Lição 2
Lição 2 – Dirigir requer exames médicos que provem sua sanidade
Ron estava de licença dos trabalhos no Ministério da Magia por conta do estado delicado da gravidez de Hermione. Na noite anterior, tinha sido ríspido com ela ainda sobre a história da auto-escola e havia ido dormir irritado. Mas no momento em que acordava naquela sexta-feira, a raiva do dia anterior já consumida pelo sono restaurador, sentiu-se ligeiramente culpado.
Era fato que Ron não gostava de brigar com Hermione, mas não podia evitar. Às vezes ela conseguia ser tão irritante e fazer ele se sentir tão... diminuído. Sabia que era bobagem, coisa da insegurança dele. Mas aquela época era diferente, ele precisava aprender a se controlar. Afinal, ela carregava um pedacinho dele abrigado dentro de si. Aquele bebê representava o amor verdadeiro, era a concretização das esperanças de uma vida melhor, que ele trouxe consigo durante toda a guerra. Embora tenha tentado esconder o que sentia por Hermione por muito tempo, ele acabou sucumbindo ao inevitável no momento mais delicado de todos: a busca pelas horcruxes de Voldemort. Depois de tantos anos acordando de manhã e vendo aquela mulher determinada, inteligente e extremamente talentosa deitada ali, em sua cama, seu coração se aquecia por completo. Ele tinha feito a escolha certa. Ela era sua, e somente sua. E era a mãe de seus filhos, seus tesouros eternos. Aquilo era muito mais do que Ron julgava merecer.
Ele observou os cabelos longos e cacheados de Hermione espalhados pelo travesseiro e sorriu. A barriga da esposa estava grande e bicuda. Em todos os encontros de família, a mãe dele e a senhora Granger não se cansavam de repetir que, com esse formato, o bebê só podia ser um menino. Apesar de não gostar do nome escolhido por Hermione, Ron tinha consciência de que aquilo era só uma birra boba. Ele estava deliciado com a idéia de ter um garotinho esperto correndo pela casa dali a algum tempo, brandindo uma varinha de brinquedo ou voando numa pequena vassoura atrás de um pomo especial para crianças. Rose, agora com dois anos, demonstrava ser tão inteligente e habilidosa quanto Hermione, sempre muito curiosa e interessada em aprender coisas novas. Mas, assim como tinha herdado a inteligência da mãe, também carregava o mesmo medo bobo que Hermione tinha de vassouras. Bem que Ron tentara fazer com que ela voasse na mini Firebolt que ele havia comprado, mas a menina simplesmente desatava a chorar todas as vezes em que eles tentavam.
Ron tinha certeza que seria diferente com Hugo, e podia até mesmo se ver brincando com o filho no jardim d´A Toca, durante uma tarde qualquer em que a família estivesse reunida. Imaginava-se n´A Toca porque o apartamento onde moravam, no centro de Londres, não tinha muito espaço, mas era bastante próximo da entrada trouxa do Ministério da Magia, o que facilitava a locomoção para o trabalho.
Ao ver o filho agarrando o pomo de ouro em pensamentos, Ron não pôde evitar um sorriso. Involuntariamente, suas mãos se dirigiram à barriga de Hermione e acariciaram de leve o bebê que estava por vir. Com o toque quente do marido, Hermione se mexeu, abrindo os olhos preguiçosa e vagarosamente.
- Bom dia, Ron...
- Bom dia, meu amor... está mais calma?
Se ele soubesse, não teria dito aquilo. O sorriso de Hermione morreu no rosto e ela emburrou imediatamente.
- Só vou ficar mais calma quando você aprender a controlar o seu nervosismo e passar a acreditar em si mesmo. Eu sei que você é capaz, Ronald.
Ron torceu o nariz. “Droga”, ele pensou, enquanto Hermione se levantava com dificuldades da cama e calçava os chinelos sem dizer mais nenhuma palavra nem olhar para ele. Ron sabia que a situação estava complicada com Hermione quando ela o chamava pelo nome inteiro.
Ela se dirigiu para a cozinha e Ron permaneceu no quarto, organizando a roupa de cama. Enquanto tirava os pijamas, olhou para o relógio da mesa de cabeceira e percebeu que precisava se apressar se não quisesse chegar atrasado ao local dos exames médicos trouxas.
Em toda a sua vida, Ron nunca tinha estado num consultório de um médico trouxa para fazer exames. Desde bebê, só tinha sido submetido aos cuidados de curandeiros no St. Mungus. Mas Hermione costumava freqüentar os dois tipos de médicos durante a gravidez, e ele a acompanhava sempre que podia. Portanto, Ron aprendeu a confiar na medicina, embora precisasse confessar que se sentia um pouco inseguro em relação àqueles exames pirotécnicos... psirotécnos... ou qualquer coisa desse tipo. Afinal, era visível que ele não tinha nenhum problema mental ou coisa que o valha. Mas era obrigatório por lei, e como Hermione fazia questão de enfatizar, as leis são feitas para serem cumpridas. “Isso que dá casar com alguém que trabalha no Departamento de Execução das Leis da Magia”, pensou ele, começando a ficar ligeiramente emburrado.
Quando terminou de se trocar e saiu rumo à cozinha, Ron se sobressaltou: escutou um barulho de vidro quebrado, e em seguida o baque de um corpo caindo no chão. Desesperado, quase aparatou sem varinha para chegar à porta do aposento, onde uma assustada Hermione estava caída próxima a pia. Os olhos dela estavam muito abertos e as lágrimas se acumulavam nos cantos. Ela parecia confusa, sem saber direito como tinha ido parar ali. Ele correu para a esposa, a fim de ajudá-la a se levantar:
- O que aconteceu, Hermione?! - Ron sentou-a na cadeira mais próxima, observando-a com o rosto preocupado e a testa franzida. – Você precisa de alguma coisa? Está sentindo dor em algum lugar? O que eu faço? Devemos ir para o médico? Mas ainda falta mais de um mês para o bebê nascer!
- Ron, por favor – Hermione abriu os olhos, que tinham permanecido fechados enquanto Ron a levantava do chão, e tocou a mão do marido suavemente. – Acalme-se. Eu estou bem, foi só uma tontura. Acho que cortei a mão num caco de vidro, mas isso não foi nada – ela disse, mostrando um pequeno filete de sangue que escorria por um dos dedos.
Os olhos vivos de Ron esquadrinharam a cozinha, a procura de um pano úmido para envolver o machucado de Hermione. Pegou uma toalha felpuda no armário e molhou-a com água da torneira, enquanto a esposa o observava. Sem dizer nenhuma palavra, ele apenas segurou delicadamente o dedo ferido e envolveu-o com o pedaço de tecido. Depois de enxugar o sangue, murmurou Espiskey, apontando a varinha para o machucado.
- Pronto – disse ele, observando o rosto de Hermione, ligeiramente afogueado. Ela parecia cansada. – Eu sei que não é exatamente um curativo, mas vai estancar o sangue. Minha mãe sempre dizia que é bom deixar esses cortes sem coberturas, para ventilar e não infeccionar.
Nesse momento, um choramingo de protesto se fez ouvir de um dos quartos no final do corredor.
- Acho que Rose acordou – disse Hermione, iniciando o movimento para se levantar da cadeira e sendo imediatamente impedida pelo marido.
- Deixa que eu vou lá e troco a roupa dela, ok? Eu posso deixá-la na escolinha, é caminho do consultório, mesmo – Hermione sorriu, e Ron se sentiu aliviado. Na verdade, não queria sair. Queria ficar ali e cuidar dela. E se ela passasse mal novamente, e estivesse sozinha ali? – Hermione, tem certeza que não é melhor eu remarcar esses exames? Eu posso ficar aqui com você hoje.
- Não tem necessidade - ela balançou a cabeça, em sinal negativo. - Mamãe vai chegar logo mais, ela pode me ajudar caso aconteça alguma coisa. Ela dirige, Ron – disse Hermione, levantando uma das sobrancelhas. – E é isso que eu quero que você faça também, e logo.
Ron assentiu, controlando-se para não retrucar. Não era hora para brigas. Ele foi para o quarto de Rose e, ao entrar, a filha imediatamente parou o choro, dando lugar em seu rostinho pequeno a um sorriso aberto em meio às cobertas:
- Papai!
E aquilo soou como música para os seus ouvidos. Ele tomou a menina nos braços, os cabelos castanhos e fofos como os de Hermione se espalhando por seus ombros quando ele a abraçou. Depois de brincar um pouco com a filha ainda sonolenta, Ron se apressou em trocá-la e organizar o material escolar. Alguns minutos depois, estavam ambos prontos para sair.
- Hermione, fique bem, tá? – Ron disse, ao beijar a esposa na porta do apartamento.
- Eu ficarei, querido – disse ela, retribuindo o carinho do marido e entrelaçando os dedos em volta de sua mão. Ron levou a mão de Hermione aos lábios e encostou-os de leve na pele quente da mulher que amava. Ela sorriu e continuou – Ainda não está na hora do Hugo chegar. Boa aula, filhota – e ela deu um beijinho estalado na bochecha de Rose, que carregava a pequena mochila cor-de-rosa nas costas. – Isso é para você, Ron. Os documentos que precisa apresentar no consultório estão todos aí.
Ron pegou o envelope pardo oferecido pela esposa e desceu pelo elevador. Ao alcançar a rua, caminhou com a filha no colo até a escola, que não ficava muito longe dali. Era um local de ambiente agradável, onde os professores cuidavam das crianças desde um aninho de idade. Ron sempre achou que, mesmo tendo recentemente completado dois anos, Rose era nova demais para já ter que sofrer com o martírio de uma escola em sua pequena vida. Mas Hermione tinha insistido que a convivência com outras crianças e o estímulo ao aprendizado ajudariam no desenvolvimento da filha, até porque Hermione também tinha recebido sua educação anterior a Hogwarts numa escolinha trouxa semelhante àquela. Para ele, os hábitos de Hermione anteriores a Hogwarts ainda eram uma deliciosa novidade, como se ele redescobrisse a mulher que amava a cada dia.
A próxima parada era o consultório do doutor... e Ron pegou o papel que trazia no bolso para conferir o nome do médico e o endereço fornecido pela auto-escola. Tomou um táxi em frente à escolinha de Rose e explicou ao motorista as coordenadas. Enquanto o homem dirigia, Ron observava cada movimento: a maneira como ele trocava de marchas, permanecia atento aos outros carros pelo espelho retrovisor e ainda trocava as estações de rádio e comentava as notícias, tudo ao mesmo tempo. Ron balançou a cabeça e murmurou num tom de desespero quase absoluto:
- Eu nunca vou conseguir...
- O que foi que disse, senhor? – disse o motorista, que tinha um forte sotaque espanhol.
- Nada, não – Ron se apressou a dizer. – É ali, não é? – perguntou, apontando para um prédio com uma placa que dizia: “Dr. Jack Shepard: especialista em exames psicotécnicos. Faça seus exames para tirar a habilitação conosco! Preços promocionais”.
- Exatamente, senhor – disse o motorista, enquanto estacionava o carro próximo ao meio fio.
Ron se confundiu um pouco com o dinheiro trouxa, mas deu a desculpa de que era irlandês e não entendia muito bem de moeda inglesa. Saiu apressado do automóvel, sem dar tempo para que o espanhol dissesse qualquer coisa.
Entrou no prédio, sentindo uma sensação esquisita no estômago. Não havia uma pessoa sequer na sala de espera. A recepcionista era uma senhora já de cabelos brancos, presos firmemente por um coque parecido com aquele que a professora McGonagall, agora na direção de Hogwarts, costumava usar. A mulher ressonava ligeiramente, recostada à cadeira de rodinhas. Ron limpou a garganta e ela acordou com um sorriso pronto, quase como se fosse um robô:
- Em que posso ajudá-lo?
- Er... – Ron começou, um tanto quanto confuso – Eu tenho um exame com o Dr. Shepard. Para carteira de motorista...
A mulher correu os dedos de unhas longas e vermelhas por um caderno de anotações e se voltou novamente para o homem de olhar confuso parado diante dela:
- Senhor Ronald Billius Weasley? – ele assentiu, confirmando. A mulher prosseguiu – Pode me passar a guia da auto-escola, por gentileza?
Como ele não sabia exatamente o que ela estava pedindo, despejou o conteúdo do envelope pardo em cima da mesa. A mulher posicionou melhor os óculos sobre o nariz meio torto e embaralhou os papéis, procurando pelo documento. Enquanto isso, Ron tinha assumido uma expressão de “me-desculpe-mas-eu-não-sei-qual-é-a-maldita-guia” e se sentiu parcialmente aliviado quando ela encontrou o que precisava. Então, ela começou a digitar alguns dados num antiquado computador de mesa, e logo em seguida a impressora já começava a fazer um barulho irritante e cuspir o papel cheio de letrinhas, como se fosse mágica. Ron permaneceu um tempo em transe, observando o fenômeno, até que a mulher lhe entregou o papel e pediu para que ele assinasse.
Pronto. Estava preparado para os exames.
- O senhor pode aguardar aqui mesmo. O Dr. Shepard irá lhe atender em alguns instantes.
Ron permaneceu na recepção, enquanto a mulher fechava novamente os olhos e voltava a ressonar sem a menor cerimônia. Passou a observar as paredes, repletas de anúncios médicos, e escutar a música ambiente. A rádio trouxa tocava um jazz, e Ron gostava daquele tipo de som. Estava quase começando a se sentir menos tenso quando o médico chamou pelo seu nome. Pôs-se de pé prontamente e caminhou para o local de onde parecia vir a voz, uma porta logo atrás da mesa onde a senhora do coque continuava adormecida. Por um momento, lembrou-se do hipogrifo Bicuço e teve a sensação de que caminhava para a morte, como se seu algoz estivesse do outro lado da porta, pronto para assassiná-lo da maneira mais fria, cruel e trouxa possível.
Ao ultrapassar a soleira da porta, no entanto, os ombros de Ron relaxaram um pouco. O médico era um senhor de idade, e tinha a aparência bondosa de um bom velhinho. Mas a sensação de relaxamento passou no instante seguinte, quando os olhos azuis de Ron passearam pela sala: no canto direito à mesa do médico, havia uma mesinha inclinada com dois cadernos com desenhos esquisitos e dois apoios de ferro na base. Ao lado dessa mesinha repousava uma caixa de madeira com dois orifícios que Ron não queria imaginar para que serviam. Na parede, um cartaz com várias letras “E” em diferentes ângulos e posições parecia um convite para solucionar algum código louco e mortal. “Decifre-o, ou morra tentando”, pensou Ron, sentindo o coração bombear o sangue com mais velocidade. Aquela sala parecia uma masmorra de torturas da Segunda Guerra Mundial, daquelas que ele havia visto nos filmes trouxas com Hermione.
- Olá, senhor Ronald, como vai? – perguntou o médico, estendendo a mão para apertar a de Ron, que já estava suada. – Vejo que demorou um pouco para tirar a carta, não é? Quantos anos o senhor tem?
- Vinte e sete – respondeu Ron, desconfortavelmente.
- Sim, sim... geralmente os garotos são ansiosos e querem tirar a carta logo que fazem dezessete anos.
O médico tentava conversar, mas Ron não conseguia sequer responder. Sentiu que seus joelhos tremiam um pouco e desejou poder se sentar. Como se lesse os pensamentos do ruivo, o Dr. Shepard pediu que ele tomasse o assento diante do primeiro equipamento de tortura, a mesa inclinada com os papéis cheios de símbolos estranhos.
E foi assim que Ron passou por três testes psico-motores naquela manhã. Sentindo-se um completo idiota por ter feito desenhos, identificado luzes amarelas, verdes e vermelhas dentro de uma caixa e adivinhado a posição da letra “E” umas trinta vezes até não conseguir enxergar mais nada, ele deixou o local com os documentos de aprovação para os exames médicos.
Mas ainda faltava muito para chegar, de fato, à carta.
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