Capítulo 1
Um jovem de cabelos loiros ofegou e sentou-se na poltrona puída. O fôlego escapava e o peito ardia no esforço consciente e repetitivo de impelir o ar para dentro dos pulmões. O rosto sempre tão alvo agora estava mais pálido do que nunca, as faces encovadas pela magreza excessiva de quem passou tempo demais concentrado para que pudesse se lembrar de comer.
Levou a mão ao próprio peito e apertou-o, como que para tentar fazer o oxigênio entrar na marra. A ação de levantar o braço afastou a manga da capa cheirando a sangue e deixou à mostra a brilhante marca que recebera há pouco tempo, mas que já tinha o peso da eternidade. A Marca Negra dos seguidores do Lorde das Trevas.
Aos 16 anos de idade, Draco Malfoy era o mais novo deles. “O mais novo em gerações”, lembrava-se da frase do pai ecoando orgulhosamente pela ampla sala da rica Mansão onde moravam. Mas o lugar em que estava agora não lembrava em nada a antiga habitação cheia de luxo e riqueza da família Malfoy. Estava numa construção de teto baixo, velha, desarrumada e muito fria. Tão gelada quanto as masmorras de Hogwarts, antigo lar cujo dono daquela casa anteriormente ocupava.
”Estou num reduto de trouxas” – pensava o jovem amargurado, enquanto ainda se esforçava para respirar, o coração em descompasso. – “E pensar que corremos para chegar aqui como trouxas, esta maldita escória que eu tanto odeio”.
Numa coisa ele concordava com seu Lorde: os trouxas não mereciam o mundo que tinham. Muito menos os sangues-ruins, descendentes impuros dos não-mágicos, que maculavam a bruxidade. Mas de que lhe valia o sangue nobre naquele momento? A missão que recebeu para defender a continuação de sua própria linhagem parecia ter criado um abismo ainda maior entre ele e seus já distantes pais.
Imerso em seus próprios pensamentos, não percebeu quando uma figura obesa e meio careca entrou na sala. Quando deu por si, não entendeu porque o traidor do segredo dos Potter estava ali. Olhou para Rabicho com superioridade, o que fez com que o bruxo abaixasse a cabeça num claro sinal de respeito.
“Que porcaria” - Draco pensou enquanto desviava os olhos da humilhação de Rabicho. – “Este homem é tão medíocre que reverencia aquele que NÃO conseguiu cumprir a estúpida missão que recebeu de seu mestre. Reverencia-me apenas pelo que meu nome representa.”
Sem perder a pose altiva, condizente a um membro da família Malfoy, Draco ordenou:
- Dê-me um copo de água, Rabicho. Estou com sede.
Na verdade, o que o jovem queria mesmo era ficar sozinho. Rapidamente o bruxo da mão de prata deslizou pela porta que levava à cozinha nojenta e mal cheirosa da casa. Restos de alimentos estavam espalhados pela pia e por uma mesa com uma das pernas quebradas, que só podia estar sustentada por magia. Draco ouvia a agitação de Rabicho para providenciar o copo d´água, a torneira rangendo pela falta de uso. Perguntou-se se ao menos o idiota saberia que ele havia falhado, que deixara passar a chance única de se tornar o descendente do Império que o Lorde das Trevas pretendia angariar para si e seus fiéis seguidores. Um mundo onde só os puro-sangues governam. Onde só os que têm a linhagem nobre merecem viver. Um mundo que era perfeito, na concepção de Draco, até aquele momento. Ou que ao menos deveria ser.
Inconscientemente, Draco deixou que a mão direita deslizasse por dentro da capa, buscando uma correntinha de prata pendurada em seu pescoço. Puxou-a para fora e desatou o fecho que a prendia. O enfeite caiu sobre seu colo e ele ficou observando o pingente brilhar na luz bruxuleante que iluminava o local, vinda do único candeeiro aceso sobre uma escrivaninha no canto da sala. As letras reluziam para formar o lema da família Black: Tojours Pur.
Apesar de não carregar o sobrenome da mãe, Draco sentia orgulho de ter seu sangue vinculado a uma das mais antigas famílias bruxas da Europa. “Os Black nasceram com as estrelas, e por isso herdamos seus nomes”, a mãe costumava dizer quando ele era criança e teimava em não adormecer. Então ele sempre pedia para que ela contasse a história de sua família, que começava com a queda da primeira estrela do céu. Ela se chamava Andrômeda, assim como a irmã mais velha de Narcisa Malfoy. A primeira Andrômeda foi criada por Ceifeu e Cassiopéia, reis da Etiópia. Ela foi acorrentada num rochedo como sacrifício para o fim da destruição de seu país, causada por um monstro enviado pelo deus dos mares, Poseidon. Mas o nobre guerreiro Perseu conseguiu libertá-la e tomou-a para si, dando início, assim, à linhagem da família das estrelas. Conforme ficou mais velho, Draco entendeu que a história não passava de uma lenda inventada pelas três irmãs: Andrômeda, Belatriz e Narcisa. Andrômeda havia sido deserdada da família Black por ter se unido ao trouxa Ted Tonks. Mas Narcisa gostava de relembrar a história e falava bem mais de Andrômeda do que da irmã Belatriz. Agora Draco sabia que Andrômeda havia sido brutalmente assassinada pelo Lorde das Trevas. Por ter se unido a um trouxa, talvez a tia não merecesse mesmo viver. Mas ela continuava sendo uma Black, e em suas histórias de infância Draco acreditou que ela carregava o mesmo nome que o primeiro membro da família vindo diretamente dos céus.
Enquanto girava a correntinha pelos dedos finos e gelados, Draco deixava o pensamento vagar nas lembranças da infância com a mãe. Ela era, sem sombra de dúvidas, a mulher mais linda do mundo. Traços delicados, corpo perfeitamente proporcional, rosto simétrico, olhos de um azul profundo e cabelos loiros e lisos, descendo glamorosos pelos ombros bem desenhados. Draco não encontrou em Hogwarts e em nenhum outro lugar uma mulher que tivesse a beleza delicada e fascinante de sua mãe. E Narcisa era absolutamente consciente disso. Seu passatempo preferido era passar horas em frente ao espelho, cuidando de aprimorar ainda mais seus já belos traços. Draco se lembrava de permanecer sentado por horas a fio na cama de casal dos pais, os pezinhos de criança balançando sem alcançar o chão, enquanto observava a mãe sentada em frente ao espelho da penteadeira. Ela alisava e trançava os longos cabelos brilhantes, deixava os lábios carnudos ainda mais rubros de batom, destacava os olhos azuis com o negro dos lápis e delineava o contorno das bochechas com ruge. Muitas bruxas utilizavam feitiços para se maquiar. Sua mãe não. Para ela, aquilo era um ritual que deveria ser respeitado como uma espécie de devoção. Narcisa Malfoy num culto à sua própria beleza.
Como era apenas uma criança, muitas vezes Draco adormecia enquanto observava a mãe. E ele se lembrava perfeitamente de que ela gostava disso. Tanto que, enquanto seus dedos macios e de unhas bem feitas percorriam a extensão dos longos fios loiros, ela cantava uma música de ninar. Draco sorriu ao se lembrar da voz doce e melódica da mãe mesmo depois de tanto tempo:
“Brilha, brilha, estrelinha
Quero ver você brilhar...”
Por mais que se esforçasse, Draco não conseguia se lembrar do resto da canção, mas a voz da mãe continuava ecoando em sua mente.
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