Capítulo III



Hermione ficou estática, a palidez nas feições perfeitas pronunciada, porém, dissimulando o turbilhão interior, a habilidade que desenvolvera trabalhando para Kelly. Naquela casa, aprendera a manter o rosto desprovido de expressão, fosse qual fosse à situação. No entanto, no íntimo, sentia-se muito triste. As palavras dele soavam desagradáveis a seus ouvidos. Na verdade, cada uma delas enfatizava a humilhante desigualdade que sempre a separara de Harry.
Mortificada, ela saiu da sala para o corredor, sem fazer idéia de onde procurar refúgio. Encontrou um lavabo e ali se abrigou. Não, Hermione jamais teria acesso ao mundo exclusivo de Harry. Tudo os separava: idade, condição social e experiência. Para Harry, Hermione sempre seria a filha do mordomo. Jamais outra coisa.
Por que então a beijara? Por ter se julgado insultado? O insulto teria despertado aquela resposta nele? Harry não era um contido cavalheiro inglês. Ao contrário, era bastante impetuoso e passional. Um arrepio a percorreu diante das lembranças das horas passadas em seus braços. Era verdade que ele ainda a atraía, mas agora era mera atração física, nada tinha a ver com suas emoções, tentou se convencer.
Alguém bateu de leve na porta, mas Hermione ignorou.
— Abra Mione. Não terminei de falar...
Hermione pegou a toalha para enxugar o rosto que molhara com água fria. Em seguida obedeceu.
— Onde está Theo, Harry?
— Com Minerva.
Como se para confirmar isso, naquele instante ouviu-se a risada deleitada do garoto.
— Não quero falar sobre o passado, Harry.
— É um assunto inacabado e que muito me incomoda.
Hermione ergueu a cabeça, o rosto cansado.
— Para mim, o passado encontra-se morto e enterrado. Você foi bastante claro na época: “Lamento muito, mas eu estava bêbado e precisando muito de conforto...” — Hermione repetiu as palavras que ouvira dele, sem esconder a amargura.
— Não foi bem assim, eu...
— Foi o que deu a entender! — Magoada e achando a proximidade dele insuportável, Hermione abraçou-se, procurando se proteger. — E não se atreva a tornar a me tocar!
Hermione acreditava que Harry perdera o poder de magoá-la. Havia enterrado fundo a adolescente tola que fora, e julgara ter amadurecido. Mas estivera se enganando.
Ele pousou a mão sobre seu ombro tenso, e ela estremeceu.
— Você está tremendo, Mione...
— Jamais o perdoarei por ter me trazido para esta casa! Onde espera que eu viva? Não pense que rastejarei de volta a Godric’s Hollow para ser humilhada. Jamais farei isso, ouviu?
Harry estudou com frieza seu rosto amargurado.
— Isso nós veremos... Por enquanto, relaxe e aproveite minha hospitalidade. — Virou-se para deixá-la.
— Não, Harry, nada quero de você.
Harry parou, e disse por sobre o ombro:
— Mais cinco dias e seguiremos para Godric’s Hollow. Se for inteligente, tudo acabará bem. Mas daí em diante será assunto seu e de Alan, não meu.
Quando Harry se afastou, Hermione sentiu-se só e assustada. A sensação de insegurança era intensa. O último lugar no mundo onde desejaria estar era em Godric’s Hollow, mas o pior seria ficar na residência de Harry.
Enfim, decidiu ir ao encontro da criada, que a conduziu a um quarto confortável e espaçoso, que se comunicava com um outro, ainda maior, onde Minerva mantinha Theo ocupado. Minerva nada deixou escapar quanto ao fato de Theo merecer mais atenção do que o filho de qualquer outro hóspede, e tornou-se óbvio que ela adorava crianças. Hermione censurou-se pela consciência culpada, que a tornava tão imaginativa. Claro que Minerva não havia notado semelhança alguma entre Harry e Theo.

Quarenta minutos depois, Hermione e Theo desceram para o jantar. Um prato solitário encontrava-se sobre a mesa da imponente sala decorada em tons de azul e dourado. À esquerda, encontrava-se o cadeirão para Theo. Pelo visto, Harry não se juntaria a eles. Talvez não costumasse comer tão cedo.
Após a refeição, Hermione levou Theo de volta ao dormitório, onde vários brinquedos e bichinhos de pelúcia o aguardavam. Uma enorme girafa destacava-se. Sobre a cama encontravam-se, vários pacotes.
Enquanto Theo dava pulos de alegria, Hermione permanecia à soleira, paralisada pela surpresa.
— Viu como é fácil distrair a atenção de uma criança? — indagou Harry, logo atrás dela.
Hermione voltou-se, surpresa. Não o ouvira aproximar-se.
— Como foi que conseguiu providenciar tudo isso tão rápido, Harry?
— Contei com a ajuda de uma amiga. Nos pacotes, você encontrará as roupas de que precisam.
Hermione sentiu-se constrangida.
— E quanto foi que lhe custou toda essa generosidade?
Harry deu de ombros.
— Isso é irrelevante.
— Não para mim.
Ele fez um gesto impaciente com a mão.
— Tente ser você mesma Mione. Detesto hipocrisia. Todo esse espalhafato por causa de algumas coisinhas... A quem pretende impressionar?
Com as emoções em profundo tumulto, Hermione entrou no quarto e fechou a porta, deixando-o do lado de fora. Desejou tornar a abri-la e agarrá-lo pelo pescoço, proclamando a própria inocência: “Não sou uma ladra!”. Mas devia ter feito isso dois anos atrás, e agora, apenas confessando a verdade conseguiria limpar o próprio nome. No entanto, essa atitude causaria danos irreparáveis.
Quando seu mundo desmoronou, soube que Harry não permitiria que permanecesse na casa de seu avô nem mesmo se mostrasse regenerada e arrependida. Chamaria a polícia sem hesitar. Harry não era nada liberal no que dizia respeito à desonestidade.
Hermione despiu Theo para o banho, absorta. Harry acreditava que ela havia pagado barato por seu pecado, e ainda a desprezava por sua aparente ambição. Fazia minutos, seu desprezo por Hermione se tornara claro como a luz do sol.
Nos pacotes, encontrou pijamas, dois suéteres, camisetas e calças para Theo, tudo com a etiqueta de uma famosa rede de magazines que oferecia preços bastante razoáveis.
Após banhar o bebê, colocou-o na cama confortável. Bastante cansado, o garoto aconchegou-se entre os macios bichinhos de pelúcia, mas não deixou de fazer a pergunta que ela tanto temia:
— Onde está Waff, mamãe?
— Não veio conosco, meu bem. Ficou na casa de Kelly.
Os lábios de Theo tremeram, e seus olhos se encheram de lágrimas.
— Eu quero Waff...
Quinze minutos de lamentações, e Minerva juntou-se a Hermione no esforço de consolar e distrair o pequeno, mas seus soluços convulsivos continuaram a ecoar pela casa.
Harry entrou no quarto usando traje de noite, a caminho de alguma festa. Olhou para Theo, deitado, em total desconsolo.
— Seu filho sabe como obter o que deseja.
— Não seja injusto! — murmurou Hermione.
Harry suspirou e aproximou-se do leito. Com gentileza, acariciou os cabelos do garotinho.
— Durma Theo. Trarei seu Waff.
— Não faça promessas impossíveis — admoestou-o Hermione, mas já era tarde, pois Theo erguera a cabeça do travesseiro e fitava Harry, com ar esperançoso.
— Não creio que Kevin Dickson vá querer ser processado por causa de uma simples girafa cor-de-rosa. Juro que se ele não entregar Waff, eu o processarei.
— Esqueça Harry... Darei um jeito de entretê-lo.
— Dê-me uma hora. Kevin me pareceu uma pessoa bastante sensata.
Hermione observou-o deixar o aposento, atônita. Era inacreditável. Harry planejava ir até a residência dos Dickson para exigir a custódia de Waff!
Theo sentou-se, esfregando os olhos sonolentos.
— Ele vai trazer Waff, mamãe? — indagou, mais animado.
— Não sei. Vamos esperar querido.

Pouco depois, Harry estava de volta. Entrou no quarto com Waff na mão e estendeu-o a Theo como se fosse uma pequena e importante oferta de paz. O garoto deu um salto, aproximou-se dele, pegou a girafa e abraçou-a.
— Como foi que conseguiu? — indagou Hermione, pondo Theo de volta no leito.
Harry se aproximava da porta para deixá-los.
— Dickson estava tão constrangido, que para ele foi um alívio me agradar um pouco. Envia suas desculpas pelo que considera ser um terrível mal-entendido.
Hermione o seguiu pelo corredor.
—Verdade?! O que mais ele disse?
— Lamento, mas tenho pressa. Conversaremos manhã. Estou atrasado.
Só então Hermione entendeu o significado de seu traje social.
— Desculpe-me, Harry.
Os olhos verdes brilharam ao observá-la.
— Pela manhã estarei partindo para Bruxelas. Até quinta-feira a casa estará a sua inteira disposição.
Hermione retornou ao quarto, ouvindo o som de seus passos desaparecerem à distância. Olhou para Theo, que adormecera abraçado a Waff. Não pôde evitar tentar adivinhar quem seria a mulher na vida de Harry.

Hermione ainda permanecia na cama, incapaz de dormir. Harry não voltara, e pelo jeito não voltaria. Sem notar, Hermione estivera atenta a seu retorno. Mas, afinal, Harry era um homem solteiro e não ficaria sentado sozinho diante da lareira numa noite de sábado, ainda mais sendo rico, bonito e brilhante. Sem dúvida, estaria envolvido em um relacionamento íntimo com alguma linda mulher também rica e encantadora.
Acendeu a luz do abajur e verificou o relógio. Duas horas. Silêncio absoluto ao redor. E ela, sem sono e sem nada para ler, de repente ansiou por encontrar um bom livro. Levantou-se e estendeu a mão para o robe, mas percebeu que, na pressa de sair da casa de Kelly, esquecera-o na lavanderia, assim como várias peças de roupa.
Vestindo apenas a camisola, desceu a escada e dirigiu-se à biblioteca. Surpreendeu-se ao encontrar os livros todos em grego. Avistou uma pilha de revistas sobre mesinha e aproximou-se. De repente, a porta se abriu fazendo-a dar um pulo, assustada.
— O que faz aqui? — perguntou Harry, intrigado.
Recobrando-se do susto, Hermione passou a mão nas mechas revoltas.
— Não consigo dormir e vim procurar algo para ler.
— Na minha escrivaninha?
— Não. Estava para pegar uma das revistas sobre a mesa.
— Desde quando se interessa por eletrônica?
Hermione o fitou. Harry tinha os cabelos escuros em desalinho. Estava sem a gravata e com a camisa parcialmente desabotoada, revelando o perturbador triângulo de pele morena e o inicio da trilha de pêlos que ela sabia espalhava-se por todo o tórax. Embaraçada com a lembrança, fechou os olhos. Ainda assim continuou enxergando-o, a linha da mandíbula com barba despontando, a mesma que uma vez Hermione sentiu áspera e sensual contra a cútis.
Estremeceu diante dos pensamentos traiçoeiros, que lhe despertavam sensações que preferia não lembrar, sobretudo quando era óbvio o fato de Harry ter acabado de sair da cama de alguma outra mulher. Quando aquela convicção assaltou-a, um estranho ressentimento a tomou.
— Está precisando de dinheiro, Mione?
Seus olhos castanhos, aturdidos, arregalaram-se.
— Pelo amor de Deus, Harry! Devia saber que eu não seria capaz de roubá-lo!
— Nem precisaria. Estou disposto a lhe dar tudo o que precisar.
Hermione cobriu o rosto angustiado com as mãos.
— Como você é maldoso! Já disse que vim aqui à procura de algo para ler! Apenas isso!
— Eu preferia que você fosse cleptomaníaca, Mione. Eu seria capaz de lidar com isso. Mas as tristes vítimas desse mal em particular não vendem o que roubam por qualquer ninharia, como você fez.
Hermione voltou-se, os punhos cerrados, ameaçadores.
— Não quero falar sobre isso...
— Você deixou um gosto amargo em minha boca ao roubar a casa de meu avô no mesmo dia em que partilhou da minha cama — acusou Harry, os olhos observando-lhe as faces desesperadas.
— Falei que não quero falar sobre isso! — gritou furiosa.
— Deve ter sido uma operação brilhante. Como bem me lembro, você passou a maior parte daquela manhã cavalgando para que pudesse “por acidente” esbarrar comigo na propriedade — Harry continuou com uma nota de divertimento.
— Por favor, Harry...
— Depois, ficou perambulando em torno do lago, colhendo flores e colocando-as em uma cesta... tudo muito pitoresco. Quase matou de cansaço o velho cachorro de Alan fazendo-o caminhar pelos arredores até cair de exaustão. Na verdade, a caçada exigiu muitas horas. — Seu rosto fechado de repente abriu-se com um sorriso carismático. — Ora, Mione... Quando a vi lutando para carregar aquele enorme cão de volta para casa, me dobrei de tanto rir!
Hermione até ali ouvira aquela descrição de seu comportamento passado com um olhar desafiante, porém, a insistência de Harry em definir a extensão de seu desejo desesperado de ser notada despertou sua fúria. Arrependia-se demais por ter agido como agiu.
— Fico feliz em saber que pelo menos a minha atitude serviu para diverti-lo!
Harry segurou-a pelo braço, o riso desaparecendo nas feições perfeitas.
— Você me fez dar boas risadas... e, na época, fiquei muito grato.
— Deixe-me ir, Harry!
— Pretendia perguntar como ainda encontrou tempo para fazer o que fez. No entanto, isso deixa de ter importância ao tê-la seminua em meus braços.
Hermione arregalou os olhos e os baixou para a camisola azul que usava, de gola, mangas compridas e alcançando-lhe os joelhos. Nada havia que fosse provocante nela, nem de longe. No entanto, enrubesceu e olhou para ele.
— Não estou seminua!
Harry não a ouvia.
— Saiba que a maioria dos gregos não precisa desse tipo de encorajamento quando está diante de uma mulher tão sensual. — Harry deslizou os braços em torno dela.
— O que está fazendo? — indagou Hermione, esforçando-se para respirar, o coração em disparada, enquanto ele, a puxava em direção ao peito musculoso. Seu calor penetrava através da malha. — Harry...
— Você estremece quando a toco... Duvido que seja indiferente ao efeito que causa em mim.
Hermione tremia, e tinha o rosto em brasa quando Harry passou a acariciar seus quadris, impelindo-a em direta colisão com a inconfundível rigidez de sua masculinidade. Sentiu as pernas fraquejarem, os mamilos enrijecerem quando um desejo imenso assaltou-a. Lutou com todas as forças para não sucumbir.
— Solte-me! Você me enoja!
Harry baixou a cabeça, o hálito suave atingindo-lhe as têmporas, os olhos verdes e ardentes prendendo os dela.
— Será? Estou sentindo a mesma volúpia de antes em você — disse ele, com satisfação. — Senti também na noite passada. Juro que seria capaz de tudo para tê-la pelo menos uma vez... Venha para minha cama, Mione.
A palavra “cama” soou como um convite sensual ao paraíso, e Hermione condenou-se pela própria insensatez. Faltavam-lhe forças para afastar-se do fascínio sedutor de Harry.
— Se eu tornar a fazer amor com você, aí então merecerei ser presa e condenada, Harry. Não consigo imaginar o que o levou a pensar que eu ainda o queria... Porque não quero, está ouvindo?!
— Não? Por que acha que me assegurei de que você estaria comigo esta noite?
Apesar de sentir-se incapaz de ordenar os próprios pensamentos, Hermione entendeu o significado da surpreendente revelação.
— Como poderia assegurar-se de que eu estaria aqui?
A boca de Harry curvou-se num sorriso debochado.
— Sua ex-patroa ajudou, respondendo a minhas provocações e reagindo como eu esperava.
Hermione estava tão desconcertada que apenas o fitou, alarmada.
— Não tinha intenção de sair daquela casa sem você, Mione. Por que acha que levei a limusine? Só um completo idiota tentaria transportar uma mulher, uma criança e todos os seus pertences em uma Ferrari.
— Então, tirou-me dali... deliberadamente... — Mione estava horrorizada pela total falta de escrúpulos de Harry. — Deus do céu, como pode ser tão egoísta?
— Agi assim porque achei ser do seu interesse.
Hermione afastou-se, contrariada.
— O que você fez foi imperdoável, Harry, mas duvido que entenda isso. Por que alguém como você compreenderia o que é ficar infeliz, sem emprego e sem ter um teto sobre a cabeça, ainda mais quando existe um bebê a considerar?
A expressão de Harry ficou sombria, e seus olhos brilharam como se fossem de aço.
— Seja o que for que aconteça entre você e Alan, garantirei que sua situação e a de seu filho seja muito mais compensadora do que era na casa dos Dickson. É uma promessa.
— Quanta generosidade! Mas tenho certeza de que a ajuda que está oferecendo terá um preço a ser pago. Fazer algo de graça não é de seu estilo.
Harry tornou a acercar-se dela.
— Como assim?
— E pensar que há apenas poucas horas você foi tão condescendente, tão superior... E quanto àquela conversa a respeito de eu precisar aprender a lição, que chegou a temer que resolvesse contar com minha boa aparência para sobreviver? Não é o que está me oferecendo, Sr. Potter?
— Ofereço apenas aquilo que ambos sabemos que deseja Mione.
Hermione estremeceu.
— Uma noite de amor ardente com um homem que acaba de deixar a cama de outra mulher? — ela indagou mordaz, desdenhando-o, do mesmo modo como desprezava a si mesma por esquecer-se daquela probabilidade quando Harry a abraçara.
Ele riu e passou a mão por entre os sedosos cabelos escuros, rebeldes, brilhantes. A semelhança com os de Theo era tanta que Hermione emocionou-se.
— Uma noite de amor ardente... — Harry repetiu, refletindo. — É uma perspectiva bastante sedutora. Mas, para sua informação, saiba que não acabo de sair do lado de outra jovem.
Hermione cruzou os braços diante do peito, pretendendo sair o quanto antes da biblioteca, porém tendo a sensação de que os pés tinham se colado no carpete.
— Não acredito, Harry.
— Não que eu não tenha tido o desejo de preencher suas expectativas. No entanto, a partir do minuto em que a vi na noite passada, foi a você que desejei, e ainda não desci tanto a ponto de tentar satisfazer esse mesmo desejo em outra companhia.
— Odeio você, Harry Potter!
— Não, não me odeia. Na verdade, um pouco de ódio entre nós dois até que viria a calhar. — Após dizer isso, afastou-se, o clássico perfil mostrando contrariedade. —Não pedi essa atração, mas ela ainda existe entre nós dois...
— É essa a desculpa que arrumou para atirar-se sobre mim como um animal no cio? — Hermione sussurrou, e Harry voltou-se, nos olhos verdes uma expressão ultrajada, enquanto resmungava algo em grego.
Mas Hermione não se impressionou. Apertou os lábios com força. Harry era insuportável. Como um homem podia ser tão insensível, tão duro?
— Porque esperava que eu fosse fácil, julgou que tudo o que precisaria fazer era estender a mão e dizer: “Vamos para a cama, Mione”, e eu, é claro, correria para lá. Afinal, você é rico, soberbo e muito habilidoso! O que mais uma pobre-coitada que limpa, lava e passa para as outras pessoas poderia fazer?
Um arroubo de cólera espalhou-se no rosto de Harry. Estendeu ambas as mãos, os punhos cerrados, como se desejasse atingi-la.
— Você tem o poder de me enfurecer... Como se atreve a me ofender dessa forma?!
— Aquela adolescente idiota que julgava ser querida morreu há dois anos e meio, Harry. Nada fui para você, apenas alguém a quem usou.
Harry aproximou-se e pousou as mãos poderosas nos frágeis ombros de Hermione. Estava tão enraivecido que ela deu um pulo para trás, assustada. Diante daquela reação, ele soltou-a e afastou-se.
— Consegue torcer os fatos passados de um modo que não os reconheço quando fala a respeito, Mione. Não se atreva a agir como se eu fosse agredi-la!
— Também é minha culpa que não goste da minha maneira franca de falar, uma arte na qual você é tão hábil?
Com destreza, Hermione recuperou o terreno que perdera.
— Agora sei o que há de errado, Mione. Não tolera o fato de eu querer manter viva essa chama.
— Não insista! Não sinto nada por você!
— Não? — Harry lançou-lhe um olhar ardente, seguro do próprio poder de sedução.
— Fique longe de mim. Prefiro-o furioso comigo, como estava agora há pouco.
— Homem algum ficaria bravo com uma mulher com sua aparência... — Harry passou o braço em torno da cintura estreita e riu ao ver sua expressão desconcertada. —Venha comigo para Bruxelas amanhã. Dê-me algo que eu passe a esperar com prazer todas as noites. Cuidarei de você de todas as maneias que possa pensar... e em muitas que nem consegue imaginar.
Hermione lutava para reagir àquela tão súbita mudança de humor. A exaustão de repente abateu-a.
— Continue sonhando. Harry.
— Para que lutar contra mim? Para que fingir? Não estou sugerindo uma ou duas noites roubadas. Fique comigo até isso apagar-se dentro de nós dois.
Aquele dia, à beira do lago, Harry, farto de ser acossado, enfim cedera à tentação. Quando abraçou Hermione, para ela, tudo o mais deixara de existir, exceto a doçura do primeiro beijo que recebia dele, nada além da sensação de estar em seus braços, sentir seu calor. A paixão que despertara em seu íntimo excedera em muito às suas ingênuas expectativas, ultrapassando, infalível e implacável, as fronteiras que ela, tola, acreditava poder reter. Nada o detinha quando desejava alguma coisa. E, sob aquela sofisticada e fria superfície, Harry era tirânico, primitivo em seus apetites sexuais, como um pirata do século XVI vagando pelos sete mares em busca do que saquear.
— Jamais, e não espere que eu agradeça pela oferta. — Hermione se esforçava para não demonstrar o quanto à proposta dele a abalara.
— O que mais eu poderia lhe oferecer, Mione?
Hermione não pôde evitar o riso. Maravilhava-se por não ter sucumbido à paixão que sentia por Harry.
— Se eu estivesse interessada, Harry, o que não acontece, aconselhá-lo-ia a começar como os homens comuns fazem: convidando-me para sair com você. — Ergueu as sobrancelhas. — Se me trouxesse flores, me oferecesse champanhe... quem sabe conseguiria me convencer.
Em seguida, Hermione deu-lhe as costas e saiu, antes que desse vazão às emoções conflitantes que a atormentavam.
Harry deixara claro que com ela desejava apenas sexo e a oportunidade de livrar-se da ânsia que sentia pelo corpo dela, que não era mais bem-vindo agora do que fora no passado. Mas, no fundo, aquele fim de semana devia ter ficado na sua memória dele como algo especial. Na época, Hermione não tivera ninguém para comparar, nem tinha agora, e de repente aquela realidade a enfureceu. Porém, apesar de tudo, sabia que ainda o queria, com a mesma intensidade com que o odiava por não ter oferecido mais do que apenas migalhas. Aonde aquilo a levaria?

Um toque determinado em seu ombro fez Hermione acordar. Sonolenta, tentou focalizar o rosto masculino diante dela.
— Vá embora, Harry — gemeu, ao reconhecê-lo, tornando a fechar os olhos.
As cobertas foram afastadas, e Harry ergueu-a nos braços e arrancou-a da cama antes que ela pudesse registrar o que acontecia.
— Mas o que é isso?! O que pretende fazer comigo?
— Levá-la para tomar desjejum, Mione.
— Mas não há o que comer nesta casa?
Após uma pausa, o tórax largo e musculoso, contra o qual ele a mantinha apoiada, estremeceu quando ele riu.
— Engraçadinha...
— Que horas são?
— Seis.
— Seis?! — Hermione quase gritou, enquanto Harry a carregava escada abaixo. — Então dormi apenas duas horas?!
— Estarei partindo às sete para o aeroporto.
— Já vai tarde. E ponha-me no chão!
Harry a obedeceu e, com os dedos, afastou-lhe os fios revoltos de sobre o rosto, corado pela fúria, com uma familiaridade impressionante. No entanto, passado o choque, Hermione admitiu que Harry sempre fora habilidoso no trato com o sexo oposto. Aprendera que era um homem de temperamento determinado e muito passional. Aquele aparente autocontrole que fazia questão de mostrar ao inundo não indicava seu verdadeiro caráter. E aquela revelação, a chocante descoberta de um fogo que ardia com mais intensidade do que o dela fizera Hermione alcançar alturas.
— Por que faz tanta questão de minha presença à mesa do café, Harry?
— Preciso conversar com você antes de partir.
— Não me diga!
Harry abriu a porta da sala de jantar.
— Faremos isso saboreando nosso café da manhã.
— Não como nada antes de lavar o rosto, de escovar os dentes e de pentear os cabelos.
— Saiba que está muitíssimo sensual desse jeito... Gostei de vê-la assim.
Irritada com a calorosa afirmação e com o sorriso sensual que surgiu em seguida, Hermione correu escada acima ouvindo sua risada e fechou a porta do quarto. Harry avançava em sua direção como um exército invasor. No passado, enquanto Hermione o perseguia, ele se mostrara esquivo. Mas agora, quando ela tentava se distanciar e correr em outra direção, era Harry quem não a deixava em paz. Mas a responsável por isso devia ser sua natureza de caçador. Harry jamais seria a caça... e na certa esse fora o motivo de ter custado tanto a virar a mesa havia anos.
Hermione levou exatos cinco minutos para lavar o rosto, escovar os dentes, pentear os cabelos e vestir-se. Theo ainda dormia. Retornou à sala de jantar e sentou-se o mais distante possível de Harry.
Enquanto Minerva servia o desjejum em fina porcelana, Harry se mantinha recostado no espaldar da cadeira, uma elegância impecável no terno azul-marinho e na gravata de seda estampada. Possuía toda a magnificência de uma príncipe da Renascença. A pulsação de Hermione acelerou.
Aterradamente cônscia do exame minucioso à sua pessoa, Hermione recusou a porção de ovos mexidos oferecidos por Minerva e estendeu a mão para pegar uma torrada. O silêncio prolongou-se até a porta ser fechada após a passagem da governanta.
— Quero que me prometa que estará aqui quando eu voltar, Mione.
— Para quê? Para em seguida entregar minha cabeça a Alan em uma bandeja de prata? Só pode estar brincando!
Harry a fitou, e a intensidade de seu olhar a fez tremer.
— Precisa entender que Alan nasceu e foi criado era um mundo muito diferente do nosso, Mione. Quando enxergar isso, achará mais fácil entendê-lo. No seu lugar, eu respeitaria seu desejo de conhecer o único bisneto.
Hermione ficou mais tensa ainda.
— Sinto muito, mas não voltarei a Godric’s Hollow.
— É uma pena. Não poderei sequer contar com Rony para oferecer como isca. — Harry esboçou um sorriso irônico.
Hermione o fitou perplexa.
— Como disse?
— Rony não virá para o Natal. Aliás, nunca vem. Logo após sua partida, Alan e ele tiveram uma séria discussão a respeito de gastos, que não são poucos, e o em seguida meu primo partiu. Vive em Nova York. Hermione assentiu, nem um pouco surpresa com a notícia. Rony Weasley perdera os pais quando tinha dez anos, e Alan o criara com todos os mimos e procurando satisfazer todos os seus desejos. Alan esperava que Rony fosse assumir a propriedade, apesar de seu neto sempre demonstrado uma profunda aversão pelo trabalho. Em Godric’s Hollow, por várias vezes Hermione presenciara verdadeiras batalhas travadas entre neto e avô, por causa displicente rebeldia de Rony. Mais de uma vez ouvira-o gabar-se da sorte que tivera de ter nascido do primogênito velho do Alan, e não de sua insignificante filha, como Harry. Devido a isso, um dia herdaria Godric’s Hollow, assim como tudo o que existia dentro dela.
— Nada a dizer, Mione?
Hermione olhou para Harry e por fim entendeu por que ele observava tanto. Decerto esperava presenciar uma forte ação à notícia de que Rony, o suposto pai de seu filho, mudara-se para o outro lado do Atlântico.
Baixou a cabeça e olhou para a xícara de café, condenando-se por não ter entendido antes que Rony precisava ser afastado da família. Se ele tivesse permanecido em Godric’s Hollow para se defender, logo proclamaria o fato que não existia a mais remota chance de ele ter algo ver com a gravidez de Hermione! De súbito, sentiu-se aliviada pelo fato de Rony estar à milhas distante dali. Caso contrário, Hermione não seria capaz de conservar o orgulho de tirar vantagem da firme convicção de Harry de que Theo era filho do seu primo.
— Após todo esse tempo, não me importa saber que fim Rony levou, se mora aqui ou no Pólo Norte, e isso nada tem a ver com minha determinação de não voltar Godric’s Hollow.
— Mas, de qualquer modo, você voltará — insistiu Harry, calmo.
O modo como ele disse aquilo a encheu de apreensão. Forçou um sorriso.
— Pretende me levar à força, amarrada no porta-malas de seu carro?
Harry suspirou.
— Não me obrigue a pressioná-la, Mione. Se me forçar, eu a farei em mil pedacinhos, e garanto que achará um grande desafio tornar a reuni-los.
O sangue fugiu do rosto de Hermione. A ameaça feita em tom suave teve mais efeito do que se Harry tivesse gritado. E a frieza com que a fitou a seguir a fez tremer.
— Você não conseguirá me intimidar, Harry.
— Creio que não será necessário. Você deve a Alan uma visita.
— Acha mesmo? E como isso se enquadraria na proposta que me fez na noite passada?
— Não se enquadraria. Nós dois somos uma coisa, meu avô, outra. E, na idade em que está Alan tem prioridade, concorda comigo?


----->Terceiro capítulo postado... Desculpa gente, eu disse que ia postar ontem (terça), mais em função de dois dentes a menos na minha boca eu não pude... foi malz... Obrigada a quem comenta e quem não comenta mais lê também... até a próxima atualização que eu não sei quando será mais pretendo não demorar muito <-----

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