Distante



As incontáveis cores no céu indicavam que o sol estava para se pôr, notava-se também pelas donas de casa gorduchas, com seus aventais de cozinha, chamando para que os filhos ajudassem com o jantar, enquanto esses brincavam nas calçadas, atormentavam algum gato de rua, ou roubavam alguns doces na mercearia perto de casa.

E num quarteirão qualquer via-se o jovem rapaz, não tão bonito, mas das roupas e expressões simpáticas, indo provavelmente ao trabalho, ou quem sabe a algum programa com amigos? Talvez fosse seu dia de folga.

Andou por mais dois quarteirões, quem sabe, e parou no ponto de ônibus, tirou um cigarro. A essa altura as luzes da rua já se acendiam e as crianças já haviam sido levadas para casa pelas orelhas. Acendeu o cigarro de modo automático e esperou por seu ônibus num movimento de dobra-desdobra joelhos. Parecia ansioso.

Deu sinal para um ônibus que ia para o outro lado da cidade e nele subiu, depois de se livrar do cigarro. Seu caminho se torna desinteressante a partir de agora, e que fique claro que não iremos saber se ele foi trabalhar ou apenas encher a cara sem se preocupar com o amanhã.

Voltando alguns minutos atrás, as cores no céu indicavam um sol prestes a se pôr e próximo a um quarteirão qualquer estava a garota de óculos escuros tentando não se fazer notar, porque ela sabia que nunca a notavam da maneira como gostaria, não era o muito que as pessoas esperavam, era menos ainda do que achavam dela e pelo que ela sabia a notavam como insignificante, então preferia passar despercebida. Não sei em que isso se difere.

Qualquer um que a observasse de perto, e depois observasse o rapaz, para então se voltar à ela, saberia do que se tratava. Uma distância considerável, e passos lentos, ela parecia saber o caminho que ele faria, pois olhava mais para baixo do que para qualquer outro canto. Mas sorria ao notar que ele estava cantarolando, ou quando mexia nos cabelos, como que para desarrumá-los. Sim, ela o estava seguindo de forma natural, como se já o tivesse seguido algumas outras vezes antes.

Felizmente ninguém a observava, então ninguém saberia de sua fraqueza ao andar tão atrás, sonhando em um dia sincronizar seus passos aos dele. Mesmo que algumas vezes ela sonhasse que alguém poderia a notar de longe, sem a coragem necessária para aparecer. Assim como os rapazes que espiam aos amores platônicos com uma luneta, ou coisa parecida, em filmes trouxas de romance.

Após ver seu alvo subir no ônibus, sem muita curiosidade de saber para onde ele iria, virou-se e refez o caminho de volta. Já estava sem os óculos e as estrelas começavam a aparecer.

Num prédio simpático próximo dali, subiu até o segundo andar e abriu a porta do apartamento pequeno, bem decorado com um papel de parede verde florido, repleto de fotos da família e alguns artigos de jornal. Haviam almofadas vermelhas por toda a parte, assim como velas e uma janela consideravelmente grande, que pareciam explicar a falta de luzes elétricas no lugar para os possíveis visitantes que não entendessem sobre clarear ambientes com magia, ou de magia alguma. A garota soltou os cabelos ruivos que caiam pouco abaixo dos ombros e jogou o casaco que lhe cobria quase até os joelhos no chão, para então se jogar numa poltrona e bufar alto, como um gato cansado.

Há um ano Gina acabara a escola, e agradecia por isso, achava que não agüentaria outro ano num lugar onde nada mais a deixava feliz. Não sentia mais como se aquele lugar fosse sua casa, as pessoas sempre comentavam sobre “a namorada de Harry Potter” e cada um tinha sua versão de como Voldemort desaparecera novamente, ou pior, de como a ruiva levou o pior fora de sua vida do garoto que sobreviveu. Não foi difícil se sair bem nos exames finais, quando não freqüentava mais as festinhas secretas regadas à bebida e alunos felizinhos demais. Também não se interessou por garoto algum, apesar de alguns encontros casuais, e todos superficiais. Não via a hora do ano acabar, tudo parecia vago demais. E ainda pior do que ouvir pessoas comentando detalhes de sua vida pessoal e seu namoro com Harry, era ouvir falarem que ela se sentia arruinada por não ter mais o amor dele.

– Com certeza ela anda anti-social e toda triste porque ele está de namorada nova, e além disso não está mais em Hogwarts. Deve ser chato não ter alguém para perseguir e mandar cartões de dia dos namorados. – eram comentários como esse, vindo de uma sextanista que Gina nunca vira antes que a incomodavam.

O fato dela saber do episódio do cartão no primeiro ano não a surpreendia, todos os anos Gina era lembrada no dia dos namorados quando alguém comentava sobre cartões-cantados, provavelmente devido à sua “humilhação pública” causada por Malfoy, mas isso nunca a incomodou antes, aliás, tratava tudo como piada e em seu sexto ano chegou a mandar um cartão semelhante ao primeiro para Harry, mas dessa vez estavam namorando, então ele achou muito fofo da parte da garota.

Harry sempre dava aquelas desculpas de “não quero envolver você nessa guerra contra Voldemort. Se ele soubesse como você é importante para mim não pensaria duas vezes antes de te fazer mal, espero que entenda.” E de início parecia romântico, mas Gina odiava ser passada para trás, mesmo que por uma boa causa. Ela se lembrava de quando começaram a namorar e pouco tempo depois ele se mostrou “herói” dizendo que não podiam ficar juntos, para protegê-la. Entraram em férias e após um tempo as coisas se acalmaram, a guerra que parecia prestes a começar se silenciou como que por magia (ironia dizer assim). E então Gina se sentiu no dever de apoiar Harry, vendo tudo pelo que havia passado, engraçado ele ter recebido o apoio mais do que bem, e logo voltaram a namorar. Enfim, foram o casal-modelo de Hogwarts pelo resto do ano, de um modo cada vez mais entediante, então não foi tão decepcionante ouvir Harry dizer pela segunda vez que ia se envolver em algo perigoso e tinha de ficar longe dela.

Ali estava ela hoje. Em um apartamento trouxa, num bairro trouxa de Londres, após seguir o rapaz trouxa por quem era interessada, assim como fazia algumas vezes, enquanto voltava do trabalho. Uma vida completamente chata como já dizia Rony.

Gina não vivia completamente sem magia, trabalhava num café bruxo próximo ao Beco Diagonal e passava alguns finais de semana na casa de seus pais, mas evitava um pouco a agitação, se sentia confortável sozinha. E afinal, não estava sozinha! Tinha um gato persa, Miguel, que parecia estar sempre entediado, mas lhe servia como ouvinte.

A ruiva só tirou os sapatos quando tomou coragem para fazer um jantar rápido, preparou um ensopado de carne em alguns minutos, mas acabou despejando metade na tigela do gato – Gina detestava sua comida, até Jorge cozinhava melhor que ela – para depois tomar um banho e se deitar, sem sono algum.

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