Sinceridade



N/A: Então, eu lhes apresento o capítulo “Como uma autora que chorou como a Sra. Weasley no final de DH tenta lidar com a morte do Fred”.

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Capítulo 12 – Sinceridade

12. Estamos chegando ao fim, mas antes que nos esqueçamos: não cometa o erro mais comum na hora de conquistar uma garota. Você descobriu quinze usos para o suco de mandrágora? Está sendo cotado para a chefia do Departamento de Aurores? É herdeiro de todas as fábricas de sapos de chocolate da Grã-Bretanha? Não. Lembre-se disso. Mulheres odeiam que inventem coisas para se aproximar delas. Essa coisa de que “mas agora eu te amo de verdade” não vai colar, então já comece sua história com ela agindo com sinceridade.

O silêncio desumano que dominava Hogwarts era como o cenário de um pesadelo que não tardaria a recomeçar. Hermione subiu as escadas da entrada principal da escola na companhia de Harry e Ron, ainda com a imagem aterrorizante da morte de Severus Snape assombrando sua cabeça. A situação se prolongava como um sonho persistente, do tipo que sempre parece mais longo do que o tempo realmente passado. Hermione desejava que se livrar de tudo fosse tão simples quanto acordar. Os últimos acontecimentos eram dignos de um terrível pesadelo.

De fato, encontrar o Salão daquela maneira era como ter suportado muito mais do que algumas horas passadas desde que os três haviam chegado na escola através da passagem do Hog’s Head. Alunos, pais e professores se abraçavam em rodas, mas quase não se ouviam palavras de conforto. Todos ali pareciam entender que não havia o que dizer naquele momento, o primeiro em que a batalha lhes permitia descansar, recolher os mortos, e respirar.

Era uma combinação doentia. Por um momento, Hermione achou que não seria capaz de suportar.

A fileira de bruxos mortos no meio do Salão fez gelar suas entranhas. Cada rosto - alunos da escola que ela conhecia apenas de longe, adultos que ela reconhecia somente por causa dos filhos que rodeavam o corpo – era como um soco em seu estômago. Era dor explícita, pura e irremediável, que Hermione sentia como se fosse cada um dos parentes agachados ao redor dos cadáveres pálidos.

Parou seu olhar no grupo de pessoas ruivas que rodeava um corpo de cabelos igualmente vermelhos, quase que o escondendo por completo. Seu peito pareceu se contrair, como se procurasse uma escapatória para a dor que estava prestes a agüentar. A sensação pesada e incontestável se agravou segundos depois, quando ela reconheceu outros dois corpos que estavam deitados ao lado da família Weasley, com as mãos quase unidas e os olhos abertos num vazio frio que parecia se perpetuar junto à escuridão do céu visível pelo teto do Salão. Remus e Tonks.

O silêncio era compressor, interrompido apenas pelos soluços e sussurros que pareciam existir para lembrá-los de que a sala não estava completamente tomada pela morte.

Hermione respirou profundamente, ignorando o cheiro de guerra que a escola parecia exalar – cinzas e sangue -, para que não deixasse que lágrimas escorressem por seu rosto. A força quase a derrubou. Mas ela sabia que deveria esperar até sofrer abertamente como faziam algumas pessoas, debruçadas nos corpos de parentes inanimados. Não era nela que precisava pensar naquele momento.

Olhou para o lado, em busca de uma cabeça ruiva específica. O olhar de Ron estava estático no corpo do irmão Fred, deitado no meio dos outros Weasleys. Sem falar nada, ele caminhou vagarosamente até os irmãos mais velhos. Percy passou o braço pelos ombros do mais novo, e Hermione pôde ver que suas bochechas sardentas já estavam molhadas. Ela sentiu que Harry também se afastava em alguma direção, mas não o interrogou com palavras ou gestos.

Nada era questionável. Não ali, naquele momento. A morte e a destruição pairavam sobre eles como uma certeza superior a qualquer outra coisa.

Hermione viu Ginny, afastada da família e com os olhos fixos no nada que se estendia à sua frente, as mãos segurando o rosto molhado como se estivesse na mesma posição há muito tempo. A morena foi até a ruiva e passou os braços ao redor da amiga, que pareceu acordar de um transe perturbado.

Ginny respirou em meio a soluços, deixando seu queixo se apoiar no ombro da amiga sem resistência. Hermione abraçou suas costas com firmeza, esperando passar a mensagem que não ousava dizer no silêncio pesado que havia se instalado no Salão: estava ali. Sempre estaria.

O barulho de soluços chegava até elas. Hermione sabia ser George. Ela fechou os olhos por um momento. Novamente, buscou a certeza de que aquilo não seria um pesadelo prolongado. A resposta negativa veio na forma de um soluço alto e sofrido, que ela reconheceu ser da Sra. Weasley.

Definitivamente, não havia forma de negar, nem fugir do que havia acontecido. Nem do que ainda estaria para acontecer.

Ela guiou Ginny, a passos lentos, até a família. A ruiva apoiou o rosto no ombro da amiga, com os olhos fechados, e Hermione passou a mão tremida por seus cabelos. Abriu a boca para falar algo, mas se deteve. Ainda não sabia como dar voz ao que acontecia. Dizer qualquer coisa trazia a certeza que ela ainda não conseguia aceitar.

Fred estava deitado sobre o chão de pedra, os olhos fechados em uma expressão de paz que tornava a cena ainda mais angustiante. Hermione precisou se forçar a pensar que ele estava morto – parecia prestes a acordar de um sono profundo a qualquer momento. George se ajoelhava ao lado do irmão, apoiando em suas pernas a cabeça inanimada do outro. Os cabelos ruivos de Fred estavam um pouco sujos de sangue, e seu rosto arranhado em alguns lugares. Ainda assim, imaginá-lo morto era quase inconcebível.

Por um louco momento, Hermione teve certeza de que Fred acordaria abruptamente, quando não conseguisse mais prender seu riso; George lhe daria uma bronca por não ter ido até o fim da brincadeira, mas logo começaria a rir junto, e os dois revelariam alguma piada de extremo mau gosto e ainda mais graça, fazendo com que até a Sra. Weasley risse no fim.

Ela acordou do devaneio com um soluço de Ginny em seu ombro, e foi arrebatada pela certeza dura e fria da imagem de Fred morto aos pés da família. Antes que pudesse impedir, Hermione viu lágrimas subirem aos seus olhos, atrapalhando sua visão.

Tentou não deixá-las cair. E agradeceu por terem embaçado sua visão, encobrindo a cena à sua frente. Como se fugisse, ainda que de forma falsa e efêmera, daquele pesadelo horrível.

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A mão de Percy apertava o ombro de Ron com força. Ele sabia que o irmão mais velho tentava conter as lágrimas, mas parecia ignorar os dois fios cristalinos que escorriam pelos cantos de seus olhos, molhando suas bochechas. Ele levou uma mão até a de Percy e apertou seus dedos, ainda que fracamente.

Qualquer força que ainda restasse após tantas horas de batalha havia desaparecido no momento em que entrara no castelo, seguindo o silêncio pesado até o corpo do irmão.

Sua mãe estava ajoelhada ao lado de Fred com o rosto escondido em seu peito, a cabeça sacudindo em intervalos desregulares, em meio a soluços que pareciam unir a dor de toda a família – que não ousava chorar alto como ela. A boca de Ron estava seca e seu estômago parecia gelado. Ele não sabia o que fazer; não sabia por onde começar a pensar.

No momento, pensar parecia a ação mais supérflua possível. Não havia como usar suas forças para nada que não fosse sentir, profundamente, tudo o que havia acontecido.

George tinha o rosto escondido pelos cabelos; apenas a ponta de seu nariz, pingando lágrimas, estava visível através dos fios ruivos. Como a mãe, ele tremia, e soluçava de tempo em tempo. Ron considerou ir até ele, mas imaginou que não lhe traria nenhum tipo de conforto.

Ele sentia uma falta crescente de um algo considerável dentro de si – que morria lentamente, cada vez que olhava para o cadáver pálido na sua frente, ou relembrava o momento em que vira a morte do irmão, próxima demais para suportar. Ron não era capaz de entender pelo que George estaria passando – nem tentava. Mas sabia que o irmão deveria estar sentindo falta de um pedaço muito maior de si mesmo.

“Lógico. A orelha.”

A voz de Fred ecoou em sua mente, mais real do que nunca: se o irmão pudesse ouvi-lo naquele momento, Ron tinha certeza de que esse seria seu comentário. Então, ao mesmo tempo em que era tomado pela perturbadora descoberta de que nunca mais ouviria aquela voz brincalhona e sarcástica, ele percebeu algo que foi capaz de aumentar, ao menos um pouco, o calor em suas entranhas geladas.

Ron não precisava se preocupar em perder um pedaço de si ao dar adeus ao irmão. Um pouco de Fred sempre estaria presente nele mesmo. Como a sombra da risada irônica que ele lembrava ter visto no rosto do irmão, no momento de sua morte - e que ele ainda conseguia distinguir no corpo deitado no meio de todos, mesmo sabendo não haver nada mais do que uma expressão tranqüila e calma na face do irmão. Aquele Fred risonho e satisfeito era o que Ron guardaria com ele.

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Algum tempo havia se passado desde que chegaram ali, mesmo que Ron não conseguisse definir quanto. Sua mãe já havia se erguido do corpo de Fred, e agora sentava ao seu lado, acompanhada pelo marido e George. Ela dava as mãos ao filho, e os dois permaneciam com os olhos fixos no cadáver à sua frente, ainda que parecessem perdidos em alguma infinidade invisível.

Ron viu que Ginny deixava os braços de Hermione para seguir algumas das pessoas até os terrenos da escola – ainda havia desaparecidos, cujos corpos poderiam estar em qualquer lugar do castelo. Ele considerou segui-la, então se atentou ao rosto da morena que a irmã havia deixado, num reflexo natural.

Hermione tinha as mãos apoiadas em sua boca e tinha os olhos perdidos no chão de pedra. Seus dedos tremiam, mas foram seus olhos que mais chamaram a atenção de Ron. Estavam brilhantes, encobertos por uma camada espessa de lágrimas, e também tremiam, na tentativa de permanecerem rígidos. A testa da garota estava tensa, sua respiração dura. Ron sabia que ela não se permitiria chorar na frente dele.

Sem pensar mais, andou até ela a passos largos. Assim que o viu, Hermione levantou o rosto e indicou o Hall de entrada, por onde Ginny havia acabado de sair.

- Vamos ajudar Ginny e os outros? – ela falou, num tom irreconhecível. Sua voz estava carregada e tensa, assim como seu olhar, que evitou encarar Ron.

- Hermione, está tudo bem? – ele perguntou, com a voz fraca, ciente da inutilidade de sua dúvida. Mas não sabia como lidar com um estado tão delicado.

- Sim, só vamos… - ela começou a falar e então se interrompeu, a voz pesada parecendo vencer sua resistência. Apontou para a saída do castelo e começou a caminhar até ela, a passos surpreendentemente velozes.

- Hermione! – Ron exclamou, pondo-se atrás da garota, preocupado. Atravessou o salão cheio, que já começava a se movimentar para o que se seguiria, até encontrá-la na escada de fora do castelo. – Espere!

A garota diminuiu a velocidade, mas continuou a andar. Seus passos ficaram cambaleantes e incompletos, e Ron pôde ver que suas costas tremiam intensamente. Ele se apressou a alcançá-la, adiantando-se para sua frente.

- Hermione, por favor, fale comigo – ele suplicou, segurando os braços tremidos dela. A garota parou, com a respiração ofegante. Ela ainda não ergueu o rosto para encarar o outro.

- Ron… eu sinto muito… - ela disse, e sua voz tinha o mesmo tom carregado de antes.

Ele não suportou ouvir aquilo mais uma vez; o sofrimento em sua voz era intenso demais. Era como o que ele próprio estava sentindo desde que chegara até a calmaria sombria do Salão Principal, mas parecia inúmeras vezes pior quando transparecia no tom assustado de Hermione. Doía de um jeito que ele não sabia ser possível, uma vez que já acumulava tantas dores em seu peito.

Ron segurou o rosto dela com as mãos, erguendo-o vagarosamente. Não enfrentou resistência da garota, que fechou os olhos, franzindo a testa tensa. Ele mirou seu rosto marcado por machucados e olheiras, que há pouco tempo havia se encontrado tão próximo do seu. As marcas não escondiam que aquela era a mesma garota com a qual havia convivido por tantos anos; sua melhor amiga a quem havia aprendido a gostar demais, sem querer.

A velha Hermione, que agora sofria por ele e com ele. E escondia dele o choro pela morte de seu irmão, o horror pela guerra que não parecia ter fim, o terror pelo que poderia acontecer. Ele a conhecia o suficiente para saber que ela sentia exatamente as mesmas coisas que o aterrorizavam por dentro.

Ron encostou sua testa na dela, e passou os dedos levemente por suas bochechas. Ele pôde sentir que ela apertava ainda mais os olhos, e seu rosto tremia.

- Hermione, está tudo bem – ele murmurou, com toda a força que pôde reunir. – Você pode chorar agora. Vai ficar tudo bem depois.

Ela soluçou – fracamente, a princípio, e então numa freqüência rápida e com a mesma força com que antes se reprimia. Ele segurou sua cabeça e apoiou-a em seu peito, passando as mãos pelos cabelos fofos e bagunçados. E sentiu seus próprios olhos começarem a produzir lágrimas finas.

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Hermione se deixou envolver pelos braços do garoto, permitindo que as lágrimas pesadas que reprimia desde que entrara no castelo caíssem livremente de seus olhos, de encontro ao peito de Ron.

Ela passou as mãos pelas costas dele, abraçando-o com força. Tentava se prender a ele de qualquer maneira possível, agarrando-se à certeza de que ele ainda estava ali. Era uma certeza melhor do que a morte que envolvia o ar do Salão Principal, do sofrimento injusto causado por uma batalha estúpida.

Saber que a guerra ainda não havia terminado era saber que ainda poderia perdê-lo, e cada segundo passado na presença dos Weasleys no velório improvisado e repentino de Fred aumentava nela o medo dessa possibilidade.

- Eu não… - ela se ouviu dizer, em meio aos soluços, sem forças para se controlar. Mas nem mesmo seu inconsciente perturbado parecia capaz de terminar seus pensamentos e Hermione se sentiu, pela primeira vez, como se não soubesse de absolutamente nada. Era incapaz de saber o que fazer em seguida, de formular uma opinião sobre o que acontecia. Não conseguia sequer entender porque aquele pesadelo não acabava. E tinha tanto medo… – Eu não…

Incapaz de pensar em tantas coisas, Hermione se ouviu soluçar a única coisa que sabia com certeza no redemoinho daquele momento terrível.

– Eu não quero te perder, Ron.

Ela sentiu que, após um momento, o abraço do garoto se intensificou. Hermione foi tomada por sua presença de uma forma tão nítida e concreta, reconfortante e agradável, que ela pensou ter, por um breve momento, esquecido dos horrores que a cercavam no terreno do castelo em que estavam.

Ou talvez tenha sido o calor de sua respiração em seu ouvido, acompanhado das palavras roucas e firmes:

- Isso nunca vai acontecer. Não se preocupe.

Ela sabia que não. Simplesmente era difícil demais considerar qualquer outra coisa. Foi então que lembrou: era o que precisava saber para que conseguisse ao menos encarar novamente a incerteza e o terror da guerra a sua volta.

E o calor de Ron em volta de si não a deixaria esquecer.

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O sol havia começado a sair, mas a Toca parecia envolta em uma espécie de sombra própria e única, que dava um ar especialmente pesado aos cômodos da casa. Hermione se lembrava de outros tempos, das noites em que os corredores da casa adquiriam um ar de silêncio esperado, como se finalmente conseguisse descansar do movimento da casa lotada. No fim da madrugada, prestes a ser iluminada pelo nascer do sol, a Toca também parecia descansar de um longo período de agitação. Mas ao contrário das outras vezes, parecia incapaz de acordar novamente. Ao menos para a mesma coisa que havia sido um dia.

A garota andou até a cozinha para pegar um copo de água. O cômodo ainda parecia conter uma cena inacabada, como se a qualquer momento as luzes fossem se acender e vários personagens aparecerem do nada, recomeçando conversas do meio de risadas e terminando os copos de leite pela metade. Ela se perguntou se um daqueles pratos quase cheios, largados com pressa, não seria de Fred. Descobriu não querer saber a resposta.

Ela se conteve durante todo o tempo em que esteve no aposento, mas em um instante rápido seus olhos se movimentaram involuntariamente até o grande relógio de parede, e ela não pode impedi-los de se deter nele por alguns segundos.

Dois dos ponteiros, Bill e Fleur, apontavam juntos para “Shell’s Cottage”. O de Percy havia finalmente deixado o espaço “Perdido para Sempre” – adicionado por Fred e George após a briga entre o irmão mais velho e a família -, e estava, junto a todos os outros, na direção “Casa”. Apenas um apontava sozinho para cima. Não havia nome algum na direção que indicava, mas o ponteiro não era mais dourado como o resto do relógio - havia se tornado completamente branco. Apenas as letras que formavam o nome “Fred Weasley” permaneciam escritas em ouro.

Hermione não se forçou a reprimir uma lágrima fina que escorreu pelo canto de seus olhos inchados de lágrimas antigas. Não havia conseguido dormir desde que chegara a Toca, algumas horas antes. Ficava acordada mirando o teto do quarto de Ginny, esta se mexendo constantemente na cama ao lado. Havia tomado alguns goles de poção calmante, recebendo um sono impaciente, mas profundo. Hermione se sentia tão cansada que havia preferido não usar a poção, mas começava a se arrepender da escolha. Cada vez que fechava os olhos era tomada por visões, barulhos e sensações insuportáveis. Lembrava-lhe um pouco das vezes em que havia viajado até a praia com os pais; após passar o dia inteiro no mar, ia dormir ainda sentindo as ondas baterem em seu corpo. Com a diferença que agora não eram ondas que seu corpo revivia enquanto tentava descansar no colchão macio. Eram dores, passos rápidos de fuga, gritos de terror que ainda ecoavam em seus ouvidos. Como a lembrança de que a guerra poderia ter acabado, mas havia existido. E sempre seria uma sensação perturbadora que fazia parte dela mesma.

Hermione terminou o copo de água do qual havia se servido e deixou o copo de vidro na mesa bagunçada da noite anterior, que não sabia quando seria arrumada com acenos rápidos de varinha da Sra. Weasley. Não queria fazer mais barulho do que já poderia estar fazendo. Secou a lágrima solitária que escorria de apenas um dos olhos, como se o outro já não tivesse a capacidade de produzir mais, devido ao uso exacerbado; andou em direção à sala de estar, para subir de volta ao quarto onde Ginny se remexia em um sono impaciente. Por pouco não gritou de susto quando viu alguém sentado no sofá, encoberto pelas sombras, ao lado da lareira que ainda continha cinzas do fogo que os havia trazido de volta de Hogwarts.

- Ron! Há quanto tempo está aí? – ela sussurrou mais alto do que faria, abafando a respiração acelerada.

- Algumas horas – ele disse, a voz um pouco sonolenta, mas desperta. - Não quis te incomodar quando você passou para a cozinha.

- Lógico que não tinha problema – ela disse, caminhando até a poltrona contrária ao sofá em que ele estava. Então parou e encarou-o, um pouco constrangida. – Quer dizer, você quer ficar sozinho?

Ron não se mexeu no sofá, mantendo a expressão um pouco difusa pela escuridão que o cobria. Mas Hermione viu que sua mão se estendia na direção dela, e sua voz saiu tão soturna quanto antes, mas sem timidez alguma.

- Vem cá.

Ela andou até ele, deu-lhe a mão e ele apertou com força, puxando-a com leveza para que se sentasse mais ao seu lado do que em todos os momentos que haviam compartilhado nos sete anos de amizade. Então permaneceram algum tempo em silêncio, com os ombros juntos e a mão dele apertando a dela com firmeza, como se buscasse alguma confirmação atrasada.

- É estranho que tudo tenha acabado – ele disse, por fim.

- Eu não sei se esta é a melhor maneira de colocar – ela disse, incerta. Também estava achando tudo estranho naquela madrugada improvisada, mas sentia que seu papel junto a Ron era tentar esclarecer ao menos um pouco do que acontecia. – Talvez… as coisas estejam apenas recomeçando.

Ele continuou em silêncio, ainda segurando a mão dela como se fosse uma parte vital de seu corpo. Ela não disse nada até que ele voltasse a falar, com a voz um pouco rouca, mas ainda no torpor sonolento de antes.

- Talvez – ele murmurou, ainda mirando algo além do entendimento de Hermione. – Ainda assim… é difícil saber.

- Saber o quê? – ela lhe perguntou, incerta se estavam na mesma sintonia, se falavam a mesma língua ou se Ron não havia misturado a poção do sono com cerveja amanteigada.

- Se elas vão continuar iguais – ele falou, quase num sussurro.

- Não se preocupe – ela tentou argumentar, fazendo esforço para tranqüilizá-lo. - Algumas coisas nunca mudam.

- Não diga isso – ele murmurou, repentinamente.

Hermione se virou para encará-lo, buscando com os olhos talvez compreender alguma parte de suas aventuras filosóficas. O rosto dele se virou para vê-la, pela primeira vez, e seus olhos azuis a encararam com a vontade de uma criança confusa e o conforto de sete anos de conhecimento.

- Por quê? – ela perguntou.

- Eu não quero voltar a ser só seu amigo.

Ela permaneceu em silêncio, a boca entreaberta, o rosto tomado por uma surpresa quase inocente, que ela própria não sabia como remediar. Encararam-se sem palavras, por mais tempo do que ela lembrava ter feito em tantos anos juntos. Hermione não parou para reparar nas olheiras fundas e cansadas de Ron, na sua testa lisa que, por alguns instantes, parecia ter perdido as rugas de preocupação que ela sabia que o acompanhavam desde que ela havia acordado para o encarar em Shell’s Cottage, com a dor da Maldição Cruciatus ainda viva em sua pele. Apenas se deixou perder nos olhos azuis que pensava conhecer tão bem, mas que a olhavam com uma expressão de cansaço e busca que ela não reconhecia.

- Acho melhor nem tentarmos – ela falou, finalmente, ainda mirando os olhos dele como se pudesse ler mais profundamente do que nunca. – A gente nunca deu muito certo, mesmo.

Ela inclinou o rosto, perdendo os olhos azuis de sua frente por alguns segundos, e encontrou os lábios suaves de Ron, que retribuiu ao beijo com a mesma vontade e um aperto ainda mais forte em sua mão. Separaram-se, mas ele não se afastou mais que alguns centímetros, apoiando a cabeça no ombro de Hermione e mantendo sua mão unida à dela com todos os dedos.

- Que bom – ele murmurou, a voz mais sonolenta do que alguns minutos antes, acomodando-se ao lado dela. – Daria tanto trabalho recomeçar.

Hermione sentiu que sorria fracamente, e apoiou o próprio rosto na cabeça de Ron, deixando o cheiro cítrico e suave que ela reconhecia em qualquer lugar do mundo, mas que encontrava apenas nos cabelos cor de fogo do garoto. Respirou fundo, deixou que seus olhos se fechassem de cansaço e a última coisa que pôde perceber no silêncio da casa adormecida foi o canto distante dos primeiros pássaros do dia, que acordavam indiferentes ao horário invertido que a maioria dos bruxos vivenciava.

As ondas do mar aterrorizante da guerra não voltaram a atormentá-la, ao menos naquele momento. Havia outras lembranças e sensações que seu corpo havia experimentado durante todos os meses em que vivera assustada pelas possibilidades e incertezas do perigo. O calor suave em que se acomodava era uma delas. E sem dúvida, Hermione pensou, já no limbo entre sonho e realidade, antes que deixasse o sono profundo tomar conta de seu corpo, a mais forte de todas.

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N/A: Então, esse deveria ser o último capítulo. Mas eu sinto que ele não teve a cara de final que eu tinha planejado, por alguma razão. Por mais que eu acredite que a vida dos dois tenha sido realmente difícil nos momentos seguintes à guerra, eu queria a minha imagem final de R/H fosse um pouco mais alegre do que essa. Então ainda vou trazer um epílogo para vocês. Nada de “19 years later”, no entanto. Vou deixar a polêmica e os filhos de lado.

N/A2: Minha tentativa de aceitar a morte do Fred foi completamente em vão e a solução agora é terapia ou seqüestrar a JK Rowling e obrigá-la a escrever um adendo do epílogo dizendo: “Repentinamente, Fred Weasley apareceu do outro lado da estação montado em uma vassoura e voou até o grupo de pessoas atônitas que até poucos instantes se despedia de seus filhos. Os adultos o miravam com os olhos assustados, as crianças, confusas. Como todos, Fred parecia mais velho, mas sorria e estava muito bronzeado. Quando George surgiu ao seu lado, carregando uma expressão igualmente divertida, todos os outros perceberam que tudo havia sido apenas uma longa e estranha brincadeira. Ao mesmo tempo, Sra. Weasley apareceu junto aos dois, com um sorriso tímido. Aparentemente, ela havia autorizado a ida do gêmeo à América Latina para supervisionar a abertura de uma franquia de sua loja de truques. Agora todos entendiam porque George raramente era visto no Beco Diagonal e aparecia cada vez mais moreno. Bill Weasley, que até então se despedia de sua filha Victoire e mantinha uma conversa séria e formal com Teddy Lupin, pôs-se a bater no irmão mais novo como teria feito a própria mãe em outros tempos. Ginny apartou a briga, abraçou o irmão recém-chegado com os olhos fechados e então usou sua bolsa para bater em ambos os irmãos gêmeos. Em meio aos gritos de socorro e aos baques surdos da bolsa de Ginny nas costas dos irmãos, confusão que toda a plataforma 9 ¾ assistia agora e a Sra. Weasley não fazia esforço em impedir, foi possível distinguir apenas a voz de Fred, que logo se transformou em um gemido de dor, mas trazia uma nítida alegria.

- Como assim ninguém lembra que o dia da batalha era primeiro de abril?”

Alguém disposto a me ajudar com o seqüestro? Terapia é tão caro.

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Comentários (4)

  • Rose Dragon

    Lindo, lindo, lindo!!E eu te ajudo com o sequestro. De todas as mortes que a Jo escreveu (e foram muitas), a que eu não consigo suportar e choro copiosamente toda vez que leio é a do Fred kkk é tão tristeParabéns, você escreve incrievelmente bem 

    2014-09-15
  • Mônica Viana

    linda, linda e linda!

    2011-10-18
  • Babi Valerio

    Que lindo HUSAUHS viu concordo plenamente nesse epilogo ai hunf! parabens pela fic :)

    2011-10-18
  • Leticia Franciele Borghi

    Bom... 1º: Perfeito!  Tudo, quero dizer! A forma como vc encaixou tudo!   2º Pode colocar meu nome na lista pra sequestrar a Tia Rowling. Odiei quando ela matou o Sirius e o Fred. ausuas Parabéns! Amei sua fic :)  

    2011-07-28
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