À noite - parte II



James Potter não parou para pensar em como faria para se desviar de todos aqueles galhos que o atacavam ao mesmo tempo. Não se importou. Apenas fechou os olhos, respirou o fundo e se atirou – quando foi dar por si, escorregava pela passagem em forma de tubo, atingia com um baque o frio chão de terra. Sem tirar os cabelos que lhe caíam sobre o rosto, saiu em disparada.

Correr com as costas curvadas não era exatamente agradável, mas ele não se importou. As dores do esforço só viriam a se revelar depois, quando tudo tivesse terminado. E terminaria algum dia? A cada segundo parecia que nada poderia ser pior, e no segundo seguinte tudo piorava. As coisas estavam dando errado de uma tal maneira que agora ele não conseguia mais enxergar o fim.

Não que ele fosse tão pessimista assim; aliás, nunca fora. Com James Potter, as coisas simplesmente davam certo, porque sempre havia algo para se dar risada, ele sempre tinha um Às na manga. Sempre – mas não naquele momento, porque desde o começo não prestara atenção ao jogo. As partidas estavam se sucedendo e ele, perdendo; mas pouco lhe importava, porque tinha coisas mais importantes em sua mente... essas coisas tinham um único nome: Lily Evans.

Quando a vira a primeira vez naquela noite, ela estava no baile. Sozinha? Acompanhada? E se ela tivesse ido para se encontrar com alguém..? Você nem sabe se eu já fui convidada, ou – ou se eu pretendo ir com outra pessoa... Será que aquilo tudo era delírio de sua mente ou –

— Lily!

Ali, logo a sua frente, agachada, ofegante, os cabelos bagunçados. Linda.

— Potter! — tinha um tom de alívio em sua voz — Onde estamos? Pra onde vai esse túnel..?

— Eu não sei — ele mentiu —, e é melhor não descobrir. É muito arriscado pra você. Eu vou na frente buscar Snape, e você pode voltar —

— Não minta pra mim, Potter. Você sabe que caminho é esse.

— Eu juro que não!

— Você sabia da passagem secreta, sabia como fazer a árvore parar de se mexer. Você sabe.

Dez a zero para Evans.

— Ahn – droga. Ok, eu sei. E nesse caso, você deve acreditar em mim se eu digo que é perigoso.

Dez a dez.

— Talvez.

— Então vamos fazer o que eu estou dizendo, eu vou buscar Snape e você volta para chamar —

— Ah, e deixar você sozinho com Severus Snape?! Tenho cara de idiota?!

— E por que teria?

— Você está só esperando uma oportunidade pra ficar sozinho com ele, Potter, e atacá-lo. Só porque acha que pode.

— Não é verdade! Eu – eu não vou atacá-lo agora.

— Então por que não posso ir junto?

— Porque é perigoso, Lily!

— Eu não tenho medo, e não preciso da sua proteção, Potter.

— Ah, Lily! Por favor! — ele sentia algo preso em sua garganta, e o soltou — Você não precisa protegê-lo como se ele fosse seu irmão, ou – ou seu namorado!

E aconteceu o pior. O que ele temia. Silêncio.

Lily abaixou o rosto e se escondeu atrás de seus cabelos vermelhos, quieta.

— Lily... ele não é seu namorado. É?

Silêncio.

— Você ia encontrá-lo no baile..?

Silêncio.

— Você gosta dele..?

Silêncio.

— Você gosta dele? Gosta? Não, você não pode fazer isso comigo...

— Fazer o quê? — a voz dela era rouca e pesada — Você não tem nada a ver comigo, Potter, ou com quem eu gosto —

— Então você gosta dele! — ele gritou, mesmo sem pretender faze-lo.

— E se gostar mesmo? E se eu realmente quisesse ir ao baile com ele? — ela respondeu à altura — Não se meta! Você sabe melhor do que ninguém o que é gostar da pessoa errada!

Nenhum deles sentia que ganhava. Zero a zero.

— Não, eu não sei.

Os dois se sentiam destruídos, dilacerados por dentro.

O silêncio retornou, e eles provavelmente teriam continuado a discussão pouco tempo depois se suas atenções não fossem antes desviadas para outra situação: mais para frente, ecoando pelo túnel, um som grave e feroz sutilmente repercutiu em seus ouvidos. Sentiram uma maré de arrepios lhes percorrendo a espinha.

O estômago de James afundou. Tinha se esquecido de Remus...

— O que foi isso? — Lily perguntou, meio preocupada.

— O perigo que eu te disse — respondeu, ainda ríspido.

— Então vamos enfrentá-lo — ela deu as costas para ele e voltou a caminhar. Ele a seguiu.

Já não faltava muito para chegarem, e logo o teto do túnel começou a subir. Quando finalmente conseguiram se colocar em pé por completo, atingiram o que parecia ser um cômodo, talvez uma sala, com as paredes escuras, empoeiradas e arranhadas, assim como o resto dos móveis. Mais adiante, havia uma porta e era possível ver um lance de escadas.

— Onde estamos..?

— Na Casa dos Gritos.

— O quê —?

Novamente, escutaram o rugido. Agora mais próximo.

Seguido de um grito humano.

— SECTUSEMPRA!





A mente canina de Sirius aos poucos foi retomando sua consciência. Primeiro tinha de identificar-se como humano, depois como cão, em seguida como bruxo, e por último como animago. Não era fácil aceitar que tinha rabo enquanto as coisas ainda giravam a sua volta; e quando finalmente se conformou e se deu conta do que acontecia, sentiu suas entranhas afundando e todas as dores do golpe no estômago.

Tentou ignorar tudo – ao seu lado, tinha encontrado assunto muito mais importante: Sophie.

Fazendo um tremendo esforço para se levantar, caminhou dolorosamente até ela e a sacudiu, latiu, tentou fazê-la em vão acordar. Em vão. Em vão. Esta viva, porém inconsciente – e a sua falta de ciência perante os fatos até mesmo ajudou Sirius a se recuperar um pouco. Indiscutivelmente, ela estava mais feliz assim.

Mas não estaria quando acordasse. Se acordasse. Mas ela acordaria. Ele sabia que sim.

Droga. O que foi que eu fiz..?
Foi então que Sirius notou uma movimentação estranha ao seu redor. Os galhos, já um pouco distantes de onde ele tinha caído, instantaneamente pararam de se mexer, e por entre as ramagens apareceu um pequeno rato correndo.

Com um pop! a figura de Peter Pettigrew surgiu diante de seus olhos.

— Você tá legal? — perguntou ele, um pouco trêmulo.

Com outro estalo, Sirius voltou a sua forma original.

— Poderia estar pior — respondeu coma risada sem-graça.

— Sirius... James desceu.

— Ta vendo? — outra risada — Com Snape? — Peter assentiu — E Evans? — novamente — É. Realmente piorou. Ahn... ok, ok. Eu – eu tenho que... ahn... fazer alguma coisa. Eu – eu vou atrás deles.

— Mas você não está bem...

— Eu prometi a Remus que ia tirá-lo dessa. E eu vou — ele se apoiou no tronco da árvore mais próxima e, fazendo um pouco mais de esforço, levantou — É melhor você ir procurar ajuda, Peter. A gente vai precisar quando eu voltar...

Se eu voltar, pensou.

— Dumbledore, Sirius? Mas ele... ele vai... nos matar... não posso ir atrapalhar a festa...

— Você tem que ir lá, Peter. Tem. A Sophie precisa disso, por favor, não a deixe morrer.

Ele respirou fundo, até por fim concordar com um movimento da cabeça.

Forçando um sorriso, Sirius voltou à forma de cão e desceu pela passagem embaixo do Salgueiro Lutador.

Pettigrew virou-se para o lado oposto. Medo, muito medo. Encarou o castelo com pressentimentos ruins, imaginando a cara de fúria do diretor e sangue jorrando por sua própria boca. Sugou o ar até encher os pulmões de novo e deu o primeiro passo.

Ele ignoraria o medo – afinal, era um grifinório.






James subia as escadas pulando degraus, indo de dois em dois. Ouvia os passos ligeiros de Lily ao seu encalço. Sentia seu estômago revirar ao imaginar que, quando chegasse ao segundo andar, poderia encontrar o corpo de Severus Snape repartido ao meio. Era como se pudesse ver claramente os olhos de seu amigo lobisomem famintos em sua direção.

— SECTUSEMPRA! — ouviu Severus bradar de novo, e por um momento ficou feliz que ele ainda estivesse vivo.

Mas só por um momento.

Ao alcançá-los, o cenário era o total inverso. A um canto, encostando-se à parede, Snape mantinha a varinha em posição de ataque, seu rosto lívido de pavor. O chão estava encharcado de sangue – mas não o do bruxo, como James imaginava, mas sim o do lobisomem, que agora se debatia e rugia loucamente, derrubando os móveis ao seu redor e quebrando paredes.

Feridas surgiam magicamente em seu corpo, e o sangue saltava de suas veias como se as rejeitasse naturalmente. James assistiu à cena horrorizado, fixo ao chão, enquanto o peito de seu amigo abria e cortes invisíveis eram desferidos em seu rosto.

— NÃÃÃÃÃÃÃÃOOOO!

James empunhalou sua varinha e, antes que Severus pudesse perceber o que acontecia, pulou em cima do bruxo, de modo que imobilizasse sua mão ativa e apontasse sua própria varinha em direção a suas têmporas.

— Desfaça o feitiço agora — falou de um modo perigoso.

— Aquele monstro vai nos matar —

— AQUELE MONSTRO É MEU AMIGO! — gritou, com raiva — DESFAÇA A MALDIÇÃO AGORA, SEU INÚTIL!

Severus cantou algumas palavras estranhas, ininteligíveis, e logo James pôde perceber que as feridas começaram a diminuir de tamanho e de freqüência. Quando ele finalmente pareceu ter acabado, o corpo gigante de lobisomem de Remus Lupin caiu com estrondo no chão, cansado e vermelho de sangue.

— Seu amigo, Potter? — perguntou Snape ferozmente, ao se desvencilhar dos braços do outro — Não me diga que é aqui que seu amiguinho Lupin vem descansar uma vez por mês...

Um soluço. James olhou por cima do ombro e viu Lily Evans encostada ao batente da porta, as mãos cobrindo a boca que não conseguia conter os soluços. Seus olhos estavam inchados de choro.

— É... é Remus, Potter? É mesmo ele..?

Ele voltou seu olhar para Lupin de novo, para se assegurar de que ele não levantaria tão cedo; e chegando mais perto, a fim de conseguir olhar para os outros dois ao mesmo tempo, tentou se explicar.

— Não é culpa dele, ok? Ele não é assim porque escolheu ou – ou porque um dia ele acordou de manhã e pensou “Ah, que belo dia pra ser mordido”!

— Isso não faz com que ele deixe de ser um lobisomem — Severus rebateu, sério —, ou de pensar como um.

— Ele está certo — disse Lily —, professor Slughorn disse na aula que lobisomens não têm cons—

— Eu sei que ele não tem consciência humana! Mas isso não justifica qualquer ataque em cima dele!

— Então como você pretende controlá-lo, Potter? — Snape levantou uma sobrancelha — Fazendo carinho?

— Na verdade, eu não pretendia fazer nada, já que você o deixou atordoado até a morte —

Ouviu uma movimentação às suas costas.

Talvez não tão atordoado assim, pensou James, mas tarde demais.

Não se atreveu a olhar para trás quando escutou o som da respiração forte e quente. A expressão de pânico de Lily a sua frente foi o bastante.

— Corram! — ele empurrou Snape com as duas mãos e Lily foi à frente, descendo as escadas com os passos apressados, a respiração ofegante, as lágrimas embaçando sua visão.

James ouvia os estalos das coisas quebrando às suas costas, esmagadas pelo peso das grandes patas. Pedaços da madeira do batente da porta e das paredes voavam em sua direção, e ele podia senti-los entrando em sua pele ao mesmo tempo que as longas garras o arranhavam, cada vez que a criatura ficava mais próxima.. A cada segundo, ele virava o pescoço para medir a distância entre os dois – e a cada segundo ele se arrependia, ao encontrar os mesmo olhos vermelhos e assustadores.

Era difícil para que Lupin pudesse se locomover com seu corpo enorme e cansado. Perdera muito sangue ao ser atingido pelos feitiços de Severus, e por isso agora manter o equilíbrio era doloroso. Por vezes se chocava com móveis e seus golpes bruscos abriam verdadeiros buracos nas portas e paredes ao longo do caminho.

Mas seus instintos humanos agora eram nulos, e não era todo dia que se deparava com carne fresca.

Não pararia.

Quando finalmente alcançaram o andar térreo, eles sorriram de alívio. Ali, a poucos metros da vista, estava a saída de volta a Hogwarts e —

James tornou a virar o pescoço, e ao fazê-lo encontrou o enorme lobisomem no ar, no meio de um salto, sua saliva escorrendo de sua boca e lhe atingindo a cabeça, as patas com as garras compridas quase alcançando o ombro de Snape, quase, quase —

Num ímpeto, James puxou Severus de volta, para perto de si, e eles caíram no chão, num gesto que salvava sua vida – e que faria com que Snape o odiasse eternamente. Lily encostou-se rente à parede à sua direita, e sofrera apenas um arranhão em suas vestes. Lupin, no entanto, não teve freios: seu corpo continuou avançando até se chocar com uma parede terra, muitos metros a sua frente.

Diante da saída.

Estavam sem escapatória.

— Você está bem? — James se levantou e se dirigiu à Lily, que mantinha os olhos fixos ao lobisomem.

— Nenhum de nós estará se não o atacarmos — Snape se intrometeu grosseiramente enquanto tentava se levantar, seu joelho sangrando.

James jamais admitiria em voz alta, mas sabia que ele tinha toda a razão.

Tirou a varinha de dentro das vestes e percorreu seus olhos sobre ela, imaginando qualquer feitiço que fosse capaz de estuporar algo grande como seu amigo. Não acreditava que um impedimenta ou estupore fossem suficientes, a não ser que ele paralisasse um membro de cada vez —

E então ele ouviu mais um uivo medonho. Sentiu arrepios pelo corpo todo. O Lupin-lobisomem estava quase em pé novamente e ele simplesmente não sabia o que fazer. Tentou passar na cabeça todos os encantamentos que sabia, mas o único que talvez fosse um pouco eficaz era o Cruciatus, e este era descartável.

Apontou a varinha mesmo sem saber o que dizer – e, ao seu lado, ouviu Lily bradar:

— LUMUS SOLEM!

A vista de Remus instantaneamente ofuscou e ele urrou de dor, erguendo as duas patas dianteiras. Quando as pousou de volta ao chão, a poeira subiu; James tentou proteger Lily empurrando-a para trás com um dos braços. Lobisomens não toleravam a luz do sol, e o feitiço o seguraria por mais algum tempo.

Por pouco tempo.

Por trás da nuvem de poeira, dois olhos amarelos e lacrimejados brilhavam com ódio. O trio ouviu um suspiro pelo nariz, sinal de impaciência. E então —

E então ele caiu para frente, uivando alto, suas feições agonizando de dor. Quando a sua figura completa voltou a ficar visível, eles viram uma mancha negra que antes não havia ali. Ela tinha a forma de um imenso cachorro preso às suas costas, latindo, mordendo, fincando as unhas na grossa pele do lobisomem, tentando desesperadamente não perder o equilíbrio.

Um sorriso maroto voltou ao rosto de James. Sirius!
Lupin levantou-se de súbito, lançando o cão com violência em direção ao chão. Ainda meio tonto, Black tropeçou nas próprias patas ao tentar erguer-se novamente. Quase levou uma mordida. Quase. No lugar de seu pescoço, os dentes furiosos de Remus encontraram as mandíbulas igualmente raivosas de Sirius, que lutava com todas as forças para salvar sua própria vida e a de seus amigos.

Num relance, James desviou a atenção da luta e se deparou com uma cena milagrosa: a saída está desimpedida!
— Vamos dar o fora!

Sem pensar no que fazia, segurou firme a mão de Lily Evans e posicionou Severus Snape a sua frente, empurrando-o de maneira segura até atingirem o buraco que os levaria de volta à Hogwarts.

Somente voltou a respirar normalmente quando já estavam quase chegando, a muitos metros de distância da Casa dos Gritos.

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