Péssima.



Tentando se recompor dos momentos ruins, Severus Snape levou a ponta de sua varinha até a altura das têmporas e tirou de sua memória aquela situação desagradável. Um arrepio percorreu-lhe a espinha, subitamente sentiu-se enjoado. O pior ainda estava por vir... a pior lembrança...
Não precisava fazer esforço algum. Antes que pudesse evitar, as palavras de Lily voltavam a ressoar em seus ouvidos num grito ameaçador, como se acabassem de ser proferidas.

— DEIXE-O EM PAZ!

Estavam nos gramados do castelo, já era o dia seguinte, logo após seus OWLs de Defesa Contra Artes das Trevas.

No instante em que a garota ameaçava Potter e Black com sua varinha, ele estava totalmente imobilizado pelo Petrificus Totalus, à mercê da própria sorte. Enquanto assistia passivamente os eventos se sucederem, seu coração acelerava de pavor e sua mente corria desesperadamente em busca de uma solução.

Se ao menos Lily não tivesse intervindo na briga, se ao menos ela tivesse ficado quieta, jamais iriam conectá-la a ele. Em seus pensamentos, as atitudes que a bruxa faziam a seu favor haveriam de ser interpretadas como a paixão incondicional que sentiam um pelo outro. Como se fosse óbvio.

Recordava tais idéias com ódio de si mesmo. Não havia nada estampado em suas testas que fosse capaz de denunciá-los. No entanto, tudo o que ele podia enxergar era medo: de ser descoberto, de ser ainda mais segregado, de ser conectado àquela pessoa considerada miserável – e que ele amava com todas as suas forças.

Não conseguia conciliar aquelas duas vidas. Teria que descobrir quem era o verdadeiro Severus Snape, e aquela seria a hora.

Escolheu o errado.

— Ah, Evans, não me faça amaldiçoá-la — a voz de James Potter soava distante.

— Tire o feitiço dele, então!

Conforme a sensibilidade de seu corpo voltava, tomou a decisão. Viu-se obrigado a fazer o que ele achava certo: odiar.

E odiou.

— Pronto — James falou enquanto voltava a ficar de pé — Você teve sorte da Evans ter aparecido aqui, Snivellus —

— Eu não preciso da ajuda de sangues-ruins nojentas como ela!

Sentiu uma pontada no coração. Estava feito.

Pior ainda quando passou seu olhar por Lily e viu-a piscando. Para tentar afastar as lágrimas.

— Ótimo — ela disse friamente — Não vou me preocupar no futuro. E eu lavaria minhas calças se fosse você, Snivellus.

— Peça desculpas pra Evans! — ele ouviu James gritar, apontando a varinha em sua direção.

— Eu não quero que você o faça pedir desculpas — Lily gritou de volta — Você é tão ruim quanto ele.

— O que? Eu NUNCA te chamaria de – você-sabe-o-quê!

— Você fica bagunçando seu cabelo porque acha super legal parecer que acabou de descer da vassoura, se mostrando com esse pomo estúpido, andando pelo corredores e jogando pragas em todo mundo que te incomoda só porque pode – eu estou surpresa que a sua vassoura ainda possa sair do chão com essa sua cabeça gorda em cima. Você me dá NOJO.

— Evans! Hey, EVANS!

Mas ela já tinha se virado e saído correndo novamente para dentro do castelo. Severus sentiu a mesma dor do momento, a mesma vontade de puxá-la de volta e explicar, fazê-la entender. Ainda assim, não teve coragem. Havia muitas pessoas a sua volta...

Antes que pudesse se recuperar, foi cego por um flash de luz e o mundo voltou a ficar de cabeça para baixo.

— Quem quer me ver tirar as calças de Snivellus?

Aquelas risadas ecoavam em seus ouvidos como se as pessoas estivessem realmente ao seu lado, no presente, dentro de sua sala. Sentiu vergonha de si mesmo, ódio da arrogância daqueles garotos que fizeram com ele o que quiseram. Não podia imaginar como ainda podia travar um diálogo racional com Sirius Black no quartel-general da Ordem...

Felizmente, Potter não chegou a cumprir o que prometera. Antes que pudesse realizar o feitiço, a professora McGonagall apareceu bradando ordens com a expressão aborrecida:

— LARGUEM AS VARINHAS! PONHA-O NO CHÃO, SENHOR POTTER!

Depois disso, as imagens seguintes eram somente um borrão. Lembrava-se vagamente que tinha descido ao chão, ouvido algumas palavras da professora (algo com “responsabilidade” e “comportamento”) e que pontos de casa haviam sido perdidos, embora ele não pudesse se lembrar se a professora fora justa ou não. O filme em sua mente subitamente cortava para a cena em que ele discretamente entrava na Sala do Requerimento, desejando com todas as suas forças reencontrar-se com Lily.

E lá estava ela, sentada numa poltrona diante da lareira do novo formato do recinto.

— Você veio...

— Quero tentar me explicar pra você.

— Não precisa perder tempo com uma sangue-ruim.

Viu-se afastando os cabelos dos olhos e se sentando na outra poltrona próxima ao fogo.

— Por favor, não leve as minhas palavras tão a sério... elas – elas não foram de coração. Eu fui obrigado a dizê-las, porque... porque é nisso que as pessoas têm que acreditar. Se elas descobrirem que estamos juntos...

Ele parou significativamente.

— Ahn, o quê vai acontecer se eles nos virem juntos?

Eu não deveria ter dito nada daquilo, pensava o bruxo agora com rancor de si mesmo.

— Eles vão te odiar, não é? É disso que você tem medo, eu sei. Todos aqueles garotos e garotas da Sonserina metidos a malvadões, afundados em livros de Artes das Trevas e com suas manias ridículas de sangue puro e real com quem você anda e acha que conquistou amizade. Nada disso corresponde à realidade, Severus, nada. Eles não são seus amigos de verdade, eles só querem um garoto inteligente e sozinho como você pra convencerem a entrar no círculo daquele Voldemort detestável.

— Manias ridículas? Olhe só pra você, discursando sobre Grifinória versus Sonserina! Nós somos os mesquinhos e malvados arrogantes e detestáveis, certo? Eu não seria capaz de concordar com isso enquanto Potter e Black estão em Hogwarts...

— Não, Severus, não se trata de casas, se trata de pessoas! Você é mestiço, não há porque continuar com essa tradição de pureza e com essa vergonha sem sentido —

— Não é sem sentido. Você não sabe o que é ser excluído e humilhado, você é a perfeita monitora Lily Evans adorada por todos os professores e idolatrada pelo estúpido popular James Potter! Você é o centro dessa escola, Lily, você não sabe o que é ser pisado pelas pessoas!

As palavras que saíam descontroladas de seus lábios vinham carregadas de raiva.

De inveja.

Ele se arrependia tanto de tê-las sentido...
— Eu não quero ser ignorado. Eu sou muito mais do que isso que todos acham. Mas, diferentemente de certas pessoas, eu não preciso de um pomo idiota para mostrar isso para o mundo. Aqueles que você considera detestáveis são os únicos que me entendem e me ajudam a crescer. Isso é amizade.

— Não. Amizade é respeito. Se eles fossem realmente seus amigos eles não o fariam ter nojo de trouxas e vergonha de seus pais —

— Se não fosse por ele eu seria um Prince! Um Prince! Você nunca vai entender isso porque você nasceu trou —

— Eu sou tão bruxa quanto você, pelo amor de Deus! Ah, Severus — ela deu um longo suspiro, esgotada —, por favor, não tente fingir ser alguém que você não é para ser aceito. Você não tem que fazer isso.

— Eu estou sendo eu mesmo.

Não, não, não, definitivamente não.
— Você é um covarde, então é isso o que você é!

Aquela frase ainda era capaz de fazê-lo tremer.

— É covarde demais para enfrentar as pessoas certas e tentar ser você mesmo. Você fica se escondendo por trás de um nome imponente, Half-Blood Prince, tentando se mostrar com feitiços, fingindo que tem sangue puro pra parecer alguém importante. No fundo, você tem medo de ficar sozinho. E é agindo exatamente assim que você vai ficar.

Ela não chorava mais. A ausência de lágrimas significava indiferença.

— O que eu disse a James Potter está certo. Você é tão ruim quanto ele.
Então tudo escureceu.

A lembrança tinha acabado, e com ela Severus Snape desejava que tivesse ido sua vida.

Levantou-se, deu alguns giros pela sua sala para tentar se acalmar. Por fim, acabou por voltar a sua mesa, apoiando-se nela em pé pelos dois braços, os olhos fechados. Era insuportável. Não agüentava viver com aquela memória perseguindo-lhe dia após dia, a voz de Lily Evans chamando-lhe de covarde a cada segundo, como se fosse um castigo por suas más atitudes.

Suspirou. Ele estava só, exatamente como ela havia previsto...

Mas, não, ele não era um covarde. Ela jamais o entendera, com sua vida perfeita do nascimento ao fim, até ao morrer ao lado do homem que tanto a amava... Não gostaria de pensar que aquele homem poderia ser ele – de alguma forma, isso o fazia imaginar-se ainda mais parecido a James Potter, o que definitivamente não era. Não, ela estava errada, sem dúvida. Ele não era um covarde.

Mas, ah, como sentia falta daqueles olhos verdes...

De repente, ouviu os movimentos de alguém entrando em sua sala e fechando a porta logo em seguida. Era Potter – não o James, mas o Harry.

— Você está atrasado, Potter.

Levando a varinha em direção às têmporas, Severus Snape sugou de sua mente sua pior lembrança e guardou-a na penseira.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.