Sabia que era a última vez que entraria ali.
O quarto continuava como antes: o mesmo verde e prata desbotado cobrindo as paredes, pôsteres de bruxas jogando quadribol perto da cama. Amanda sentiu como se um dementador estivesse ali e tirasse toda a alegria de antes. Ela se apressou: a misteriosa dor havia voltado e estava ficando mais intensa.
Até a raiva que sentia de Natalie pareceu se esvair com a chegada da dor e do frio. Ela se ajoelhou e abriu a gaveta onde Vallery guardava suas coisas quando ainda era viva. Não demorou muito até encontrá-la: a carta que Vallery não entregara a Sabrina. Agora estava nas mãos de Amanda.
Amanda sentiu calafrios percorrerem seu corpo quando pegou a carta. Na superfície fina do pergaminho se destacava a caligrafia despreocupada de Vallery.
Querida Sabrina,
Soube que o professor Dumbledore deixou você vir em Hogwarts amanhã para se despedir. Estou feliz e muito nervosa ao mesmo tempo. Será que é melhor contarmos a ele? Pessoalmente, não é uma boa idéia esconder isso. O Voto Perpétuo não é só uma promessa boba como pensamos que fosse. E isso é o pior de tudo.
Alexy tem se culpado muito ultimamente. Me sinto mal em não poder fazer nada por ela. Não a estou culpando, mas foi ela quem sugeriu essa brincadeira de Voto Perpétuo e nós aceitamos. Eu também tenho culpa: fui eu que fiz você ser expulsa de Hogwarts, me desculpe, Sabrina, nós erramos e esse erro não tem mais conserto. Não vai trazer você de volta pra escola, mas por que não contar a verdade? Se eu tiver que sair de Hogwarts também, eu saio, sem problemas.
Snape tem me tirado do sério nessa última semana! Diz o tempo todo, pra me irritar: "Foi melhor assim, Sabrina não era boa influência pra você, Vallery". Fiquei com tanta raiva que esmurrei o travesseiro (que tem me olhado com certa má vontade desde então).
Sabrina, desculpe por contar meus problemas quando eu sei que os seus são bem piores. Desculpe esse meu egoísmo.
Por favor, não torne isso mais difícil para nós duas, vamos contar a verdade!
Em desespero,
Vallery.
Amanda releu a carta várias vezes, sentindo as lágrimas voltarem aos seus olhos. Apertou a carta contra o peito, com força, desejando que aquela misteriosa dor sumisse e a deixasse para sempre.
Amanda ouviu uma voz que vinha de dentro dela: Vallery me deixou para sempre.
Ela abriu os olhos devagar, fitando demoradamente o quarto esverdeado. Queria guardar na memórioa as cores, os cheiros e o vazio daquele lugar. Sentia a sabia que era a última vez que entraria ali, para nunca mais voltar.
Amanda dobrou a carta e a guardou no bolso interno das vestes. Pensou em Sabrina.
Agora tudo se encaixava perfeitamente.
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