Lição 1
Lição 1: Dirigir requer filas e documentos
Os olhos azuis esquadrinhavam o local e registravam as roupas, os hábitos e as expressões de todos que por ali passavam. Era uma maneira de tentar disfarçar o nervosismo. Ron estava parado e batia o pé freneticamente no chão, fingindo estar distraído enquanto aguardava na fila do cursinho preparatório para motoristas. Hermione estava ao seu lado e segurava a mão do marido.
- Você está suando, Ron – ela falou, divertida, e ele fez um muxoxo, sem dizer nenhuma palavra. Hermione continuou – Dirigir é fácil, você vai ver. Ainda mais para alguém que foi para Hogwarts voando no Ford Anglia quando tinha apenas 12 anos!
Ron revirou os olhos, sem deixar de observar o movimento dos trouxas que entravam e saíam da auto-escola. Então, respondeu:
- Há muitas diferenças entre um carro voador enfeitiçado pelo meu pai e essas máquinas trouxas, com roncadores e...
- Motores – corrigiu Hermione, e ele respirou profundamente antes de recomeçar:
- ...Com motores e movimentos alternados dos pés para usar o acelerador e o freio – Ron parou de falar para observar um homem muito gordo e suado sair de uma salinha nos fundos do local, com uma expressão feliz e as mãos rechonchudas segurando uma nova carteira de motorista. Os ombros dele se curvaram, como se, de repente, tivesse passado a carregar um peso extra que não estava ali antes. – Eu não sei se consigo...
Há certas coisas imutáveis na vida, e uma delas era a insegurança de Ron Weasley. Mesmo depois de passar por tantas aventuras ao lado de Harry e Hermione, ajudar a destruir Horcruxes, vencer a guerra contra o Lorde das Trevas e se formar na Academia de Aurors, ele insistia em não acreditar em seu potencial. A esposa se divertia com isso, mas certas vezes precisava relembrar a Ron tudo o que ele já havia feito na vida para que ele voltasse a acreditar em si mesmo.
Era quase como reviver os testes para goleiro de quadribol e todo o nervosismo que o jovem grifinório sentia diante de cada nova partida. Tudo que exigia de Ron um desempenho com o qual ele não estava acostumado precisava ser feito no susto, sem muito aviso, de uma vez só. O problema era que freqüentar aulas de direção trouxa e fazer o teste que lhe daria o direito de dirigir por toda a Inglaterra - com as rodas no chão, obviamente - requeria uma preparação demorada, que só servia para aumentar ainda mais a ansiedade de Ron.
Hermione já tinha a carteira de motorista, obtida logo depois do fim da guerra. Desde então, quando precisavam, era ela quem assumia o volante. Mas agora, com o estado avançado da segunda gravidez e o pedido de repouso feito pelo medibruxo do St. Mungus, era necessário que Ron também soubesse dirigir, no caso de surgir alguma emergência envolvendo Hermione e o bebê.
O ruivo acariciou distraidamente a barriga de Hermione enquanto ouvia a recepcionista da auto-escola chamar mais um candidato para fazer a matricula do curso preparatório. Era necessária cerca de uma semana de aulas teóricas para poder fazer o primeiro teste. Ron se sentia novamente como se estivesse diante da iminência dos NOM´s de Hogwarts. Seu estômago protestava e ele sequer podia acalmá-lo sem parecer ridículo naquela fila repleta de futuros motoristas de rostos cansados.
- Eu vou te ajudar a estudar, ok? – disse Hermione, e Ron fez uma careta.
- Se eu for submetido a um esquema de estudos parecido com o que tínhamos em Hogwarts, ao fim de uma semana eu não serei um motorista, mas um doutorado em direção trouxa – ele ironizou. – Ao menos na teoria...
- Fale baixo, Ron! – Hermione levou a mão à boca, num claro gesto de silêncio, enquanto dois jovens que aguardavam na fila observaram Ron de esguelha quando ele disse a palavra “trouxas”. – Não se esqueça do estatuto de sigilo, não estamos no mundo bruxo!
- Ah, para o inferno com estatuto de sigilo! – disse Ron, bufando. – Eu tenho mesmo que fazer isso, Mionezinha? Não podemos, simplesmente, aparatar no St. Mungus quando começarem as contrações?
Hermione suspirou e, segurando o cabo da varinha no bolso da blusa que usava, murmurou um Abbafiato para que ninguém os escutasse, já que o nervosismo de Ron não permitia a ele que baixasse a voz. Então disse:
- Você sabe muito bem que preciso de repouso! E isso inclui não aparatar. Por que você acha que tivemos que vir de ônibus para cá, Ronald? Você não está preocupado com a saúde do Hugo?
- Hugo? HUGO? Eu não gosto desse nome! E como você sabe que é um menino?
- Oras, eu apenas sei! – disse Hermione, empertigando-se. – Mães sabem essas coisas! E nós já conversamos sobre os nomes. Você escolheria se nascesse menina, e Rose tem o nome que você quis. Eu escolho o do menino, e digo que vai ser Hugo e ponto final.
Ron respirou profundamente, pronto para retrucar o que Hermione havia dito. Afinal, Rose era um nome bonito, mas Hugo... Porém, quando ele estava pronto para externar seus pensamentos, uma voz um tanto quanto anasalada e fina chamou:
- Senhor Ronald Billius Weasley.
O ruivo engoliu em seco, enquanto deu dois passos para a frente e se sentou na cadeira diante de uma mulher de cabelos muito escuros e rosto infantil. Hermione sentou-se ao seu lado com certa dificuldade, e apoiou os braços sobre a barriga.
- O senhor poderia fazer a gentileza de preencher essa ficha de inscrição do curso preparatório? – disse a mulher, enquanto entregava a Ron um pedaço de papel com vários itens em branco a serem completados. Então ela começou a falar sem parar, como se fosse um rolo de pergaminho encantado – Você terá uma semana de aulas teóricas sobre as leis de trânsito, ao fim da qual poderá marcar o seu teste escrito, e então precisará freqüentar 15 aulas obrigatórias para que aprenda a dirigir, mesmo que o senhor já saiba, porque, como eu já disse, elas são obrigatórias por lei e são ministradas em um carro especial da auto-escola, com um instrutor a bordo que lhe dará todas as orientações necessárias para que você passe no teste, mas isso, é claro, depende também da habilidade de cada motorista e... Já preencheu a ficha?
A mulher sorria falsamente, e Ron a encarava com a boca ligeiramente aberta. Se ele tivesse que repetir o que ela tinha acabado de dizer, não conseguiria se lembrar nem da metade. Como se acordasse de um transe, Ron deixou de encará-la e baixou os olhos para o papel que segurava. Ouviu a voz infantil perguntar:
- Alguma dúvida?
- O que vem a ser ID card e...
Hermione sorriu meio sem graça e puxou Ron de lado. No entanto, a recepcionista da auto-escola pareceu não se importar, pois já deveria ter visto de tudo enquanto trabalhava naquele local, inclusive pessoas que não sabiam o que era um documento de identidade. Além disso, ela não era o tipo de pessoa que costumava questionar algo. Afinal, o cliente sempre tem razão, mesmo quando não conhece as documentações de seu próprio país.
Hermione pegou o papel das mãos do marido e preencheu ela mesma os dados necessários. Ron cruzou os braços e não parava de bufar, obviamente irritado com o fato de a esposa ter praticamente declarado o quanto ele era estúpido na frente de dezenas de trouxas. Ele olhava por cima dos ombros como se estivesse sendo observado por inimigos invisíveis. No entanto, ninguém olhava para ele, cada um absorto em suas próprias atividades. Ron se sentia um estranho, quase como um hipogrifo num ninho de dragões.
Ao deixar a auto-escola com a autorização para começar as aulas na próxima semana, no primeiro dia útil, Ron observou:
- Eu odeio filas e documentos...
- Isso é porque você ainda não fez os exames médicos – disse Hermione, sorrindo.
Ron não sabia o quanto desejaria que os próximos dias passassem o mais rápido possível. Ou o quanto parecia mais fácil enfrentar um dementador sem varinha do que passar num teste de direção trouxa.
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