Capítulo único



As velas que se acendiam apenas com a presença o calor humano eram as únicas testemunhas do triste estado em que se encontrava o professor de poções naquele momento. Foi com tanta rapidez que ele cruzara todo o seu aposento que elas sequer tiveram tempo de fabricar uma única gota de cera e já se apagavam.

A medida em que ele dava mais um passo, uma vela se acendia, outra se apagava. Entretanto ele estava indiferente a tudo o que se passava ao seu redor. O percurso longo que obtvera para enfim, chegar ao banheiro confortável no fundo de seus aposentos, a ele poderia ter aparentado breve.

Cruzou a soleira da porta e com um movimento brusco a empurrou, com tanta força que ela chegou mesmo a bater e voltar várias vezes, sem realmente se fechar.

Dispensou a imensa banheira onde o elfo doméstico com certeza providenciara um banho quente e relaxante, e abriu o chuveiro a seu máximo, na água fria.

Desfez-se das muitas vestes que normalmente usava com impaciência e entrou de baixo do chuveiro, fechando o Box atrás de si. Em instantes a água o inundara por completo, mas como em câmera lenta ele apoiou os braços na parede a sua frente e sentiu as primeiras gotas de água caírem no cocuruto de sua cabeça, encharcando-lhe os cabelos, molhando os pescoço, os ombros, deslizarem por suas costas até todo o seu corpo ser abraçado pelas águas frias, sugando toda a sujeira, todo o cansaço, toda a imundície...

Severus apertou os olhos, desejando que toda aquela água limpasse também o seu coração.

Seus olhos arderam, como se lutassem contra o seu autocontrole. Ele agradecia por estar sozinho ali, não gostava da idéia de ter sua máscara de frieza ser descoberta uma farça por alguém. Até admitir para si mesmo já era deplorável, humilhante.

Ele se sentia um fraco, e se odiava por isso.

Ele se odiou ainda mais quando gotas de água quente salpicaram-lhe o rosto, misturando-se com o banho de água fira.

- Ahhhhh!

Uma dor alucinante envolveu-lhe o punho quando ele o ergueu em direção a parede, ao mesmo tempo que um urro de lamento, de ódio, de impotência escapava de seus lábios.

Arfando como se tivesse corrido, Snape encostou suas costas no azulejo frio, escorregando até sentar-se no chão. Fechou os olhos novamente e deixou a cabeça pender para o lado, lembrando-se com amargura o que acabara de lhe acontecer, da conversa com o diretor:

FLASHBACK!

O diretor estava sentado a um lado de sua escrivaninha, as pontas dos dedos estariam juntas, senão uma de suas mãos não estivesse com uma aparência murcha. Olhava para um Snape cabisbaixo do outro lado por cima dos seus oclinhos de meia lua.

Estavam em um silêncio profundo.

- E então – suspirou o diretor. – Não há outra saída. Você cumprirá o que prometeu.

Snape ergueu os olhos, aquela expressão de pânico que apenas Alvo dumbledore testemunhava.

- Por favor, diretor... Eu não posso!

Dumbledore sorriu.

- É claro que pode, homem. Eu preciso que você possa. O mundo precisa que você faça isso, Severus.

Snape balançava a cabeça negativamente. Os nós dos dedos brancos deixando visível a força com que ele apertava as têmporas.

- Não, Alvo! Por favor, não faça isso comigo...

A voz de Dumbledore era grave, indestrutível.

- Vamos, Severus. Eu já sou velho, não farei muita falta aqui! Já fiz tudo o que podia fazer e ainda terei tempo para ajudar Harry no que puder. Você fez o voto. Não tem outra alternativa senão o cumprir.
- Mas, diretor... Eu fiz o voto porque não tinha saída! Iria revelar minha verdadeira identidade de espião se não...
- Calma, homem! – interviu Dumbledore. – Você fez o certo! Não havia outra saída, foi preciso ter feito o que fez! Eu mesmo lhe fiz prometer que faria de tudo, não importava o que era necessário fazer, para nunca deixar sua identidade como espião se revelar lembra? Mas agora, sua solução é obedecer ao voto. Você terá que cumpri-la.

- Diretor – Snape tentou se controlar, mas sua voz saía trêmula. – Se me permitir, se concordar, eu não preciso... Eu posso não cumprir o voto...
- E morrer? É claro que não, Severus! Você vai permanecer com sua farsa, cumprir o voto e ainda garantir mais longos anos de espionagem para o nosso lado com isso!
- Mas, Alvo...
- Sem “mas”! Você cumprirá sua farça a qualquer custo. Foi o que combinamos.

Snape suspirou, prendendo os dedos entre os cabelos em cima da cabeça. Nem notou que o diretor havia se aproximado, até sentir uma mão tocar o seu ombro. Ergueu os olhos.

Dumbledore o encarava, sério, com seus olhos cintilando.

- Lamento.

Snape acenou com a cabeça e se levantou, perturbado. Sequer se deu ao trabalho de murmurar um “boa noite” e saiu o mais depressa que conseguiu do escritório, andando em passos largos.

Estava tão aflito, tão angustiado, que ao virar o primeiro corredor trombou em alguém que nunca imaginaria encontrar no castelo em pleno verão.

Ela caiu com a pancada e soltou um grito.

Snape teria xingado, se exaltado, talvez até feito uma piadinha maldosa ao mirar a sabe-tudo-Granger caída no chão, mas não estava preparado para encarar ninguém naquele momento.

Não. Não naquela hora, naquele estado, em que ele não era o temido professor de poções, mas um homem comum, com problemas como qualquer outro e uma dor humilhante explícita em cada traço do seu rosto.

Maldita hora para ela aparecer!

- Prof-professor? – perguntou ela incerta, olhando-o com uma expressão indecifrável, como se quem estivesse ali não fosse ele, mas alguém realmente parecido.

Ele a ignorou, sem parar para ajudar, se desculpar, ou qualquer reação que se espera de um verdadeiro cavalheiro, mas também, sem palavras ofensivas, ironia, difamações, como se espera do professor Severus Snape em relação à Hermione Granger.

Continuou andando em passos largos, até chegar às masmorras.

FIM DO FLASHBACK

Sentado no chão, com a cabeça e as costas apoiadas no azulejo frio, Snape desprendeu-se de seus devaneios ao escutar um barulho.

Levantou-se rapidamente, desligou o chuveiro e se enrolou na toalha branca, abrindo o Box para mirar uma porta fechada.

Sacudiu a cabeça como para se certificar de que ainda estava em sua sã consciência.

Céus! Vai ver essa pressão toda já o deixara enlouquecido! Escutara mesmo um barulho? Mas a porta estava fechada da mesma forma em que ele a deixara! Ou não?

Espera aí! Fechara mesmo a porta?

Sacudiu a cabeça novamente.

- Louco! É a única solução!

Saiu do banheiro, sentindo-se um pouco mais tranqüilo com o banho, porém não era ainda o Severus Snape que todos, com a exceção de Dumbledore, conheciam.

Vestiu-se lentamente, sem prestar atenção no que fazia. Insistia em colocar a camisa do avesso, a calça ao contrário e até mesmo a cueca com uma das pernas no lugar da cintura. Outra preocupação lhe veio a mente agora, e ele tremeu.

O que o Lorde faria quando descobrisse o seu voto com Narcisa? E quando será que ele descobriria? Belatriz provavelmente não ficaria calada!

Mas um barulho chamo-lhe a atenção. Este parecia vir do escritório ao lado do quarto.

O que poderia ser? Um elfo doméstico fazendo a limpeza? Não. A essa hora! Dumbledore? Mas eles acabaram de se falar. Um comensal? Voldemort? Como teriam entrado em Hogwarts?

Pegou sua varinha e foi andando, sorrateiro, até chegar na porta. Abriu-a devagarzinho...

O escritório estava escuro, apenas o que iluminava eram umas poucas velas. Suficiente para que ele empunhasse a varinha. Se as velas estavam acesas, havia alguém ali!

Conforme ia se aproximando, mais luzes se acendiam, e ele pôde enxergar a silhueta de alguém perto da porta. Ergueu ainda mais a varinha e apertou os olhos, preparando-se. Foi quando uma ela próxima se acendeu que ele levou um choque, e abaixou a varinha.

- Srta Granger! – exclamou, entre o aborrecimento, o alívio, a irritação.

<<<<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>>

Ela já não agüentava mais tudo aquilo. A guerra cada vez mais próxima, Voldemort ter sido descoberto por todos e Harry e Rony jogando quadribol! Céus! Será que apenas ela estava entendendo a gravidade do problema? Às vezes a imaturidade dos dois a irritava. Chegava a pensar muitas vezes que só ela havia crescido.

Deitada em sua cama n’A Toca, Hermione sorriu ao pensar que chegara mesmo a gostar de Rony por longos anos de sua vida. Mas agora... alguma coisa tinha acontecido...

Ela sentia falta de alguém ao seu lado. A experiência com Krum havia sido boa, ele era um cavalheiro, maduro. O que estragava era aquela paixão por quadribol sem limites! Merlim! Será que todo garoto seria assim?

A verdade era que ela cansara-se daqueles que a rodeavam. Esse ano algo aconteceu com ela mas não sabia o quê. Sabia apenas que enquanto sua “quase” maioridade parecia fazer efeito na sua forma de pensar, de agir, enquanto ela sentia-se crescer, Rony, Harry, pareciam continuar as mesmas crianças que se encontraram no Expresso de Hogwarts aos seus 11 anos de vida.

Suspirou e se levantou. Já que os amigos a abandonaram pelo quadribol mais uma vez, tinha que achar alguma coisa para se distrair.

Ler? Não. Os livros já não tinham mais tanta graça como antes. Resolveu ir até a cozinha e ver se havia algo para fazer.

Chegando à porta, encontrou uma pequena discussão do sr. e a sra. Weasley, e Gui.

- Alvo precisa saber disso – dizia o sr. Weasley. – Acho melhor mandarmos uma carta...
- Carta, papai? Não seria melhor irmos até lá? E se a carta for interceptada?
- Hum, mas agora eu e Molly temos um compromisso com a Ordem. E você, Gui? Não tinha uma reunião com aqueles bruxos da Bélgica?

Gui bateu na testa.

- É mesmo! Aliás... Já estou atrasado! Mamãe?
- Vai com Deus, meu filho. Mas e agora, Arthur?
- Teremos que apelas para a carta mesmo.
- Mas, Arthur...
- Sr e Sra Weasley? – chamou Hermione, entrando na cozinha.

Ambos se assustaram, não tinham notado a presença da garota.

- Hermione – exclamou a bruxa. – Venha, sente-se! Os garotos ainda estão jogando quadribol?
- Sim – suspirou Hermione. – Já faz algum tempo.
- Coitada, deve estar entediada – brincou o Sr. Weasley.
- Realmente – ela respondeu. Hesitou por alguns instantes, mas então continuou: - Eu ouvi a conversa de vocês... Será que eu não poderia ajudar?

Os dois se entreolharam.

- Ajudar, Hermione? Como?
- Bom, vocês não podem ir até lá, mas eu posso.

O Sr Weasley sorriu.

- Agradecemos, Hermione, mas você sequer conhece o plano, seria errado se nós lhe explicarmos para que diga ao diretor...
- Mas eu não preciso conhecer o plano. Vocês não iam mandar uma carta? Ao invés de mandar pelo correio, o que não é seguro, eu posso entrega-la pessoalmente.

Os dois se entreolharam novamente.

- Tem certeza, Hermione? Você não precisa...
- Eu quero. Não tenho nada a fazer aqui e seria bom rever o diretor.

O sr Weasley puxou um pergaminho.

- Ok, Hermione. Eu vou escrever a mensagem. Um instante...

Cinco minutos depois, Hermione estava com a carta lacrada na mão, jogando pó-de-flú na lareira.

- A lareira da sala da profª Minerva está sempre desbloqueada para nós. Ela não está lá, então é só você abrir a porta com um feitiço simples, que por dentro ela abre normalmente. Para voltar é mais complicado, você precisará que Alvo libere uma outra lareira, não esqueça de pedir.
- Tudo bem – disse ela, entrando nas chamas esverdeadas.
- Talvez isso demore um pouco, Hermione, e não estaremos aqui, mas a lareira estará liberada.
- Pode deixar Sr Weasley... HOGWARTS!

Ela fechou os olhos para não ver a confusão de lareiras a sua frente, só os abriu novamente quando tudo pareceu parar de rodar e seus pés se viram em chão firme.

Estava na sala da professora Minerva.

Respirou fundo, aquela viagem sempre lhe deixava com um mal estar tremendo.

Abriu a porta com um “alohomora” e saiu, era bom estar em Hogwarts. Trouxe-lhe uma tranqüilidade que não sentia há meses.

O diretor provavelmente estaria em seu escritório, então foi para lá que ela se dirigiu.

Andava tão tranqüila, tão absorta, que não pôde escutar passos apressados vindo do outro lado do corredor, que estava prestes a cruzar.

- Ah!

Algo extremamente duro colidiu com seu corpo ela foi atirada para o chão.

Ao mesmo tempo em que massageava o queixo onde a ponte de alguma coisa dura entrara em contato com ele, ela ergueu os olhos e o que viu, a deixou estática.

Snape? Era ele mesmo?

Seus olhos se encontraram por alguns instantes.

- Prof-professor? – perguntou incerta. Merlim, ela estava enxergando direito? Aquele era o professor de poções Severus Snape? O temível professor? O vampirão das masmorras?

Ele desviou os olhos e se retirou depressa, sem uma única palavra.

Ainda no chão, Hermione se virou para olhá-lo, as logas vestes esovaçando conforme os passos ligeiros.

Estava perturbada. A visão do professor que sempre fez questão de humilhá-la, que sempre manteve a pose de indestrutível, inabalável, naquele estado... Tão... Humilde! Vulnerável! Havia uma expressão no seu rosto, uma expressão que ela nunca vira antes. Algo como... dor.

Hermione havia se esquecido completamente dão queixo dolorido, que agora sem dúvida deveria estar roxo, mas no momento sentia dor pior do que um osso fraturado, uma carne inflamada... Parecia que o sofrimento daquele homem havia sido transportado a ela.

- Srta Hermione?

Com um novo susto, ela se virou, dando de cara com Alvo Dumbledore e seu ar tranqüilo um pouco preocupado essa noite.

- Diretor – cumprimentou com uma voz abafada aceitando a mão que o diretor lhe oferecia.

Ele a levantou com uma agilidade que não parecia possuir naquela idade.

- Obrigado – agradeceu, olhando para o lugar onde Snape sumira.

- Está tudo bem, Hermione? Parece... perturbada.

Hermione o encarou. Dumbledore a mirava por cima dos oclinhos de meia lua e ela sentiu-se corar. Sabia o que ele estava fazendo, mas não pôde evitar que a imagem do eu acabara de acontecer voltasse à tona a sua mente.

Alvo franziu o cenho, depois sorriu e tocou de leve o queixo de Hermione.

- Ai!
- Desculpe... Hum... Acho que você precisa cuidar disso. Pancada feia, heim?

Ele sorriu, e Hermione não entendia o porquê.

- Infelizmente Madame Ponfrey está de férias – continuou ele. – Mas acho que o professor Snape tem uma boa poção em seus aposentos. Porque não vai até lá e pede que ele cure o que ele mesmo causou?

Hermione abriu a boca, mas tornou a fechá-la. Visitar Snape? Naquele estado?

- Não se preocupe – disse o diretor. Droga! Ela precisava controlar sua mente! – Diga a ele que eu lhe mandei até lá.
- Ele não me parecia bem, professor.

Alvo suspirou.

- Severo está passando por um momento doloroso. É bom que vá até lá, afinal, todos nós seres humanos precisamos de companhia, às vezes, não é?

Ele lhe olhava sorrindo e Hermione não teve coragem de dizer que se realmente Snape quisesse uma companhia, sem dúvida, não seria a dela.

- Bom, mas por mais agradável que seja a sua companhia, eu imagino que você não pensa o mesmo de mim.

Ele sorriu quando ela abriu a boca para retrucar, indignada.

- Vamos, Hermione, eu estou brincando! Mas o que a trás aqui em plenas férias de verão?
- Ah! O Sr. Weasley me pediu para que lhe entregasse...

Ela tirou o pergaminho lacrado do bolso e o entregou ao diretor, aproveitando para encarar o ponto por onde Snape desaparecera.

Dumbledore abriu o pergaminho sem dificuldade alguma e franziu o cenho a medida que seus olhos deslizavam pelas breves linhas.

- Hum... – fez, fechando novamente a carta e atraindo a atenção dela. – Vou precisar resolver isso. Porque você não procura Severus e faz o que eu lhe falei?
- Ah, ok, então, senhor. Boa noite.
- Boa noite, Hermione, e...

Ela já havia começado a se virar quando, graças ao tom de sua voz, voltou-se novamente. Dumbledore sorria abertamente, e piscou.

- Espero que vocês se entendam.

Enquanto via o velho desaparecer e se virava para se dirigir às masmorras, pensava que Diabos aquele homem queria dizer com aquilo.

Bateu na porta mas não obteve resposta. Bateu de novo.

Começara a se preocupar. Snape não era do tipo de pessoa que se suicidaria, mas a expressão presente em sua face que ela presenciara a momentos atrás foi o suficiente para impulsioná-la a abrir a porta e entrar.

- Professor? – chamou baixinho, mas não houve resposta.

Ela deu um passo a frente e uma vela se acendeu.

Com a luz ela pôde enxergar melhor o local. Era um escritório comum com várias outras velas marcando um longo corredor e uma porta em sua outra extremidade. Resolveu se dirigir até lá, nervosa e sem querer imaginar a reação do professor ao encontrá-la em seus aposentos.

Mais uma vez bateu na porta e não obtendo resposta, abriu-a.

Controlou a exclamação de surpresa que teria saído de sua boca ao vislumbrar e elegância de um quarto como aquele. As paredes eram impecavelmente brancas, com uma enorme cama de casal e dossel, de uma cor aveludada, vinho. Um guarda-roupa de várias portas embutidas que ocupava boa parte da parede. Aqui e ali alguns castiçais que produziam uma luz bruxuleante e havia um aroma adocicado no ar.

Hermione desviou sua atenção para uma porta entreaberta a usa esquerda e se encaminhou até ela.

Empurrou um pouco a porta já sabendo que não deveria fazê-lo. Ora, o som do chuveiro já não era o suficiente para que soubesse exatamente o que estava acontecendo ali dentro? Precisava abrir a porta?

O banheiro parecia tão confortável quanto o quarto, todo de mármore, o que a fazia se lembrar do banheiro dos monitores; uma imensa banheira espumante e atraente que a julgar o som do chuveiro e o Box escuro fechado a um canto, era completamente ignorada.

Ela sentiu um arrepio ao ver apenas uma sombra do outro lado, aparentemente escorregar até o chão.

Mas afinal, o que ela estava fazendo ali? Assistir a um professor tomar banho?

Envergonhada pela forma em que agira até agora, Hermione recuou, fechando a porta.

Em instantes, estava de volta ao escritório, decidindo o que fazer. Ficaria, ou iria embora?

Um espelhinho ao lado da porta a fez decidir-se por ficar. Seu maxilar estava estranhamente inchado com uma mancha arroxeada em grande parte de sua extensão.

- Merda – murmurou baixinho. Nunca fora de usar esse tipo de palavreado, mas “merda” era uma ótima expressão para o que estava querendo desabafar naquele momento.

Tentou tocar cautelosamente, mas mesmo assim, doeu. Ela retirou a mão com tanta rapidez que bateu no espelho. Ele balançou, desprendeu e caiu, espatifando-se.

- Oh, não! – murmurou. – Reparo!

Os pedaços de vidro voltaram a seus lugares e ela o pôs de volta na parede, com a esperança de ter tempo para sair correndo, mas tarde demais… A porta do outro lado se abriu e ela ficou estática, ao lado da porta.

- Srta Granger! - exclamou Snape, baixando a varinha.
- Professor – ela murmurou de volta.
- Posso saber o que faz em meus aposentos?

Sua voz não era das mais agradáveis, mas ela não pôde deixar de notar em sua rouquidão, à falta de ironia, a expressão cansada e às poucas olheiras.

- Eu… O professor Dumbledore me pediu que viesse para… Atrás de uma poção para isso – Ela mostrou com o dedo o queixo machucado.

Snape se endireitou, franzindo o cenho.

- Deixe-me ver – falou se aproximando. Hermione ergueu a cabeça, sentindo o suave perfume que emanava do banho recém-tomado de Snape.

- Ai! – exclamou ela dando um passo atrás quando ele tocou seu queixo sem delicadeza alguma.

Ele ergueu uma sobrancelha, entortando os lábios em um meio sorriso.

- Como quer que eu a ajude senão me deixa ver, Srta Granger?

Ela se aproximou cautelosamente.

- Cuidado, por favor. Está doendo…

Ele bufou, segurando do outro lado do rosto da garota enquanto levantava sua cabeça e olhava para a grande marca.

A proximidade era incrível. Hermione olhou para o rosto de Snape e descobriu que apenas o que não a deixava constrangida era o fato de seus olhos não estarem em contato um com o outro.

- Dói aqui? – perguntou ele, tocando uma parte menos dolorida de uma forma mais suave.
- Um pouco – murmurou baixinho. Não entendia o porque a voz baixa e rouca do professor tão próxima, causava aquele arrepio em sua espinha.
- Aqui? – perguntou, subindo mais um pouco e apertando com mais firmeza.

Um gemido escapou de seus lábios, enquanto sua face se contraía e involuntariamente ela estendia um braço, tocando o tórax do professor a centímetros de distância, e com o outro braço segurava de leve o cotovelo que guiava os dedos em seu queixo.

- Calma – ele lhe disse, seco. – E aqui? Dói?

Dessa vez o lugar tocado foi o canto de seus lábios e aquele arrepio voltou.

- N-não, aí não.

Snape ergueu os olhos e os seus encontraram com os dela. Sem dúvida ele notara que ela estremecera e, provavelmente, se surpreendera. Ela mesma estava surpresa.

Seus dedos caíram suavemente e ele tomou distância, o que lhe pareceu a atitude mais sensata naquele momento.

Desviou os olhos e deu as costas, falando como se estivesse ditando ingredientes para uma poção.

- Você não quebrou nada. Devido a quem ou o quê foi que ele lhe bateu, deve ter pego muito forte e apenas inflamado a carne. Uma poção antiflamatória bastará.

- Quem – murmurou Hemrione.

Ele continuou de costas, mexendo em um armário aberto.

- Quem o quê?
- Foi quem bateu em mim, e foi o senhor.

Dessa vez Snape se voltou para ela.

- O que disse?

Ela sentiu-se corar.

- Isso aconteceu quando eu trombei com o senhor no corredor – explicou.

Um traço de compreensão passou por seu rosto. Ele bateu as mãos no bolso da camisa branca de botões inutilmente, pois o que procurava não estava ali, mas no bolso da capa.

- Hoje de manhã eu comprei um chifre de unicórnio no beco-diagonal. Estava no meu bolso, onde provavelmente a senhorita bateu e nosso... incidente.

- Chifre de Unicórnio? – perguntou Hermione, as sobrancelhas erguidas.

Snape a encarou, sarcástico.

- Sou um professor de poções, senhorita. As férias já lhe fizeram esquecer disso?

Com tantas coisas que ela poderia dizer ou fazer, optou por morder a língua e esperar.

Snape sorriu, satisfeito.
]
- Aqui está sua poção, srta. Granger.

Hermione estendeu a mão para pegar o frasco. Ao fazê-lo, seus dedos roçaram de leve a pele quente do professor e um curto choque fez os dois pularem para trás.

Conseqüentemente, o vidro se espatifou no chão.

- Srta. Granger! O que foi isso?

Hermione o encarou, assustada. Como antes, Snape parecia perturbado. Algo sem dúvida, o abalara.

- Eu... Me desculpe, eu...

Tremendo e se esquecendo da magia, Hermione se abaixou e tentou recolher os pedaços de vidro. Não sabia porquê, mas o fato de ver Snape tão... humano, lhe deixava nervosa. Assim ele parecia bem mais capaz de fazer alguma loucura, perder o controle, e ter uma estudando irritante dentro de seu escritório que acabara de quebrar um frasco de uma das suas preciosas poções era algo que não o ajudaria muito.

Suas mãos tremiam e ela furou o dedo mais de uma vez antes que Snape a segurasse pelo pulso e a levantasse.

- Ora, francamente, deixe isso aí! – ele tirou um pedaço de vidro que segurava e rudemente virou as palmas de suas mãos, olhando os ferimentos. – Você é uma bruxa, garota, não precisa agir como uma trouxa idiota!

Com a varinha, ele fechou os ferimentos.

- Me desculpe, eu...
- Tenho outras poções guardadas, senhorita, pare de se desculpar feito uma tola.

Snape soltou suas mãos e deu meia volta, incomodado. A lembrança do breve choque no momento em que se tocaram ainda estava clara na sua mente. Lembrou-se do que lera em um livro na adolescência. Nunca acreditara naquilo, mas... Seria possível?

Hermione o encarou. Incrível a capacidade daquele homem de fazer qualquer corajoso se tornar covarde.

Respirou fundo e acenou a varinha, desaparecendo com os cacos de vidro, mas viu Snape parar e se voltou depressa.

- Professor? Algum problema?

Ele curvou-se para frente com apenas um gemido de dor. Hermione correu até ele, preocupada.

Em alguns minutos, Hermione agira mais impulsivamente do que em toda a sua vida. E foi exatamente isso que a levou a tocar na mão de Snape, levando um susto com a temperatura demasiado quente, Só então ela notou que sua mão estava segura no braço, onde provavelmente queimava a marca negra.

- Professor… - começou sem saber exatamente o que diria.
- Não… agora não…

Por um momento, a confusão tomou conta do bom senso de Hermione, mas logo ela entendeu que aquelas palavras não eram para ela.

- Eu preciso ir… Vá embora…
- Mas, professor…
- Vá embora, Srta Granger!

Cambaleante, Snape se levantou. A marca nunca ardera de forma tão intensa! Isso só podia significar uma coisa: Voldemort descobrira seu pacto com Narcisa.

Hermione saiu correndo nos primeiros minutos sem saber exatamente para onde, mas decidindo-se logo em seguida pelo escritório do diretor. Iria embora. O que importava uma “simples” marca roxa? Tudo o que poderia dar aquela noite, já havia ultrapassado seu limite de normalidade.

Snape também saiu assim que se certificou de que ela não estava mais lá. Correu o mais depressa que pôde até atingir os portões da propriedade, fechou os olhos…

Parabéns Belatriz, fora mais rápido do que ele supunha.

Desaparatou.

<<<<<<<<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>>>>>>>
- Droga! – exclamou Hermione, em frente a gárgula que dava para o escritório do diretor. – Ele me disse que iria sair e eu nem cheguei a pedir que liberasse a rede de flú!

Ela mordeu os lábios, analisando suas alternativas.

Estava sozinha no castelo de Hogwarts, sem meios de sair de lá. O sr. e a sra. Weasley não estavam em saca, então não adiantaria tentar qualquer meio de ajuda.

Dumbledore poderia chegar muito tarde, talvez até de manhãzinha.

Snape. Quanto tempo demoraria uma reunião com voldemort?

Mordeu os lábios com mais força, lamentando-se depois com a dor. Odiava ter de assumir isso, mas dependia do professor de poções. Foi cabisbaixa e a arrastando os pés que ela se dirigiu até o escritório dele novamente.

<<<<<<<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

- Severus.
- Milorde…
- Estou decepcionado, Severus, muito decepcionado.
- Milorde, eu…
- Silêncio.

Snape se calou. De joelhos e cabeça baixa a frente de Voldemort, ele sentia-se humilhado. Mas essa sempre foi a realidade que ele era obrigado a suportar. Tinha que respirar fundo e deixar-se humilhar mais uma vez…

- Como se atreve a tomar uma decisão como essa sem consultar o seu mestre antes? Quem lhe deu o direito de interferir em uma ordem minha?

Snape permaneceu calado.

- Não posse negar que esteja contente por um lado. Fazendo o voto, você mostrou sua verdadeira lealdade. Qualquer dúvida que eu teria, desvaneceu-se. Contudo… Eu tinha planos. Planos para o garoto e sua família, que agora foram perdidos graças à desobediência sua e de Narcisa, e pela indulgência de Belatriz. Não posso permitir que esse ato fique impune. Belatriz será liberada por ter me contado imediatamente a traição de vocês dois. Narcisa já pagou, agora é a sua vez…

Voldemort ergueu a varinha e Snape permaneceu impassível, mesmo sabendo o que o aguardava. Rapidamente sua memória registrou o lugar ao seu redor e ele entendeu que aquele seria o pior castigo que receberia, a julgar pelos galhos secos e espinhosos que havia em toda a extensão daquele solo, e pela expressão nada satisfeita na face reptiliana daquele que ele era obrigado a chamar de Lorde.

De seu Lorde.

<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Hermione tentou abrir a porta, mas descobriu que esta estava trancada, assim como a da sala de Minerva, não abriria pelo lado de fora. É claro… Depois de uma estudante ter invadido seus aposentos enquanto ele tomava banho, Snape deve ter trancado a porta antes de sair dessa vez.

Deixou-se escorregar até p chão com as costas apoiadas na parede e abraçou os joelhos. Esperaria… A única solução.

<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Snape fora deixado só, depois de um longo tempo de tortura, tempo que a ele pareceu dias.

Tentou se mover, lutando contra a inconsciência. Precisava sair dali, precisava voltar a Hogwarts.

Como? Como voltaria se o seu corpo não obedecia a seus comandos? Dessa vez ele realmente estava machucado. Voldemort pegara pesado em seu castigo. Não que ele não estivesse acostumado com esses momentos de “diversão” do Lorde das trevas, mas era sempre o que recebia essas torturas com menos freqüência.

Suas mãos e seu pescoço foram os únicos que corresponderam à suas tentativas desesperadas por movimento. Conseguiu alcançar sua varinha caída há alguns centímetros do seu lado e dar uma olhada breve em seu corpo: manchas de sangue em vários cortes diferentes e arranhões; boa parte de sua roupa rasgada, a camisa branca agora retalhos que serviriam como pano de chão, e leves tremores que ele conhecia como efeitos colaterais da maldição Cruciatus, uma das mais usadas pelo Lorde aquela noite.

Deixou a cabeça cair novamente, fraco, enquanto tentava fazer o cérebro trabalhas. Não tinha condições de aparatar, não havia possibilidade de ajuda, e não havia uma lareira já pelo menos alguns quilômetros de distância.

Bem… ele estava ferrado…

Mas então ele lembrou de algo… Jogou uma mão para dentro do bolso da calça e tirou de lá uma pequena caneta de prata com detalhes trabalhados em verde. Tocou a varinha no objeto ignorando a visão embaçada e murmurou um feitiço. O objeto se iluminou por um momento, e apagou.

Uma fração de segundo se passou inquietante até que a chave de portal o levasse de volta a seus aposentos em Hogwarts, com um baque na madeira suficientemente alto para acordar alguém que dormia com a cabeça apoiada nos joelhos ao lado de fora do escritório.

<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Snape mais sentiu do que enxergou a mudança de cenário. Por um lado estava aliviado, afinal, agora estava a salvo, mas por outro, precisava de ajuda. Quanto tempo resistiria? O suficiente para que alguém resolvesse procurá-lo? Onde estaria o diretor?

Seus olhos teimavam em fechar enquanto algumas batidas suaves que se tornavam cada vez mais intensas ecoavam em seus ouvidos.

“Merlim… estou começando a delirar” Pensava Snape, julgando ter ouvido a sabe-tudo-girfinória chamar por ele.

Mas não. Ele não estava delirando. Compreendeu isso quando se forçou a ouvir melhor o que estava acontecendo. Virou-se o máximo que a dor lhe permitia, encarando a porta e tentou apurar os ouvidos.

- Professor? – chamava a voz de Hermione, acompanhada por fortes atidas na porta. – Professor! Está aí? Será que pode abrir a porta? Professor Snape!

Ele fechou os olhos, num misto de sentimentos. Ah! A sabe-tudo! Não a mandara ir embora? O que ainda fazia ali? Era mesmo uma teimosa insolente! Contudo… Alguém precisa saber do seu estado, e seu coração não pôde deixar de se reconfortar ao ver que não estava mais tão só, a depender da sorte.

Pegou a varinha novamente, apontando-a para a porta e notando o quanto suas mãos tremiam.

Murmurou um novo feitiço, causando um estalo na tranca da porta e a abrindo para logo em seguida ser empurrada violentamente por uma Hermione Granger preocupada.

- Professor! – exclamou, chocada, correndo até ele.
- Granger – Snape se permitiu um meio sorriso antes de perder os sentidos. Nunca pensou que fosse ficar tão feliz ao ver a (considerada por muitos) aluna mais inteligente da escola.

<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Compartilhe!

anúncio

Comentários (1)

Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.