Lição 5
Lição 5 – Dirigir requer um pouquinho de magia
Como todo o pesadelo acaba um dia, as aulas de Ron também chegaram ao fim e o exame foi marcado para a semana seguinte. O dia da prova amanheceu bonito, bastante ensolarado e perfeito para fazer qualquer coisa, menos exame prático de habilitação.
Ron sequer falou à mesa do café-da-manhã. Não conseguiu comer nada, apenas tomou um gole de suco de abóbora que Hermione preparou. Ela também estava estranhamente quieta. Não queria perturbar Ron, pois sabia que ele já estava nervoso o bastante. Mas foi incapaz de se conter quando o marido repetiu pela quarta ou quinta vez, com um olhar perdido, que não iria conseguir passar nem que chovessem galeões sobre o Beco Diagonal:
- Você precisa aprender a controlar o seu nervosismo – ela disse, exasperada e com o tom de voz já alterado. – Caso contrário, você vai me enlouquecer! Ronald, você é um auror! Lutou na Guerra contra Voldemort e derrubou diversos Comensais da Morte com seus feitiços! Você destruiu uma maldita Horcrux! E agora está com medo de um exame de habilitação trouxa? Começo a me arrepender de ter pedido isso para você.
Ron fez uma careta desconfortável. Ele estava sendo injusto com Hermione, e sabia disso. Mas era incapaz de se controlar. Não trocou mais uma palavra com a esposa e saiu de casa sem sequer se despedir.
Durante todos as aulas, tanto teóricas quanto práticas, Ron esteve com a varinha no bolso da jeans ou do blusão. Desde os tempos da guerra, aprendeu a andar sempre com o instrumento mágico ao alcance. Ainda mais trabalhando como auror. É muito difícil prever quando haverá um problema a ser enfrentado, então ele jamais vacilava. Vigilância constante era o maior lema da Academia de Aurores, uma homenagem póstuma ao grande Alastor Olho-Tonto Moody, com quem Ron teve o prazer de conviver na Ordem da Fênix. No exame prático, portanto, não seria diferente. Mas, devido ao hábito de andar sempre com a varinha, Ron praticamente se esquecia dela enquanto estava no mundo trouxa.
Ao chegar ao local do exame, o estômago de Ron deu um solavanco furioso. Havia uma fila gigantesca de jovens e adultos esperando para entrar no carro e fazer o teste. Era inacreditável. Ron não tinha pensado nessa hipótese, não sabia que o exame era marcado para várias pessoas no mesmo dia. Imaginou que fosse ser ele, o examinador e, no máximo, o pesadelo em forma de gente do instrutor Space. Mas ele estava ali, diante de dezenas de pessoas que o observariam quando ele entrasse no carro e percorresse o trajeto obrigatório. Ron passou as mãos pelos cabelos e a frase de derrota começou a se repetir em sua mente como um mantra: “não vou conseguir, não vou conseguir”. Ron balançou a cabeça e entregou os documentos que trazia da auto-escola para uma mulher com o rosto magro e uma expressão de poucos amigos, que indicou que ele deveria aguardar na fila. Ao lado dela, o senhor Space fez a Ron um aceno de cabeça.
Nervoso, o ruivo via diversas pessoas entrarem e saírem dos carros enquanto aguardava. Algumas vinham com expressões felizes e um enorme carimbo azul de “Aprovado”. Outras saíam do veículo com o rosto traduzindo derrota, o carimbo vermelho de “Reprovado” brilhando no papel. Azul e vermelho dançavam na cabeça de Ron e ele se sentia diante do prêmio anual da loteria do Gringotes. Parecia a ele que tirar a carta era um jogo de sorte ou azar. A não ser que...
E foi quando ocorreu a Ron a brilhante, mas não tão honesta idéia. E se ele usasse só um pouquinho de magia para confundir o examinador e, assim, passar no exame? Não era certo, mas talvez ele pudesse aproveitar o fato de ser um bruxo. Afinal, ele sabia dirigir, não é mesmo? Apesar das trinta e tantas tentativas frustradas de estacionar nas últimas aulas, ele havia conseguido, não é mesmo? E, se ele errasse, que mal haveria em fazer o homem acreditar que ele não havia errado nada?
Com a reconfortante sensação de poder fazer alguma coisa para passar caso tudo desse errado, Ron passou a aguardar a sua vez com mais paciência. Chegou até a esboçar um ligeiro sorriso para o rapaz logo a sua frente na fila, que parecia mais nervoso do que Ron estava há alguns momentos atrás, com um estranho tom de verde estampado na face.
Quando chegou a hora da verdade, o ruivo se dirigiu ao carro com os passos ligeiramente vacilantes. Entrou, fez um ligeiro aceno e respondeu ao “bom dia” do examinador. Do lado de fora, podia ver o nariz de gancho do instrutor Space. Ele piscou os olhos, como se desejasse sorte a Ron, mas sua expressão era mais sarcástica que sincera. O ruivo sacudiu a cabeça, tentando se concentrar no que deveria fazer a seguir. O que vinha primeiro mesmo? Colocar o cinto, arrumar o espelho ou ligar o carro? Ron franziu a testa e suas mãos começaram a tremer ligeiramente. Olhou para o lado, e o instrutor de expressão amarrada fez um gesto impaciente, seguido das palavras “o senhor já pode começar” como se quisesse dizer “o senhor já deveria ter começado”.
Então Ron resolveu que ligar o carro era um bom começo, e foi o que ele fez. Exagerou um pouco no momento de girar a chave, o que fez com que o motor produzisse um ronco um pouco mais alto. Desesperado, ele observou as outras pessoas na fila. Todos olhavam em sua direção. Com o estômago protestando quase em voz alta, Ron colocou o cinto de segurança, que escorregou por duas vezes de suas mãos suadas. Em seguida, arrumou o espelho, pisou na embreagem, colocou a primeira marcha e saiu.
O percurso estava calmo. Havia uma curva no fim da rua, e a parada era obrigatória. Ron deu seta, olhou para os dois lados e virou o carro. Quando fez isso, um minúsculo pontinho marrom veio de encontro ao vidro da frente. Ron e o examinador levaram um tremendo susto, e ele foi obrigado a pisar no freio do carro, achando que seria muito azar se tivesse atropelado algum animal.
Mas não se tratava de um animal qualquer. O pontinho marrom era ninguém menos que Pichitinho, a coruja de Ron, agora já tão velha e caduca que lembrava o Errol, a antiga mascote da família Weasley. Apesar de velha, Pichi ainda batia freneticamente as asas e trazia amarrada à pata um pequeno pedaço de pergaminho. Com o coração na boca, Ron viu a coruja entrar pela janela do carro e pousar em cima do volante.
- O que diabos esse bicho está fazendo? – perguntou o instrutor, enquanto tentava enxotar Pichi com uma das mãos.
- Ele... hum... é meu! – disse Ron, desamarrando rapidamente o bilhete da perna estendida da coruja.
Era de Hermione. Ela estava indo direto para o St. Mungus com a mãe. Ron não terminou de ler o bilhete. Tinha chegado a hora, o bebê ia nascer.
O coração de Ron pulou pela boca e ele sequer se deu conta do que estava fazendo quando abriu a porta do carro. Sem entender nada, o instrutor perguntou:
- Ei! Aonde é que você vai?
Ron olhou para os lados. Aquela rua na qual haviam virado estava bastante calma, sem ninguém por perto. Ele se virou então para o homem e fez a única coisa que lhe ocorreu no momento: tirou a varinha do bolso com um movimento rápido e, apontando diretamente para o examinador, gritou:
- Confundo!
Em seguida, Ron apontou a varinha para si mesmo, concentrando-se no saguão de entrada do St. Mungus. Sentiu a característica sensação de ser espremido dentro de uma mangueira apertada demais e, quando sentiu a ardência característica do ar entrando novamente em seus pulmões, divisou as paredes brancas do hospital. Correndo descontrolado, Ron parou no balcão de informações, ainda ofegante e apontando a varinha para a enfermeira. Como se estivesse acostumada com comportamentos daquele tipo, a mulher apenas disse:
- O setor de maternidade fica no quarto andar, ao lado do departamento de azarações problemáticas.
Ron nem esperou que a mulher terminasse de falar. Subiu desabalado pelas escadas, sem paciência para esperar o elevador. Quando chegou ao quarto andar, quase sem fôlego, encontrou a mãe de Hermione sentada calmamente numa cadeira ao lado de uma porta que dizia: “Entrada permitida somente para curandeiros”.
- Senhora... Granger – Ron arfou, levando a mão ao peito e fazendo uma careta. – Eu... vim... o... mais... rápido... que pude...!
- Ah, não se preocupe, meu querido – disse a mulher, com uma expressão bondosa e calma demais para o gosto de Ron, que se sentia a beira de um ataque de nervos. – Eu mandei Pichi entregar o bilhete apenas para avisá-lo de que trouxemos Hermione para cá.
- Mas... mas... – Ron não entendia toda aquela sensação de calma da mãe de Hermione. Seu filho estava nascendo! – A hora chegou!
- Sim, Ron – falou a mulher, calmamente, sorrindo como se Ron fosse uma criança de cinco anos. – Mas é nesse exato momento que temos que ficar calmos. Hermione está em boas mãos e o filho de vocês vai nascer tão saudável quanto Rose, você vai ver.
A mulher voltou a tricotar e Ron ficou caminhando de um lado para o outro, estalando os dedos e pisando duro no chão imaculadamente limpo do hospital. Naquele momento, se sentiu muito mais nervoso do que em qualquer uma das aulas de direção que tinha tomado nas últimas semanas. Hermione estava naquela sala e, em breve, traria ao mundo o filho que ele já amava tanto.
Ron respirou fundo. Aquilo sim era algo que fazia valer a pena o nervosismo. Nada de aulas, placas de animais na pista, noites perdidas estudando leis ou a frustração de não conseguir estacionar um carro corretamente. O maior desafio e a maior alegria da vida de Ron era ser pai dos filhos de Hermione. Se fosse necessário confundir o examinador para conseguir a carta da próxima vez que tentasse, ele o faria. Não se importava. Naquele momento, tudo o que ele queria pensar era em ver o rostinho de seu filho sorrindo para ele, e na carga de felicidade que aquele momento traria.
Afinal, tudo vale a pena no amor e na guerra. E a vida ainda era um pouco dos dois!
Anos depois...
Estavam na estação de Kings Cross, plataforma Nove e Três Quartos. Ron observou sorridente a sua pequena Rose, não tão pequena assim agora que já tinha onze anos, correr para cumprimentar o primo Albus com um misto de alívio e empolgação. Ela usava a capa de Hogwarts, ainda sem o brasão da Casa para a qual o Chapéu Seletor a enviaria. Mas Ron tinha certeza de que seria para a Grifinória.
Ele olhou para Hermione e sorriu. Ambos se sentiam radiantes em estar novamente ali, vendo seus filhos irem para Hogwarts mesmo depois de tudo o que haviam passado para manter a escola de pé. Ron se aproximou de Harry e bateu levemente nas costas do amigo e cunhado:
- Estacionou direitinho, então? – e piscou um olho em seguida, ainda com o sorriso estampado nos lábios. – Eu estacionei! Hermione não acreditava que eu pudesse tirar a habilitação trouxa, não é mesmo, Hermione? Até hoje ela acha que eu confundi o examinador!
- Eu não acho, não – disse Hermione, aproximando-se de Ginny e parando ao lado da amiga. – Eu sempre acreditei que você passaria com toda a certeza.
Hermione se virou para conversar qualquer coisa com Ginny, deixando Harry e Ron de lado. Enquanto carregavam o malão e a gaiola da coruja de Albus para dentro do Expresso, o ruivo murmurou para Harry num tom de voz mais baixo:
- De fato, eu confundi o examinador. Eu só me esqueci de olhar o espelho retrovisor, mas olhe só, eu usei um Feitiço Supersensorial para isso!
Ron compartilhou as gargalhadas com Harry. Afinal, ele estava feliz. E habilitado a dirigir pelas ruas de Londres graças a um pequeno toque de magia.
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