De madrugada - parte II
— Desde o começo, por favor — Dumbledore acrescentou, ajeitando os óculos em seu nariz visivelmente torto.
— E-eu somente fui até o Salgueiro Lutador, senhor, porque Black —
— Não, não, sr. Severus. Não esse começo. O começo anterior — ele respondeu gentilmente, apesar de não sorrir —. Como vocês ficaram sabendo do pequeno problema do jovem Lupin?
— Nós descobrimos — respondeu James com a voz baixa.
— Pois não achei que ele fosse mesmo contar. Há quanto tempo?
— No primeiro ano.
— Ele me contou.
O diretor ergueu as sobrancelhas para Sophie Snape.
— Quando?
— Ano passado, professor.
— Mais alguém sabe de segredos jogados aos quatro ventos?
Dumbledore tinha a voz impaciente e as feições contorcidas de preocupação. Os seis garotos prenderam a respiração e não se pronunciaram, como se temessem um ataque de nervos inesperado e consideravelmente improvável. Talvez Albus tivesse percebido o receio, porque finalmente abaixou as sobrancelhas e deixou de franzir a testa.
— Vocês ficaram sabendo hoje à noite, creio eu?
— Eu estava com Sophie nos jardins quando... — começou Lily, olhando fixamente para seus joelhos —....quando vimos Severus perto do Salgueiro, professor.
— E o que o fez ir até lá, Severus?
— Black me ameaçou a ir até lá, senhor.
— Isso é mentira! — exclamou Sirius num tom de injustiça.
— Você me chamou de covarde — Severus vociferou — e me disse para descer até lá para provar o contrário. Não se esqueça de que você muito gentilmente segurava uma varinha apontada em minha direção, Black. Ou você nega..?
Sirius se manteve calado, apenas estreitando os olhos na direção do bruxo.
— Isso não me parece muito como um convite, sr. Black. Qual o motivo da proposta?
Os três marotos restantes se entreolharam preocupados, como se quisessem fazer uma promessa muda de silêncio. Pettigrew, no entanto, não deixou de sentir um arrepio ao encontrar o olhar severo do diretor. Não pode se conter:
— James... James estava triste porque Evans n-não quis ir ao baile com e-ele, senhor... Sirius s-só quis anima-lo, só i-isso...
— O QUÊ?!
— Por favor, srta. Snape, sua saúde não está nas melhores condições...
E, realmente, no momento em que Dumbledore pediu que sentasse, ela já estava sentido tonturas e enjôos.
— Então vocês desceram para a Floresta para esperá-lo. Correto?
Os três assentiram, cabisbaixos.
— As senhoritas Snape e Evans, então, apareceram, sem que vocês previssem — novo movimento afirmativo —. Estou certo de que a árvore não tenha ficado parada por muito tempo.
— Não, senhor. Ela me atingiu.
— A mim também, professor — Sirius fez questão de acrescentar rapidamente seu comentário após o de Sophie, para que não ficassem dúvidas de seu estado. Não era, de todo, uma mentira.
— Quem desceu?
— Eu — falaram Lily, Severus e James, quase em uníssono.
— Vocês o viram?
— De perto demais... — Snape quase num murmuro, enquanto Lily Evans concordava lentamente com a cabeça.
— Não reclame. Eu salvei sua vida — Potter falou entre os dentes.
— Sim, Potter, você salvou minha vida porque ela obviamente esteve em risco. Aquele monstro — Severus agora se dirigia a Dumbledore —, professor, não deveria estar na escola —
— Eu acho que sou suficientemente capacitado para decidir quem deve freqüentar Hogwarts, sr. Snape, obrigado — respondeu ele rispidamente, no que James Potter fez um sinal de vitória com o braço — Apesar — ele continuou, com o olhar baixo — de que talvez eu não o devesse ter dado essa esperança...
— O quê?! Você não está sendo justo! Remus não tem culpa de ser – de ter aquele problema dele, isso não faz dele menos! — James exclamou, incrédulo, acrescentando logo em seguida: — senhor!
— Eu o aceitei em Hogwarts com o acordo de que suas condições seriam mantidas em segredo —
— E ele não tem o direito de se abrir para amigos?! — ele o interrompeu bruscamente — senhor?
Ele não podia acreditar no que ouvia. Podia sentir a raiva subindo-lhe até a cabeça enquanto via o sorriso de Severus Snape cada vez mais se alargando. Será que, depois de tudo o que acontecera, Dumbledore iria punir Moony por ter contado que era um lobisomem a seus amigos..?
Não, aquilo não era justo. Voltou a olhar Sirius, e eles se entenderam apenas naquele gesto: os dois assumiriam as conseqüências. Se alguém deveria ser expulso, deveriam ser eles.
— Com toda a certeza ele tem, sr. Potter — respondeu o diretor, ainda sem sorrir, a última coisa que o garoto esperava ouvir —. Talvez o erro tenha sido meu. Eu não deveria ter lhe dado essa esperança.
— Esperança..?
— De que aqui em Hogwarts ele encontraria amigos leais o bastante para manter um segredo em sigilo.
Sirius enrubesceu.
— Nós somos leais —!
— O grande problema — continuou Dumbledore, como se não houvesse sido interrompido — não é o segredo em si, mas o que fizeram com ele. Vocês usaram seu próprio amigo para uma brincadeira de mau gosto, vocês arriscaram vidas às custas dele. Eu não só estou bravo — ele comprimiu os dedos dentro do punho —, como também desapontado. Não imaginava que meus alunos fossem capazes de tamanho pensamento. Mas, novamente...
Ele balançou a cabeça, como se tentasse afastar alguma lembrança ruim.
— Nós – nós não imaginávamos que elas iam aparecer —
— Mas sem dúvidas você sabia os riscos que Severus Snape estava correndo. Você o chamou, sr. Black. A idealização de algo é tão ruim quanto sua realização.
— Pelo menos eu estive lá pra salvá-lo — James apontou Snape com o nariz.
— Não foi você — interpôs Lily —. Aquele cachorro enorme o salvou.
— Cachorro..?
— Sim, professor, ele era preto e —
— Eu salvei a pele dele sim. Eu o puxei quando Remus estava quase... ahn, quase o alcançando.
— Não posso deixar de dizer que você simplesmente assumiu a responsabilidade por seu erro, sr. Potter — disse Dumbledore, ainda sério — Mas me diga, srta. Evans, de onde veio esse cachorro..?
— Eu realmente não sei... ele apareceu do nada...
— Existem muitas criaturas desconhecidas na Floresta Proibida, não é? — observou Sophie quase que casualmente. Ela não se atreveu a olhar para nenhum dos Marotos.
— Realmente...
Albus pareceu pensativo por um bom tempo. Depois disso, ele não disse mais uma palavra sequer – com um giro da varinha, conjurou um rolo de pergaminho e uma pena; com outro, ele encharcou o papel com o que tinha a aparência de uma tinta muito escura e que, segundos depois, desapareceu.
— Eu não expulsar nenhum de vocês, apesar disso ser a melhor solução para alguns. Vocês arriscaram vidas inocentes essa noite de um modo leviano. Vocês vão atingir maioridade bruxa ano que vem, e a essa altura já deveriam agir com consciência de suas atitudes.
Teria sido melhor de ele tivesse gritado. O tom de impaciência e desapontamento de sua voz os atingiu como um violento Cruciatus, e eles quase se esqueceram de que não seriam expulsos. Não suspiraram de alívio, mas sim de culpa.
— Também não vou descontar pontos de nenhuma casa. Todos deveriam ser punidos assim por terem entrado na área da Floresta Proibida sem autorização. Porém, acredito que isso vá chamar a atenção dos alunos mais competidores, e eu quero que essa situação passe pela escola despercebida.
— Mas, professor —
— De certo o senhor não quer perder os pontos da Sonserina, sr. Snape?
— Não, senhor, mas a escola não deveria estar ciente —?
— Eu dei a oportunidade a Remus Lupin para que ele estudasse aqui, e ele não deixará de completar seus estudos por causa do erro de outros. E você muito deve bem deve entender qual seria o caos se os alunos e seus pais descobrissem que há um lobisomem dentro das salas de aula. Preocupação sem sentido e uma confusão desnecessária, não acham?
Severus quase abriu a boca para contra-argumentar, mas voltou atrás. Não se atreveria a se opor ao diretor – desde que ele de mantivesse longe, bem longe, do Salgueiro Lutador.
— Eu vou pô-los em detenção. Vou conversar com os responsáveis por suas respectivas casas – professora McGonagall e professor Slughorn, no caso – e eles deverão lhes aplicar os castigos que melhores lhes convierem. Eu me arriscaria a dizer que os senhores, Potter, Black e Pettigrew, não deverão sair do castigo até o fim deste ano letivo.
Os três sentiram um aperto no estômago, ainda que libertos de um grande peso nas costas. Estavam acostumados a entrar em detenção, na verdade, e aquele castigo, por mais longo que fosse, ainda não era pior do que uma expulsão...
— E para evitar que essa situação torne a se repetir — falou o diretor, acentuando essas palavras com firmeza —, eu quero que vocês todos assinem seus nomes aqui — ele estendeu o pergaminho amarelado juntamente com a pena — no compromisso de não contarem a mais ninguém sobre as condições de Remus Lupin, ou sobre o que aconteceu esta noite. A propósito — ainda acrescentou, enquanto Lily Evans completava com sua assinatura —, o pergaminho contém uma praga muito forte, que eu não aconselharia que fosse testada de forma imprudente.
Depois que todos rabiscaram seus nomes, já sentindo as dores lentamente voltando ao corpo, Dumbledore enrolou o pergaminho e fê-lo sumir com um terceiro toque da varinha.
— Phineas, ouviu tudo? — todos inclinaram suas cabeças para encontrar a pintura do ex-diretor de Hogwarts retornando à posição inicial de seu retrato — Não houve nenhum assassinato. Seu tatara-tatara-neto é inocente, e lhe seria uma grande gentileza sua e se não compartilhasse com ninguém da casa dos Black o que aconteceu aqui.
Phineas Nigellus fechou os olhos, obviamente fingindo estar dormindo, porque ainda resmungava coisas que soavam como “na minha época” ou “absurdo” por baixo da respiração.
— Agora eu suponho que o efeito dos tônicos esteja passando... podem voltar à Ala Hospitalar e, por favor, tranqüilizem Madame Pomfrey, antes que ela suba aqui e me arraste pela barba.
Os seis jovens imediatamente se levantaram de suas cadeiras, desejosos por deixarem o escritório. Peter Pettigrew seguiu primeiro, as mãos tremendo tanto que quase não fora capaz de girar a maçaneta.
Sirius Black, no entanto, fez questão de ser deixado para trás.
— Professor... eu sinto muito. Eu prometo, eu juro, que não vou mais desapontá-lo.
Sua voz era cansada e sincera. Nunca se sentira pior na sua vida, tanto física quanto mentalmente. Nunca sentira tanto ódio de si mesmo...
— Eu sei.
E, num gesto que pareia ser impossível, Dumbledore desabrochou um discreto, porém verdadeiro, sorriso.
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