CICATRIZES DO CORAÇÃO



Todos estavam reunidos em Godric’s Hollow, porém, o dia não estava muito agradável e nevava de modo que os jardins da casa ficaram debaixo de uma espessa camada de neve. Apesar de ter sido planejada uma comemoração ao ar livre, o clima não tinha colaborado, forçando a Sra. Weasley a recolher a maioria dos preparativos para dentro da casa. Mesmo com o frio lá fora, o ânimo da festa estava bastante aprazível, como não poderia deixar de ser dentro da família Weasley. A mesa da ceia de Natal estava cheia, além de Harry e Rony com suas respectivas famílias, estavam também: Sr. e Sra. Weasley, Ted, Carlinhos e Jorge com sua esposa e filhos. O convidado da noite era o cigano Kalderash, que ocupava o lugar deixado pela ausência de dois Weasleys: Gui havia ido para a França passar o feriado com a família Delacour e Percy optou por não ir devido às questões de segurança. Por outro lado, havia de tudo para comer: bolo de caldeirão, doces da Dedosdemel, uvas silvestres, sapos de chocolate, peru assado, etc. Hugo parecia ter herdado todo o apetite de Rony, pois apesar de ser um dos mais novos da família, comia como um dragão esfomeado. James, sorrateiramente chamou sua irmã, planejando aproveitar-se do comportamento de seu primo.

- Lily, que acha de ensinar umas boas maneiras para o Hugo?

- Como assim? Eu não quero que chamem minha atenção em plenos festejos de Natal, James. Já pensou se a mamãe...

- Lily! – sussurrou o garoto, com impaciência – É só você deixar esse Caramelo Incha-Língua cair sem querer dentro daquele pote de bombons trouxas que nosso primo está devorando agora.

- Mas...

- Repito, o caramelo vai cair SEM QUERER no pote de bombons – explicou James, com um sorriso breve e malicioso.

Lily hesitou por um instante e pegou o caramelo com incerteza da mão de James, após uma breve olhada pela sala inteira, certificou-se que não estavam prestando atenção nela e andou calmamente até a mesa, sentando-se ao lado de Hugo. Os demais ocupantes da sala estavam realizando coisas aleatórias: Rose ajudava Angelina a cuidar do pequeno Fred; Rony e Jorge debatiam algo com o Sr. Weasley; Alvo olhava um álbum de fotos de seu tio Carlinhos enquanto ele lhe contava algumas histórias de dragões; Gina havia ido à cozinha; Ted estava entrando no banheiro; e o cigano estava quieto em uma poltrona próxima à lareira. No exato momento em que Lily sentou-se, um barulho estridente de vidro se quebrando preencheu a sala de jantar. James havia propositadamente tropeçado em seu irmão mais novo, fazendo-o derrubar seu copo e derramar suco de abóbora no álbum de fotografias.

- Seu ridículo, não presta atenção por onde anda?! – esbravejava Alvo, enquanto James desviava o olhar e piscava discretamente um olho na direção de sua irmã – ao que Lily entendeu prontamente depositando o caramelo na caixa de bombons de seu primo antes que ele parasse de prestar atenção no copo quebrado.

Mesmo passando despercebido pelos olhos de Hugo, Hermione percebeu os movimentos das crianças e cochichou com Harry:

- Olhe só o que seus filhos vão fazer com o Hugo – ela disse, tentando disfarçar um sorriso – Aposto com você que Rose vai tomar as dores do irmão e começar a discutir com James.

- O que eles estão aprontando dessa vez? – Harry preocupou-se – Acho que vou chamar esse garoto para uma conversinha...

- Deixa disso, Harry. Eles estão se divertindo... Além do mais, é só um Caramelo Incha-Língua.

- É... – respondeu ele, pensativo – Foi por isso que lutamos tanto, não foi Mione? Retirar das outras gerações o medo das perseguições, das guerras e daquele maldito Voldemort.

- Isso mesmo. Apesar de ainda enfrentarmos alguns contratempos aqui e ali, no geral os tempos estão bem mais fáceis.

- Fale isso por você, porque eu ainda não acertei fazer boas panquecas no café da manhã... Estou começando a achar que elas têm algum feitiço que eu ainda não descobri...

- Ah, Harry... E fazer panquecas é mais difícil que achar os horcruxes e derrotar o cara de cobra?

- De uma certa maneira... – ele respondeu, sorrindo.

- Só se os livros de culinária forem muito complexos para você, cabeção.

- Poxa, também não precisa ofender Mione... – ele falou, fazendo a amiga rir um pouco alto demais na mesma hora em que Hugo começava a ter problemas para falar com o inchaço instantâneo de sua língua. Quando ela olhou a cena, acabou gargalhando descontroladamente.

- Mione, o que está acontecendo com você? Rindo da desgraça do seu próprio filho? – Harry disse, entrecortado por suas próprias risadas.

Rony, por outro lado, já havia pegado com Jorge o antídoto e estava fazendo Hugo bebê-lo à força para desfazer a travessura planejada por seus primos. Mais tarde na mesma noite o próprio Rony riu do ocorrido, lembrando-se da semelhança daquele momento com a sua antiga convivência com seus irmãos gêmeos.

Assim que a ceia terminou, a Sra. Weasley começou a dizer onde cada um iria dormir, já que não havia quartos suficientes para hospedar todos:

- Os cinco – ela disse, apontando para os filhos de Harry e Rony – dormem no quarto do fim do corredor – Eu, Gina, Hermione, Jorge, Angelina e os pequeninos ficaremos na suíte principal - Ted, Carlinhos, Harry, Rony e Arthur, vocês ficam na sala.

- Não precisa ser assim mamãe – disse Jorge – Eu, Angelina e as crianças iremos voltar para casa por uma chave de portal, daqui a... – ele espiou seu relógio de pulso – meia hora.

- Tem certeza, meu filho, você não quer passar a noite aqui?

- Acho que não. – apressou-se Rony – Não é mesmo, Jorginho? – disse, direcionando um olhar malicioso para o irmão.

- Roniquinho... Cuidado com suas palavras irmãozinho, mas sim, nós preferimos ir para casa ainda hoje.

- Bem... Então eu e Arthur dormimos com Ted e Carlinhos no quarto maior, e os dois casais dormem aqui na sala mesmo. As crianças continuam no mesmo quarto de antes.

- Mãe, você está esquecendo o nosso convidado. Kalderash, está tudo bem para você dormir na sala?

- Com certeza. Não se preocupe comigo, Sra. Potter. Contanto que tenha um cobertor de boa qualidade, durmo em qualquer lugar.

- Muito bem, então. Vou arrumar as crianças no outro quarto e acho que podemos dormir tranqüilos – disse Gina, andando em direção ao corredor.

Não demorou muito tempo depois que Fred foi embora para todos arrumarem seus lugares para dormir. A organização da Sra. Weasley havia comprovado sua eficiência e não havia desconforto para dormir, fazendo o sono desabar pela casa com um silêncio profundo que só era desgastado pelos roncos inconstantes de Rony.

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Ted não estava se sentindo muito confortável para dormir, ele se revirava na cama em intervalos de tempo bastante freqüentes, inquieto. As grandes reuniões de família sempre tinham essa ressaca para ele, pois depois de encontros tão bons com todos os seus parentes, ficava uma vontade cada vez maior de compartilhar aqueles momentos com seus pais: Remo Lupin e Ninfadora Tonks.

“Será que é possível sentir saudade de pessoas que não chegamos a conhecer?” esse questionamento martelava com freqüência a mente de Ted. “Só queria ter uma conversa com eles... Qualquer coisa... Deve haver um jeito de se comunicar com os mortos, nem que seja só por alguns instantes.”

Remoendo seus pensamentos, o jovem saiu sorrateiramente do quarto em que estava e caminhou para fora da casa, atravessando a porta dos fundos. Havia um banco de três lugares parcialmente encoberto pela neve, bem próximo da porta e praticamente encostado na parede de trás da casa. Ele espanou a neve com as mãos e sentou-se enrolado no lençol que havia trazido do quarto. A foto que sempre o acompanhava nos momentos de angústia estava mais uma vez nas mãos dele, um retrato de seus pais na cozinha de sua antiga casa, discutindo sobre alguma receita e depois sorrindo para ele. Ted já tinha observado tantas vezes a foto que já sabia o que eles estavam preparando naquele dia: Creme de Milho. Ele já tentara comer uma vez, mas era horrível. Então ele passou a dar razão para o pai, que não queria comer algo tão desagradável.

- Está tudo bem com você, jovem Lupin? – uma voz grave ressoou nos ouvidos de Ted – Sou eu, Kalderash – o cigano disse, sentando ao lado dele.

Ted apenas balançou a cabeça e continuou em silêncio, ainda olhando para a fotografia de seus pais. O cigano olhou para o céu com seus olhos totalmente brancos, como se conseguisse ver cada floco de neve que caía do céu naquele instante.

- Tristeza. Incapacidade. Por que você está sentindo isso? – disse Kalderash, ainda mirando o infinito das estrelas. – São sentimentos altamente destrutivos, você deve tomar muito cuidado...

- Não fale o que não sabe, cigano. – respondeu Ted, asperamente.

- Não estou divagando sobre a causa de seus sentimentos, estou lhe alertando das conseqüências – levantando-se subitamente, Kalderash continuou – As causas você pode discutir com ele. – e ao falar isso, a cabeça de Harry apareceu no vão da porta dos fundos.

Pedindo licença, o cigano entrou na casa e o Escolhido tomou seu lugar no banco ao lado de seu afilhado. Harry ficou em silêncio por um tempo relativamente longo, até que Ted se cansou.

- Por que, tio Harry? – ele falou, com as primeiras lágrimas embaçando sua visão. – Por quê? – ele mostrava a foto desesperadamente, sem conseguir articular seus pensamentos de forma coerente. Seu cabelo transformando-se num vermelho ofuscante.

- A vida não é justa... Nossos pais morreram por defender aquilo que eles consideravam justiça e liberdade. Depois de pensar nisso tantas vezes, ainda não permiti a mim mesmo aceitar a ausência de meus pais durante a minha vida. São tantas dúvidas, coisas tão importantes e tão tolas que queremos pedir opinião a eles e não podemos... Tantas suposições que fazemos quando imaginamos como seria se eles estivessem conosco que acabamos esquecendo daqueles que realmente estão por perto e se importam com o nosso bem-estar. – Harry abraçou seu afilhado com carinho – Ás vezes nós confundimos nossas emoções e misturamos raiva, tristeza, saudade, quando tudo que queremos é a companhia paterna e materna... Não vou pedir para você parar de lembrar deles. Só peço que não tranque todos esses sentimentos num lugar em que ninguém possa alcançar. Eu vou estar por perto Ted, como sempre estive, na forma de padrinho e também de amigo, se você permitir. Vai chegar um momento em que você pensará que os outros problemas do mundo são pequenos comparados aos seus e que ninguém entende o que você está passando...

- Acho que esse momento já chegou... – murmurou ele, com um fio de voz. Com cabelos acinzentados de tristeza e saudade.

- Só quero que se lembre de um detalhe: eu também não pude conviver com meus pais, ou seja, se tem alguém capaz de entender essa situação, sou eu. – ele se afastou um pouco do sobrinho, olhando-o nos olhos – Não menospreze o apoio que eu posso dar para você, é só esse pequeno conselho que lhe dou.

- Tudo bem, tio Harry – ele respondeu abaixando a cabeça e abraçando-o de novo – Tudo bem...

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Harry despertou através das bicadas de uma coruja cinzenta que estava empoleirada no criado mudo situado ao lado da cama que dividia com Gina. A ave era de médio porte e parecia bem determinada em acordar o homem de olhos verdes, de modo que ele acabou pegando rapidamente os óculos e ligando o abajur que estava ao lado do animal.

- Mas isso são horas? – resmungou baixinho – Que diabos será isso? – questionou ele, retirando as amarras da perna da coruja e retirando o pergaminho preso em suas pernas.

“Harry meu amigo, espero que não fique muito chateado comigo.
Bom, primeiramente Feliz Natal, não é? Segundo, gostaria de lhe falar que adquiri algumas pistas que acho que estejam ligadas ao envenenamento de seus filhos. Mas não se anime muito, pois a maior parte disso é só minha imaginação.

Certa vez, depois de um dia realmente difícil, no qual tive que supervisionar algumas detenções, ia dar uma passada rápida com a diretora Minerva para saber como resolver a situação de determinados alunos que haviam sido detidos naquela ocasião. Porém, ao chegar perto das gárgulas de pedra, vi uma coisa extremamente anormal. Ela vinha andando apressada em direção às gárgulas de pedra, com um olhar bastante preocupado, falou rapidamente a senha de acesso e entrou o mais rápido que pôde. Isso não foi tudo, o mais interessante foi o fato de os cabelos dela estavam completamente negros e com um corte masculino.

Curiosamente, o novato Chalmers esbarrou nas minhas costas me fazendo derrubar no chão todos os relatórios das detenções daquele dia. Ele reclamou que eu não devia ficar por ali naquelas horas da noite e tudo mais. Quando me abaixei para pegar minhas coisas, percebi que ele permanecera no local, me vigiando. Por conta disso, recolhi tudo depressa e rumei para o meu quarto. Acredito que ele ainda controla os meus passos dentro do castelo, mas eu finjo que não percebo nada.

Esse episódio ocorreu num dos últimos dias de aula, e achei mais apropriado escrever agora, pois dificilmente eles esperariam que me correspondesse com alguém nesse horário durante o Natal, assim a possibilidade da carta ter sido interceptada por Chalmers diminui bastante.

Bem, não sei se fui muito inconveniente, mas foi necessário para nós dois. Acredito que as atitudes desse tal de Chalmers são bastante suspeitas e como agravante creio que seu comparsa está usando a Poção Polissuco para se disfarçar como diretora McGonagall. Não sei se estou sendo muito nostálgico, mas acho que o Mapa do Maroto seria de bom uso uma hora dessas, não acha? Para identificar o maldito impostor que está em Hogwarts.

Por ora é isso.

Neville Longbottom”

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