Lição 4
4 – Dirigir requer prática – e aulas práticas
Ao fim de uma semana de aulas e estudos por conta própria – ou melhor, por conta de Hermione –, Ron prestou os exames teóricos obrigatórios para quem pretende tirar a carteira de habilitação. Nervoso, esqueceu alguns detalhes, mas nada que pudesse prejudicar seu desempenho na prova. Acertou 24 questões das 30 questões propostas.
- Viu só? – falou Hermione, depois que ele chegou ao apartamento com o gabarito nas mãos e um documento que trazia um enorme carimbo vermelho de “Aprovado”. – Eu disse que você ia conseguir! E olhe só: caiu a placa de “Animais na pista”!
Ron fez um muxoxo e se jogou no sofá. Estava com dor de cabeça. Rose veio correndo dos fundos do apartamento e pulou nos braços do pai, que afagou os cabelos da pequena até embaraçá-los. Hermione sentou no sofá ao lado de Ron, olhando o marido de forma tímida, com medo de que ele pudesse explodir a qualquer momento. O humor de Ron andava tal e qual o chifre de um erumpente, pronto para explodir com o menor dos abalos.
De qualquer forma, a parte escrita havia passado. Tudo o que viria a seguir dependeria apenas da habilidade de Ron, e isso fazia com que sua insegurança característica predominasse. Sem dizer nenhuma palavra, Hermione apenas se recostou ao homem que amava. Logo Rose adormeceu, e Ron ficou ali, com a filha nos braços e Hermione tão próxima que podia sentir o cheiro de flores que emanava de seus cachos castanhos. De onde estava, tinha a visão privilegiada do ventre da esposa, que abrigava o filho esperado tão ansiosamente por eles. Mesmo com a tensão da prova ainda em mente, Ron se permitiu sorrir. Fazia aquilo por Hermione, como faria qualquer coisa na vida. Ele sabia que seria capaz de morrer por ela. Tirar carteira de motorista não deveria ser nada.
Foi com esse pensamento que Ron seguiu para sua primeira aula prática na manhã de segunda-feira. A auto-escola tinha marcado o início da manhã para que ele se encontrasse com o instrutor. Ansioso, Ron chegou uma hora mais cedo do que o combinado e, no horário marcado, o instrutor o encontraria sentado no banquinho diante da recepcionista, roendo as unhas e com os olhos azuis pousados num canto qualquer, sem fixar nada.
- Senhor Weasley, este é o seu instrutor, Severo – em uma fração de segundo, Ron engoliu em seco e piscou os olhos rapidamente – Space.
Não era só o nome que lembrava o do antigo professor de Poções e depois Defesa Contra as Artes das Trevas de Hogwarts, mas também o longo nariz em formato de gancho, os cabelos compridos e gordurosos, como se há muito não vissem shampoo, e – pior – o aspecto absolutamente condizente com o nome que carregava.
Ron engoliu em seco pela segunda vez, e precisou reprimir um engasgo. Encarou os olhos frios de seu mais novo torturador... digo... instrutor como se revivesse um pesadelo. Não que Snape fosse de todo mal, como Harry tinha explicado logo após o fim da guerra. As lembranças que ele deixou, a Penseira, a paixão pela mãe de Harry antes de ela se envolver com James eram fatos que explicavam as atitudes do professor. Apesar de saber que Harry o havia perdoado após sua morte, Ron ainda tinha certeza que os cogumelos venenosos nunca mudam sua essência. E ter aulas com um homem que lembrava tanto Severo Snape era quase como ser assombrado por um fantasma.
Diante do olhar inquisidor do senhor Space, Ron fez um aceno de cabeça e tentou sorrir, mas imaginou que o máximo que conseguiu foi uma careta precária. O homem pareceu não se importar. Correspondeu o aceno e, sem dizer nenhuma palavra, orientou-o para a saída, a fim de se dirigirem ao automóvel no qual Ron teria suas aulas de direção.
Não era preciso ser nenhum expert em psicologia para constatar o nervosismo de Ron: seus joelhos tremiam enquanto ele caminhava, e as mãos suavam tanto que ele achou que poderia regar um jardim com elas. Exageros à parte, Ron começou a achar que o cara das ceroulas gostava de tirar uma com a sua cara.
Acompanhado do instrutor, Ron visualizou o carro que seria seu companheiro nos próximos quinze dias. O moderno modelo inglês tinha direção hidráulica e freios ABS, conforme explicou com certa devoção o senhor Space. Para Ron, era apenas um monte de lata prateada com um motor barulhento. Ao ouvir o tom de voz do instrutor, Ron quase reviveu uma aula que teve aos onze anos:
“Vocês estão aqui para aprender a ciência sutil e arte exata do preparo de poções. Como aqui não fazemos gestos tolos, muitos de vocês podem pensar que isso não é mágica. Não espero que vocês realmente entendam a beleza de um caldeirão cozinhando em fogo lento, com a fumaça a tremeluzir, o delicado poder dos líquidos que fluem pelas veias humanas e enfeitiçam a mente, confundem os sentidos... Posso ensinar-lhes a engarrafar fama, cozinhar glória, até zumbificar, se não forem o bando de cabeças-ocas que geralmente me mandam ensinar”.
- O senhor está pronto, senhor Weasley?
Ron acordou do sonho ruim para uma realidade tal e qual. O senhor Space segurava a porta do lado direito do carro, abrindo caminho para que Ron se sentasse no banco do motorista. Ao encostar o corpo no estofado macio, ele teve a irracional sensação de ter se sentado sobre uma moita de visgo-do-diabo, prestes a envolvê-lo e sufocá-lo até a morte. Lembrou-se novamente de Hermione. Ela apenas diria para que ele relaxasse. Tentou se concentrar nessa orientação.
O instrutor bateu a porta do carro e Ron pensou ter visto um ligeiro sorriso transparecer em sua expressão. “Se é que tipos como ele são capazes de sorrir”, pensou com amargura. Enquanto observava os contornos do interior do carro, Ron tentava afastar aquela sensação incômoda de estranho dejà vu.
- Você sabe dirigir, senhor Weasley?
“Qual é a diferença entre acônito licoctono e acônito lapelo?”
- Hã? – Ron tinha certeza que estava sonhando. Sacudiu a cabeça enquanto o instrutor reforçava a pergunta. Ao compreendê-la, murmurou: - Bom, eu... hã... sei ligar o carro – e reforçou a afirmação com um sorriso meio sem graça.
- Já é um começo – disse o senhor Space, uma pequena nota de ironia na voz. O homem remexeu um dos bolsos da calça de tecido preto que usava e lhe entregou a chave do automóvel. Sua mão continuava suando e Ron se amaldiçoou por isso.
O homem esperava, mas Ron continuava olhando fixamente para o painel do carro como se ele fosse um inimigo a ser combatido. O automóvel era tão diferente do antigo Ford Anglia enfeitiçado! Sem saber exatamente porque, a imagem de Hermione pulou para o primeiro plano de sua mente. Mas, diferente do que ele esperava, ela não carregava uma expressão de censura. Pelo contrário: sorria e acariciava a barriga que abrigava o pequeno bebê que estava por vir.
Ron respirou fundo e colocou a chave no contato, o ânimo renovado. Faria aquilo por Hermione. Não poderia decepcioná-la. O motor roncou como se protestasse, e o carro começou a chacoalhar ligeiramente.
O pesadelo de Ron duraria exatamente duas horas durante o período de 15 dias. O instrutor Space o ensinou a controlar a embreagem e o acelerador, dar seta ao mudar de faixa, prestar atenção nos espelhos e nos carros ao redor e fazer curvas na angulação certa. O nervosismo de Ron diminuía a cada aula. A maior dificuldade era com as subidas, pois o carro insistia em perder força e morrer. O senhor Space fez questão de enfatizar a falta de habilidade de Ron em manter o controle do acelerador, aterrorizando-o constantemente com a lembrança de que o teste poderia ser numa subida. Mesmo assim, Ron estava satisfeito com o seu progresso, o que deixava claro para Hermione quando voltava para casa. Talvez, com um pouco de sorte, ele conseguiria passar no teste prático de primeira. Hermione afirmava com convicção que ele passaria. Ron não sabia se a esposa realmente acreditava naquilo ou se era a forma que ela havia encontrado de tentar fazer com que ele não se sentisse um monte inútil de bosta de dragão.
Até que chegou o dia de aprender a estacionar. Ron havia se esquecido completamente do pesadelo de todo o motorista iniciante: colocar o carro numa vaga exatamente do tamanho dele. Depois da vigésima terceira tentativa sem sucesso, o suor escorria pela testa de Ron e a expressão do senhor Space não era nada agradável.
- Escute, senhor Weasley. Se você não fizer exatamente da maneira como eu estou te dizendo, você será incapaz de passar no teste! Preste atenção ao marcador no vidro! No vidro traseiro, Weasley! – fez questão de enfatizar o instrutor, enquanto Ron ohava para o vidro da frente do carro, já sem conseguir se concentrar. – Nós fazemos marcações nos vidros para facilitar o trabalho dos motoristas e...
- Ei! Irmãozinho!!!
Ron não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir. Ele fechou os olhos bem apertados, tentando se concentrar e convencer a si mesmo que aquilo se tratava apenas de uma ilusão auditiva. Quando os abriu novamente, George sorria, parado na calçada próxima ao carro muito mal estacionado de Ron. O mais novo fez uma careta e abriu a boca para perguntar, mas, como se lesse os pensamentos do irmão, George se aproximou da janela do carro enquanto dizia:
- Estou aqui há um tempinho já... Portanto, vi as suas vinte e tantas tentativas frustradas de estacionar. Estou pensando em escrever ao Profeta Diário contando a incrível façanha de um dos membros do Departamento de Aurors!
- Cale a boca, George! – protestou Ron, enquanto olhava para o instrutor, que tinha franzido a testa ligeiramente diante do inusitado nome do jornal e da palavra “auror”. O caçula diminuiu a voz para retrucar – O que diabos você está fazendo aqui, hein? Não tem mais o que fazer na loja?
- Ei! Relaxa, irmãozinho – George sorriu, desdenhoso. – Eu só dei uma passadinha por aqui para ver se estava tudo bem. Agora que eu vi que não está, poderei encher você eternamente por isso. Hasta la vista, baby brother!
Enquanto George se afastava, Ron ignorou a presença do instrutor e bateu a cabeça no volante, protestando em voz alta:
- O que foi que eu fiz para você, Merlin, o que foi?
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