LAGO, NEVOEIRO E LÁGRIMAS



CAPÍTULO XXIII


LAGO, NEVOEIRO e LÁGRIMAS


Duas semanas se passaram desde que Rony estivera em St. Mungus e, agora, estava “morando” na casa de Hermione. Mesmo a contragosto dela, todas as chances apareceram e o inevitável acontecera: estavam convivendo sob o mesmo teto. Apesar disso, não tiveram problemas até o momento. Ele estava respeitando o seu espaço e ambos dividiam os cuidados com Eileen, que eram intensos, e com a casa. A menina era ativa e esperta, o que não deixava tempo para nenhum tipo de intimidade entre os dois e era assim que Hermione preferia que continuasse. Rony parecia tranqüilo e não tentara retomar o assunto de namoro em nenhuma ocasião. Ao contrário do que ela imaginava, ele estava se apresentando de forma educada e até polida. Nos poucos momentos que ficavam a sós, falavam sobre o trabalho de cada um, dos tempos de Hogwarts, dos planos que tinham para o futuro profissional, jogavam xadrez ou assistiam a algum filme trouxa. Coisas banais e informais. Mas esse comportamento de Rony também deixava Hermione intrigada, mas isso também não era algo tão novo assim.



Desde o penúltimo ano de Hogwarts e o fim do namoro com Lilá Brown, ela havia observado mudanças em Rony e não tão sutis. As discussões entre eles escassearam mesmo antes de começarem a namorar e, no último ano, cessaram de vez. Hermione não sabia bem quando tudo começara a mudar, mas a morte de Dumbledore era o marco para ela. Desde então Rony estava mais gentil, atencioso, amigo. Sempre que ela precisava, ele estava lá. A guerra só serviu para aproximá-los mais ainda. O sofrimento, a dor, as perdas... Nessa época, o trio com Harry também foi se desfazendo e eles dois haviam estado sozinhos em diversas missões. Várias vezes, o papel se inverteu e ela viu Rony deixando de apoiar Harry para apoiá-la. Até briga entre os dois houve por causa dela. Rony a defendia. Porém, após derrotarem Voldemort, a tensão diminuíra e a paz voltara a reinar. Em seguida eles dois começaram a namorar... Mas agora ela pensava cada vez mais que eles deveriam ser somente amigos. Estavam bem assim.



Na casa de Hermione, Rony cuidava de Eileen na maior parte do tempo, exceto quando seu trabalho caía num dia útil. Nesses dias, ou Hermione a levava para a loja, ou a deixavam na Toca. Eileen adorava ir para lá. Brincava muito com a vovó Weasley, que era como ela chamava Molly. Aliás, as visitas dos três à Toca se tornaram quase que diárias desde que Arthur e Harry partiram para Avalon e Molly ficara sozinha. Eles haviam enviado algumas notícias, mas pouco falaram e a última coruja, há dois dias, foi somente para avisar que já estavam perto do portal que os levaria para Avalon.



Hoje era 31 de maio, dia em que os europeus comemoram a primavera e Rony, Hermione e Eileen iam passar esse dia na Toca junto com Molly e os gêmeos Fred e Jorge. Gina continuava em Hogwarts prestando os exames finais. Dentro em breve seria sua formatura e ela estava muito animada com isso, o que confessara em suas cartas para Rony e Hermione, no entanto, continuava preocupada com a situação do irmão e da amiga. Eles a tranqüilizaram dizendo que o fato de estarem próximos e retomarem a amizade havia realmente surtido algum efeito sobre o encantamento das algemas como previra Aeshma. Por enquanto, eles não sentiram mais dores ou qualquer outro tipo de desconforto.



Chegando à Toca, Rony olhou para Hermione e piscou em sinal de cumplicidade. Ela lhe sorriu de volta. Ambos sabiam o que os aguardava: Molly perguntava a mesma coisa sempre que chegavam, mas não se conformava se não pegasse em seus braços e os examinasse minuciosamente buscando por algum sinal, alguma marca... Algo que pudesse lhe dar uma pista de como ajudá-los.



_ Rony! Hermione! Eileen! Vocês chegaram cedo! Que bom... – E pegando nos braços de Rony e Hermione (dos dois ao mesmo tempo), levantou-os e examinou-os dizendo: _ Vocês estão bem mesmo? Não sentiram mais nada?



_ Estamos bem, mãe! – disse Rony beijando a Sra. Weasley no rosto.



_ Não se preocupe, Sra. Weasley. – disse Hermione – Observamos todos os dias para verificar alguma alteração...



_ Sei... Sei... – dizendo isso a Sra. Weasley arrepiou os cabelos do filho e, pegando Eileen no colo, acrescentou, olhando para Hermione: _ Vocês deviam deixar de bobagem e encher essa casa de crianças lindas como essa menininha aqui. – disse isso fazendo cócegas na barriga de Eileen que emitiu alguns gritinhos e um sorriso contagiante. Hermione ficou rubra como tomate maduro. Rony acudiu:



_ Somos amigos, mãe. E a senhora sabe disso!



_ Isso não muda nada. Quem está falando que vocês precisam deixar de ser amigos? – a Sra. Weasley atacou docemente, colocando Eileen no chão. Hermione tratou de pegar a menina e subir para o quarto de Gina para guardar suas coisas e fugir dos comentários da mãe de Rony. Mas ainda escutou:



_ Assim a senhora só piora as coisas! – a voz de Rony era repreensiva.



_ Vocês precisam deixar de ser teimosos e admitir que se amam. – a Sra. Weasley insistia.



_ Mãe! Por favor! A senhora sabe que eu amo Hermione e não canso de repetir isso, pra quem quiser escutar, desde o dia em que descobri a intensidade desse amor – ele estava quase gritando, mas suspirou e prosseguiu em tom mais brando: _ Ela prefere que continuemos amigos e, o que for bom para ela, será bom para mim também. E papo encerrado! – finalizou esticando-se no sofá da sala. A senhora Weasley deu meia volta resmungando um “vocês não têm jeito mesmo” e foi para a cozinha providenciar o almoço.



Por volta do meio-dia, Fred e Jorge chegaram animando e descontraindo o ambiente.



_ Mulher! – disse Fred para a sua mãe – Você está mais bela a cada dia que passa. – e deu-lhe um beijo estalado.



_ Cunhada querida! – disse Jorge para Hermione, dando-lhe um abraço. _ Soubemos que você está indo muito bem na venda dos livros.



_ Realmente, Mione! – disse Fred – Você começou outro dia e sua fama se espalhou... Já está superando a Floreios & Borrões.



_ Francamente, vocês dois! Não é tanto assim – retrucou Hermione – Mas o mérito é do irmão de vocês...



_ Rony? – disse Fred – O que esse cabeça-oca tem a ver com isso? – Rony fez uma careta para Fred que o desprezou...



_ O cabeça-oca do seu irmão não só me ajudou a arrumar a loja a tempo da inauguração, como também espalhou para todos os conhecidos de Hogsmeade sobre a loja. – disse ela satisfeita e orgulhosa, acrescentando: _ A inauguração foi um sucesso!



_ Soubemos. Não pudemos ir, por causa do movimento da Gemialidades Weasley, mas iremos lá com certeza, qualquer dia desses. Pode anotar aí – disse Jorge.



_ Ah, sim. – disse Hermione – Eu tenho lá um livro especial para vocês.



_ É mesmo? – disse Fred sorrindo – E qual é?



_ “Os irmãos-babacas do cabeça-oca” – disse ela – Eu que escrevi.



_ Toma! – disse Rony quase caindo de tanto rir, enquanto Fred e Jorge fechavam a cara.



_ Vamos almoçar! – anunciou a Sra. Weasley, ao que todos levantaram e se posicionaram a mesa.



_ Estou faminto! – disse Rony.



_ Conta uma novidade! – disse Jorge. Nova careta de Rony.



Após o almoço, todos passaram a tarde conversando e brincando no jardim. Fred e Jorge fizeram várias magias e brincadeiras para Eileen. Pouco antes das três horas da tarde, os gêmeos anunciaram que uma pessoa iria visitar a Toca naquele dia, a convite deles e por intimação de Harry. A visita era para Hermione.



_ Uma visita para mim? – perguntou ela intrigada, olhando de soslaio para Rony, procurando uma resposta.



_ Não olhe pra mim. Eu não sei de nada e nem o que esses dois estão aprontando. – e fechando a cara resmungou: _ Aliás, quero muito saber quem é essa visita...



_ Querido irmão ingrato! – disse Fred aproximando-se e passando o braço pelos ombros de Rony. – Estamos salvando sua pele e é assim que você nos agradece? – disse essa última frase com enorme dramatização – Sinto-me profundamente magoado. – e colocou as mãos no peito, sobre o coração.



_ Deixe disso, Fred! – disse Rony empurrando-o – Quem é a pessoa?



_ Na hora certa você saberá. – e saiu com ar misterioso deixando Rony falando sozinho.



_ Rony! Rony! – era Eileen que chamava a atenção do ruivo, puxando uma das pernas de sua calça. Ele olhou para o pingo de gente e sorriu. – Rony, vamos nadar no lago? Vamos? – e, sem esperar resposta, correu para onde Hermione estava e fez o mesmo pedido, puxando-a pela mão e forçando-a a levantar-se: - Vamos, Mione, vamos nadar. – E saiu correndo em direção a casa e ao quarto de Gina.



_ Eu a levo para nadar sempre que a gente vem aqui sem você. – disse Rony justificando-se para Hermione.



_ É, eu sei. Ela me falou – respondeu Hermione sem olhar para ele e estranhamente quieta. – Ainda não tinha dado certo passarmos o dia aqui juntos e, pensando bem, é uma boa idéia, já que está fazendo muito calor.



_ É? – disse Rony se surpreendendo e arqueando uma sobrancelha, boquiaberto, pois pensava que ela não fosse favorável.



_ Vou trocar de roupa – disse ela levantando-se da murada onde estava sentada. Rony a seguiu sem questionar mais nada. Estava muito animado com a idéia de nadar no lago com Hermione.

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Sentado na pequena doca de madeira que havia sido construída por seu pai na margem do lago, Rony observava Hermione e Eileen brincando com uma bola numa parte rasa e de águas claras, cujo fundo era recoberto de seixos. Essa parte do lago ficava próxima às margens e se estendia por poucos metros, já que sua maior área era lodosa e escura, por causa das plantas feófitas que recobriam seu fundo como as algas pardas. A partir de três ou quatro metros da margem, a profundidade aumentava gradativamente, o que deixava Rony em estado de alerta, aguçando assim seu instinto protetor. Precisava cuidar da segurança de Eileen e de Hermione... Hermione... Rony estreitou seus olhos sobre ela e um sentimento de desejo causou um tremor por todo seu corpo. Ela estava absolutamente irresistível e sensual naquele biquíni branco, os cabelos compostos em duas tranças atadas com alguma coisa colorida que ele não sabia dizer o que era... O estilo acentuava as maçãs de seu rosto, os lábios cheios e rosados. De repente, mal conseguia respirar. Aquelas trancinhas, aquelas pernas, aquela boca, a pele dourada pelo sol... No espaço de um segundo, sua imaginação a fez nua com aquelas pernas maravilhosas o envolvendo pela cintura. O biquíni oferecia-lhe um relance tentador dos seios perfeitos. Os mesmos seios que se encaixavam perfeitamente sob suas mãos... A bola acertou-o em cheio no peito, quase o derrubando, trazendo-o de volta à realidade.



_ Desculpe-me, Rony! Acho que joguei a bola com muita força. – disse-lhe Hermione, envergonhada.



_ Não foi nada, Mione. – ele concluiu que precisava mesmo daquela bolada nesse momento. Afinal, havia prometido a ela que seriam apenas amigos e se continuasse com aqueles pensamentos, não responderia por si.



_ Venha brincar com a gente, Rony – disse Eileen. – A água está morninha.



_ Vou já, já, linda! – disse Rony levantando-se. Ao fazer isso, foi a vez de Hermione ficar de queixo caído e culpar a suave brisa que soprava por, repentinamente, ter todos os pêlos do seu corpo eriçados. Por mais que conhecesse o amigo há anos, que já o tivesse visto em roupas íntimas, ou com poucas peças, ainda não conseguia entender como Rony tinha adquirido aquele físico perfeito da noite para o dia. A visão do ruivo com apenas um calção de banho era estonteante. Decerto que a pele muito branca e as sardas já eram suas antigas conhecidas, porém, aquele tórax e músculos bem definidos eram uma novidade recente. A sua altura, então, era intimidadora. Só os olhos, aqueles olhos tinham um poder enorme sobre ela. E não era só a cor infinitamente azul... Eles a faziam sentir-se acariciada e, se ela mergulhasse na profundidade daquele olhar, sabia que estaria perdida e se entregaria a ele sem reservas... Era como ficar hipnotizada... Sacudindo a cabeça para afastar a imagem do ruivo, virou-se de costas e caminhou com Eileen para a margem do lago, onde estavam suas coisas. Decidiu que havia sido um erro nadar naquele lago com Rony, mas não podia decepcionar a menina agora. Ela era só uma criança e não podia voltar pra Toca simplesmente por que não estava suportando o desejo que crescia em seu íntimo ao ver Ronald Weasley em trajes de banho, seminu... Semi... Esse radical lhe lembrava de outra palavra... Semideus... Isso, Rony parecia um semideus grego... Um longo suspiro foi emitido por Hermione, tão forte e tão alto que Eileen perguntou de forma inteligente:



_ Está cansada, Mione? – a vozinha soava decepcionada. A pequena era muito esperta e perceptiva para a idade que tinha. Captava as emoções dos adultos no ar.



_ Não, Eileen. – respondeu Hermione, procurando concentrar-se em outra coisa agora. Suas costas ardiam por causa do sol forte da tarde. – Vou passar protetor solar em você e depois quero que passe um pouco nas minhas costas também... Você consegue fazer isso?



_ Sim, Mione – disse Eileen já sorrindo e batendo palmas.



Hermione passou protetor solar na menina. Aquele era um creme mágico, muito potente. O sol poderia fazer estragos irremediáveis na pele das pessoas e ela não queria se queimar de forma alguma. Ela passou o creme por todo o corpo da menina e um pouco em si mesma, nas partes que alcançava. Depois entregou o frasco para Eileen, a fim de que a menina passasse em suas costas. No entanto, as mãozinhas eram muito pequenas e aquela tarefa poderia ficar incompleta.



_ Posso ajudar? – aquela voz grave fez Hermione tremer involuntariamente. Iria responder um sonoro N-Ã-O, mas Eileen já havia respondido por ela. – Só que vocês vão ter que me ensinar como se faz.



_ Pode sim, Rony. – disse Eileen satisfeita por estar ajudando e feliz por ensinar algo a um adulto. Rony rapidamente entrou na brincadeira. Hermione fechou os olhos... “Agora estava realmente perdida...”



_ Como se faz, Eileen? – o ruivo perguntou e a menina ensinou. Ela derramou uma generosa quantidade de protetor solar nas mãos de Rony, pois fazia bastante força com as duas mãozinhas ao espremer o frasco. Rony esfregou as mãos e parou-as no ar. A brincadeira tinha terminado. “Controle-se, homem. Essa é Hermione. Acabe logo com isso, você consegue.”



No instante em que tocou a pele delicada ele se deu conta que subestimara aquela tarefa. Suas mãos e as pontas dos dedos pareciam ter vontade própria, massageando, às vezes acariciando. Ainda bem, considerando que seu cérebro parara de funcionar. Deslizou por sob a alça do biquíni. Hermione estremeceu. Ela já não sentia as mãozinhas de Eileen. A resposta repercutiu dentro de Rony que cuidou para não deixar um só centímetro de pele sem proteção. Ele percorreu as mãos pela espinha de Hermione, indo até abaixo da linha da cintura. Outro estremecimento dela. “Mione era tão sensual e sensível a seu toque... E pensar que tocara apenas suas costas... Mione... Sua Mione. Sim, ela pertencia a ele. Por que, não?”



Ao redor do lago, os pássaros cantavam chamando um ao outro, numa ritmada música de acasalamento, afinal, era primavera. A brisa chegava até ali, impregnada pelo perfume das flores e das ervas exóticas que compunham a vegetação daquele lugar. jasmim, alecrim, almíscar, lótus... Ambos estavam esquecidos de Eileen, apesar da garotinha continuar ali ajudando. Rony conteve uma ânsia insana de escorregar as mãos por sobre a calcinha do biquíni até encontrar e massagear aquelas coxas firmes. Assim, sussurraria doces palavras no ouvido dela, até Mione implorar por um lugar isolado onde pudessem realizar todas as suas vontades e fantasias. Rony, então, lembrou-se que aquela era sua melhor amiga. Amiga e não mulher. Advertiu à própria libido, à própria mente e a todas as partes de sua anatomia. Não podia esquecer-se disso... Ela não era sua namorada nem sua mulher. Foi Hermione, felizmente, que pôs finalmente um fim àquela tortura que ele mesmo começara pensando ser uma tarefa fácil.



_ Já chega. Vamos brincar? – Ela fechou e guardou o vidro de creme e olhou para Eileen, enquanto Rony corava e continuava ali parado feito bobo.



_ Vamos. – disse Eileen pegando a bola e correndo de volta ao lago. – Venha Rony!



Completamente esquecidos dos momentos de enlevo de minutos atrás, os três brincaram com a bola até cansar. Hermione, então, pediu a Rony que desse algo para Eileen comer e beber, pois ela queria nadar um pouco sozinha.



_ Há frutas e suco naquela sacola ali, Rony. – ela apontou.



_ Não se afaste muito, ok? – ele lhe pediu.



_ Tudo bem, Rony. – ela respondeu-lhe sorrindo e acrescentou: _ Já sou grandinha, sabia? Mas não se preocupe, não vou me afastar.



Satisfeito com a resposta, ele dirigiu-se ao local da sacola e, estendendo uma toalha no chão, sentou-se com Eileen para lanchar, mas não tirava os olhos do local onde Hermione nadava tranqüilamente.



Braçadas ritmadas, Hermione nadava de um lado para outro do lago procurando afugentar os sentimentos que a assaltavam. Sentimentos que conhecia desde que completara catorze anos e adquiriram uma intensidade nova e maior a cada ano que passava. Agora, prestes a completar seus vinte anos, sentia que ela e Rony precisavam resolver a situação que havia entre eles o mais rápido possível. Ela não suportaria ficar a sós com ele em sua casa. Nessa semana eles iriam levar Eileen para os pais e estava preocupada com o rumo dos acontecimentos. Harry precisava voltar logo. Como ela queria estar nessa missão! Sentia saudades das aventuras, mas não do perigo. A sua curiosidade também a perturbava. O que será que ele e o Sr. Weasley estavam enfrentando? Onde será que estavam nesse momento em que ela e Rony estavam ali, se divertindo? A última coruja não tinha sido muito precisa. Será que eles já haviam atravessado o portal rumo a Avalon?

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A tarde era escura. E meio à névoa densa erguia-se a cidade perdida de Avalon, sombria e assustadora como um demônio surgindo das profundezas das trevas. A expressão do jovem homem que espreitava milimetricamente aquele lugar se adequava ao clima tempestuoso. Harry Potter não conseguia capturar, por mais que já conhecesse o mundo bruxo, como o simples atravessar de um portal transformava uma tarde radiante, perfumada e quente num momento da mais profunda tristeza e inquietude. Ele não sabia o que os aguardava naquele lugar. A jornada de uma semana havia sido tranqüila até então, com merecidos descansos noturnos na barraca de Arthur, onde eles conversavam sobre possibilidades, incertezas e fatalidades. Fora inevitável relembrar a guerra em alguns momentos de conversa. Edwiges havia permanecido com eles até a entrada do portal, de onde eles despacharam a coruja com o último recado para os outros até que retornassem. Na volta, eles iriam desaparatar para casa.



O ex-estudante de Hogwarts e herói da guerra contra Voldemort abrigava em seu peito outro tipo de tempestade, emoções avassaladoras que se uniam formando uma besta destruidora que abria caminho por sua alma dilacerada pela dúvida. Seus melhores amigos corriam risco de morte e ele buscava com todas as forças derrotar um inimigo desconhecido. Pelo menos, a luta contra Voldemort e seus seguidores havia sido algo mais concreto. Ele conhecia o inimigo. Agora, não sabia nem o quê estava buscando, exceto pela descrição sobre um velho bruxo, talvez caquético e demente.



Uma brisa gélida soprou na escuridão. Harry estremeceu e procurou um casaco para proteger-se do vento cortante. Olhou de soslaio para Arthur que fazia o mesmo. Então, ele retirou do bolso do casaco um objeto que cabia na palma de sua mão. Ele removeu o lenço de seda que envolvia o amuleto de jade e o segurou pela corrente de ouro deixando-o pender diante de seus olhos. Fixou o olhar no centro da pedra verde e pensou em seus amigos. A imagem deles no lago o fez sorrir e deu-lhe um novo encorajamento. Pensou em Gina e, no meio da pedra, radiante, uma bela jovem de cabelos ruivos surgiu sentada nos jardins de Hogwarts conversando com algumas amigas. Uma sensação de paz invadiu seu coração. Era tudo o que ele precisava para prosseguir. Colocando o amuleto no pescoço, Harry lembrou-se das recomendações de Aeshma ao dar-lhe a jóia, no momento de sua partida:



_ Use-a bem, Harry. Essa pedra tem poderes magníficos e alguns outros desconhecidos.



_ Usarei, Aeshma. Obrigada. – disse ele.



_ Vá, Harry! Boa sorte!



Sorte. Esta foi a última palavra que escutou antes de seguir viagem com Arthur. E agora, estavam os dois ali, observando a escuridão causada pelo nevoeiro denso sem saber para onde deveriam ir. Mal dava para enxergarem um ao outro, mal dava para enxergarem o chão onde pisavam. Ao longe, eles distinguiam algumas luzes que pareciam acender e apagar freneticamente. Harry perguntou-se se realmente haveria vida ali quando o crocitar de um corvo foi ouvido rasgando o céu sobre suas cabeças. Acenderam as luzes em suas próprias varinhas.



_ Harry. – disse Arthur. – Não devemos nos afastar um do outro, certo? – Harry concordou. – Parece que estamos no meio de um bosque. O que você acha? – Harry examinou o local atentamente e testou novamente o poder do amuleto em seu pescoço. Pensando nele e em Arthur, ele conseguiu vislumbrar o local de forma nítida. Realmente, eles estavam em um bosque. Nesse momento a pedra do amuleto estava funcionando como um instrumento de localização.



_ Parece que sim, Arthur. – disse Harry passando o amuleto ao redor, enquanto fixava os olhos na pedra cor de jade. - E mais a frente tem uma luz. Vamos para lá...



Enquanto Harry e Arthur cortavam caminho pelo bosque, minúsculos olhos iam aparecendo e os observavam na escuridão. Harry observou-os pelo amuleto. Eram pequenas criaturas penduradas nos galhos das árvores como morcegos, mas não eram morcegos. Aliás, pareciam desmembramento das próprias árvores, como pequenos galhos de cerca de vinte centímetros. Instantaneamente, Harry soube o que eram e deslumbrou-se, pois só havia lido sobre eles nos tempos de escola.



_ Veja, Arthur. São tronquilhos.



_ Tronquilhos, Harry? Tem certeza? – disse Arthur observando o amuleto, incrédulo. Os tronquilhos eram raríssimos e difíceis de encontrar devido ao tipo de local que habitavam.



_ Sim. Tenho – Harry fixou os olhos no amuleto e, boquiaberto, percebeu que as árvores estavam infestadas de tronquilhos.



_ Você sabe o que isso significa, não? – perguntou-lhe Arthur. Harry estava bobo e não conseguia responder. – Todo esse bosque é encantado e todas essas árvores são excelentes para a fabricação de varinhas mágicas. Os tronquilhos são inofensivos, Harry, desde que não ataquemos as árvores. Eles as protegem. As árvores mágicas estão acabando. Em nosso país já estão em risco de extinção. Elas são essenciais para a sobrevivência dos bruxos.



_ É. Estou sabendo. – disse Harry abaixando a cabeça. – Os malditos mercadores de varinhas. _ Harry pensou que havia outras coisas pelas quais poderia lutar que não eram somente bruxos das trevas. Os mercadores só se preocupavam em obter material para a confecção das varinhas mágicas. Jamais se importavam se a matéria-prima iria acabar ou se algum desequilíbrio ecológico iria ser causado.



_ Recentemente foi baixada uma lei que obriga a quem derrubar uma árvore mágica, replantar três em seu lugar. Tomara que a fiscalização dê conta do serviço.



_ Se os interesses políticos não interferirem. – disse Harry sarcástico.



Harry e Arthur prosseguiram seu caminho em meio ao forte nevoeiro. Mais adiante depararam com uma construção antiga, feita de pedra. Sobre o vão de uma enorme e grossa porta de madeira estavam ganchos de ferro de onde pendia uma placa também feita de madeira balançando ao soprar do vento, emitindo solitários e tenebrosos rangidos. Aquele era o único som que se escutava naquele momento, fora o som da respiração dele e de Arthur. Um entalhe em letras desconhecidas dava nome ao local. Na parte superior do prédio Harry notou uma sucessão de arcos e acima deles, como ornamentos, estavam diversas estátuas de gárgulas.



_ Eles possuem a única função de escoar as águas pluviais para longe das paredes. – informou Arthur. – Na Idade Média também eram usados para afugentar invasores e proteger o ambiente.



Desviando o olhar daquelas criaturas grotescas, Harry observou a aldrava da porta e percebeu que ali também havia a figura de um pequeno demônio. Sem querer esperar mais nenhum minuto, pegou da aldrava e deu três fortes pancadas na porta. Quando ia tentar novamente, a porta abriu-se com um rangido ensurdecedor. Harry esticou a cabeça e aproximou-se do hall de entrada vagarosamente. Observou que o ambiente interno era úmido e cheirava a mofo, apenas iluminado por tochas de fogo que pendiam das paredes. Havia um imenso corredor. Repentinamente, uma figura fantasmagórica apareceu a sua frente. Harry deu um salto e empunhou sua varinha; virou-se e viu o rosto do espírito. Apenas a cabeça podia ser vista sobre um espectro afunilado e colorido.



_ Procurando alguém? – a voz gélida indagou.



_ Sim, estou. – disse Harry ainda em estado de alerta. – Eu e meu amigo estamos. Viemos em paz. A pedra verde no peito de Harry brilhava intensamente.



_ Quem é você? – o fantasma indagou circulando Harry.



_ Harry. – disse ele pausadamente olhando firmemente naqueles olhos espectrais. – Harry Potter. E este – disse puxando Arthur. – é Arthur Weasley.



_ HARRY POTTER? – o espírito arregalou os olhos e, rodopiando, transformou-se em um espiral e desapareceu.

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Rony observou quando Hermione parou numa parte do lago e depois mergulhou. Ela parecia angustiada e perdida em seus pensamentos. Rony acreditou que esse estado de Hermione era culpa sua. De alguma forma, ele conseguira novamente afastá-la de si. Talvez tivesse sido os últimos acontecimentos. Precisaria se controlar melhor dali em diante se não quisesse perdê-la de vez. Ele vivia se repetindo isso.



Hermione parou num lugar que ainda dava pé, no lago, porque observou que a algema em seu braço aparecia nitidamente quando seu braço era mergulhado demoradamente na água ou, pelo menos, a forma dela. Hipnotizada por aquela fumaça que girava ao redor de seu pulso, ela tentou, em vão, pegá-la, mas a coisa escorria por seus dedos e se desfazia, voltando a se formar depois. Resolveu, então, mergulhar para verificar se assim, conseguia uma imagem mais sólida ou real da algema. Afastou-se um pouco para uma parte mais funda do lago e, prendendo a respiração, fechou os olhos e mergulhou abraçando as pernas, deixando-se ser arrastada pelo peso de seu próprio corpo até o fundo do lago. Quando sentiu que seu corpo tocou a superfície ela abriu os olhos e estendeu seu braço para frente de seu rosto e observou-o. A maldita algema parecia realmente se solidificar e ficar mais nítida. Estranhamente, uma sensação lânguida a invadiu e ela mal conseguia se mexer. Fraqueza, torpor. Hermione sentiu sono. Ela observou que havia um movimento a sua frente e depois de alguns segundos, notou que a imagem se aproximava. Parecia uma mulher com longos cabelos negros e vestes esvoaçantes. Era uma mulher e absurdamente linda. Ela pegou na mão de Hermione e começou a puxá-la para mais e mais fundo... Parecia querer lhe mostrar alguma coisa. Ela deixou-se conduzir. “Estava curiosa, precisava saber... Rony ficaria bem sem ela. Talvez, bem melhor sem ela...”



“Quanto tempo se passou desde que Mione mergulhou? Trinta segundos? Um minuto?” _ Rony não sabia precisar e, ao sentir uma fisgada no seu braço, apavorou-se com o pensamento que se fixou em sua mente. “Será que Hermione queria... Não, não podia nem pensar nisso.” Então, reunindo forças para se acalmar e manter o equilíbrio que era necessário no desempenho de suas funções, abaixou-se e olhou para a pequena menina dizendo:



_ Eileen, eu preciso de sua ajuda agora. Você consegue ir daqui até a casa da vovó Weasley pra mim? – a menininha assentiu com a cabeça e olhou para a pequena trilha que levava até a Toca. – A Mione precisa de ajuda, Eileen. Vá e diga a vovó que traga cobertores... Vá, depressa! – Eileen saiu correndo e Rony voltou sua atenção para o lago, tentando lembrar-se da exata localização de Hermione quando mergulhou e desapareceu.



Vagarosamente, Rony entrou no lago e caminhou até o local que presumia ser onde Hermione estava. Respirando fundo e, tentando não perder o controle, ele examinava. Na sua profissão, perder o controle era um risco perigoso. No entanto, cada segundo que passava também podia significar o pior... Decidido, ele mergulhou. Tão logo fez isso, sentiu um grande puxão em seu braço, onde estava a algema. Parecia que um grande ímã o atraía. Instintivamente, ele se deixou levar... Então, a viu. A algema em seu braço colou-se à algema no braço de Hermione. Rony percebeu que ela estava desacordada. Rapidamente, ele procurou tirá-la dali. Enlaçou-a pela cintura e buscou a superfície.



Rony emergiu e carregou Hermione nos braços sem a menor dificuldade. As algemas voltaram a desaparecer. Seu semblante estava sombrio e preocupado. Colocou-a com delicadeza no chão e prosseguiu a um atendimento de urgência quando percebeu que ela não estava respirando. Apesar das lágrimas que já lhe saltavam dos olhos, ele lhe fez respiração boca-a-boca seguida de massagem cardiopulmonar. Três massagens, uma respiração. Nada. Três massagens, uma respiração. “Respira, meu amor. Respira.” Três massagens, uma respiração.



A senhora Weasley chegou, carregando Eileen no colo e alguns cobertores. Observou, aflita, as tentativas frustradas do filho ao socorrer Hermione. Ele estava visivelmente transtornado. Após alguns minutos, observando a cena e rezando mentalmente, ela pediu a Merlin que lhe desse forças para tirar seu filho dali. Rony continuava inutilmente fazendo as massagens e a respiração. As lágrimas escorriam livremente por sua face agora. Ele beirava o desespero.



_ Pára, Rony. Pára! – a senhora Weasley pedia. Ela aproximou-se e puxou-lhe pelo braço. _ Vamos levá-la ao hospital, Rony!



_ NÃO! – ele exclamou rispidamente. “De nada adiantaria levá-la a um hospital se ele não conseguisse reanimá-la.” Três massagens, uma respiração. Três massagens, uma respiração. “Respira, meu amor. Respira, Mione.” Três massagens, uma respiração. “Ele não ia desistir. Jamais desistiria de Hermione Granger. Mas ela era teimosa...”



_ RESPIRA, MIONE! RESPIRA SUA TEIMOSA! – Rony gritava. A senhora Weasley chorava convulsivamente abraçada a Eileen. Era uma dor muito grande ver aquela cena. _ VOCÊ É UMA GRIFINÓRIA. CADÊ SUA CORAGEM? NEM PENSE EM ME DEIXAR AQUI, OUVIU? – Rony estava transtornado pela dor. Três massagens, uma respiração. Três massagens, uma respiração. Três massagens, uma respiração...



Hermione tossiu... Primeiro uma tosse fraca, depois mais forte... Rony a virou de lado e alguma água saiu de seus pulmões. A dor da nova respiração a atingiu em cheio e a fez chorar, emitindo uma inspiração em gritos, mas ainda assim conseguiu falar:



_ Ron. – a voz era fraca e entrecortada pela tosse. Sua garganta ardia e ela sentiu gosto de lama.



_ Estou aqui, meu amor. Estou aqui. – ele disse abraçando-a e beijando-a sem conter-se. A senhora Weasley aproximou-se com os cobertores e Rony envolveu Hermione. Colocando-a nos braços, seguiu rumo à Toca. A senhora Weasley pegou todas as outras coisas que estavam espalhadas e seguiu-os.



Já na Toca, Rony levou Hermione para o quarto de Gina e preparou-lhe um banho quente. Ela já estava conseguindo falar e se ergueu, sentando-se na cama. A senhora Weasley subiu ao quarto, oferecendo ajuda.



_ Vamos levá-la ao hospital, Rony? – e aproximando-se de Hermione perguntou: _ O que aconteceu, minha filha?



_ Ela não vai precisar do hospital, mãe. Só de repouso. Eu cuidarei dela, enquanto a senhora cuida de Eileen, ok? – Rony completou: _ Depois perguntaremos a ela o que aconteceu, está bem?



_ Obrigada, senhora Weasley. – disse Hermione fracamente. _ Já me sinto melhor.



A senhora Weasley sorriu para Hermione e agradeceu aos céus por ela estar bem. Pegando Eileen pela mão, foi para o seu próprio quarto dar banho na menina e acalmá-la também.



Rony então, entrou no banheiro do quarto de Gina e abriu as torneiras de água quente enchendo a banheira. Estava colocando sais e ervas na água quando ouviu Hermione reclamar.



_ Pelo amor de Merlin, Rony! Chega de água por hoje! Eu não vou conseguir tomar banho...



_ É a maneira mais rápida de se esquentar. – ele disse aproximando-se dela e colocando as mãos na cintura – Tire a roupa!



_ O QUÊ? Rony, eu realmente não posso... – ela tentou argumentar, mas seu corpo doía, seu peito doía pelas massagens de há pouco...



Rindo, ele ajudou-a a desvencilhar-se das peças do biquíni, sem olhar diretamente para nenhuma parte íntima de seu corpo, a fim de não causar-lhe constrangimento. Ergueu-a novamente nos braços e a pôs delicadamente dentro da banheira. Antes de fechar a porta, olhou-a com ternura e disse:



_ Que coisa mais feia, Srta. Granger! O que pensou que eu fosse fazer?



Hermione deliciou-se na água quente, deixando-se relaxar. Quando saiu do banho, sentia-se aliviada e mais disposta, porém ainda muito tonta. Abriu o armário do banheiro e encontrou um roupão branco macio e perfumado e vestiu-o. Entrou no quarto e encontrou a lareira acesa. Sentou-se na cama e começou a pensar no que acontecera. Pouco depois, Rony voltou trazendo um cálice com uma bebida forte dentro.



_ Beba – disse ele. _ Vai se sentir melhor. Hermione pegou o cálice das mãos dele e sorveu um gole da bebida. Era alcoólica, porém levemente adocicada. Uma sensação de bem-estar apossou-se de seu corpo.



_ O que é? – ela perguntou.



_ Uma bebida mágica para reanimar. Usada entre os guarda-bruxos. – Em seguida, Rony pegou uma escova da penteadeira de Gina e começou a desembaraçar-lhe os cabelos. Enxugou-os também com uma toalha felpuda. Sonolenta, Hermione começou a conversar, mas não conseguia controlar o cansaço. Ele ajudou-a a deitar-se e a viu adormecer quase no mesmo instante.



Fitando o rosto sereno de Hermione, Rony acariciou-lhe as faces e murmurou baixinho:



_ Quando vai perceber que o amor que sinto por você durará para sempre? – ficou ali a observando dormir, por alguns minutos, como se quisesse ter certeza que ela estava bem, e depois desceu as escadas para falar com a mãe. Ainda era cedo. Lembrou-se, então, da visita prometida pelos gêmeos. Fosse quem fosse, Hermione não poderia receber ninguém hoje.


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