Você vai precisar voar.
Já fazia algum tempo que estava acordada. Contudo preferi permanecer deitada em minha cama observando como, lentamente, as sombras iam mudando de lugar à medida que o sol nascia. Puxei as cobertas mais pra cima fazendo com que meus pés ficassem descobertos. Uma coisa quente e macia passou por eles me fazendo cócegas. Não me assustei, pois sabia de quem se tratava...
- Oi Nando. Por onde você andou hein? – sussurrei me esticando para alcançá-lo. Puxei meu gato mais pra perto de mim e comecei a afagar atrás de suas orelhas. Ele miou baixinho em concordância e depois de certo tempo começou a cochilar.
Deixei meus pensamentos voarem longe. Instantaneamente, como se estivesse só esperando pra entrar em ação, minha mente foi invadida pela lembrança daquela estranha sensação que senti na aula de Herbologia ao tocar a mão do Bo. O que terá sido aquilo que senti? Foi tão bom! Fechei os olhos me forçando a sentir a mesma coisa, não funcionou. Abri os olhos frustrada.
Não sei quanto tempo mais permaneci deitada. Sei que não deve ter sido pouco, pois minhas colegas de quarto já começavam a dar sinais de vida. A primeira delas foi Corine.
- Amelie, você já tá acordada? – perguntou baixinho por trás da cortina que pendia da cama. Como demorei pra responder (nem me dei ao trabalho) ela se ajoelhou ao lado da cama e puxou a cortina por cima da cabeça. – Sabia... – sussurrou me vendo de olhos abertos. – Então você resolveu finalmente aparecer. – disse agarrando Ferdinando e lhe dando um abraço. – Amelie, é melhor levantar agora que as meninas ainda tão dormindo...
- Certo. – murmurei jogando as cobertas pro lado e levantado. Caminhei até o banheiro sob o olhar de minha prima que agora estava sentada na própria cama com Nando no colo.
Quando saí do banheiro as outras garotas tinham acordado e estavam conversando animadamente.
- Ainda bem que amanhã é sábado! Não aquento mais! Os professores devem tá pensando que somos de ferro pra passar tantos deveres. – ia dizendo Kate Dawson trançando os cabelos crespos. É nossa companheira de quarto mais tagarela, tem mania de reclamar de tudo (resmungona que só ela!) e é um pouco mimada por ser filha única. Não nos falamos muito.
- Tem razão! Estamos na primeira semana de aula e já estou atrasada com os deveres de três matérias. – concordou Yumi Michaelson, nossa outra colega de quarto. Parece uma japonesa: tem o cabelo escuro, curto e repicado, pele amarelada e olhos puxados. É super tímida, só a escuto falar alguma coisa quando está no dormitório (Corine diz que ela é uma tremenda duma sonsa, isso sim. Não sei de onde tirou isso...). Ela e Kate sempre andam juntas.
- Ainda tenho que terminar meu dever de poções. – suspirou Corine.
Eu e Corine fomos as primeiras a nos aprontar e descer. Quando já estávamos quase acabando o café da manhã eles (nem preciso dizer quem eram) entraram no salão. Não pude deixar de olhá-los por cima do ombro de Dave, que tava sentada ao meu lado, mas logo desviei o olhar com medo que alguém percebesse (o Bo era esse alguém).
- Fui péssimo na aula de Herbologia de ontem, e vocês? – indagou Dave sorrindo pra nós duas. Desvie olhar pra minha xícara vazia. Esse assunto não, por favor?!
- Eu não tô falando com você, Dave! – disse Corine amargamente.
- Por quê? O que foi que eu fiz? – começou em tom falsamente ofendido. – Ah, ainda tá brava por causa daquela brincadeirinha inofensiva, a Amelie nem ligou num foi? – disse passando o braço por cima de meus ombros e abrindo um sorriso maior ainda.
- Liguei sim! – falei irritada.
- Tudo isso porque falei a verdade?! Da próxima vez digo que vocês parecem com filhotes de trasgos então. – falou calmamente tomando um gole de leite.
- Ouse... – começou minha prima lançando a ele um olhar mortal.
- Num faz essa cara senão vão acreditar em mim quando disser isso... – falou com expressão séria que me deu uma vontade incontrolável de rir (o Dave sério, o mundo vai acabar!). Comecei a rir discretamente...
- Não ri Meli. Agora ele vai pensar que teve graça!– falou Corine aborrecida. O problema é que teve.
- Não consigo ficar muito tempo com raiva dele. É praticamente impossível! – falei entre risos.
- Há-há! Sabia que você me amava! – disse piscando pra mim. Dave é engraçado mesmo. Não da pra ficar muito tempo sem falar com ele, a vida fica sem graça.
- Já ficaram amiguinhos é? – indagou Helena sarcasticamente sentando ao lado de Corine.
- O amor supera tudo! – falou ele poeticamente.
- Você é tão patético! – disseram Corine e Helena. Essa era uma coisa que costumavam repetir frequentemente pra ele (e que me fazia rir).
As aulas foram um tanto monótonas. Ninguém parecia muito disposto a ficar trancado naquelas salas quentes enquanto lá fora corria uma refrescante brisa. A maioria dos alunos procurava lugares próximos às janelas de onde podiam observar o lago, cobiçosos.
- Quase cochilei na aula de Historinhas pra dormir. – brincou um Dave sonolento coçando os olhos. – Parece que o professor em vez de falar, canta música de ninar.
- Tem razão. Nem sei quantas vezes bocejei lá. – concordou Iago juntando-se a nós enquanto subíamos as escadas em direção à torre de grifinória. – Me deixa te ajudar com os livros Meli? – pediu, mas os pegou antes mesmo de ouvir a resposta. Ele pegou essa mania desde o terceiro ano. Sempre que me vê com muitos livros (ou poucos) pede pra ajudar e vai logo pegando. Às vezes também faz isso com Corine e a irmã, mas não com a mesma freqüência que faz comigo. Acho que é porque, ao contrario delas, nunca me importei.
- História da Magia é uma matéria importante! Vocês deviam levá-la mais a sério, sabia? – disse Corine séria.
- E levamos priminha. Não temos culpa se eles descobriram o melhor sonífero de todos os tempos. Vamos combinar: um professor fantasma, ensinando a história da revolução dos doentes ou duendes... em fim... não faz diferença mesmo..., com aquela animação toda! – disse sarcástico. – Bota qualquer um pra dormir.
- Pois eu não senti sono algum! – protestou ela quando já estávamos chegando perto do retrato da mulher gorda.
- Fala sério Corine! Um dia desses ouvi você dizer a Amelie que tinha preguiça de estudar a matéria. – falou Dave descrente. – Me deixa te ajudar com os livros? Hun-hun? – disse piscando pra ela. Eu, Iago e Helena não agüentamos e começamos a rir, descontroladamente.
- Não, obrigada! Já estamos chegando mesmo. – respondeu friamente.
- Como você consegue primo?! – indagou olhando pra Iago que estava quase sufocando de tanto rir. Claro que não era o único!
- Como VOCÊ consegue... – falou Helena, ainda entre risos, quando chegamos em frente ao retrato. -... ser tão ... ridiculamente engraçado. Assim num dá nem pra ficar com raiva. - “A senha?” pediu a mulher gorda.
- Então estou perdoado? – indagou olhando-a, ela confirmou com a cabeça, animada. - Viu só Corine. Até a Lena já me perdoou. Por que não faz o mesmo? – “A senha, por favor?” pedia a mulher gorda irritada.
- Por que não sou fraca como as duas. – disse apontando pra mim e Lena. “A SENHA, por favor?”
- Puro hidromel! – falou Malfoy com um sorrisinho enviesado e uma cara de tédio. “Senha correta.” suspirou a mulher gorda abrindo a passagem. – Desculpem, mas estão bloqueando a passagem. – falou desdenhoso. Olhei pra Corine, que retribuiu olhar. Sei exatamente o devia estar sentido, pois acho que senti o mesmo. Uma sensação de peso no estomago e acanhamento (nada novo pra mim). Nós abrimos espaço pra eles passarem. O Bo foi o último a entrar e ao fazê-lo olhou diretamente pra mim, que estava encostada na parede bem ao lado do retrato, sorrindo. Gelei na hora.
- Carinha implicante?! – comentou Dave fazendo careta.
- Não mais que você! – disse Corine dando as costas e entrando pelo buraco do retrato.
- Cara, o que foi que eu fiz? – indagou surpreso. Nós apenas demos de ombros e seguimos nossa prima.
Corine devia ter ido direto pro dormitório, pois não estava na sala comunal. A principio pensei que era por estar com raiva do Dave (a achei injusta). Contudo, ao olhar melhor sala (lotada), percebi que Malfoy se encontrava sentado perto da lareira jogando xadrez bruxo com uma quartanista. Bo e Hansen estavam ao seu lado assim como duas outras meninas. Será que ela teria ficado com ciúmes? Que tolice...
- Num sobe agora não Amelie. – pediu Iago colocando meus livros encima de uma mesinha.
- Não vou. - não tinha a mínima vontade de subir e encontrar minha prima emburrada. – Vamos fazer o que? – perguntei colocando minha mochila junto dos livros.
- Que tal uma partida de Snape Explosivo? – perguntou Helena animada.
- Tudo bem. – ao ouvir isso ela me puxou até duas poltronas que ficavam perto da lareira. Não fiquei muito feliz com isso, mas não demonstrei e nem falei nada. Iago e Dave nos seguiram e puxaram outras poltronas pra perto das nossas.
Já estávamos no final da partida quando escutamos um grito.
- Eu ganhei! – comemorava a menina que estivera jogando xadrez com Malfoy. – Sou melhor que você. Admita Vincent. – disse sorridente.
- Eu não vou admitir nada. Sorte de principiante... - disse entediado saindo de perto dela com os amigos no encalço.
- Imbecil. – murmurou a menina dando língua pra ele. Gostei dela! – Alguém quer jogar comigo? – perguntou olhando ao redor enquanto as outras duas garotas, que deviam ser suas amigas, balançavam a cabeça negativamente.
- Eu quero. – falei abandonando minhas cartas. Ela me olhou curiosa e depois sorriu.
- Amelie, a partida ainda não terminou. – reclamou Lena.
- Comecem uma nova. Não gosto muito desse jogo... – isso era mentira. Eu gosto do jogo, só não tava mais com vontade de jogar. Tava perdendo mesmo!
- Tá chato mesmo! – comentou Dave abandonado as cartas. – Que tal um torneio de xadrez? Quem perder...
- Paga uma prenda?! – interrompeu a menina entusiasmada.
- Não. Quem perder não ganha ué?! – disse fazendo as meninas sorrirem.
- Essa não teve graça. – disse Helena dando um tapa nele.
- Qual seu nome? – perguntou Iago fazendo as garotas sorrirem bobamente.
- Me chamo Stacy Markey, e essas são Sally Reed e Ruth Lambert. – falou apontando as amigas.
- Oi, prazer. – cumprimentou acenando pra elas; que coraram envergonhadas. - Meu nome é Iago Weasley, essa é minha irmã Helena, meu primo Dave e minha prima...
- Amelie Potter! – terminaram as três entediadas.
- Sabemos quem são vocês. Não precisam se apresentar. – disse uma das garotas; que era loira, alta e usava óculos. Acho que era a Ruth.
- Nós somos tão famosos assim? – indagou Dave brincalhão.
- Bem... você é conhecido por ser engraçado e arteiro, a Helena por ser linda, a Amelie por ser filha do “Grande Potter”, entre outras coisas, e o Iago por ser muito bon... – parou nessa parte corando furiosamente. - ...por ser muito simpático. – concluiu envergonhada.
- Vamos começar? – perguntei um tanto impaciente. Não gosto muito desse assunto. É estranho que quase todo mundo te conheça por algo que nem foi você que fez...
- Ah... claro! – disse Stacy voltando o olhar pra mim. Começamos a jogo. Meus primos e as amigas dela nos observavam e conversavam distraidamente. A partida não foi fácil, mas, por fim, ganhei.
- É... não da pra competir.- resmungou ela com um sorriso amarelo. – Mas, é como dizem, o que vale é participar, não é?!
- Que é isso. Você foi bem! – disse tentado ser amigável.
Depois disso joguei contra a Ruth e contra o Iago, ganhando de ambos.
- Gosta de ganhar, né? – indagou Iago sorrindo e levantado da poltrona pra dar lugar ao próximo concorrente.
- Eu posso jogar? – perguntou Bo se aproximando de onde estávamos. Com o susto, levantei a cabeça tão depressa que fiquei meio tonta. Ai, Deus do céu!
- Claro! – respondia rápido, baixando a cabeça e fingindo ajeitar as peças no tabuleiro.
Ele sentou a minha frente e mesmo assim evitei encara-lo (nada fácil!). Começamos a jogar, eu com as peças brancas e ele com as pretas. Estava tão constrangida que nem consegui me concentrar direito no jogo.
- Não, Meli... – choramingou Helena após mais uma jogada errada que eu tinha feito.
Mas, por mais que eu errasse e deixasse minhas peças sobre ameaça, ele parecia não perceber isso.
-“Ou é muito desligado ou está me deixando ganhar.” – pensei enquanto o esperava terminar a jogada – “Não, ele não está me deixando ganhar. Simplesmente acaba de me entregar o jogo!” – o olhei confusa (não fui à única). Ele estava com olhar perdido como se não soubesse o que acabara de fazer.
- Xeque...- falei ainda confusa.
- Você ganhou. Parabéns! – disse calmamente, me dando um sorriso que não pude deixar de retribuir sentido a mesma sensação estranha da aula de Herbologia.
- É isso ai, prima. Você é a maior! – disse Dave fazendo as meninas rirem mais uma vez. – Vocês riem de tudo que falo. O que é isso? – perguntou fingindo estar bravo.
- Ah... desculpa... – tentou se explicar Sally parando de rir.
- Errr... achei que... nós pensamos que... não ligava. – ajudou a outra ficando nervosa.
- Pois saibam que...- continuou ele sério, arrancando risos de Iago, Helena e meus também. - ... eu não ligo mesmo! – concluiu abanando a mão e sorrindo.
- Ufa! – suspiraram as três aliviadas.
- Essa não valeu Weasley. Tá na cara que o Bo a deixou ganhar... – debochou Malfoy com um sorriso amarelo. – Quero ver se pário pra mim. – falou desafiador enquanto empurrando o amigo e se sentado na poltrona.
- Ela vai te estraçalhar em dois tempos, Malfoy. – respondeu Dave encarando-o com uma expressão de descrença e apatia.
- Quero só ver. – rebateu o outro.
É impressão minha ou o Dave gosta tanto do Malfoy quanto eu?!
E lá vamos nós! Comecei a jogar contra ele com meu primo do lado, tentando ajudar. Bem, na verdade, ele mais atrapalhou que ajudou. Ficava cochichando no meu ouvido e isso cortava meu raciocínio, e, pra completar, o Bo resolveu sentar bem ao meu lado.
Enquanto Dave e Vincent faltavam se matar com olhar e Iago tentava fugir das três recém conhecidas, que insistiam em puxar assunto com ele; Helena aproveitava a distração deles para conversar animadamente com Eirik. Percebi que ele parecia hipnotizado ao olhá-la (nem piscava). A Lena costuma causar esse efeito na maioria dos garotos. Jogando charme e fazendo-os babar. Claro que é algo involuntário, pois minha prima não é nenhuma oferecida.
- Quer prestar atenção no jogo, Amelie?! – gritou Dave impaciente. - O Malfoy já é desonesto por natureza e ainda mais com você dando chance...
- Eu não sou desonesto Weasley. Você que é um imbecil! – retrucou o garoto lançado um olhar de puro desprezo.
- O que disse?! – os ânimos deles estavam começando a se alterar, e como mais ninguém havia notado a iminente briga que se formava, e resolvi interferir...
- Dá pra jogar logo? Eu não tenho o dia todo, sabe?! – perguntei o mais calma que pude. Isso já tá me cansando.
- É melhor terminar logo esse jogo, já está ficando tarde e a srta. Potter parece estar cansada. – comentou Bo, olhando pra mim um tanto preocupado. Sorri para ele, agradecida por ter percebido o que estava prestes a acontecer e por notar minha falta de interesse no jogo.
- Obrigada. – murmurei sentindo meu coração um pouco acelerado.
- Não foi nada. – respondeu sorrindo. Ele é tão gentil e terno, totalmente diferente dos amigos.
Malfoy nos encarou por um instante, balançou a cabeça em sinal de descrença e voltou ao jogo. Agora estou perdida! Será que ele percebeu alguma coisa? Mas não há nada pra perceber, há? Dave apenas bufou de raiva voltando ao meu lado.
- Ah não... – suspirei desanimada quando ele finalmente mexeu uma peça. Não havia mais nada que pudesse fazer: eu tinha perdido. – Você ganhou. – falei tentado não demonstrar meu desapontamento.
- Não é possível! Ele deve ter roubado. – irrompeu meu primo meio descontrolado. Iago, que finalmente tinha conseguido se livrar das três quartanistas, se aproximou para ver o que acontecia.
- O que houve? – indagou nos olhando com o cenho franzido. Parecia bastante aborrecido. Odeia quando as pessoas ficam o sobrecarregando de perguntas; acho que deve ter sido isso que as garotas estavam fazendo com ele.
- Não foi nada demais. O Malfoy ganhou; só isso. – respondi levantando da poltrona.
- Mas ele trapaceou. Amelie?! – dizia Dave inconformado.
- O que é Weasley? Acha que não posso ser melhor que sua priminha? – debochou Malfoy dando um sorrisinho cínico (Sabe aquele sorrisinho enviesado odioso? Pois é!).
- Não é questão de ser melhor ou pior, Malfoy. Eu simplesmente não me importo. – falei tentando acabar com essa discussão tola de vez.
- Tem certeza? – indagou se aproximando de mim com as sobrancelhas erguidas e ar de petulante.
- É melhor irmos dormir. Está tarde. – disse Bo altivo. Ele não costuma agir assim, apenas quando é obrigado a exercer a função de monitor. – Eirik; vamos. – chamou o amigo que, até então, conversava animadamente com minha prima. Eles nos olharam meio surpresos que ainda estivéssemos lá e depois, passado parte do susto, se aproximaram.
- Estávamos conversando, quem ganhou? – Lena perguntou animada.
- Malfoy, trapaceando é claro! – disse Dave.
- Pense o que quiser Weasley. O fato é que EU ganhei! – retrucou o outro desdenhoso.
Helena me olhou indagativa, enquanto Eirik baixava a cabeça tentando esconder um largo sorriso de satisfação. Costumo me irritar com ele por esse “péssimo” habito de rir de tudo; mas não me aborreci dessa vez.
- Meli, você perdeu?! – perguntou ela surpresa e um tanto chateada.
- “O que é isso! Por que fazem esse tumulto todo por causa de uma “simples” partida de xadrez?” - era o que me perguntava. – “Afinal, não é a primeira vez que perco nesse jogo. Corine é bem (muito) melhor que eu! Nunca ganho quando jogo contra ela. Tá, tá. Admito que fiquei um pouco contrariada. Quem não gosta de ganhar?! E agora o Malfoy vai ficar impossível...” – pensei. – Ele ganhou... não há nada demais nisso. – falei finalmente.
- O que estou escutando?! Um Potter admitindo a derrota! Onde foi parar o orgulho característico da família? – continuo Malfoy provocante.
- Tá provocando... – alertou Iago sério. Senti Dave se mexer ao meu lado e, quase involuntariamente, segurei a mão dele com força. Tive uma “leve” impressão de que estava prestes a voar no pescoço de Malfoy.
- Vamos subir... Eirik?! – percebi quando Bo indicou Vincent e depois Dave com olhar para o amigo, como quem diz: “-Perigo!”
- Vamos! – respondeu ele prontamente, parecendo entender o recado. Aproximou-se de Malfoy e segurando seu braço, puxou-o em direção a porta do dormitório. Fiquei aliviada nessa hora, mas esse sentimento não durou muito...
- Me larga! – disse um tanto rude se desvencilhando do amigo. Hansen revirou os olhos, derrotado. – Por que será que estão tão incomodados com fato da priminha ter perdido? – perguntou em tom de desdém.
- “Mas o que esse imbecil tá querendo?” – pensei apertando o mais forte possível a mão do meu primo. Ele fez uma careta de dor, mas não tentou solta-la. Se eu não tivesse feito isso, provavelmente Malfoy já estaria na enfermaria. Olhei pra Iago, ele parecia mais calmo; apesar de já estar com a varinha na mão, preparado pra entrar em ação se fosse necessário. Helena permanecia parada ao lado do irmão, olhando a situação com expressão confusa na face.
- Ninguém vai responder? – continuou o garoto.
- Não devemos satisfação a você Malfoy. – respondeu Iago.
- É falta de educação não responder as pessoas, sabe? – e voltando-se pra mim disse. – Você, que parece ser mais educada que seus primos... me tire uma dúvida... Será que você é... tipo um elo perdido entre os Weasley ou os Potter? Enfim... dá no mesmo, não é? Uma Potter diferente dos demais... será? – falou se aproximando de mim novamente com um sorrisinho no rosto.
- “Ele, definitivamente, não tem noção de perigo”... – pensei enquanto Dave trincava os dentes.
Isso sinceramente já me encheu! Vou acabar com esse “circo” de uma vez... - Não dou a mínima pra suas dúvidas ou o que quer que pense a meu respeito, Malfoy. Estou indo dormir, já perdi tempo o bastante aqui. – falei em tom de fim de conversa e soltando a mão de meu primo me dirigi ao dormitório.
Andei entre os poucos alunos que ainda permaneciam na sala comunal.
Quando já estava quase alcançando a maçaneta da porta escutei alguém me chamando virei pra ver quem era, aborrecida.
- Meli... você esqueceu suas coisas. – disse Iago me entregando, receoso, meus livros e mochila. Eu os recebi murmurando um “obrigada!”. –Boa noite, então... – falou dando um beijo em minha bochecha logo em seguida.
- Noite! – respondi sorrindo e entrei pela porta, mas não antes de ver que Malfoy e os amigos já tinham sumido e que Helena conversava rapidamente com Dave a um canto.
Subi as escadas ansiando me deitar em minha confortável cama de baldaquino e dormir tranqüilamente. Amanhã será o nosso primeiro feriado e, se quisermos, poderemos acordar mais tarde. Contudo, assim que adentrei no dormitório, senti duas mãos me puxarem fazendo com que meus livros se espalhassem pelo chão.
- Não se assuste! Sou eu... – sussurrou Corine me sentando na cama vazia de Helena. – As meninas já estão dormindo. - continuo me indicando com a cabeça as duas camas ocupadas. – Por que demorou tanto? Eu queria falar com você... mas você não subia e eu não queria descer pra chamar...
- Acho melhor nem te contar... – falei entediada. – “ O que será que ela quer dessa vez?”
- Tudo bem, não importa. Ah... hun... lembra o que te perguntei ontem quando... quando... bem, você sabe... Perguntei se me ajudaria com o Malfoy. Você já se decidiu? – falou muito rápido sem me olhar diretamente. Lembra quando falei que ela era bem ansiosa...
- “E mais essa agora! Hoje não é meu dia...”
- Então? Você disse que ia pensar e... e... – parou ao ver a careta, involuntária, que fiz.
Tudo bem que prometi pensar no assunto, mas depois o daquele “triste” episódio na sala comunal... sei não. Acho que não vou suporta se minha prima, de repente, começar a namorar aquele noj... Enfim, ia ser bem intolerável!
- Corine, não sei se é uma boa idéia... – comecei rezando pra que não insistisse no assunto. Ela baixou a cabeça como quem está se preparando pra uma batalha e precisa colocar os argumentos em ordem. Digamos que eu não esteja muito animada a começar uma nova discursa agora, então... – Tá,tá. Você venceu! – me rendi antes que ela recomeçasse a falar.
- Ótimo! Você é a melhor prima do mundo! – falou me abraçando em seguida. – Mas, você vai ter que voar!
- O quê?! – perguntei mais alto do que devia.
- Shh! Você quer acordá-las? – perguntou séria. Ficamos em silêncio por alguns segundos temerosos. – Acho que tudo bem... – murmurei pra Corine indicando que as garotas ainda deviam estar dormindo. – Agora me explica isso melhor... como assim voar?
- Voar, Amelie. Pegar uma vassoura e sair voando. – falou como se estivesse ensinando uma criança de um ano a falar mamãe.
- Eu sei o que é voar, mas... – falei cansada. O que será está querendo? Ela sabe melhor do que ninguém que morro de medo de altura. Um dos meus pontos fracos...
Todos os meus irmãos fizeram alguma coisa importante ligada ao quadribol, mas eu...
Tiago era apanhador do time da grifinória nos tempos de escola, muito bom por sinal. Mais tarde, praticamente quando Albus entrou na escola, ele se tornou capitão do time e um goleiro incomparável. Hoje em dia é um conhecido jogador do time irlandês, um dos melhores!
Albus, por sua vez, não seguiu a carreira de jogador. Mas, assim com Tiago, foi um ótimo jogador nos tempos de escola. Ele se tornou apanhador logo no segundo ano.
A Lílian era artilheira do time e foi a maior responsável por uma das maiores diferenças de placar de todos os tempos: 470 de grifinória x 90 de soncerina. Sempre gostou e jogou quadribol, desde pequenina.
Todos na minha família foram ou são ligados de alguma forma ao quadribol. Meu pai e avô eram ótimos apanhadores! Minha mãe, meus tios e primos... bem, todos jogam ou apreciam o jogo.
Mas eu nunca tive muito interesse nele. Sempre tive medo e vergonha de cair da vassoura. Até tentei uma vez, na verdade várias vezes, mas não tive sucesso. Depois ficava (e fico) me sentindo mal por isso. “Como assim a filha de um Potter não sabe voar?” é o que as pessoas comentam quando descobrem meu “problema”.
- Bem, eu vou tentar explicar melhor... - falou ela me tirando dos meus tristes devaneios. – Sabe o prof. McCarthy? – começou se apoiando em uma das colunas da cama. Angus McCarthy era o professor de quadribol dos alunos iniciantes e juiz das partidas na escola. Ele é bem jovem e simpático. Faz apenas três anos que começou a lecionar. Sinceramente, não sei onde ele pode se encaixar nisso tudo.
- Sim, sei.
- Sabemos que ele treina os alunos principiantes no quadribol... – falou como quem fala consigo mesma. Minha prima e essa sua mania irritante de nunca ir direto ao ponto. Deixar-nos por fora do que está pensando... - ... e, como você é... hun... digamos meio ruim em vôo, pensei que podia pedir umas aulinhas pra ele. – disse animadamente.
- O quê?! Você deve estar maluca! – falei incrédula. Como assim: “...pedir umas aulinhas?”. Não faz o mínimo sentido. Afinal, o que isso e meu “problema” em voar têm a ver com o Malfoy?
- ... e, como ele é bastante ocupado, não vai poder te ajudar. – continuou como se eu não tivesse falado nada. –Daí, penso eu que ele ira indicar alguém pra fazê-lo. E quem seriam as pessoas mais bem qualificadas pra isso? – indagou entusiasmada. Eu lancei a ela um olhar de descrença. Claro que não sei! – Os jogadores do time! Meli, não é obvio?!
- Não, não é! Dá pra explicar de uma vez?! – falei perdendo o resto de paciência que tinha.
- Bem... o capitão é, provavelmente, tão ou mais ocupado quanto o treinador McCarthy. Ele também não vai poder te ensinar. Os nossos primos... você não ia querer ajuda deles.
- Ia sim! – tenho uma leve impressão de que sei onde ela está querendo chegar.
- Amelie... eles já te ofereceram ajuda tantas vezes e você nunca aceitou. Por que aceitaria agora? Ia soar um tanto estranho, não acha. – odeio admitir, mas ela tem razão. Dave e Iago sempre tentaram me ajudar a voar. Eu nunca aceitei acho que por... nem sei porque... – Você também não vai querer pedir ajuda a sonsa da Michaelson, não é? – sussurrou mais baixo ainda, aproximando-se de mim ao pronunciar o sobrenome de nossa companheira de quarto que é artilheira.
- Não mesmo. – apesar de não ser tão taxativa como a Corine em relação à Yumi, acho que não quero nenhuma “desconhecida” se metendo nisso.
- E a Laura Walsh me contou que está super atarefada com os N.I.E. M’s. Quase não tem tempo pra treinar... Ela também não vai poder te ajudar. – Laura era minha última esperança. Ela é nossa amiga desde que entramos na escola. É batedora e seria um álibi perfeito pra essa situação. – Então, nossas únicas opções são Hansen ou Malfoy. – eu suspirei já esperando por isso. Então ela tinha pensado em tudo! Como despistar o professor, os outros jogadores e até a Laura! Mas como assim: “nossas únicas opções”? O que ela quis dizer com “nossas”? Pensei que era eu quem iria pedir ajuda. – Você vai pedir... pedir ajuda ao Malfoy. – falou receosa.
- Nem pensar! – como assim pedir ajuda aquele imbecil?! Não mesmo! É humilhação demais pra uma pessoa só! (drama básico)
- Mas você prometeu! Lembra?
- E como poderia esquecer... – falei sarcástica. – Mas isso é demais! Não acha? Quer dizer... o que tudo isso tem haver com o Malfoy e você? – perguntei ficando cada vez mais irritada.
- Ah... pensei que quando você fosse pedir ajuda a ele... – ela esperou um pouco nesse ponto, acho que com medo que eu recomeçasse a reclamar. - ... poderia dizer que prefere que eu vá junto. Pra não ficar só... sozinha com ele, sabe? Ai eu poderia... poderia...sei lá, puxar assunto com ele durante as aulas... não pensei bem nisso ainda. – falou colocando uma das mãos no queixo, pensativa. Como alguém pode ser tão astuto assim? Ela me surpreendeu dessa vez... Isso não vai dar certo. Algo me diz... – E então, o que me diz?
- Não sei... As chances de isso dar errado são, no mínimo, enormes! Pra começar, ele pode não aceitar... – mas eu fui obrigada a parar nessa hora, pois Helena acabara de entrar no quarto fazendo barulho.
- Ai! O que é isso?! – exclamou ao tropeçar, e quase cair, em meus livros que permaneciam jogados ao pé da porta.
- Ah, desculpa Lena. São meus livros. – falei me levantando e indo apanhá-los. Ela se sobressaltou ao ouvir minha voz.
- Ainda acordada? – perguntou.
- É... a Corine queria falar comigo. – falei desanimada.
- Corine tá acordada também? – eu apenas confirmei com a cabeça indo guardar meus livros.
- Tô aqui. – sussurrou Corine acenando da própria cama.
Nos trocamos é fomos deitar. Ficava impossível continuar o assunto agora que nossa prima havia chegado.
Assim que me deitei senti grande alivio alcançar meu corpo cansado.
- “Esse dia não foi nem um pouco tranqüilo!” – pensei tentando afastar, sem sucesso, vários pensamentos que vinham a minha mente.
-Boa noite! – falamos as três, em uníssono.
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