UMA TORRE QUE CAI



CAPÍTULO XVI


 


 UMA TORRE QUE CAI


 


      Rony estava abusando de sua hospitalidade. Não que houvesse demonstrado alguma, mas de qualquer maneira, ele passara dos limites. O jantar terminara, a louça fora lavada, a cozinha arrumada e ele ainda estava ali, encantando sua mãe, fazendo com que se sentisse antipática e isolada. E completamente desarmada. Era como assistir a um acidente em câmera lenta, sem poder fazer nada para evitá-lo. Todas as tentativas para tirá-lo de sua casa haviam passado despercebidas ou foram ignoradas. Sua mãe estava muito ocupada apreciando a companhia do “amigo”.


 


       Hermione observava, parada na porta da cozinha, a sala onde sua mãe e Rony conversavam animadamente e sorriam. Eles estavam de costas para ela. Ficara realmente surpresa com sua mãe. Ela era uma criatura amigável e simpática e muitas pessoas a adoravam, mas nunca estabelecera um relacionamento tão depressa. Sabia que sua mãe e Rony haviam se tornado mais conhecidos quando eles se separaram e Hermione viajou, mas não pensava que ela tivesse gostado tanto dele, pois nunca comentara muita coisa, mesmo porque ela não estava disposta a ouvir. Depois, as visitas de Rony cessaram e não se falou mais nisso na casa de seus pais.


 


       “Por Merlin, Hermione. Sua mãe estava sendo amigável com Rony, mas não era imprudente. Ela era até muito sensata e precavida. Mas por que, então, estava sentada no sofá com ele assistindo a vídeos domésticos e narrando cada registro com entusiasmo? Ela sabia o que ele tinha feito naquela maldita festa... Rony parecia estar se divertindo muito, como se o motivo que o levara a tocar a campainha de sua casa não fosse envolvê-la com seu charme.” Hermione franziu a testa ao ouvir:


 

      _ Escute só essa, Rony. Ela está agindo como a criatura mais arrogante e vaidosa que já passou nesse mundo! Convencida! - a Sra. Granger falava enquanto mostrava a Rony um vídeo de quando Hermione era pequena.


 


 


      _ Ela sempre foi inteligente, esperta e linda. - comentou Rony.


 


 


      _ É verdade – murmurou a Sra. Granger orgulhosa, mas pensativa – Nessa época, nós percebemos o quanto ela era diferente das outras crianças do nosso mundo e ficamos preocupados. Levamo-la para vários médicos. Apesar dela se sobressair em várias atividades na escola, não conseguia se relacionar bem com ninguém. As outras crianças não gostavam dela. Às vezes, até as professoras se assustavam com os argumentos lógicos de minha filha; tão pequena e ela já não gostava das brincadeiras comuns para a idade dela... Até que um dia nos apareceu um mago e nos explicou tudo. Foi bem difícil para nós aceitarmos... Você sabia, Rony que ela aprendeu a falar com seis meses de idade?


 


      _ Não duvido - “Pelo que conhecia de Hermione...” - Vocês não ficaram preocupados por precisarem deixá-la estudar no mundo bruxo, ainda tão nova?


 


 


      _ Nós ficamos sim, Rony, mas ela necessitava aprender a lidar com seus poderes ou seria muito infeliz e, no nosso mundo, ela poderia até ser internada num asilo para loucos. Pouco antes de ela partir, eu e meu marido visitamos a Escola de Hogwarts com um bruxo que veio nos buscar e decidimos deixá-la ir. Entendemos que ela fazia parte de lá. Nossa felicidade foi imensa quando, nas férias do 1º ano, ela nos contou que tinha feito amigos maravilhosos: você e o Harry. Ela falou de vocês durante dias seguidos e com grande entusiasmo nos narrava todas as aventuras.


 


 


      “Que exagero!” - pensava Hermione - “Não falei tanto assim.”


 


 


      _ Nossa! - exclamou Rony impressionado – Não pensei que ela falasse da gente para vocês...


 


 


      _ Falava. E falava mais ainda de você, Rony – a Sra. Granger olhou para ele sorrindo. “Ai, mãe! Não! Isso não interessa mais.” - Hermione se contorcia na porta da cozinha. - Lembro-me como se fosse hoje quando ela me disse, os olhos brilhando: “Mãe, o garoto mais bonito do colégio é meu amigo; ele tem cabelos vermelhos, sardas e olhos azuis como o céu.” Eu pensei: minha garotinha está crescendo...


 


 


      _ Ela já me achava o garoto mais bonito no 1º ano? - Rony ruborizou-se, incrédulo. - E eu pensava que ela só gostava do Harry. Nós brigávamos muito, sabe? E ela nunca me contou...


 


 


      “Idiota” - Hermione fechou a cara - “Nunca gostei do Harry dessa forma... Você que era um babaca e não percebia... Sua mãe também estava falando demais...” – pensando nisso, resolveu voltar para a cozinha, antes que tivesse um ataque de indignação.


 


 


      _ Hermione sempre foi muito orgulhosa, Rony. Ela é corajosa para diversas coisas, as batalhas de vocês, por exemplo, mas conheço minha filha. Ela detesta se sentir frágil e sem saber o que fazer. E você provoca essa reação nela – ao dizer isso, a Sra. Granger o encarou. - Depois ela passou a querer ficar parte das férias na casa de seus pais e eu soube que era por sua causa.


 


 


      _ Eu... Não sei o que dizer... - “Eu fui um idiota por quase oito anos” - pensava ele irritado consigo mesmo.


 


 


      _ Não diga nada, Rony. Vejo que você amadureceu bastante nesses últimos meses. Tudo tem seu tempo nessa vida, sabia? Tanto no nosso mundo como no de vocês...


 


 


      “É. A Sra. Granger estava certíssima. Tudo tem seu tempo... E não adianta querer forçar os acontecimentos e nem a ordem natural das coisas... Isso é até lei em meu mundo.” - pensou ele.


 


 


      _ A maturidade só nos vem com a experiência, Rony. E você era um garoto. Hermione sempre teve uma maturidade muito aquém para a idade dela. Talvez, por isso mesmo, vocês demoraram tanto para se descobrirem... Ela jamais iria se declarar se você não tomasse a iniciativa... Ela te esperou, entende? Você ainda a ama, não é Rony?


 


 


      _ Muito Sra. Granger. Eu amo a Hermione mais que tudo nessa vida – ele procurou falar num tom mais baixo e aproximou-se mais da Sra. Granger, confiante, mas antes olhou ao redor para se certificar que Hermione não estava por perto – Eu não tive culpa com o que aconteceu naquela festa... Uma menina me enfeitiçou...


 


 


      _ Eu sentia isso, Rony – sussurrou a Sra. Granger. - Eu não sou bruxa, mas posso sentir muitas coisas. Meu coração não me engana. - e piscou para ele - Mas agora não adianta se explicar para ela, ok? Continue agindo assim... O que eu puder fazer para ajudar, farei. Quero ver a minha filha feliz. E ela nunca foi tão feliz como quando estava ao seu lado. Escrevia-me todos os dias depois que vocês começaram a namorar, falando de seus sentimentos.


 


      _ Eu também quero vê-la feliz. Mas acho que estraguei tudo.


 


      Na cozinha, Hermione procurava a pipoqueira. Suspirando, ela passou a mão pelos cabelos - “Talvez estivesse sendo dura demais com Rony. Afinal ele havia sido seu amigo durante anos e sabia que ele era um bom rapaz. Cabeça-dura e meio lerdo, diga-se de passagem, mas tinha um bom coração. Talvez ele só tivesse vindo ali para dar as boas vindas para ela... Oh, sim! E se acreditasse nisso, o próximo passo seria comprar uma ponte bem no meio de Londres. Felizmente, não estava interessada em pontes...”


 


      _ E as pipocas, Hermione? - sua mãe gritou da sala – Precisa de ajuda?


 


      “Sim” - Hermione pensou pegando o pacote de milho para pipocas – “Precisava de ajuda, mas não para as pipocas. Como faria para livrar-se do ruivo sedutor que invadira sua casa e roubara seu coração há tanto tempo?”


 


      _ Não, obrigada! - respondeu ela em voz alta – Mais alguns minutos e as pipocas estarão prontas. Já pus o milho na... - Tensa, sentiu uma presença atrás dela e virou-se. Ao vê-lo, uma reação instintiva a fez recuar até apoiar-se no armário.


 


      Rony sorriu, estranhando o comportamento amedrontado. Afinal em nenhum momento havia sido agressivo ou hostil.



     
      _ Vim conhecer as popocas – explicou ele para acalmá-la – Não precisa ficar com medo de mim.


 


      _ Pi-po-cas, Rony! - ela descontraiu – Venha, vou lhe mostrar como se faz. De onde tirou a idéia de que estou com medo de você?


 


       _ Não está? - ele perguntou.


 


 


      _ Não. Veja, o milho está sendo aquecido e o calor fará o milho estourar ou pipocar, como alguns preferem. Vou abafar a panela e mexer aqui nesse mecanismo para não precisar abri-la até que todos os grãos tenham se transformados em pipocas. Também existe magia no mundo trouxa – ela sorriu.


 


      _ Certo. E agora? - “Não era o que parecia. Mione estava assustada e ele não queria provocar esse tipo de reação nela”. Resolveu explicar – Você é minha amiga, Mione, e só quero passar algum tempo em sua companhia.


 


      _ E com minha mãe? E meu gato? - ela perguntou, incrédula.


 


      Ele sorriu. O milho começou a fazer barulho dentro da panela.


 


      _ Com eles também.



      “Rony estava mentindo. Ele só queria conquistar aliados” - a mente de Hermione fervilhava. Ela mexia no mecanismo da panela vigorosamente – Deixe-me ver se entendi. Você é um desses raros seres que gostam de ver álbuns de fotos e assistir a filmes caseiros de outras pessoas – ela provocou, ainda duvidando se ele havia realmente apreciado aquele “maravilhoso” entretenimento que sua mãe providenciara.


 


      _ Se o assunto for interessante, por que não? Esqueceu-se que eu não conheço os filmes trouxas?


 


      _ O que há de interessante em cenas familiares tão corriqueiras? - ela insistiu.


 


      _ Você estava em todas elas. - Ele se aproximou mais e tocou seu rosto. “Mais um peão fora eliminado.”


 


      Hermione prendeu o fôlego enquanto antecipava o próximo movimento. Era por isso que não o queria tão perto. Tinha medo de suas próprias reações. Podia quase sentir os lábios dele sobre os dela.


 


      _ AS PIPOCAS! - Rápida ela se virou para escapar do beijo que chegara a considerar inevitável. Só esperava que ele não pudesse ouvir as batidas do seu coração.


 


      Levaram as pipocas para a sala e algumas garrafas de suco bem geladas. Continuaram assistindo a alguns vídeos caseiros até que a Sra. Granger levantou-se e pedindo desculpas deu boa noite justificando que estava cansada e com sono e que precisava dormir. Hermione sobressaltou-se.



      _ Mãe? A senhora não quer levar o Rony até a porta? Eu vou guardar as louças e terminar de arrumar a cozinha – mas a Sra. Granger já havia sumido no corredor, fingindo não escutar a filha, deixando-a mais aflita e nervosa que antes. “Que estratégia horrorosa! Ia conversar com ela depois. Ah, se ia.”


 


      _ Desculpe-me, Rony, mas eu também estou cansada e preciso dormir. Então, se você não se importa... - disse ela voltando-se para Rony.


 


      _ Claro, Mione. Eu entendo. Deixe-me apenas ajudá-la a arrumar essas coisas e depois eu vou embora, ok? Assim termina mais rápido e você pode descansar mais depressa também.


 


      Não houve nem tempo de Hermione recusar, pois ele já se dirigia para a cozinha com as louças sujas. Ela o seguiu.


 


      _ Mione, estou com sede. Você pode me arranjar um copo d'água? - Rony pediu.


 


      O nervosismo de Hermione piorou com ele ali em pé a observando. Terminou de enfeitiçar as louças e a pia e, sem encará-lo, passou por ele e foi abrir a porta da geladeira. Também precisava de uma bebida, sua garganta estava seca.


 


      _ Mais um aparelho trouxa? - ele já conhecia, mas preferiu não se aventurar a falar o nome. Pegou o copo que ela lhe estendia.


 


 


      _ É. Às vezes é difícil nos desfazermos de velhos hábitos e não preciso fazer feitiço quando quero beber algo gelado. Mas só vou trazer esse aí, pois é difícil manter um gerador de eletricidade. Acho legal misturar os dois mundos.


 


      Hermione arrependeu-se rapidamente de ter dito essa última frase. Repentinamente os olhos de Rony ganharam um brilho que provocava aquele calor que ameaçava derretê-la. Era difícil manter o ritmo normal da respiração. Ele aproximou-se. Não havia para onde fugir. As costas de Hermione tocavam o refrigerador. Havia um armário de um lado e Rony cobria o restante do território. A perseverança que demonstrava até então começava a sumir de vez.


 


      _ Também acho legal essa mistura – ele a olhava fixamente. Ela podia sentir sua respiração – Nós podemos tentar enfeitiçar outros aparelhos trouxas e trazê-los para você, como papai fez com o carro.


 


      _ Os guarda-bruxos não costumam dormir cedo? - disse ela, ignorando a sugestão dele.


 


      O sorriso a atingiu como se fosse a azaração que deixa as pernas bambas. Mas ela não podia fraquejar. “Coragem, Hermione. Você consegue.”


 


      _ Por quê? Está se oferecendo para me pôr na cama? - mais um lance da partida de xadrez estava sendo executado.


 


      _ Não. Estou sugerindo a porta. - Não era fácil se mostrar indignada quando a voz soava rouca.


 


      _ Já olhei para ela e não estou interessado. - ele se aproximou mais um pouco.


 


      _ Ronald, por favor! Estou cansada. Não quero saber quais são seus interesses – era mais uma súplica que um desafio. Ela estava perdendo muitas peças naquele jogo.


 


      _ Não? - Ele a encurralara. E se aproximava mais a cada segundo.


 


      Era quase impossível para Hermione conter o tremor que ameaçava atingi-la, agora por inteiro. Na última vez em que ele estivera tão perto, prestes a beijá-la, as pipocas a ajudaram a escapar, mas dessa vez não podia contar com nenhuma interferência externa. O tremor cresceu, tomando conta de seu corpo, despertando uma espécie de antecipação que acelerava os batimentos cardíacos e o ritmo da respiração. Rony segurou seu rosto entre as mãos e aproximou os lábios dos dela. Hermione sabia que devia correr. Correr, gritar, rir, falar, qualquer coisa... Tudo, menos beijá-lo. Mas não conseguia mover-se. Era como se todas as células de seu corpo estivessem paralisadas. O único órgão que continuava funcionando agora era o coração. Sua respiração ficou suspensa. Seu cérebro simplesmente pausou. E, então, aconteceu. Uma das Torres de Hermione foi abatida e desabou.


 


      O encontro entre os lábios foi suave, como mergulhar em um banho de espuma ou sorver um gole de champanhe. Ela bem que tentou resistir. No entanto, a saudade foi mais forte e seu corpo buscou apoio no dele, então, ela correspondeu ao beijo, que foi ficando longo, intenso, demorado, provocando um prazer que a aquecia e apavorava. Tudo que sabia era que vencera a paralisia inicial. Sentindo-se correspondido Rony a enlaçou pela cintura e a apertou contra si. Havia mais de dez meses de saudade naquele beijo. Podia jurar que ouvia um gemido. Rouco demais para ser dela. Alto demais para ser dele, mas vibrante, ecoando na garganta e reverberando em todo o corpo, espalhando o fogo que fazia com que ambos se sentissem em chamas. Ele acariciava as costas dela enquanto a beijava, as mãos subiam e desciam, ora apertando a cintura, ora se perdendo em seus cabelos e em sua nuca. Ambos gemiam e não queriam interromper o contato. Rony sentiu que os lábios de Hermione estavam salgados e doces ao mesmo tempo e havia ainda o sabor de uma substância proibida que ele não conseguia identificar. Tudo o que sabia era que queria mais. De repente, uma luz branca brilhou ao redor dos pulsos que estiveram algemados, mas nenhum dos dois notou. Pareciam partículas de poeira cósmica efetuando uma dança frenética, mas ao mesmo tempo, cadenciada, descrevendo o que parecia ser um oito deitado ao redor de seus braços. Toda a tensão, todo o medo, toda a insegurança foram dissipados naquele momento de intenso amor, paixão, carinho, desejo e saudade. Eram muitos sentimentos envolvidos, tantos que não puderam controlar a emoção. Agora haviam lágrimas nos olhos de ambos. O beijo terminou, mas o contato não. Rony a segurou pela nuca com uma das mãos e abaixando sua cabeça encostou seu rosto no dela, sussurrando-lhe ao ouvido:


 


      _ Mione, escuta, por favor, não fala nada, ok? Eu sei que prometi tentar somente resgatar nossa amizade... Desculpe-me, mas eu não consigo ficar perto de você sem poder beijá-la, tocá-la... Eu te amo, Mione... – dizia ele enquanto beijava o rosto dela, sentindo o gosto salgado de cada lágrima que rolava. Os olhos azuis ainda estavam marejados quando ele a encarou – Preciso ir agora e você precisa descansar. Amanhã eu volto para instalar o alarme, ok? Vou desaparatar aqui mesmo da cozinha. Algum problema pra você?


 


      Ela ainda não conseguia falar. Balançou a cabeça negativamente. Ele recuou relutante, mas antes lhe beijou os lábios suavemente. Ela não o impediu.


 


      _ Boa noite, Mione. Durma bem.



     _ Boa noite, Rony – ela disse num fio de voz. Então, Rony desaparatou.


 


      Alguma coisa dentro dela não queria que ele fosse embora e ela sabia que esse era um sinal muito perigoso. Seu pulso começou a latejar e a arder e ela passou a estranhar aquela sensação.


 


♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥


 


      _ Então? Como foi?


 


      Assustada, Hermione virou-se da janela e viu a mãe parada na porta com uma expressão divertida no rosto. “Era tão óbvio assim?” Em vez de responder, retrucou.


 


      _ Não era a senhora que estava cansada, com sono e precisando dormir? – Mal se lembrava de ter enfeitiçado as portas e janelas depois da partida de Rony. O beijo a deixara atordoada, incapaz de formular pensamentos coerentes. Nem se lembrava de como chegara a seu quarto, nem de ter se colocado atrás da cortina para observar o prédio do outro lado da rua onde funcionava a corporação de guarda-bruxos. Era como olhar para um guarda gigantesco e silencioso, alguém que garantia a segurança do bairro e o sono tranqüilo dos moradores.


 


      Mas tranqüilidade era a última coisa que sentia. E ficaria surpresa se conseguisse dormir. Sua mãe insistiu.


 


 


      _ Diga-me, como foi? – sua mãe sorria.


 


      Afastando-se da janela, olhou para a mãe com uma expressão inocente.


 


      _ Como foi o quê?


 


      O sorriso da Sra. Granger tornou-se ainda mais largo. “Como se a filha pudesse enganá-la!” Era quase como se conseguisse ler os pensamentos de Hermione. Por isso entendera seu sofrimento e queria ajudá-la a superar a experiência ruim.


 


      _ O beijo.


 


      Em alguns momentos, Hermione era capaz de jurar que a mãe podia ler seus pensamentos. Mas como queria evitar que ela tivesse idéias erradas sobre um possível retorno entre ela e Rony, respirou fundo e tentou fingir indiferença.


 


      _ O que a faz pensar que houve um beijo?


 


      _ Seu batom está borrado. Foi maravilhoso?


 


      O brilho divertido no olhar de sua mãe era irritante, mas era inútil continuar negando o óbvio.


 


      _ Inesperado.


 


      _ Mas maravilhoso?


 


      _ Mãe...


 


      _ Por que não admite que o rapaz mexe com você?


 


      Tudo que queria era ficar sozinha para reconstruir as bases que Ronald havia feito desmoronar com seus lábios quentes e mudar alguns pontos de sua estratégia tão bem elaborada. Frustrada pôs as mãos na cintura demonstrando impaciência.


 


      _ Por que acha que ele mexe comigo?


 


      _ Porque aquele rapaz é capaz de abalar até uma estátua. E porque você ficava feliz sempre que se lembrava dele, desde que tinha doze anos, Hermione! E porque quero que aprenda a se abrir novamente para a vida. Você sorria o tempo todo. Hoje em dia quase não sorri.


 


 


      _ É claro que sorrio. Às vezes. Minha vida ficou complicada nos últimos dez meses. Muito estudo e trabalho. É só isso.


 


      _ Muitas pessoas vivem vidas complicadas, trabalhando e estudando como você faz, mas continuam rindo. Só os que sofrem deixam de sorrir.


 


      Nervosa, Hermione começou a andar pelo quarto. Seu pulso ardia e latejava deixando-a inquieta. Estava começando a achar que aquilo acontecia sempre que pensava nele. Era seu castigo. Só que essa sua inquietude em particular começara desde que conhecera Ronald Weasley e se apaixonara por ele. E agora era ele quem a olhava com interesse e desejo. E ela sentia o mesmo por ele. Havia feito o possível para ignorá-lo, para enterrá-lo junto com todos esses sentimentos, mas bastou parte de uma noite com ele para que todo seu esforço fosse ameaçado.


 


      _ Será que não entende, mãe? É justamente isso que estou tentando evitar. O sofrimento.


 


      _ Eu entendo, mas esse eterno estado de alerta a está impedindo de viver coisas maravilhosas como ser beijada novamente. Como sentir que o coração cria asas para um novo e ousado vôo. Como amar e ser amada – A Sra. Granger sentou-se na cama e bateu no colchão convidando a filha a sentar-se também. Hermione suspirou e sentou-se perto da mãe. Olhando para a filha, ela falou – Seu pai não foi meu primeiro amor.


 


      A novidade a surpreendeu. Sempre imaginara que os pais não haviam conhecido outros amores antes de se encontrarem.


 


 


      _ Não? - murmurou Hermione com tom de espanto. Sua mãe balançou a cabeça em negativa e sorriu.


 


      _ Não. Meu primeiro amor chamava-se Richard Tompsey. Ele me beijou pela primeira vez. Era alto, louro e... Doce. Eu o amei mais do que as palavras podem expressar. Enfrentamos problemas com nossas famílias, pois ele era pobre e lutava com dificuldade para concluir os estudos em uma universidade e meus pais não o aceitavam. Mas nada disso importava para nós e lutamos para ficar juntos. - A Sra. Granger suspirou e parou de falar.


 


      _ E o que aconteceu? - Hermione estava curiosa – Por que vocês não ficaram juntos?


 


      _ Richard morreu numa dessas guerras loucas que acontecem por aí a todo instante. E foi enviado apenas como força de paz. Chorei por meses. - Devagar, levantou-se e tocou o rosto da filha – Mas continuei vivendo e depois encontrei seu pai, que é um homem maravilhoso e me faz muito feliz, e tivemos você.


 


      Hermione sabia onde sua mãe queria chegar e também sabia que a lição não se aplicava a seu caso.


 


      _ Há algo que não está levando em consideração, mãe. Seu primeiro amor foi uma experiência positiva. O meu foi um desastre. Esperei tanto por ele e tudo se acabou como se não tivesse o mínimo valor, a menor importância. Ele ainda é imaturo e inconseqüente.


 


 


      _ Será que acabou, Mione? Você não pode negar o que sente por ele e continuar fugindo. Você pode até se privar da presença dele, mas sempre o levará aí dentro do seu coração e sabendo que ele estará vivo em algum lugar Será que você pode suportar isso? Eu tive que me conformar com a ausência de Richard, pois ele morreu. E eu fiquei. Dê uma chance ao Rony de provar que amadureceu, que a ama realmente. Ele está lutando por isso.


 


      Hermione levantou-se e foi buscar uma camisola na gaveta da cômoda. Sabia que a conversa podia se estender por horas e já estava tarde. Jamais conseguiria convencer a mãe a enxergar seu lado da história e também não estava disposta a ceder. Bastava por hoje. Se dependesse dela ele ainda iria lutar e muito.


 


      _ Você é uma romântica, mãe. E eu estou muito cansada.


 


      _ Não. Sou realista. E você é muito teimosa. Vai acabar perdendo ele de vez. Mas vou deixá-la descansar... Assim que responder minha pergunta.


 


      _ Que pergunta? Hermione a olhou sem entender patavina.


 


      _ Foi bom, não foi?


        


      Hermione estava prestes a gritar, mas era inútil mentir ou tentar esconder a verdade para sua mãe. Mesmo assim, encolheu os ombros fingindo indiferença.


 


      _ Foi razoável. - respondeu deitando-se na cama e puxando as cobertas até o pescoço – Apague a luz quando sair, sim?


 


      _ Você herdou do seu pai o dom de reduzir a importância das coisas, mas seus olhos não me enganam. Boa noite, filha. Durma bem. - e saiu, apagando a luz.


 


      _ Boa noite, mãe.


 


      Hermione passou boa parte da noite com seus pensamentos e os espectros das coisas que queria e que não queria. Seu pulso latejava e a cabeça doía. Horas depois, vencida pelo cansaço, finalmente adormeceu.


 


 


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