Capitulo 5

CAPÍTULO V

Hermione encolheu os ombros.

- Não existe a menor possibilidade – declarou ela com firmeza.

- É uma pena – comentou ele. – Mantenha a porta fechada.

O olhar que ela dirigiu a Harry parecia conter facas de gelo.

- Está bem, já entendi – disse ele, por fim. – Que tal pegar uma carona comigo para o trabalho amanhã? Garanto que seu amigo do carro azul não vai aparecer.

- Ele pode achar que é covardia da minha parte.

- Escute uma coisa – começou Harry, apoiando-se contra a porta. – Não é bom forçar o corpo além de um certo ponto. O stress é um estado perigoso. Não deixe que o cansaço chegue a abalar seus nervos. Se for para o trabalho comigo, pode eliminar um pouco da tensão nervosa pela manhã. Já percebeu como anda tensa ultimamente?

- Já, já percebi – respondeu ela irritada. – Mas não quero que ele pense que está me assustando. Mesmo que eu esteja assustada.

Ele sorriu.

- Não se preocupe, ele simplesmente vai imaginar que eu assumi sua segurança, e mais alguma coisa. É assim que esse tipo de homem pensa.

- Acho que posso ir no seu carro. Desde que você não tenha idéias próprias sobre esse “mais alguma coisa”.

Os olhos dele passaram pelo corpo de Hermione como se fossem mãos a acariciá-la.

- Será que eu teria alguma chance, Hermione?

- Sabe muito bem que sou imune...

- Pode ser imune a sarampo, ou caxumba, isso sim. Mas não é imune a mim. Você ainda fica vermelha quando eu olho muito para o seu corpo, ou para esses olhos castanhos de gata. E isso depois de muitos anos.

- Os poros da minha pele são alérgicos a você.

Ele sorriu, os olhos perdendo-se na distância.

- Lembra aquela vez em que fomos ao parque, e ficamos junto com seis garotos perdidos? Eles queriam saber por que você tinha sardas no nariz, e eu disse que você tinha alergia por sorvete. Lembra disso?

- Pobrezinhos, eles quase choraram por minha causa – sorriu ela, recordando a cena. – Foi uma época tão boa aquela, Harry. Você era meu melhor amigo...

- E você a minha – completou ele. – Só que naquela época eu não era o mesmo o que se pode chamar de um bom partido. Seria um casamento de alto risco. Havia tanto a fazer com minha vida...coisas que uma família iria impedir...

- É, eu sei. Como entrar para a CIA e ficar dando tiros por aí. – interrompeu ela, baixando os olhos.

Não queria que ele percebesse o medo que havia em seus olhos. Ficara muito tempo sem notícias de Harry, a não ser quando Bob deixava escapar alguma informação sobre seu trabalho. Ele e Connie ainda eram seus amigos, e por intermédio deles ficava sabendo que rumo tinha tomado a vida de Harry. Ficava preocupada, e esperava o tempo todo a notícia da morte dele, vinda de algum lugar obscuro do mundo. Convencera-se que Harry voltaria para ser enterrado na cidade natal. Por isso o impacto de vê-lo em sua sala fora tão grande. Ainda estava a refazer-se do choque de saber que ele pretendia mudar de vida. Em várias ocasiões se perguntava o que teria acontecido de tão grave para provocar uma decisão dessas em Harry.

- Hermione?

- O quê?

- Você não estava prestando atenção, estava? – indagou ele, com ar frustrado.

- Desculpe, eu estava longe daqui... pensando no tempo em que você foi embora. Lia tudo o que podia sobre as operações da CIA nos jornais, e ficava imaginando que você estaria em cada uma delas... – Ela riu. – Uma besteira, não acha?

A expressão dele tornou-se grave.

- Era exatamente o que eu pretendia evitar.

- Você queria que eu não tivesse medo? Queria que eu apertasse um botão e desligasse, no momento em que não quis ouvir o meu lado na história? Que eu parasse de gostar de você ali mesmo? À vista?

- A idéia foi essa – admitiu ele. – Você ficou com raiva de mim, não ficou?

- Pensei que tinha ficado. Quer dizer, no começo fiquei mesmo – confessou ela. – Mas não foi nada fácil apagar as recordações, Harry. Levou um bocado de tempo. Foi uma vida inteira com você, afinal. E uma parte importante da minha vida. Acho que para os homens é diferente. Como você mesmo disse, deve ter sentido tudo como uma coisa física.

- Por que diz isso?

- Porque é verdade. Os homens pensam com as glândulas, e as mulheres com o coração.

- Essa é uma idéia estereotipada. Os homens sentem as coisas tanto quanto as mulheres, e além do mais, algumas mulheres pensam muito mais com as glândulas do que os homens.

- Você me queria, mas não conseguia fazer nada a respeito – acusou ela. – Se me amasse de verdade, não poderia ter ido embora.

- Você me deixou ir embora – lembrou Harry. – Podia ao menos ter aberto a maldita carta que eu mandei pra você!

- Dizia alguma coisa além de adeus? Achei que era só mais um monte de acusações, as que não lembrou de fazer na hora, sobre minha moral e meu caráter. Ou melhor, falta de caráter. Acho que não pode me censurar por não ler a carta.

Harry enfiou as mãos nos bolsos.

- Naquela altura eu já sabia sobre Rony. Precisei de um tempo para estabelecer minhas prioridades.

- Tudo o que eu sabia, é que quando você foi embora, olhava para mim com cara de nojo, e disse que nunca mais queria me ver na sua frente. Foi exatamente o que disse.

- É que eu nunca sentira ciúmes antes. Foi um sentimento novo para mim. Uma explosão que me transformou em outra pessoa. E, além disso, me senti traído. Por todos os lados. Rony era meu melhor amigo.

- Não sei porque está dizendo tudo isso, Harry. Queria uma saída e ele lhe proporcionou uma bela desculpa para fazer isso. Espero que tenha apreciado sua estadia com o governo. O que me deixa curiosa, acima de tudo, é o motivo da sua volta. Não posso imaginar qual seja.

- Será que não pode mesmo, Hermione?

Ela tentou ignorar o tom carinhoso da voz dele, mas sentiu um arrepio.

- Estou cansada. Vejo você amanhã – disse ela, virando-se.

- Com toda certeza – confirmou Harry. – Não esqueça que você vai no meu carro. Quer queira, quer, não.

E fechou a porta na cara dela.

Hermione teve vontade de atirar algum objeto pesado na porta, mas não encontrou nenhum ao redor. Além do mais, teria de limpar toda a sujeira depois. Estava cansada. Normalmente teria evitado discutir com Harry, porque não queria mais remoer o passado. O mesmo passado que tivera tanto trabalho para controlar.

Ao passar pela secretária eletrônica, notou que estava piscando. Estava sem a menor vontade de ouvir as mensagens, pois uma seria fatalmente de Erikson. Só que não podia fazer isso, pois seu trabalho envolvia comunicações fora de horário comercial. Muitos clientes tinham mais tempo para conversar à noite, e isso era bom, pois estavam mais calmos e receptivos.

Fazendo uma careta, acionou o controle para escutar a fita gravada.
A primeira era de Mack, avisando que no dia seguinte receberiam um cliente novo logo cedo, e pedindo que não se atrasasse. A segunda era um engano.

Como ela temia, a terceira era de Erikson:

- Numa noite dessas, seu guarda-costas não vai estar aí e eu vou te pegar. O que vai fazer então, princesa?

Não havia mais nenhum recado.

Hermione retirou a gravação, colocando uma fita virgem no lugar. Essa frase seria muito útil num tribunal, se Erikson desse qualquer passo em falso. Guardou-a na gaveta, e foi para a cama. Teve um sono agitado durante a noite, revirando-se e acordando várias vezes.

Quando Harry tocou a campainha na manhã seguinte ela usava um vestido lilás, acompanhado de uma encharpe estampada. Ele trajava um paletó esporte cinza, uma calça gelo e uma camisa listrada de branco e vermelho. Estava elegante, e Hermione chegou a sentir um arrepio, porém fez questão de não demonstrar nada.

- Bom dia, Harry. Guarde para mim – pediu ela, estendendo a fita da secretária eletrônica. – Acontece que ontem à noite um dos três recados que recebi era de Erikson, dizendo que no instante em que eu ficar sem você, ele me “pega”. Acho que foi uma ameaça bem explícita, e no caso de qualquer tentativa, pode servir de prova contra ele.

Ele enfiou a fita no bolso, com um olhar gelado.

- Qualquer dia desses, ele vai dar um passo em falso. Quando isso acontecer, pode acreditar que eu vou estar por perto, esperando.

- Ele é meio doente, não é?

- Ou é doente, ou não tem mais nada a perder.

Hermione trancou a porta com cuidado, e os dois desceram, dirigindo-se para o carro de Harry.

- Espere um pouco – avisou ele, antes que ela se aproximasse do veículo.

Executou uma rápida vistoria da parte exterior do carro, embaixo e sob o capô.

- O que foi tido isso? – quis saber ela. – Você não acha que ele chagaria a ponto de explodir seu carro, acha?

Ele deu de ombros, abrindo a porta para ela.

- Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

- Aprendeu isso na CIA?

- Não. Aprendi quando era pequeno. Minha avó sempre dizia isso. Na CIA, aprendi que nunca se sabe o que um homem é capaz de fazer sob pressão.

- Certo.

- Não precisa ficar preocupada. Afinal, não precisei desmontar uma bomba.

- Você sabe mesmo desmontar uma bomba?

- Se for feita com detonador simples, sei. Uma vez, na Europa, a gente estava vigiando um... – começou Harry, interrompendo-se. – Na verdade, é um assunto secreto. O que interessa é que eu tive de desmontar uma bomba colocada em meu carro.

- Isso foi uma das coisas que ensinaram a você por lá?

Ele deu risada.

- Não. Foi uma das coisas que eu tive que aprender da forma difícil.

- Da maneira mais difícil? Como assim?

- Tive que explodir uma vez – respondeu ele, olhando com expressão divertida para o rosto dela. – Hermione! Foi uma brincadeira. Eu estava brincando.

- Nunca sei mesmo quando você está brincando – declarou ela, dando de ombros. – Isso era uma das coisas que me incomodava muito. Acho que sou ingênua demais. Tenho uma maldita tendência para acreditar em todo mundo. Mas pelo menos já sei cair de lado e de costas.

- Claro que pode. E sem se machucar. Depois que terminar esse curso, homens adultos vão sair correndo, assim que você aparecer. Você será o terror da rua – prometeu ele. – Não consigo imaginar por que você não teve a idéia de fazer isso antes. Todas as mulheres deveriam tomar conta de si mesmas. Seria muito bom nos encontros amorosos. Aliás, deviam ensinar na escola.

- Talvez tenham muitas outras coisas na escola para ensinar...

- Não estou brincando. Acho que deveriam incluir defesa pessoal no currículo, na parte de educação física. As mães não teriam de se preocupar tanto com as filhas, que seriam capazes de se defender dos rapazes mais afoitos.

- Já ouvi falar de estupros no primeiro encontro, muito obrigada.

- No nosso caso, eu é que fiquei preocupado. Você era uma jovem bastante impetuosa.

- Tudo bem, pode esfregar o dedo na ferida - reclamou ela.

- O que eu podia fazer? Você era linda, e me desejava. Podia ter tido qualquer um.

- Se isso fosse verdade, você não teria fugido.

Hermione reparou que ficava cada vez mais fácil lidar com o assunto da rejeição, agora que ela e Harry eram amigos outra vez.

- Acha mesmo? – perguntou ele, manobrando o carro, e parando por um instante em frente ao prédio. – Está vendo? Erikson não está. Talvez tenha ficado apavorado, e desistido.

- Pode ser.

- Se você quiser, posso conseguir um testemunho das pessoas que já protegi, dizendo como posso ser apavorante para os outros. Na verdade, o último que eu protegi disse que era uma sorte nosso país ter gente como eu para defendê-lo.

Hermione deu risada.

- O sujeito que pediu para não ser vigiado no banheiro?

- Recebi ordens para vigiá-lo vinte e quatro horas por dia – justificou Harry. – E foi exatamente o que fiz.

Ela sorriu e sacudiu a cabeça, mas o sorriso murchou quando lembrou-se de que ela também estava sendo vigiada dessa maneira. A expressão de preocupação nos olhos castanhos denunciou seus temores a ele.

- No banheiro, não. Nem quando a porta está fechada no quarto. Palavra de escoteiro.

- Você nunca foi escoteiro...

- Fui, sim. Pelo menos até acender minha primeira fogueira. Por azar, foi em cima do tapete da sala do nosso instrutor. Nunca consegui explicar para ele como foi que aconteceu. De qualquer forma, foi culpa de Bob; ele levou o material e me explicou como usar.

- Bob gostava do instrutor de vocês?

- Já que você mencionou, não gostava nem um pouco.

Hermione riu.

Saíram do carro, e a mão de Harry procurou a dela. Ele sentiu os dedos contraírem-se, e o braço recuar. Parou e olhou para ela.

- É boa demais para segurar a mão do guarda-costas?

Ele repetiu o gesto, e ela sentiu os dedos acariciando sua pele, e o polegar encaixando-se na palma da mão. Quando ficavam próximos demais, os sentimentos pareciam controlar as ações de ambos, numa espécie de magia.

- Não – murmurou Hermione, fitando de perto os olhos verdes. – Não quero reviver o passado.

- Mesmo que seja com um final diferente – sugeriu Harry, sem desviar os olhos. – Talvez um final feliz?

O coração dela deu um salto ao compreender o que ele propunha. Disse a si mesma que se tratava apenas de um jogo de palavras. Harry estava brincando, e ela o levava a sério...

- Pare de brincar com isso, Harry – disse ela, rindo e retirando a mão.

- Mas, Hermione, eu não...

O ruído forte do motor de um carro chamou a atenção de Harry, que ficou imediatamente alerta. Empurrou Hermione para o lado da calçada com presteza, evitando o atropelamento por um carro esporte antigo e escuro, em velocidade suicida.

- Filho de uma cadela! – praguejou Harry, estreitando os olhos. – Se fosse aquele carro azul, eu ia atrás daquele miserável agora mesmo.

- Barbeiros a gente encontra em todos os lugares. Se a gente fosse atrás de todos eles... – ponderou ela, ajeitando a saia. – Além do mais, passou bem longe de mim.

- Não foi tão longe assim, considerando que estamos na calçada – observou ele. – Foi por pouco.

- Pelo menos não foi nosso amigo Erikson.

Harry concordou com um gesto de cabeça, porém sua cabeça trabalhava. Não estava convencido ainda. Ofereceu o braço a Hermione, e entraram no prédio.

Mais tarde, Harry utilizou seu computador portátil para acessar um programa sigiloso. Digitou o nome de Erikson e realizou algumas verificações. Pouco tempo mais tarde, desligou o aparelho da rede, sentindo-se descuidado e irritado. Descobrira que Eikson tinha dois carros, e um deles era um carro esporte velho, de cor preta.

Hermione teve um longo dia de trabalho pela frente. Grande parte do tempo foi empregada numa reunião, e depois disso as coisas começaram a dar errado. O novo cliente, cujo primeiro contato seria feito pela manhã, teve um problema com a agenda, e adiou para o dia seguinte, provocando algumas alterações no próprio horário dela.

À tarde, Betty entrou para conversar um pouco.

- Como vai o novo cliente? – perguntou ela, com um sorriso.

- Não sei. Ela não apareceu. Mack disse para tentarmos outra vez amanhã cedo.

- Eu ia convidar você para ir ao cinema, mas acho que não é uma boa idéia, com o sr. Desagradável na sua cola.

- Harry está me ajudando – disse Hermione.

- Ele até que é bonitão – comentou Betty, com um olhar de gata gulosa que desagradou a amiga. – E não tem nenhum compromisso, que eu saiba.

- Nenhum que eu saiba também. Antigamente, pouco antes de namorar com ele, ele teve um certo compromisso com a última namorada, que era modelo. Uma tal de... Cho Chang.

Betty franziu a testa.

- Cho Chang?

- É. Já ouviu falar dela? – indagou Hermione, estudando a expressão da amiga. – Betty! O que você sabe e eu não sei?

- O nome da cliente que não veio hoje. É Cho Chang.

Hermione sentou-se, procurando o conforto da poltrona.

- O que ela quer conosco?

- Ela representa uma agência de modelos, especializada em locações no sul do Texas. Subiu rápido, de modelo até o cargo que ocupa atualmente. Mack diz que ela quer que coordenemos um show de moda, a parte de publicidade, e tudo mais.

- Bem, a verdade é que não podemos dispensar um negócio dessa magnitude. Além do mais ela e Harry já tinham estragado tudo quando eu entrei na vida dele. Não que importe agora – acrescentou Hermione com rapidez. – Agora eu e Harry somos apenas amigos. Ele é o chefe da segurança. Apenas isso.

- Sabia que Cho e a sra. Lancaster são muito amigas?- insistiu Betty, reparando nas menores reações da amiga.

Hermione sentiu seu coração bater mais forte.

- Boas o suficiente para que a sra. Lancaster contasse à sua boa amiga sobre o novo emprego de Harry? – quis saber ela.

- Boas o suficiente para que ela falasse com Harry sobre o emprego, e fizesse uma boa indicação à sra. Lancaster. Afinal, são tão amigas as duas...

Então fora assim que Harry encontrara o emprego. Quando conversaram ela reparou que ele não mencionara o nome da pessoa que o ajudara.

- Ninguém nunca me diz nada! – reclamou Hermione em voz alta.

Ficara abalada com a piada monumental que o destino pregara nela.

- Escute, Hermione. Só porque Harry trabalha aqui, não significa que Cho vá se pendurar no pescoço dele. Você pode levar um cavalo até a água...

- Mas não pode obrigá-lo a beber – completou Hermione, de mau humor. – Pelo amor de Deus, Betty!

Afundou em sua poltrona, sentindo-se frustrada e traída. A verdade é que nutrira esperanças em relação a ele. Ficou deprimida. Erikson já destruía sua tranqüilidade, e agora Cho vinha acabar com a estabilidade emocional, disputando Harry. Lembrava-se bem dela: alta, elegante, corpo esguio e perfeito, olhos e cabelos escuros. Era linda. Se ainda tivesse a aparência que tinha quando namorava Harry, ele certamente se sentiria tentado. Afinal, nada o detinha. Presumivelmente ela era solteira, e ele também. Hermione estava fora do páreo, por tudo o que já tinham conversado. Não era muito bonita, e não podia nem pensar em competir com a modelo. Além disso, enquanto Hermione era antiquada, Cho jamais se incomodaria com esse tipo de preconceito.

- Não pode simplesmente desistir – encorajou Betty. – Para começar, eu não teria ninguém com quem almoçar.

- Não posso prometer nada... Betty, você já teve um daqueles dias em que tudo dá errado? E no final de uma semana em que tudo já está errado?

Betty deixou escapar um longo suspiro.

- Acho que vou buscar uma xícara de café para você – ofereceu ela. – Não está dentro das minhas atribuições de trabalho, mas acho que você está precisando muito.

- Betty, por que Cho escolheu essa agência entre todas as que existem em San Antonio? Acha que foi por causa de Harry?

- Se eu fosse uma garota dada a apostas, diria que esse motivo seria o primeiro em minha lista – admitiu betty. – Você ainda tem uma certa queda por Harry, é isso?

- Isso não é verdade – protestou Hermione, o rosto vermelho. – Eu nem ao menos gosto dele.

- Claro, e vão triplicar nosso salário, a partir de hoje – comentou a amiga, ao sair.


Harry apanhou Hermione no final daquela tarde, os olhos vigilantes cobrindo toda a área do estacionamento.

- Não vi mais o carro azul – comentou ela, enquanto saíam para a rua.

- E quanto a um carro esporte preto?

Ela franziu a testa, fazendo força para recordar-se.

- Já que perguntou, tinha mesmo um carro esporte preto, que... – Os olhos castanhos encheram-se de medo. – Deixe eu adivinhar: Erikson tem dois carros. Um deles é preto.

-Exatamente.

- O mesmo que quase me atropelou, de manhã!

- Parabéns, acaba de acertar na mosca.

- É, acho que hoje não foi mesmo o meu dia.

- Por quê? O que aconteceu?

Ela olhou para ele e sentiu que a vida de ambos se repetia, de uma forma distorcida. Ao final, Harry se afastaria outra vez.

- Sabe que estamos captando uma nova cliente na agência?

- Se a expressão no seu rosto significa alguma coisa, deve ser alguém que eu conheço. Vamos continuar por enigmas, ou você vai dizer de uma vez o que está acontecendo?

- Cho Chang vai promover conosco o grande desfile anual.

Ele não chegou a olhar para ela. Sentiu que ela sabia de tudo.

- Que bom para ela! Somos uma ótima firma, não somos?

Hermione não moveu um músculo do corpo. Permaneceu como que paralisada em seu assento.

- Você sabia que ela estaria aqui.

Harry deu de ombros.

- Sabia mesmo. Como você pensa que consegui esse emprego? Ela me ligou quando eu estava em Washington, dizendo que sabia desse cargo na Lancaster, e sugeriu que eu me candidatasse. Deve lembrar que eu acabei com ela antes de namorar você. Mas mesmo assim, não chegou a ser uma coisa séria.

- Você tem encontrado ela depois que voltou? – perguntou Hermione, tentando manter-se controlada.

- Na verdade, almoçamos juntos hoje – admitiu ele. – Cho está mais velha, mas ainda está em forma. Linda como uma fotografia.

Hermione olhou pela janela, apertando com força a bolsa no colo. Ao perceber, Harry exultou. Ainda havia esperança, porque ela estava morrendo de ciúmes.

- Não esqueça da aula, hoje à noite.

- Pensei que a aula fosse amanhã.

- Era mesmo. Mas Erikson está me deixando inquieto – justificou ele. – Um pouco de exercício vai nos fazer bem. O que acha?

- Tudo bem – comentou Hermione. – Vai ajudar a esquecer os problemas. Você e Cho quase casaram, não foi?

- Ela queria ser uma modelo famosa, e eu queria ser um agente da CIA – afirmou ele, entrando no estacionamento do prédio. – Uma vez ela colocou algumas exigências, eu fiz outras, e ambos decidimos que o melhor seria seguirmos caminhos separados. Eu queria minha carreira mais que tudo no mundo naquela época, e não me arrependo. Nem depois me arrependo. Para dizer a verdade, porque fiz muitas coisas excitantes, Hermione. E cresci.

- Dá pra notar – comentou ela. – Eu gostava do jeito que você era.

- E eu gostava de você – respondeu Harry. – Você era cheia de alegria, espirituosa. Agora parece fria, distante.

- Tenho um bocado de responsabilidades com esse emprego novo – respondeu ela. – E Erikson não me sai da cabeça.

O que Hermione não acrescentou, é que o fato de estar sempre ao lado de Harry a perturbava constantemente, trazendo o passado e suas angústias a todo momento.

- Ele também não me sai da cabeça. Só que eu tenho certeza e estou convencido que ele cometerá um erro a qualquer momento. Quando isso acontecer, quero estar ao lado dele.

- Ou eu estarei. Será que vamos fazer alguma outra coisa que não seja cair no tatame? Quero aprender a fazer alguma coisa efetiva.

- O que tem em mente? – indagou ele, com voz sensual, aproximando-se dela.

- Acho que aprender a quebrar o braço de alguém seria ótimo – comentou ela sorrindo.

- Contanto que não seja o meu...

- Como pode pensar uma coisa dessas? – indagou Hermione, simulando estar ofendida. – Eu jamais machucaria um amigo, certo?

Foram para academia, e durante o trajeto, Harry percebeu que estavam sendo seguidos; Hermione não reparou. Resistindo ao impulso de parar o carro e dar uma surra no sujeito, Harry evitou fazer exatamente o que o homem queria. Tinha de agir com muita frieza, ou colocaria Hermione num perigo maior ainda.

Entretanto, seria interessante ensinar a ela alguns golpes contundentes.

Assim que chegaram, foram trocar de roupa, e em poucos minutos estavam frente a frente no tatame. Realizaram os exercícios de aquecimento, e ele mostrou as posições da mão.

Em seguida, Harry demonstrou algumas manobras de evasão.

- Isso é monótono – resmungou ela, repetindo o movimento pela décima vez.

- Preste atenção! Isso não é um jogo. Finja que é o Erikson atacando e reaja de acordo!

Ela realizou uma tentativa, mas as mãos estavam cansadas.

- Certo, então vamos fazer do meu jeito – anunciou ele, atacando com movimentos rápidos e uma expressão ameaçadora.

Hermione quase entrou em pânico, mas quase sem pensar, usou a técnica que ele lhe ensinara para afastar as mãos que se fechavam ao redor do pescoço. Completou o movimento, avançando, e derrubando Harry de costas no tatame.

Ele rolou, num movimento gracioso, ergueu-se e preparou um golpe com a lateral da mão direita. Deu um grito alto e curto, que vinha do fundo dos pulmões. Então golpeou.

Hermione fez a única coisa que lhe ocorreu no momento: tapou o rosto com as mãos e gritou.

Ouviram-se alguns risos pela academia, vindo de observadores que já conheciam a tática de choque de Harry, que a utilizava em jovens cadetes da academia de policia.

Ela entreabriu os dedos, e tirou as mãos do rosto avermelhado. Olhou cheia de raiva para Harry.

- Seu estúpido! Animal! Isso não foi justo.

- As pessoas nascem com dois medos naturais – observou ele, com voz calma. – o medo de ruídos curtos e agudos, e o medo de cair. Um grito bem aplicado pode paralisar o adversário pelos segundos que você precisa para acertá-lo. Esse é um dos métodos que gosto de ensinar. Algumas vezes, o grito em si é suficiente para evitar um confronto, ou vencer.

- Posso garantir que do lado de cá é muito desagradável.

- Não duvido. Mas o fato de acostumar-se a idéia de um ataque pode salvar você algum dia.

Ela pensou um pouco, controlando-se, e percebeu que o que ele dizia era sensato. Sua pulsação estava acelerada.

- Já teve o bastante? – provocou ele.

- Nem pensar. Pretendo agüentar o que você agüentar. Não se preocupe comigo. Seja duro!

Harry fez exatamente o que ela pediu, sorrindo.



Obs:Desculpem não ter postado ontem, mas tive aula na faculdade praticamente o dia todo. Bom, espero que tenham curtido o capitulo e prometo que o próximo sai ainda essa semana.Quero avisar a vocês que já tenho em mente uma nova adaptação para fazer.Mas só vou postá-la quando terminar "O Senhor da Paixão"!!!Bjux!!!!!

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