Leves Tribulações
O dia amanheceu calado. Quando Snape desceu para tomar café, por volta do meio dia, haviam poucas pessoas à mesa. Era uma situação no mínimo estranha, comensais se reunindo para tomar café. Afinal, a maioria deles não era, sem favor nenhum, caseiro. Era quase irônica aquela reunião matinal, mas era natural, afinal de contas. Snape havia passado toda a manhã em seu laboratório. Tinha que estar constantemente fabricando poções, principalmente Polissuco – muitas até para seu próprio uso.
Foi até a pia, e serviu-se de café bem forte. A cozinha era pequena, nem se comparava à da Ordem da Fênix.Como toda a casa, era meio suja e entulhada de coisas. A única janela dava para um céu intensamente azul, contrastando com a aparência do local. Snape virou-se para os presentes, encostando as costas no mármore, a caneca fumegando. À mesa estavam sentados Alecto, uma comensal sobre quem Snape nunca tivera curiosidade, Draco, mais pálido e mal-humorado do que o costume, e um homem magrelo franzino que ele não reconheceu. Ninguém estava muito disposto a conversas. Depois de um longo momento de silêncio quase constrangedor, o bruxo deixou o local, pondo a caneca sobre a pia. Porém, para onde ele ia ninguém descobriu. Foi interrompido abruptamente em seu percurso, por duas corujas pardas que adentrou a janela. Uma dirigiu-se à mesa, trazendo um exemplar do jornal do dia; e outra a ele. Ele ficou ligeiramente surpreso a princípio, mas quando viu o remetente viu que não teria problemas. Ou ao menos é o que esperava... Sem dizer palavra, foi até a sala, e no caminho começou a ler a carta. Ou bilhete, seria melhor dizer, pelo tamanho.
Professor,
Falhei. Preciso encontrá-lo imediatamente... Não darei mais informações, como de praxe, mas peço que me encontre assim que puder no início da rua. Mas será que não tinha forma mais fácil de lhe contatar? Corujas não aparatam, pombas.
Almerinda.
Snape ergueu uma sobrancelha. Como assim falhou? Uma sensação ruim começou a tomar-lhe, uma certa raiva misturada com medo. Teria dado com a língua nos dentes? Para quem? E ainda ousava fazer piadinhas sobre sua localidade? Maldita, maldita... Era melhor que fosse uma piada mesmo. Sem aviso, Severo levantou-se e seguiu para a porta.
– Onde você vai? – perguntou Draco, aos maus modos, saindo da cozinha
Snape o lançou um olhar rápido. Não precisava responder perguntas... Não a ele. Porém, o garoto pareceu lembrar-lhe alguma coisa, pois ele ergueu sua varinha alto. No segundo andar, foi possível se escutar a porta de seu quarto se abrindo magicamente, e de lá saindo um pequeno frasco com poção, que voou até a mão do proprietário. Por fim, ele trancou novamente a porta, e abriu a outra.
– Tenha um bom dia, Draco. – ele cumprimentou, fazendo um gesto com a cabeça; e desaparatou.
– Qual era sua maior ambição ao sair do colégio, moça? – perguntou um jovem magrelo e cheio de espinhas, no ouvido de Almerinda
– Visitar os Alpes e descobrir se o cacau de lá é realmente medicinal... – ela disse sorrindo. Estranho ela não ter ficado surpresa. Virou-se de frente para o garoto, que não devia ter mais de dezessete anos. – Qual foi seu primeiro emprego?
– Você nem deseja saber... – ele ironizou, com um meio sorriso, mas se entregou – Atendente numa loja virando a esquina, madame.
– Seus disfarces estão cada dia piores, Sevy...
– Pare de me chamar por este apelido idiota – reclamou ele. Apesar da aparência nova conferida pela poção, o humor de Severo Snape continuava o mesmo. Ainda assim, não parecia tão arrogante quando continuou a falar. Parecia apreensivo. – Então, qual foi a besteira que fez agora?
– Eu... – ela baixou os olhos, e tomou fôlego. Então deu uma olhada em volta – Vem, vamos sair daqui. – ela desviou, puxando o braço dele para outra direção. Andou até um beco vazio, comuns na Travessa do Tranco. Olhou para cima, e comentou:
– Estas paredes... Têm ouvidos.
– Não me enrole, Almerinda. – ele ameaçou, se aproximando dela. Ela dedicou-lhe os imensos olhos negros. Decidiu-se por confessar, numa voz arfante:
“Um homem esteve te seguindo. Grande, olhos pequenos e narigão. Do ministério... Sabia quem você era. Por Deus, por que você não se disfarçou? Logo quando pegou a dita-cuja?” Seus olhos eram lacrimosos, ela parecia preocupada. “Eu... Bem...” Ela tomou ar. Parecia estar fazendo uma confissão. “Eu falhei. Contei-lhe sobre a pedra... Mas disse que não sabia seu paradeiro. Ele pareceu satisfeito, e saiu. Bem... Talvez nem tenha estragado tanta coisa assim, hã?” Podia ouvir-se uma ponta de esperança em sua voz. “A não ser que você a use para o que eu suspeito...”
Ele a olhava como obcecado, de olhos arregalados. Tomou ar. Tentou se acalmar. Ora, não seria tanta coisa assim... Mas poderia vir a ser. Deu um repentino soco na parede atrás dela, e encostou a testa no braço. Ela tentou ajudar, mas ele a desvencilhou com a mão, a afastando. Levantou a cabeça para o alto.
– Maldição, Almerinda! – ele explodiu – Ele... Essa pedra... – Olhou para ela – Você estava certa sobre a maldita pedra... Maldição! – Deu outro soco na parede.
– Calma, Severo...
– Calma? – ele deu uma risada trêmula – Ele não está satisfeito. Mais um deslize, e...- Fez um gesto rápido e sugestivo com a outra mão – Acabou para mim. Anos e anos... Você entende?
– Calma... Eu entendo. Mas ele confia em você, não vai acabar fácil assim... É só você se controlar. – ela o consolou, dando tapinhas em seu ombro. Sabia que ele não se dava a liberdade para portar-se assim perto de outras pessoas. Ele confiava nela, e somente nela para momentos assim. Havia sido assim há anos...
Ele não respondeu. Ajeitou a postura, e tomou ar. Quem visse a cena diria que era um belo homenzinho mesmo, um menino forte. Mas ninguém viu.
– Eu sei. – ele disse para ela – Mas tenho que ir agora. Trate de não me liquidar totalmente na próxima, certo? – ele sugeriu a ela, que deu sorriu brandamente – Adeus.
E desaparatou.
Snape bateu os nós dos dedos na porta.
– Entre... – sibilou uma voz conhecida. Parecia um pouco mais áspera do que o normal, o que era alarmante.
– Bom Dia, Lorde. Eu tenho notícias... Mas receio que não são das melhores. – ele revelou, cauteloso, mas o olhando firmemente. O homem pôs a cabeça entre as mãos.
– Diga rápido! – ele disse. Parecia preocupado, pois havia uma nota de ansiedade na voz.
– Meu contato... A bruxa da Squirrol’s Cure. Foi abordada por alguém do ministério; ou é o que afirmava ser. Contou-lhe sobre a pedra... – ele rapidamente, a última frase de modo mais lento, como que para que ele entendesse. Voldemort o cortou.
– Quem?
– Não faço idéia. Diz ela que é grande, olhos pequenos e nariz grande. Homem. Pode ser algum mentiroso, ou a metamorfamaga.
– Há possibilidades dela estar mentindo? – ele continuou. Falavam secamente, como se fizessem um relatório; o homem naquela posição de desgosto e Snape com as mãos cruzadas à frente.
– Não... Afirmo ser impossível que ela passe para qualquer lado. E se passasse, mesmo assim não me trairia. Não a mim...
Voldemort levantou os olhos vermelhos para ele, sorrindo cheio de malícia por um instante.
– É o que o velho Alvo pensava, não?
Snape calou-se. Voldemort não deu muita atenção aparente ao assunto, pois com as longas mãos deu impulso na mesa e começou a andar pelo quarto.
– Não faz diferença, de qualquer maneira. Não está lá... – ele disse, olhando para Severo. Falava com normalidade, mas o ódio estava presente em cada palavra. – Parece que já descobriram meus horcruxes. Eu devia ter dado-lhes atenção mais cedo...
Severo o olhou incrédulo.
– Bem, Dumbledore vinha tendo aulas particulares com Potter. Fazia sigilo total, poderia ser sobre isso. Mas lorde... Como assiminão faz diferença? Não queremos que muitas pessoas saibam, não é?
– De fato. O que quis dizer é que por ora não há coisas mais importantes. Onde está Rabicho? Preciso machucar alguém. – informou ele, com naturalidade. Mantinha um certo respeito por Snape, mas não era assim com todos os comensais. – Mas enfim. Preciso checar as outras Horcruxes... Mandei Draco fazê-lo, mas é um inútil completo como deve ter percebido.
– Acho que é natural que precise ser um bruxo mais poderoso... – Opinou Snape. Não era novidade para o outro que ele tentasse proteger Draco, de modo que este fez pouco caso outra vez.
– É, por isso que você vai fazer isto por mim. Não consigo suportar Narcisa... Ainda vai dar com a língua nos dentes, aquela vadia. Vou pôr um fim nestes Malfoy logo logo, só têm me dado problemas...
Snape permaneceu calado.
– E Potter? Talvez ele esteja à procura dos horcruxes... Não seria gentil se me encontrasse por aí.
Foi a vez de Voldemort se calar por um instante. “É, tem razão...”. Snape aproveitou a brecha para mudar de assunto.
– E os que estão em Azkaban? Quando vamos pegá-los?
– Ah... – ele parecia pensativo – Vou mandar alguns comensais para lá semana que vem. Talvez alguns dementadores junto... Nada demais. Espero que ainda saibam como fazer isso, hã? Mas vou mantê-lo no anonimato um pouco mais, Severo. – ergueu os olhos para ele – Só espero não me arrepender.
– Não se arrependerá, Milord... – afirmou o servo. Com isto, abriu a porta vagarosamente e partiu.
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