O dia seguinte



Papoula Pomfrey obrigou todos a ficarem, empurrando-os um em cada cama. Esta havia sido, de certo, a decisão correta, pois no mesmo instante em que se viram embrulhados pelos lençóis brancos da enfermaria, adormeceram. Nem ao menos ouviram quando, logo após o nascer do sol, Remus Lupin era trazido também para receber os devidos cuidados médicos.

Quando Sirius Black acordou, já tinha passado do meio-dia; apenas Moony ainda estava deitado. James e Peter estavam sentados em cadeiras ao redor de sua cama, cobrindo-a de sapinhos de chocolate e bolos de caldeirão. O clima deveria ser de festa, como sempre, mas ainda assim nenhum deles estava rindo.

— Bom dia... — Black espreguiçou-se.

— Bom dia, Padfoot. Quer um sapinho? — James empurrou o seu, cuja outra metade já estava sendo propriamente mastigada.

— É melhor aceitar, eles ajudam na recuperação — acrescentou Remus, e Sirius pegou uma embalagem fechada —. Você não deve estar se sentindo bem depois da noite passada...

Lupin tinha a voz séria, com um pingo de ressentimento, quase dor. Dumbledore certamente já lhe tinha mantido informado sobre os últimos acontecimentos – e apesar de ter sido assegurado que tudo ainda ficaria em total sigilo, ele não pôde deixar de se sentir traído. Ele, afinal, avisara, previra o desastre, e nem sequer fora ouvido.

Depois disso, o principal prejudicado havia sido ele mesmo, injustamente...

Sirius pôde figurar todo esse cenário ao sentir as notas graves e pesadas do amigo. Tentou desculpar-se:

— Dumbledore está certo. Foi imprudente, irresponsável e egoísta. Eu não devia ter te arriscado, Moony... eu devia ter te ouvido...

— É, eu te avisei. Eu falei que você ia perder uma namorada e um amigo. Mas agora, acho que pra você tanto faz, não é? No fim, não foi você quem foi humilhado e culpado de algo que não fez, não é você que está todo ferido e apático, não é você que levou um sectusempra no meio —

— Só olhe pra mim e diga que estou bem — o outro respondeu bravo, mostrando os grandes hematomas que o cobriam na altura da barriga e os profundos arranhões em seus braços —. Eu lhe disse que ia te tirar do que desse errado, e isso foi tudo o que eu podia fazer, cara. A situação fugiu do nosso controle, foi desesperador —

— Desesperador é saber que aquelas pessoas em que eu confiei são capazes de jogar seus segredos pro alto só pelo prazer de uma brincadeira estúpida...

— Estúpida! É, estúpida! — James interveio, se levantando — E nós somos uns idiotas arrogantes, achando que tudo ia ser conforme a gente quisesse.

— É, você tá certo, a gente não faz valer nossa amizade — Sirius continuou — Eu... eu acho melhor ir embora... melhor...

Já sentando em sua cama, ele não teve dificuldades para se levantar. Quando estava quase alcançando a porta de saída, Remus gritou:

— Pare de ser um idiota!

— Acho que não posso evitar, não é..?

— Pode pelo menos voltar ao seu nível normal de idiotice e sentar aqui pra conversar, o que acha?

— Não, Remus, eu estraguei tudo, eu —

— Remus? Eu conheço esse cara? Achei que meus amigos me chamassem de Moony.

— Se eu ainda fosse seu amigo...

— Eu estou meio desapontado e triste, mas e daí? Vocês são humanos, vocês erram. Não posso achar que são perfeitos, porque eu não sou e vocês me aceitam, apesar...

— Apesar do seu pequeno problema peludo? — riu James.

— É, apesar do meu coelho mal-comportado — Remus completou a piada e os quatro riram juntos. Sirius voltou atrás.

— Me desculpe, Moony. Vou tomar mais cuidado.

— É. Vamos pegar mais leve com as brincadeiras.

— As desculpas estão aceitas, mas... tem certeza de que vai pegar leve com Snape, James?

Aquela pergunta de Lupin tinha uma resposta duvidosa e automática, que levou os quatro amigos a rirem novamente. Amizade inabalável.

Antes que qualquer um dos garotos pudesse falar alguma coisa sobre isso, ouviram alguém bater a porta às suas costas.

— Vocês têm sorte dele ainda estar vivo, vocês sabem — disse Sophie Snape com a expressão desgostosa — Eu não seria amiga de um assassino se fosse você, Remus...

Os meninos se entreolharam, três deles abaixaram as cabeças. Restou somente a Sirius para encarar a garota.

— Sophie, eu odeio o seu irmão, é verdade, mas matá-lo nunca passou pela minha cabeça. Você sabe.

— Eu não sei de mais nada. Eu não te conheço mais, Sirius Black.

— Foi um erro —

— Pára. Eu não quero saber. Nesse mesmo instante eu estou de odiando, Black, te odiando com todas as minhas forças. Me deixa em paz até que o ódio passe, pra eu descobrir se vou ser capaz de te perdoar ou não... Agora — ela suspirou —, eu tenho só cinco minutos pra poder conversar com Remus antes que Madame Pomfrey expulse todas as almas da vivas daqui. Por favor.

Despedindo-se de maneira calada do amigo, James, Peter e Sirius deixaram a sala, este último ainda incapaz de trocar qualquer outra palavra com a bruxa.

— Como você está se sentindo? — Sophie se aproximou da cama de Remus, puxando uma das cadeiras para sentar-se.

— Seu irmão não foi muito gentil comigo — ele sorriu —, mas ainda estou vivo, obrigado.

— Sinto muito, Remus... eu... eu tentei impedir...

Lupin viu as pequenas formações de lágrimas peroladas nascendo nos cantos dos olhos da menina, comovido. Ele soube que ela fora arremessada pela árvore, e fez da sua doença a causa de tanto sofrimento. Não pôde deixar de se sentir culpado por ela ter se machucado tanto...

... pior que isso, ainda: não podia deixar de se sentir culpado ao comemorar, intimamente, o fim do namoro de Sophie e Sirius. Agora ele poderia, enfim, nutrir em paz seus sentimentos, sem medo de machucar o amigo. Poderia ainda, quem sabe, realizá-los...

— Você fez o que pôde, tenho certeza.

Ele olhou para os lados, desesperado. Não havia ninguém em volta.

Fale, pensou para si mesmo, fale que ama. Agora.
— Eu nunca pensei que Sirius fosse capaz de fazer o que fez...

Não.
Eles ainda estavam tristes um com o outro. Ela estava lá apenas fazendo uma visita para seu amigo doente, o pobre coitado, nada mais...

— Remus, certeza que você está bem?

Ele próprio agora tinha lágrimas em seus olhos.

Não, jamais falaria. Ela não gostava realmente dele, ele certamente não a merecia...

— Tê sim. Só um pouco triste... com tudo o que aconteceu.

Ela o abraçou forte, e tudo o que conseguiu fazer foi retribuir.

— Estou feliz que esteja bem.

Então, Madame Pomfrey expulsou-a do quarto, deixando somente um Remus miserável, mergulhado no branco embriagante.





Eram nove horas da noite.

Lily Evans esfregava as mãos ansiosamente enquanto refletia na Sala Comunal da Grifinória. Estava sentada em uma das poltronas em frente à lareira, próxima do lugar onde estava James Potter. Com o canto dos olhos, espiava-o discretamente. Quieto e sozinho, do jeito que estava, ele não parecia ser mais tão idiota...

Fechou os olhos e encheu os pulmões. Os acontecimentos da noite anterior giravam ainda rápidos em sua mente, num filme repetitivo e infinito; ainda sentia o coração disparar de pavor ao relembrar a figura lupina de Remus rugindo e agonizando de dor. A maldição de Severus quase fora fatal. Será que ele teria sido capaz de matá-lo..?

Lily não se sentia segura o suficiente para negar. Os olhos de Snape não tinham transmitido, em nenhum momento, arrependimento... como faziam os de James agora, afogados numa depressão inconsolável.

E o amor? Onde estava seu amor incondicional agora..?

— Hey, James.

Talvez ela nunca o tivesse amado. Talvez tudo o que ela quisesse fosse mesmo alguém diferente de James Potter...

Ela saiu de sua poltrona e foi se sentar no sofá ao lado do garoto.

— Hey, Evans — devolveu ele, desanimado.

— Foi muito... ahn, muito corajoso da sua parte ter descido lá.

— Eu disse que era perigoso, não disse?

— É. Eu devia ter acreditado. Desculpe. Mas...

Aquele James Potter era mesmo diferente do anterior. Mais maduro, mais humano.

— Eu estava pensando naquela sua proposta...

— Qual? Aquela indecorosa?

Eles compartilharam uma curta risada.

— É, aquela. Saiba que... eu aceito.

Por um momento, ele pareceu parar de respirar. Estava incrédulo.

— O quê?

— Eu aceito ir ao baile com você, James Potter.

— Mas — ele tinha as duas sobrancelhas erguidas —, já acabou!

— Então... fica valendo pro próximo.

Quando ela corou suas bochechas, ele abriu seu maior e mais bonito sorriso.

— Não pode valer prum passeio em Hogsmead?

— Será possível que você já —?

— E se nunca mais tivermos outro baile? Seria muito desonesto da sua parte, Lily, me dar uma esperança tão grande.

Ela suspirou. Bom, talvez esse novo Potter não fosse tão diferente assim...

— OK.

— OK?

Talvez ela devesse aprender a gostar dele, daquele mesmo jeitinho que tinha.

— É. Vale pra próxima ida a Hogsmead.

E assim foi.

Depois daquela conversa, a seguinte visita ao vilarejo somente ocorreu no sétimo ano dos garotos. Lily cumpriu sua promessa. Foram juntos.

Nunca mais foram a outro passeio ou baile, ou qualquer outro lugar, sem a companhia um do outro.

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