Capitulo 2
CAPÍTULO II
Hermione alcançou as portas do Blackhawk's, às cinco horas e cinco minutos. Um ponto contra ela, pensou, gastando mais um minuto para ajeitar os cabelos, recuperar o fôlego. No fim, desistira de ir de carro e vencera correndo os dez quarteirões. Não era tão longe, mas os mocassins que usava em nada se assemelhavam a tênis.
Entrou e deu uma olhada.
O bar tinha um comprido e reluzente balcão que se curvava em aconchegante semicírculo junto ao qual uma tropa poderia se acomodar, em banquetas cromadas com assento estofado de couro preto.
Painéis espelhados em preto e prata cobriam a parede do fundo, retornando reflexos e formas.
Conforto e estilo, resumiu Hermione. Convidava a pessoa a se sentar, relaxar e gastar bastante dinheiro.
Muitos já haviam aceito. No auge da happy hour, todas as banquetas estavam ocupadas, bem como os lugares às mesinhas cromadas, bebidas e petiscos desaparecendo ao som de uma música baixa o bastante para encorajar conversas.
A maioria dos clientes usava terno e gravata e tinha maleta executiva junto aos pés. A massa trabalhadora, concluiu ela, que dera um jeito de sair do escritório um pouquinho mais cedo ou elegera o bar com local de reunião para tratar de negócios ou fechá-los.
Duas garçonetes atendiam às mesas. Ambas vestidas das de preto, mas calça em vez de saia na metade inferior. Hermione praguejou por entre os dentes.
Um homem atendia no bar, jovem, bonito, flertando abertamente com o trio de mulheres nas banquetas do extremo. Frances Cummings devia pegar no batente só mais tarde. Precisava pegar as escalas de trabalho com Potter.
— Você parece meio perdida.
Hermione olhou para o homem que se aproximava. Cabelos e olhos castanhos, barba aparada, cinqüenta, cinqüenta e um anos. O terno escuro apresentava bom corte e a gravata cinza, belo nó.
William Sloan estava bem mais apresentável nessa noite do que em seu último assalto.
Lembrando-se de que um pouco de nervosismo tornaria a representação mais convincente, Hermione ajeitou a alça da bolsa no ombro e sorriu constrangida.
— Eu sou Hermione e tinha um encontro com o sr. Potter às cinco horas. Acho que estou atrasada.
— Alguns minutos, mas não se preocupe. Will Sloan. — Ele estendeu a mão e apertou a dela rapidamente, fraternal. — Ele me pediu para ficar atento a você. Vamos subir?
— Obrigada. Bonito lugar.
— Concordo. O chefe faz questão do melhor. Vou lhe mostrar o resto.
Com a mão nas costas dela, Will a conduziu através da área do bar e viram-se numa ampla sala com mais mesas, palco de dois níveis e pista de dança.
Teto prateado, deslumbrou-se Hermione, ofuscada com as luzinhas brilhantes. As mesas eram quadrados negros sobre pedestais que se erguiam de um chão prateado enevoado com as mesmas luzinhas cintilando sob a superfície como estrelas além das nuvens.
A decoração moderna incluía toldos multicoloridos e instigantes esculturas de parede, em metal ou tecido.
Sobre as mesas, somente uma luminária de metal cilíndrica com recortes vazados na forma de lua crescente.
Um ambiente do terceiro milênio, concluiu ela. Harry Potter criara uma casa noturna de muita classe.
-Já trabalhou em um bar?
Ela já planejara o que dizer e volveu os olhos ao teto.
- Já, mas nada parecido com este. É sofisticado demais.
- O chefe queria classe e conseguiu. — Will entrou num corredor e teclou um código no painel de controle. - Espere só para ver.
Quando um lambri na parede se abriu, ele ergueu as sobrancelhas.
- Não é o máximo?
- Bárbaro. — Hermione entrou com ele no elevador e o observou entrar de novo com o código.
- Para chegar ao segundo andar, só digitando um código. Mas não precisa se preocupar com isso ainda. É nova em Denver?
- Não. Na verdade, sou daqui mesmo.
- Sério? Eu também. Conheço o chefe há muito tempo, quando nossas vidas eram bem diferentes...
As portas do elevador se abriram direto para o escritório de Harry. Era um espaço amplo, metade trabalho, metade lazer, esta com sofá de couro em cor vibrante, duas poltronas super confortáveis e uma enorme me televisão a exibir um jogo de beisebol noturno sem som.
Hermione não se surpreendeu com a preferência por esportes, mas olhou pasma para as estantes de livro que iam do chão ao teto.
Atentou então à área de trabalho, tão formal quanto a outra metade era descontraída. Junto à escrivaninha, microcomputador e telefone.
Observou um monitor de vídeo com imagens do bar lá embaixo. A única janela permanecia cerrada por persianas bem fechadas. O carpete era grosso e aconchegante, cinza-pedra.
De pé e de costas para a parede, Harry cumprimentou com a mão enquanto encerrava um telefonema.
— Eu lhe dou uma resposta. Não, até amanhã, não. — Ergueu o sobrolho, divertido, ao ouvir a réplica. – Espere e verá.
Com isso, desligou e se sentou na cadeira.
— Oi, Hermione. Obrigado, Will.
— De nada. Até mais, Hermione.
— Muito obrigado.
Harry aguardou até as portas do elevador se fecharem.
— Está atrasada.
— Eu sei, mas não pude evitar. — Ela se voltou; para o monitor de vídeo, dando-lhe a oportunidade de correr o olhar por suas costas e pernas longas.
Perfeita, concluiu Harry. Simplesmente Perfeita.
— Tem câmeras em todas as áreas públicas?
— Gosto de saber o que se passa em meu estabelecimento.
Disso, ela não duvidava.
— Guarda as fitas?
- São trocadas a cada três dias.
- Gostaria de ver as imagens gravadas.
- Para requerê-las, precisará de um mandado.
Ela olhou por sobre o ombro. Harry trocara de roupa, envergando agora um terno preto de bom corte italiano, podia apostar.
- Pensei que havia concordado em cooperar.
- Até certo ponto. Está aqui, não está? — O telefone começou a tocar, mas Harry não tendeu. — Por que não se senta? Vamos elaborar um plano.
Hermione não se sentou.
- O plano é este: disfarçada de garçonete, converso com clientes e funcionários. Enquanto trabalho, fico de olhos bem abertos e você se mantém fora do meu caminho.
-Acontece que não preciso ficar fora do caminho de ninguém no meu estabelecimento. Já trabalhou em um bar?
- Não.
- Já serviu mesas?
- Não. — Hermione irritou-se com a expressão aborrecida - Qual é o segredo? Anota-se o pedido, entrega-se o pedido , serve-se o pedido. Não sou retardada.
Harry deu aquele seu sorriso rápido e poderoso.
- Parece fácil para quem passou toda a vida do outro lado do balcão. Acontece que vai precisar de treinamento, detetive. A chefe no seu turno é Beth. Até pegar o jeito, você vai só ajudar. Isso significa...
— Já entendi.
- Ótimo. Escalei-a para o turno das seis às duas. Terá quinze minutos de descanso a cada duas horas. Não pode beber em serviço. Se algum cliente se engraçar demais ou passar do limite, fale comigo ou com Will.
— Sei me cuidar.
— Aqui você não é policial. Se alguém tocar em você de maneira imprópria, fale comigo ou com Will.
— Isso acontece muito?
— Mais comigo. As mulheres não conseguem tirar as mãos de cima de mim.
— Ha-ha...
Sério, Harry esclareceu:
— Não, não acontece muito, mas alguns sujeitos ficam meio confusos quando bebem. Só que aqui eles ficam confusos apenas uma vez. A casa começa a encher por volta das oito horas. O entretenimento começa às nove. Terá muito o que fazer.
Levantando-se, rodeou-a.
— Disfarçou-se bem, nem parece policial. Só alguém muito perspicaz para desconfiar. Gostei da saia.
Hermione esperou até ficarem frente a frente.
— Preciso das escalas de trabalho de todos os funcionários. Ou vai exigir um mandado?
— Não, estão na mão. — Harry apreciou a escolha do perfume dela: fresco e feminino. — Terá cópias na hora de ir embora. Não contrato ninguém sem rigorosa pesquisa de antecedentes. Nenhum funcionário aqui veio de família certinha e bonitinha nem teve uma vida certinha e bonitinha.
Acionando o controle remoto, Harry captou a imagem da câmera sobre a área do bar.
— O rapaz que acaba de encerrar seu turno foi criado pelos avós quando a mãe se escafedeu. Envolveu-se em encrencas aos quinze anos.
— Que tipo de encrencas?
- Foi pego com um papelote no bolso. Tomou jeito, lacraram seus registros, mas foi franco comigo ao pedir o emprego. Agora, estuda à noite.
Hermione encarou Harry.
- Todo mundo é sempre franco com você?
- Os espertos, sim. — Ele indicou a tela. — Aquela é Beth
Hermione viu uma morena baixa de uns trinta anos assumindo o atendimento ao balcão.
- O filho da mãe com quem se casou costumava espancá-la. Ela teve os três filhos em casa, hoje com dezesseis, doze e dez anos. Trabalha comigo há cinco anos, não ininterruptamente, mas a cada duas semanas aparecia de olho roxo ou lábio rasgado. Pegou os filhos e abandonou o marido há dois anos.
- Ele se conformou?
Harry a fitou.
- Convenceram-no a mudar de cidade.
- Sei. — Com raciocínio policial, Hermione entendeu que fora Harry Potter quem mandara o recado ao ex-marido de Beth. — Ele se mudou inteiro?
- Apresentava bom estado. Vou acompanhá-la até lá em baixo. Pode deixar sua bolsa aqui, se quiser.
- Não, obrigada.
Ele apertou o botão do elevador.
- Presumo que carregue sua arma aí. Deixe aí mesmo. Os funcionários dispõem de armários numa área reservada atrás do bar. Terá um e poderá guardar a bolsa. Neste turno, Beth e Frannie têm as chaves. Will temos chaves e códigos para todas as áreas o tempo todo.
- Que braço de ferro, Potter.
— É preciso. — Entraram no elevador. — Qual vai ser nossa história? Como nos conhecemos?
— Eu precisava trabalhar e você me arranjou um emprego. — Hermione deu de ombros. — Digamos que o abordei naquele seu outro bar.
Harry assentiu.
— Gosta de esportes?
Ela sorriu.
— Qualquer coisa que tenha lugar fora de um campo, quadra ou ringue é perda de tempo.
— Por onde você andou minha vida toda? — Harry a tocou no braço enquanto saíam ao piso térreo. - Jays ou Yankees?
— Os Yankees estão batendo forte nesta temporada, mas estão com a luva furada. Os Jays apresentam tacadas confiáveis e nas bases dão show de garra e eficiência. Garra e eficiência sempre superam a força bruta, na minha opinião.
— Está falando de beisebol ou é sua filosofia de vida?
— Potter, beisebol é vida.
— Você me convenceu. Temos de nos casar.
— Oh, meu coração flutua — replicou Hermione, secamente, já esquadrinhando a área do bar. O nível de ruído subira vários decibéis. Junto ao balcão, ainda pessoal que escapulira do trabalho mais cedo, não os que costumava jantar.
Alguns pareciam só matar o tempo, outros procuravam parceiros transitórios, mas um ou outro parecia caçar.
As pessoas eram tão descuidadas, observou Hermione, divertida. Distraídos sobre a bebida, muitos homens ofereciam a carteira recheada no bolso traseiro ao primeiro mão-leve que passasse. Bolsas pendiam vulneráveis nos encostos das cadeiras e banquetas. Paletós e jaquetas, provavelmente com molhos de chaves de casa e do carro, jaziam esquecidos por toda parte.
- Todo mundo acha que só acontece com os outros – murmurou Hermione, indicando discretamente um cliente no balcão do bar. — Veja aquele tipo apresentador de noticiário, por exemplo.
Harry logo reparou na carteira do indivíduo no bolso traseiro da calça, estourando de cédulas e cartões de créditos.
- Ele está de olho naquela ruiva, ou na amiga loira, não importa — informou Harry, experiente. — É provável que consiga a loira.
- Por quê?
- Pode chamar de intuição. Quer apostar?
- Não tem permissão para promover o jogo nestas dependências. — Impressionada, Hermione viu a loira se inclinar para o homem de carteira recheada, batendo os cílios. — Palpite certeiro.
- Foi fácil. Assim como a loira. — Harry conduziu Hermione ao encontro de Beth e Will, que estudavam o livro de reservas aberto sobre um suporte preto.
- Olá patrão. — Beth puxou o lápis encaixado na orelha e fez uma anotação no livro. — Parece que vamos lotar a maioria das mesas mais de duas vezes esta noite. Muitas reservas para jantar no meio da semana.
-Acho que adivinhei, tanto que já trouxe ajuda. Beth Dickerman, Hermione Granger. Ela precisa de treinamento.
-Oh, outra vítima. — Beth estendeu a mão. — Prazer em conhecê-la, Hermione.
- Mione. Obrigada.
— Ensine-lhe tudo, Beth. Ela vai só ajudar até você achar que está em condições de atender sozinha.
— Ela aprende em dois tempos. Venha comigo, Mione. — As duas se misturaram à multidão. — Já trabalhou na área de alimentos?
— Bem, eu como.
Beth riu.
— Bem-vinda ao meu mundo. Frannie, esta é Mione nova garçonete em treinamento. Frannie é a chefe bar.
— Prazer em conhecer — declarou Frannie, sorridente, enquanto jogava gelo num copo para bater e enchia um copo com soda.
— E aquele espécime de arrasar ali na outra ponta é Pete.
O negro de ombros largos deu-lhes uma piscadela enquanto preparava um drinque colorido.
— Já vou avisando: nada de se engraçar com Pete porque ele é meu e só meu. Certo, Pete?
- Só tenho olhos para você, minha flor.
Risonha, Beth destrancou uma porta restrita a funcionários.
— Pete é casado e está para ganhar o primeiro filho. É tudo brincadeira. Agora, se precisar entrar aqui por qualquer motivo... Oi, Jan.
— Oi, Beth. — A morena curvilínea prendia com pentes os cabelos que lhe alcançavam a cintura, destacando o belo rosto em forma de coração. Vinte e poucos anos, estilo moderno. Usava saia pouco maior do que um guardanapo e camisa justa com botões prateados. Prata reluzia em seus pulsos, orelhas e pescoço enquanto renovava o batom diante do espelho.
— Está é Mione, novata.
- Oi. – Jan sorriu amigável, mas medindo com o olhar. Uma mulher analisando a concorrência.
- Jan trabalha na área do bar — explicou Beth. – Mas atende às mesas, se precisarmos. — Ouviram-se risos do lado de fora. — Está ficando animado.
- É melhor eu ir logo. — Jan amarrou à cintura um avental preto com muitos bolsos. — Boa sorte, Mione, e bem-vinda à bordo.
- Obrigada. Todos são tão simpáticos — comentou com Beth, quando ficaram sozinhas.
- Todos que trabalham para Harry acabam formando uma família. Ele é ótimo patrão. — Ela tirou um avental de uma estante. — A gente trabalha muito, mas Harry dá a entender que percebe e valoriza. Isso faz a diferença. Pegue, vai precisar disto.
- Trabalha para ele há muito tempo?
- Uns seis anos, parando e voltando. Eu servia às mesas no Fast Break, o outro bar dele. Quando inaugurou este aqui, ele me perguntou se eu queria mudar. É mais chique e mais perto da minha casa. Pode guardar sua bolsa aqui. — Beth abriu um armário estreito. – Pode mudar o código girando até o zero duas vezes.
- Ótimo. — Hermione guardou a bolsa, não sem antes tirar o aparelho de bip e prendê-lo no cós do avental. Fechou o armário e mudou o código da fechadura. — Acho que é só isso.
- Quer ir ao banheiro ou algo assim?
- Não. Só estou um pouco nervosa.
— Não se preocupe. Daqui a algumas horas, seus pés vão doer tanto que os nervos estarão em segundo lugar.
Beth estava certa. Quanto aos pés. Por volta das dez horas, Hermione tinha a impressão de que andara trinta quilômetros em sapatos desconfortáveis e carregara umas três toneladas de bandejas com louça suja.
O caminho entre as mesas e a cozinha já podia fazer até de olhos fechados.
O som da banda ao vivo era consideravelmente mais alto do que o da música gravada que tocavam até por volta das nove horas. A multidão tinha que gritar para se fazer ouvir na pista de dança repleta e em torno das mesas lotadas.
Hermione empilhava pratos na bandeja, atenta aos freqüentadores.
Pululavam roupas de grife, relógios caros, telefones celulares e maletas de couro. Uma mulher exibia um enorme anel de diamante para três amigos.
Clientela de alto poder aquisitivo, pensou Hermione. Alvos potenciais para furtos.
Erguendo a pesada bandeja, tomou o rumo da cozinha, mas parou para atender ao chamado de cliente com uma moça.
— Querida, poderia trazer mais drinques para mim e minha acompanhante?
Hermione inclinou-se, estampou seu sorriso mais doce e sussurrou a resposta.
— Ei, só tiras têm boca suja assim — replicou homem, baixinho, divertido.
- Da próxima vez, eu vou ficar sentada só olhando, Hickman, enquanto você faz todo o trabalho. — Hermione disfarçou e olhou para o salão. — Já viu algo que eu deva saber?
— Nada. — Ele pegou a mão da moça ao lado. – Mas Carson e eu estamos apaixonados.
Sorridente, Lynda Carson apertou violentamente a mão do colega.
— Só na sua cabeça.
— Fiquem atentos. — Hermione olhou severa para o copo na mão de Hickman. — Espero que seja só soda.
– Que rigidez — resmungou ele, vendo-a se afastar.
A caminho da cozinha, Hermione informou a Beth:
— O casal da mesa dezesseis está pedindo novos drinques.
— Já vou atender. Você está indo muito bem, Mione. Depois de levar essa bandeja, pode descansar.
— Não precisa dizer duas vezes!
A cozinha estava um caos, quente, com os pedidos lançados aos gritos.
Aliviada, Hermione pousou a bandeja e então viu Frannie saindo de fininho pela porta dos fundos.
Esperou dez segundos e foi atrás dela.
Recostada na parede externa, Frannie dava a primeira tragada no cigarro. Expirou a fumaça lentamente.
— Está na folga, também?
— Estou – confirmou Hermione. — Vim tomar ar.
— Está demais hoje. O Blackhawk’s está mesmo fazendo o maior sucesso. — Frannie tirou o maço de cigarros do bolso e ofereceu.
— Não obrigada. Eu não fumo.
— Que ótimo. Não consigo largar. Não é permitido fumar lá dentro. Harry me deixa subir ao escritório dele quando está chovendo. E então, como está sua primeira noite?
— Meus pés estão me matando.
— Ossos do ofício. Assim que receber o primeiro salário, compre sais para escalda-pés. Se acrescentar eucalipto, então, estará no céu.
— Vou me lembrar disso.
Frannie era bonita, reparou Hermione, embora os pés-de-galinha no canto dos olhos a fizessem aparentar mais do que seus vinte e oito anos. Tinha cabelos ruivos curtos e se maquiava com discrição. Não passava esmalte nas unhas curtas nem usava anéis. A exemplo das demais funcionárias, vestia-se de preto, camisa, calças e sapatos resistentes mas confortáveis.
O único brilho vinha dos brincos prateados.
— Como foi que começou a trabalhar em bar? – Indagou Hermione.
Frannie hesitou, dando mais uma tragada no cigarro.
- Eu freqüentava muito e, quando decidi trabalhar de verdade, Harry me ofereceu emprego. Aprendi serviço no Fast Break. É um bom trabalho. Exige um pouco de memória e jeito para lidar com pessoas. Interessada?
- Primeiro vou ver se consigo chegar ao fim do turno carregando bandejas. Depois, vejo se tenho jeito para a coisa.
— Você tem jeito de quem encara o que for preciso.
Hermione sorriu, atentando aos olhos argutos de Frannie.
— Acha mesmo?
- Capacidade de observação é um dos requisitos nesta área. E, pelo que vejo, você não é do tipo espera passar o resto da vida servindo mesas.
—A gente tem de começar de algum jeito. E pagar o aluguel é prioridade.
- Vem dizer isso a mim? — Mas Frannie já notara que os mocassins de Hermione equivaliam a meio mês de aluguel de seu apartamento. — Bem, se quiser subir aqui dentro, terá de convencer Harry. Já deve ter percebido isso.
Frannie deixou cair o cigarro e esmagou a ponta em brasa.
- Preciso voltar. Pete emburra se prolongo a folga.
A ex-prostituta se referia a Harry em tom possessivo, constatou Hermione. Deviam ser amantes, considerando também o empenho com que ele a defendia.
Como amante do patrão e funcionária de confiança, Frannie encontrava-se em posição privilegiada para alvos e passar adiante a informação. O bar ficava de frente para a entrada. Quem quer que entrasse e saísse passava por seu posto de trabalho,
Os clientes pagavam com cartões de crédito, através dos quais era possível conseguir o endereço.
Valia a pena vigiá-la mais detidamente.
Harry empreendia sua própria investigação, tanto do escritório quanto da área pública do estabelecimento. Sabia bastante sobre vigarice para selecionar alvos como se os quisesse. Três clientes encabeçariam sua lista se estivesse colaborando com a quadrilha de ladrões. Também identificou o casal de policiais disfarçados na mesa dezesseis e foi cumprimentar.
-Tudo em ordem por aqui?
A moça sorriu e afastou com a mão a mecha de cabelos loiros curtos.
-Tudo perfeito. Fazia semanas que não saíamos, Bob e eu, de tão ocupados com o trabalho,
- Que bom que escolheram o Blackhawk’s. — Harry apertou a mão no ombro de Bob e sussurrou: — Da próxima vez, troque as botinas. Elas entregaram você. Divirtam-se
Ouviu a moça abafando o riso enquanto se afastava.
Aproximou-se da mesa que Hermione limpava vigorosamente.
— Como está indo?
— Ainda não quebrei nenhum prato.
— E já quer aumento?
- Acho que vou ficar com meu outro emprego obrigada. Acho que prefiro varrer as ruas a limpar as mesas. — Com uma careta de dor, massageou a base da coluna.
— Voltamos a servir no balcão às onze horas, e aí não terá tantas bandejas para carregar.
— Aleluia.
Harry pousou a mão no braço dela antes que erguesse a bandeja.
— Deu uma prensa em Frannie lá fora?
— Como?
— Ela saiu, você saiu, ela entrou, você entrou.
- Estou fazendo meu trabalho. Não obstante, resisti à tentação de deixar umas marcas na carinha bonita dela. Agora, deixe-me passar.
— Hermione?
Ela parou e grunhiu:
— O quê?
— A força bruta venceu sua garra e eficiência, oito a dois.
— Um jogo não faz temporada.
Nariz empinado, Hermione se foi. Atravessava a pista de dança quando um cliente lhe de um tapinha nas nádegas, esperançoso. Estacou, voltou-se devagar e lançou-lhe um olhar glacial. O homem recuou, ergueu as mãos desculpando-se e misturou-se aos dançarinos.
— Ela sabe se cuidar — comentou Beth com o patrão.
— Parece que sim.
— Trabalha de verdade e sem reclamar. Gostei da sua namorada, Harry.
Surpreso com o comentário, ele apenas observou a funcionária de afastar.
Riu baixo e meneou a cabeça. Céus, tinha que dar resposta!
Hermione quase chorou de alívio ao atender ao último pedido. De pé desde as oito horas da manhã, só pensava em ir para casa, desabar na cama e dormir durante todas as preciosas cinco horas que tinha antes de começar tudo de novo.
- Vá para casa — ordenou Beth. — Explico como é o encerramento amanhã. Você foi muito bem.
— Está falando sério? Obrigada.
— Will, pode abrir o vestiário para Mione?
- Claro. Tivemos boa freqüência hoje. Nada me agrada mais o que a casa cheia. Que tal um drinque antes de sair?
— Não, a menos que possa refrescar meus pés nele.
Ele riu deu um tapinha encorajador nas costas.
— Frannie pode me servir um?
— Está na mão.
- Sempre tomo um conhaque no fim do batente. Um cálice, do melhor. — Will destrancou a porta do vestiário. – Se mudar de idéia, é só puxar uma banqueta. O patrão não cobra dos empregados o último drinque da noite.
Afastou-se assobiando.
Hermione abriu seu armário, guardou o avental e pegou a bolsa. Vestia a jaqueta quando Jan entrou.
— Já vai? Parece cansada. Estou só começando, a esta hora da noite.
— Estou para morrer há uma hora já. — Hermione parou à porta. — Seus pés não doem?
- Não, acho que são de aço. Ganha gorjetas maiores de salto alto, sabia? — Jan inclinou-se para a frente e passou a mão pela perna. — Vou fundo no funciona.
— Faz bem. Boa noite.
Hermione saiu do vestiário, fechou a porta e trombou com Harry.
— Onde estacionou?
— Vim a pé. — Correndo, recordou Hermione, mas na mesma.
— Eu a levo, então.
— Prefiro ir a pé. Não é longe.
— Às duas horas da madrugada, até um quarteirão é longe.
— Potter, sou policial.
— Isso quer dizer que é à prova de balas? – Antes que ela respondesse, ele a segurou pelo queixo. – No momento, não é policial. É funcionária do meu bar e filha de um amigo. Eu a levo para casa.
- Está bem. Mas porque meus pés estão me matando.
Ela tentou se desvencilhar da mão dele, mas Harry a segurou pelo braço.
— Boa noite, patrão! — despediu-se Beth, sorridente. — Arrebate a garota pelos pés.
— É o que pretendo. Até mais, Will. Boa noite, Beth.
Hermione continuava desconfiada de Will, ora brindando com o cálice de conhaque, e de Frannie, que a observava atenta e séria.
— Posso saber o que foi aquilo? — indagou a Harry assim que saíram ao ar frio.
- O dono do bar se despedindo de amigos e funcionários. Estacionei no outro lado da rua.
- Perdão, mas só meus pés estão entorpecidos, não meu cérebro. Você deliberadamente deu a entender que estamos envolvidos.
- Isso mesmo. Não tinha pensado nisso, até que Beth comentou, há pouco. Simplifica as coisas.
Hermione parou junto a um esportivo preto.
- Pode me explicar por que as pessoas pensarem que estamos envolvidos simplifica as coisas?
– E se diz detetive. — Harry destrancou a porta do passageiro e a abriu. — De repente, apareço com uma funcionária nova, sem experiência, uma morena de pernas maravilhosas. A primeira coisa que devem ter pensado é que estou interessado em você. A segunda é que você está interessada em mim. Juntando tudo isso chega-se a um romance. Ou, no mínimo, sexo. Vai entrar?
- Ainda não explicou como tudo isso simplifica as coisas?
- Se acreditarem que estamos envolvidos, as pessoas não estranharão se você for ao meu escritório. Vão entender.
Hermione raciocinou e acabou concordando.
- Está bem. Há vantagem na encenação.
Impulsivo, Harry a prensou entre seu corpo e a porta do carro. Soprava uma brisa leve, suficiente para espalhar o perfume que ela usava. O brilho da lua se refletia nos olhos cor de uísque. O momento lhe parecia perfeito para dar veracidade ao plano.
- Pode haver mais de uma vantagem.
Hermione irritou-se com o arrepio na espinha.
- Para trás, Potter.
— Beth está olhando pela janela e é romântica a despeito de tudo o que lhe aconteceu. Está louca para assistir a um beijo, daqueles bem demorados, com suspiros, com o sangue a ferver...
Ele lhe afagara os quadris enquanto falava, deslizando as mãos para cima, até logo abaixo dos seios. Ela sentiu a boca seca e uma ansiedade nas entranhas.
- Infelizmente, Beth vai se decepcionar.
Harry concentrou-se em sua boca.
— Não só ela. — Afastou-se. — Não se preocupe detetive. Nunca forço policiais, nem filhas de amigos.
— Nesse caso, tenho proteção dupla contra seu charme irresistível.
— Ótimos para ambos, porque eu estou mesmo interessado em você. Vai entrar?
— Vou. — Hermione se acomodou no assento e esperou a porta se fechar antes de expirar longamente.
Não sabia a procedência daquele ataque de luxúria mas teria que passar. Com o coração disparado, ordenou ao corpo que esfriasse. Deveria se concentrar apenas no trabalho.
Harry sentou-se atrás do volante, perturbado com a pulsação acelerada.
— Para onde? — Ao ser informado do endereço, girou a chave na ignição e olhou-a inconformado. — São quase dois quilômetros. Por que veio a pé?
— Porque era horário de congestionamento e achei melhor não pegar o carro. São só dez quarteirões.
— Que absurdo.
Raivosa, Hermione nem reconheceu a vibração do aparelho de bip, achando que tremia. Finalmente, verificou número no visor.
- Oh, não! – Tirou o telefone celular da bolsa e digitou rapidamente. – Detetive Granger... Entendido, estou a caminho.
Mais calma, guardou o telefone.
- Já que se ofereceu como chofer, vamos logo. Houve outro furto.
- Onde?
- Leve-me para casa, para eu pegar o meu carro.
- Vamos direto, Hermione. Para que perdermos tempo?
Obs:Capitulo 2 postado!!!!Espero que tenham curtido!!!!Na sexta tem mais fic atualizada!!!!!Bjux!!!!Adoro vocês!!!!
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