Lawrence e os espectros
- Onde estão todos? Os espectros... - Rony guinchou em urgência.
- Saíram. Todos. Estavam meio zumbis, se é que me entende. Já vi isso acontecer, mas não com tanta gente. Em geral, é quando os espectros trazem anseios em comum As pessoas ficam num transe, em busca da escuridão. Se não acordam logo, os espectros vêem que é possível alcançá-los, então...
- ... Não precisa explicar, eu já entendi – Rony sentia-se apavorado e sozinho – E você? Por que não te afetam? – Foi a única coisa que conseguiu pensar.
- Porque não sou como vocês...
Antes que tivesse tempo de perguntar o que ela queria dizer com aquilo, ele viu uma meia dúzia de sombras fantasmagóricas descendo o teto. Ele sabia que deveria ficar alegre para espantá-los, mas não conseguia e tinha medo de largar Hermione para tentar algo. Só pôde escancarar a porta com o pé para sair dali o mais rápido possível.
Ele correu cegamente pelas ruas e sua escuridão, tentando despistar os espectros. Eles não pareciam ser providos de uma inteligência ou, ao menos, consciência. Não tinha noção de onde estava se enfiando, nem queria. Não conseguia refletir sobre o sumiço dos outros. Ele desejou que aquilo realmente fosse um pesadelo. Rony não queria acreditar que dava para sentir medo até da morte. Continuava correndo, sem olhar para trás.
Até, ofegante, quase deixando Hermione cair por seu cansaço, ele resolveu se encostar na escada de uma varanda sóbria e rangente. Aquela cidade de noite eterna guardava casas de aspecto soturno e, ao mesmo tempo, comuns a casas de interior simples. Rony encostou-se de costas à parede, uma perna esticada no degrau que sentara, outra flexionada a dois degraus abaixo, com Hermione no colo, a cabeça em seu peito. Ele a abraçou com força, como se isso fosse lhe aliviar a tensão, e gelou com o que sentiu. Ela parecia mais fria, e ele percebeu que ela estava endurecida.
Assustado, ele virou o rosto dela para ele. Não havia marcas de dor, estava pacífico. Não era possível que o pior tivesse acontecido... A angústia de estar num mundo em que ele não entendia como aconteciam as coisas fez Rony explodir num grunhido de raiva que mais parecia um rugido. Aquelas coisas a pegaram? Mas ele não deixou que a tocassem! Como...
- Não aconteceu o que você está pensando – Rony ouviu por de trás, enquanto ele estirava Hermione no gramado na soleira da varanda.
Ele se virou para ver de quem viera a voz infantil. Um menino de no máximo dez anos estava sentado em cima de barris empilhados, com as pernas balançando no ar. Vestia uma boina enxadrezada em marrom e caramelo, um colete verde-escuro e havia um sorriso em seu rosto que de tanta alegria naquela escuridão soava insanidade.
- Quem é você?
- Algo que você não será. Mas para todos os efeitos, meu nome é Lawrence.
- Todo mundo gosta de enigmas aqui ou é impressão minha? - Sua irritação com o desconhecido já extrapolava a sua voz – Bom, amigo, eu estou cansado demais para isso. Se pode me ajudar, ótimo. Se está aqui só para me aborrecer, dá um fora!
- Não posso te ajudar. E, se isso te conforta, é bom que você não seja o que eu sou.
- E o que você é? – Havia desdém em Rony. Um desdém de quem não quer perder tempo ouvindo lorotas enquanto tem mais o que fazer.
- Quem se conforma em viver aqui, depois de um tempo, ganha uma espécie de status. Nós não somos atacados pelos espectros porque temos dois destinos: ou viramos um deles mesmo depois de muito tempo, ou, pior, demoramos tanto para aceitar a morte que o “paraíso” já não é possível quando conseguimos. É raro acontecer, mas acontece.
- Existe a possibilidade de ser tarde demais??? – perguntou muito agudo e desesperado, olhando de relance para Hermione, ignorando totalmente o que foi dito dos espectros.
- É o que parece, não? Mas isso não é dois, três, quatro dias. Nem semanas. Nem meses. São centenas de anos. Um tempo em que, mesmo se você ressuscitasse, não haveria nem resquícios do que foi a sua vida. – As últimas palavras da criança foram quase um murmúrio.
- Ah... – O alívio no ruivo era evidente. – Como sabe disso? Você não me parece...
- Caso não tenha reparado, o último ano da sua morte é o que fica no seu rosto por aqui. No caso de bebês, não que isso te interesse, eles nem passam por esse mundo.
- Bem... – Ele se sentiu um tanto estúpido por ouvir palavras ríspidas de um garotinho – Eu cheguei a pensar nisso. Mas... Hum... Uma criança aqui? Achei que fosse mais fácil, sabe? Aquela coisa de inocência da infância... Sem problemas, sem apegos irremediáveis...
O menino encarou-o em silêncio. Rony pensou que talvez tivesse sido um tanto rude, pela expressão da figura a sua frente, embora não conseguisse identificar onde. Lawrence, após um sorrisinho de esnobe superioridade, baixou a cabeça e desceu dos barris. Ele se aproximou de Rony, com os olhos fixos em Hermione. Ainda andando, disse:
- Nem sempre idade faz diferença. Ou maturidade. – Ele parou em frente aos dois – Eu não sei exatamente o que aconteceu com ela. Só me parece que está tendo dificuldades para largar a vida... Tirá-la da sua mente...
- Er... Preocupações sempre tomaram um pouco dela. E... Do jeito que deixamos nossas... – Ele engoliu um seco por se lembrar disso -... Vidas, não há como a culpar.
Lawrence fitou-o de alto a baixo. Aquele menino guardava um ar de sabedoria e mistério de uma maneira muito negativa. Com certeza, ele deveria ter sofrido bastante. Talvez tivesse adquirido aquela arrogância para conseguir se mantiver ali. Nada era certo. Toda essa seqüência de breu e falta de respostas estava realmente começando a irritar. Era o mesmo que dizer “A morte continua sendo uma desconhecida até dentro dela” e isso era muito frustrante. Despertando Rony de seus devaneios, o garoto falou:
- Que mundo difícil vocês acham que deixaram? Cuidado para não caírem na prepotência de pensar que sem vocês está tudo perdido!
- Cala a boca! Não sabe do que está falando!
- Ah, sei sim. E, no final, é tudo a mesma coisa: o insubstituível torna-se substituível. Claro, há dor, há perdas. Pode durar anos! Mas, sempre, sempre, meu amigo, o que era ruim tem uma solução.
- Demorou um tempo para pensar nisso, heim? – O sangue já subira a cabeça de Rony. Aquele garoto foi um trouxa, sem dúvidas. Ele não conhecia Voldemort. Nada poderia ser pior do um regime de Voldemort. Mas Rony já não achava que podia fazer alguma coisa. Apesar da sua tradição de remoer fracassos, a morte era um traço tão definitivo e desanimador de que tudo- em vida- acabara, que não se lamentava mais pelo que podia ter feito. Porém, sentia raiva por aquele pivete achar que sabia o que estava acontecendo. Quem era ele para achar que entendia de tudo?
- Se vai ser grosseiro, desistirei de contar sobre os espectros. – Lawrence amarrara a cara.
Rony ouviu as palavras como um golpe no estômago. Não queria nem um pouco depender do garoto, mas sabia que precisava daquela informação. Teria de dar o braço a torcer pelo sujeitinho. Não tinha outra escolha. Ele pegou a mão de Hermione, sem razão concreta.
- Ok, desculpe. Só não finja que sabe sobre a vida, tudo bem? Ficarei feliz se me contar qual é a desses espectros...
- Não se sabe a origem do primeiro. Nem tudo tem respostas... – Lawrence viu Rony torcer a boca para mais uma de suas frases e resolveu não dar continuidade. O ruivo não tinha o tipo físico recomendável para se enfrentar, muito menos uma criança como ele – Alguém já deve ter falado para vocês, eles absorvem totalmente a lembrança e a consciência dos que não agüentam. Eles são a causa para os que não agüentam ter morrido caírem num vazio. Você deve ter ouvido dos fantasmas que a pessoa faz essa opção, mas também já percebeu que não é bem assim. Essas pessoas são pegas...
-... Se tornam espectros??? – Disse Rony, assustado com a possibilidade.
- Sim, isso mesmo. Sem consciência disso, claro. Eles são uma existência coberta pelo nada. São guiados pelo cheiro de lamento e só.
Ele olhou Lawrence atordoado. Não poderia deixar aquilo acontecer! Fora um inútil em vida, não se permitiria ser agora. Ela não seria um dos “que não agüentam”. Ele tremeu. A cidade parecia mais fria, solitária e tenebrosa do que antes. A luz azul de um poste adiante iluminava o rosto relaxado do garotinho. Ele parecia extremamente conformado com tudo aquilo. Há quantos anos ele estaria ali? Quanto será que ele sabia? Como conseguia se contentar com a possibilidade de viver a eternidade num lugar como aquele?
- Quem fica aqui... Gente como você. É p’ra sempre? – Rony perguntou, com uma certa pena.
- Não sei. Muitos somem. Estou esperando para ver...
- Há quanto tempo?
- Acho que faz um século... Mas não conto os anos. Quando falo anos, entenda, estou me baseando no mundo dos vivos, no quanto o tempo que fiquei seria contabilizado. Aqui não tem muito disso...
- Eu... – Ele não sabia o que dizer para uma criança centenária – Sinto muito, parece duro.
- Ah, não se preocupe com isso. Eu já aprendi a lhe dar com isso. Hum... Falando nisso, sua... Amiga parece estar acordando.
As palavras de Lawrence sobressaltaram-no. Rony viu Hermione mexer a cabeça levemente. Estava recobrando os sentidos. Ele a puxou delicadamente para perto, apoiando sua cabeça no seu braço direito, observando-a com expectativa, esperando atos mais conscientes.
- Você está bem? Pode parar de desmaiar?! Está queimando todos os meus nervos! – Ele sorria.
Não houve respostas. Ela parou de se movimentar de novo. Ele sentiu seu coração comprimido.
- Sem essa! Você é mais forte que isso! – Rony balançava-a levemente, contendo a frustração – Vamos, Hermione, você não pode atrair aquelas coisas de novo!
Ele se virou para onde Lawrence estava, procurando ajuda ou conselho, mas o garoto se fora. As pessoas gostavam de fazer isso ali, não era possível! Aparece, fala algo e some! E sua família, onde estaria? E os outros? Aquela coisa de zumbis... Um calafrio consumiu sua espinha. Eles não podem ter sido pegos. Não... Seja lá o que for o que eles recearam, todos superaram! E já passaram da floresta! Era o que ele queria acreditar. Quando saberia que era hora de atravessar a floresta? Talvez o fato de ter de atravessá-la fosse uma espécie de filtro, de limite...
Hermione mexeu-se novamente. Desta vez, insinuou abrir os olhos e seu corpo tremeu como se tivesse levado um choquinho.
-Ah, vamos! Acorda e olha pra mim!- O desespero contido, de quem achava que cada desmaio era um passo para sucumbir – Se você me deixar, eu não sei o que eu faço!
Ele a abraçou ao terminar essas palavras. Não queria, não podia pensar nisso. Sentiu lágrimas rolarem no seu rosto. Aquilo não iria acontecer, definitivamente. Seu corpo a esquentaria se ela estivesse com frio. Ele estava Ele a sentia gélida. Não que ela fosse ficar doente com isso, mas só a sensação de poder livrá-la deste desconforto o aliviava. Mergulhado nessa angústia, Rony não percebeu que ela já abrira os olhos e o escutava, com um sorriso de satisfação e amor.
- Estou falando sério! Nem ouse desmerecer tudo o que você é se tornando uma coisa vazia! Eu não vou deixar! O que seria de mim sem Hermione Granger? – Falando aos ouvidos dela, ele deu uma risada rápida e descontrolada – Um lixo! Um nada! Uma “colher de chá” sem nada para amar e me guiar!
Sem entender como, nem quando, Rony sentiu sua boca quente ser atingida pela ainda fria, mas suave, de Hermione. Ela agarrara seus cabelos avermelhados com paixão, como se isso fosse uni-los mais. Compreendo o que acontecia, ainda ajoelhado de quando tentava acordá-la, apertou-a em seus braços na altura do peito. Não sabia se conseguia mostrar todo seu alívio por vê-la bem e com energia. Estava contente demais para não seguir apenas seus impulsos.
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N/A: Desespero, frustração, lágrimas. A imagem nítida do sonho q me inspirou para essa história era o Rony agarrando a Hermione louco para q os espectros não a tivessem fragilizado demais, com ele expressando o seu amor. Hum... Esse não é o tipo de coisa melosa q me embrulha o estômago. Há uma necessidade, há um desespero, há uma verdade. Espero q a diferença esteja tão clara pra vcs qto é pra mim.
O Lawrence tbm estava no meu sonho. Eu só tenho um borrão de lembrança dele sentado na pilha de barris, dando informações ao Rony. Não com esse nome. Ele era só um borrão infantil de boina XD
Espero q tenham gostado. O próximo é o q guarda a fofurísse q eu havia anunciado no resumo... XD bom, EU achei um diálogo fofo e BEM R/Hr. Torço para q pensem o msm ;-)
COMENTEM!!!
Seus comentários ajudam-me a saber se tem algo de errado com a minha fic ou não. Além do mais, eu gosto de discussões. E qm já comentou, sabe q eu respondo (avisem-me qm eu esqueci ;-D ).
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