O florescer
Foi você quem me apresentou a magia. Foi você quem, com seu jeito tímido e excessivamente fechado, me falou pela primeira vez que eu era uma bruxa. Antes mesmo de receber a visita daquele homem de roupas engraçadas e coloridas, que explicou sobre a manifestação dos meus poderes aos meus pais, eu já sabia tudo o que poderia saber sobre Hogwarts. Foi você quem me falou que fazer aqueles lírios florescerem era resultado da magia que brotava de mim por cada poro. Foi quando você tocou as pétalas das flores que eu conjurei, sem querer, que tive certeza, ao menos lá no fundo, de que a coruja traria aquela carta para nós dois.
- Isso é real, não é mesmo? – eu disse, observando o galho que fizera flutuar cair na grama logo abaixo da cerca onde estávamos sentados. Era primavera, e as plantas da praça próxima à minha casa floresciam a olhos vistos. – Não é uma brincadeira? A Petúnia disse que você está mentindo para mim, que não há nenhuma Hogwarts. Mas é verdade, não é?
Você ficou calado. Seus olhos muito negros e misteriosos permaneceram fixos no horizonte, onde o vento balançava a copa das árvores, derrubando pétalas no chão e espalhando o pólen das flores. A vista era muito bonita, mas manchada pela fumaça e as paredes sujas das fábricas que vinham logo após o verde. Eu nunca dizia nada sobre aquele lugar. Eu sabia que era lá que você morava, na Rua da Fiação. O rio que corria próximo à sua casa era poluído e cheirava mal, mas você falava pouco sobre seu lar e sua família. E o pouco que falava me fazia perceber que aquele lugar não era para você. Ao menos não para o garoto que eu conhecia.
- É real para nós – você falou, e meu coração deu um pulo. Eu não esperava que você fosse dizer algo enquanto eu observava o vento brincar com seus cabelos. A sua voz parecia distante, mas pude sentir uma pequena nota de excitação, escondida por um ar de indiferença. – Não existe para a sua irmã, Lily, mas nós vamos receber a carta: eu e você.
Eu achava que você poderia ouvir o meu coração bater de encontro às minhas costelas, tamanha era a força com que ele pulsava dentro do meu peito. Sem encontrar direito a minha voz, perdida em algum lugar em meio a todas aquelas novidades, apenas consegui murmurar:
- Verdade?
Minha voz soou meio boba aos meus próprios ouvidos. Você desceu da cerca de repente e eu me desequilibrei, assustada. Era como se você fosse o meu apoio, uma força invisível que me mantinha sentada ali. Desde que nos conhecemos eu procurava prever suas atitudes, suas palavras, seus gestos, mas era sempre um completo fracasso em te entender. Para mim, você sempre foi um verdadeiro mistério, e acho que eu gostava disso. Fazia parte do nosso jogo, mas eu ainda era pequena demais para entender enquanto dividíamos nossas tardes no parquinho da praça.
Dupliquei a força com que me segurava na madeira da cerca e retomei o equilíbrio. Então, passei a observar sua figura, de costas para mim, os braços largados ao lado do corpo, os ombros caídos na camiseta larga demais e a cabeça ligeiramente abaixada.
- Definitivamente – você disse, e então se virou. Encarei seus cabelos mal cortados, sua aparência meio estranha, mas no momento em que pousei meus olhos nos seus, verdes nos pretos, eles brilhavam com a força da fé. Eu sabia que você realmente acreditava no nosso destino, e que não me deixaria duvidar. Naquela época ainda havia tempo para sonhar com uma vida longa e um final feliz, igualzinho nos contos de fadas que mamãe lia para Tuney e eu dormirmos.
- E a carta vai chegar por coruja mesmo? – ouvi-me sussurrar, mais uma vez, ao mesmo tempo em que descia da cerca com um pulo astuto e parava ao seu lado. No entanto, por mais que eu buscasse seus olhos, você os havia desviado, sem me deixar ler neles o restante daquilo que você sentia.
- Normalmente é assim. Mas você nasceu trouxa, então alguém da escola virá para explicar tudo aos seus pais.
Trouxa. Você tinha me contado o que era. Aqueles que não eram bruxos ou bruxas. Eu tinha nascido numa família de trouxas, mas era uma bruxa. Meus poderes se manifestavam desde que eu era capaz de me lembrar. Coisas simples, nada muito elaborado, algum objeto que vinha até mim quando eu queria, ou alguns copos quebrados quando eu me irritava. Mamãe, papai e Tuney ficavam assustados. Antes de saber dos meus poderes, responsabilizavam meus atos a uma coincidência qualquer; e eu acreditava neles.
Mas as flores me faziam sentir que eu era especial, os lírios que sempre floresciam ao meu toque, como se esperassem que eu pousasse minhas mãos sobre eles para mostrar o quanto eram belos. Para mostrar a vida que se impregnava em cada pétala. Os lírios que me emprestaram seu nome e que me uniram pela primeira vez a você.
Eu tinha uma vaga garantida em Hogwarts, você me disse. Mesmo assim, sem ainda saber o porquê, naquela época eu não me sentia confortável em ser diferente. E deixei isso escapar de meus lábios sem nem ao menos perceber:
- Faz alguma diferença? Ter nascido trouxa?
Você hesitou, rolando os olhos para o alto e encarando alguns pássaros negros que voavam na direção da Rua da Fiação. Eles eram feios, mas faziam um barulho engraçado. No entanto, você não sorria, e deixei que minha risada infantil morresse em meus lábios enquanto analisava seu semblante e aguardava ansiosa pela sua resposta.
Já estava me acostumando àquilo. Era como se você digerisse as palavras, demorando para selecionar quais seriam as melhores para me responder. Eu sentia cuidado na sua voz sempre que você se dirigia a mim. Éramos tão crianças, mas eu percebia o quanto você se preocupava comigo enquanto me observava brincar na praça. Você raramente brincava, preferia ficar me olhando de longe. Nós conversávamos apenas quando Tuney não me acompanhava. Eu achava que ela não gostava de você, e que deixava isso muito claro. Dizia que você era pobre, sujo, estranho. Eu não ligava, e muito menos concordava com ela. No fundo, sabia que era inveja. Você era tão sério, quieto, sempre com os olhos negros pousados sobre mim. Aquilo me divertia, fazia eu me sentir especial.
Você engoliu em seco. Seu olhar percorreu o meu rosto cheio de expectativas, pousando em seguida sobre os meus cabelos vermelhos, que voavam por causa do ligeiro vento que soprava no fim de tarde primaveril. Enfim, você respondeu, fazendo dissipar, assim, minha ansiedade:
- Não. Isso não faz a menor diferença, Lily.
Eu sorri, e respirei aliviada. Sem perceber, deixei meus dedos roçarem de leve as suas mãos brancas de dedos finos. Você estava gelado, mas mesmo assim eu sorri. Iríamos para Hogwarts juntos. Lily e Severo. E você seria minha companhia naquele mundo onde tudo era novo para mim.
(Você e eu, nós costumávamos ficar juntos, todo dia juntos, sempre)
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