O Véu Negro




Tentáculos negros prolongaram-se do véu, enrolando-o e puxando-o para si, para grande terror dos seus amigos e da sua pessoa. Essas dilatações tinham um toque gelado de morte enquanto tentavam engoli-lo e Harry, por fim, deixou de resistir e foi completamente envolvido pelo véu, desaparecendo no seu interior.

A sua cabeça latejava… teria morrido? Os mortos sentiriam dor? Não, não fazia sentido. Atreveu-se a abrir os olhos. Cinzento… tudo cinzento… estaria cego? Não, dizia-se que os cegos viam tudo a negro, ou seria mentira? Olhou para os dois lados… mais cinza, mas desta vez Harry pensara ter ficado daltónico. Via prados, montes, pequenas aldeias… tudo nesta cor presa entre o branco e o preto.

Encontrava-se deitado na relva morbidamente cinzenta e não se recordava de como lá fora ter. Estava sozinho… tê-lo-iam abandonado? Sentou-se e passou as mãos pelos cabelos despenteando-os cada vez mais. Que lugar triste era aquele? Em que confusão se teria metido?

Sentiu alguma coisa dentro da camisa, algo a pender do seu pescoço. Retirou-o, queria averiguar o que seria. Um medalhão… o medalhão de Slytherin! O objecto amaldiçoado que fora a perdição de Dumbledore. Sim… Dumbledore que o mandara até ali… há procura de Sirius!

Levantou-se de um salto. Não tinha tempo a perder, pois ele escasseava.

Harry correu pelo prado fora até a “aldeia cinzenta” mais próxima. Segurou a varinha tenazmente, pronto para a utilizar. A aldeia parecia completamente deserta e para tornar o ambiente mais mórbido, não corria uma só brisa, deixando-lhe o coração pesado.

Arriscou-se a bater a uma porta de uma pequena e raquítica casa, que aparentava ter saído do século XV, mas ninguém lhe respondeu. Parecia desabitada, como toda a aldeia.

Virou-lhe as costas e caminhou dois passos em frente, no entanto estacou, ao ouvir um gemido arrepiante de uma porta a abrir-se. Voltou-se instantaneamente com a varinha em riste, mas não havia absolutamente nada.

Harry aproximou-se da casa novamente, agora de porta aberta, e espreitou para o seu interior. Estava escuro, muito escuro.

- Lumus – murmurou, mas quando o fez petrificou.

A luz emitida pela varinha pôs à vista diversas formas negras que planavam obscuramente à sua frente. Sentiu-se empurrado com força para fora da casa e a porta fechou-se com um estrondo.

- Esperem! – pediu Harry voltando a bater. – Ando à procura de uma pessoa… ajudem-me!! Por favor…

- Eles não vão abrir. Não suportam a luz – disse uma voz de trás de Harry.

O jovem estava cansado de ouvir vozes e ruídos vindos constantemente detrás de si.

Voltou-se. Numa situação normal sorriria amavelmente, mas a visão de uma criança extremamente pálida num local como aquele, fê-lo recuar três passos, era como estar num filme de terror!

- Quem… o que és tu?

- Bem, eu sou uma humana, mas por pouco tempo – respondeu a pequena. Tinha uns cabelos loiros acinzentados, o vestido que tinha posto era de um azul acinzentado e a sua pele pálida tinha também tons de cinzento, como se aquela melancólica cor a estivesse a consumir.

- O que fazes aqui? – inquiriu Harry, não sabendo se estava com medo ou piedade da pequenina.

- Espero as sombras… - murmurou melancolicamente.

- Mas como? Por quê?

- Porque é a única coisa que me resta ao fim de tanto tempo – disse, olhando para o horizonte monótono.

- Oh… mas não há forma de sair deste lugar? – perguntou Harry, pedindo a todos os seus santinhos que a resposta não fosse “não”.

- Há…

- Mas… - disse, adivinhando alguma dificuldade.

- … Nunca ninguém conseguiu escapar – murmurou a criança. – Mas dissestes que andavas à procura de alguém, quem é?

- O meu padrinho, Sirius Black – respondeu. Com certeza não haveria problema em falar com aquela criança, poderia até ajudá-lo.

Os olhos acinzentados da pequena brilharam, parecendo de repente cheia de vida.

- Sabes quem é? – perguntou Harry esperançoso.

- Se não sei! O Sissi é o tipo mais teimoso que por cá passou! A vontade dele de não ser sombra foi o que me fez continuar humana por mais tempo.

- Ah… ainda bem… e onde está ele?

- Às Portas das Sombras… a ver se consegue passar por elas – acrescentou rapidamente ao ver o ar assustado de Harry.

- E será que podes me levar até ele? – perguntou esperançoso.

- Sim, sim. Não fica aqui longe – respondeu a menina sorrindo-lhe. Virou-lhe as costas e começou a andar. Harry ficou ainda alguns segundos a decidir o que fazer, mas acabou por a seguir.

Caminharam ao longo da aldeia deserta num silêncio depressivo, perecia que a criança não era muito aberta… há quanto tempo estaria naquele sítio?

- Como te chamas? – perguntou Harry, por fim.

- Ah… - murmurou a pequena estacando abruptamente com um ar pensativo. – Eu… não me lembro… - os seus olhinhos encheram-se de lágrimas, como se tivesse perdido algo muito precioso e só agora reparasse.

Harry amaldiçoou-se por ter aberto a boca. Era só o que lhe faltava ter que consolar uma criança quando estava com uma pressa que rebentava todas as escalas! Ron, Hermione e Gina esperavam-no!

- Desculpa – murmurou, poisando-lhe a mão no ombro. – Eu não quis que…

- A culpa não é tua, é destas malditas sombras! – gritou a menina num tom birrento.

- Pois eu… talvez consigamos sair daqui os três e depois voltas-te a lembrar do teu nome! – lembrou-se Harry de repente, numa tentativa desesperada de parar o choro da criança.

A pequena sorriu como se tivesse recebido um doce e pareceu até que o cinzento do seu tom de pele se tinha amenizado.

- Tens razão! Vamos ter com o Sissi, rápido! – disse a criança começando a correr.

Harry sorriu enquanto pensava o que diria Sirius de ouvir alguém chamar-lhe de Sissi. Seguiu-a a correr. Como ela corria depressa! Parecia deslizar!

A paisagem à sua passagem ficou para trás e começaram a aproximar-se de dois enormes portões que pareciam infinitos na sua altura.

Ao estar a menos de dez metros de distância, Harry estranhou ao não ver Sirius em lugar nenhum.

- Espera… - pediu, parando. – Tens a certeza que é aqui?

- Sim! – respondeu a pequena, olhando-o avidamente.

Não lhe agradou minimamente aquele olhar, e começou a desconfiar daquela pequena criança, pois bem no fundo, sabia que o aterrorizava.

- Não confias em mim? – perguntou a criança, e os seus olhos começaram a encher-se de lágrimas novamente, mas Harry viu algo mais naquelas lágrimas… um brilho maléfico.

Recuou instantânea e cautelosamente. Fora idiota em confiar em fosse o que fosse, devia ter tido mais cuidado. Levou a mão ao bolso para tirar a varinha mas… ela não se encontrava lá. Empalideceu.

- Bem, parece que contigo não resultou – disse, enquanto se lhe abria um sorriso maldoso, que tornava a sua face asquerosa. – Mas ao contrário de todos os idiotas que apanhei por aqui, foste o único que trouxeste varinha, ao que eu agradeço, muito sinceramente – disse com uma semi-vénia, enquanto abanava a varinha na mão.

- Enganaste-me…

- Nem eu diria melhor… são anos de prática – riu-se. – Agora se quiseres atravessar as Portas das Sombras, fico aqui a observar. Ou te transformas em sombra já, ou esperas um pouco de tempo e acabas por te tornar sombra à mesma.

Harry fechou os olhos passando as mãos pelos cabelos. Nestas alturas é que ele gostava de poder ser como aqueles tipos dos filmes muggles de artes marciais. Estava sem varinha e não encontrara Sirius, que provavelmente aquele amaldiçoado demónio levara para as trevas… Não via nenhuma saída possível… falhara…

Abriu os olhos ao ouvir o guincho afectado da criança-demónio e pensou estar a ficar maluco! Via, apesar de ter um aspecto acinzentado, como tudo nesse lugar, o seu padrinho, ali, a agarrar aquela coisa por um braço, o braço que segurava a sua varinha.

- Sabias que a presunção é muito feia? – perguntou num tom irónico, tirando-lhe a varinha à força. – E mais feio ainda é meteres-te com o meu afilhado!

Atirou a criança ao chão sem delicadeza alguma e olhou para Harry seriamente, devolvendo-lhe a varinha.

- O que fazes aqui? – perguntou.

Harry sorriu sem responder, e sentiu uma lágrima a escorrer-lhe pela face. Abraçou o padrinho com força. Há tanto tempo que esperava por aquele momento, e pensara que ele nunca chegaria. Mas ali estavam eles, de novo juntos! E desta vez nem com mil Bellatrixs se separariam!

- Vocês metem nojo – rosnou a criança ainda no chão. – E agora ficam os dois aqui presos para sempre, a viver o vosso comovente reencontro!

- Sabes como é que esta coisa nojenta se chama na realidade? Elizabeth Malfoy! Não achas estranho, pois não? – perguntou Sirius ironicamente a Harry. – É tia do Lucius Malfoy, veio aqui parar em criança porque andava a brincar nos locais errados.

- Nem sei como não pensei nisso… Mas se o Dumbledore me enviou aqui é porque há uma saída! – disse Harry, tirando apressadamente o pergaminho do bolso. – Só temos que descobrir ond…

Interrompeu-se ao ver que o pergaminho tinha mudado. Estava cinzento!

- Não… - murmurou Harry desesperado. – Não! Era a única forma de sairmos daqui!

- Deixa ver – pediu Sirius calmamente.

Harry passou-lhe o pergaminho sob o olhar atento da criança.

O padrinho observou-o atentamente, estendeu-o no chão, amachucou-o, esticou-o e por fim apontou-o em várias direcções.

- Bem, bem… apareceu aqui alguma coisa… - murmurou interessado. Via o pergaminho em direcção às Portas das Sombras, e em linhas escuras desenhava-se um véu que ondulava.

- Mas…

- Espera – pediu Sirius.

Continuou a observar o pergaminho e Harry reparou que por baixo do véu, durante a sua ondulação, revelava-se uma peça em dourado… um medalhão… o medalhão de Slytherin! Levou a mão à camisa, segurando o medalhão que se encontrava por baixo dela. Era ele a sua saída, não sabia como, mas era.

- Hum… o Dumbledore podia ser mais específico… - murmurou Sirius fazendo uma careta.

- Sirius… ah… eu sei o que é isso – murmurou Harry, tentando fazer com que a criança não os ouvisse.

- Ai sim? E onde o obtemos? – perguntou Sirius ao afilhado, olhando-o curioso.

- Bem… eu tenho-o aqui, mas… - murmurou mirando a criança de lado.

- Oh! Já percebi, não te preocupes. Dá-me a tua varinha, se faz favor, e diz-me onde está esse medalhão – pediu, piscando-lhe o olho em sinal de cumplicidade.

Harry não sabia onde Sirius queria chegar, mas obedeceu-lhe. Entregou-lhe a varinha e começou a retirar o medalhão do pescoço.

- Pára, eu faço isso – ordenou Sirius levando as mãos ao fio que segurava o medalhão e cuidadosamente tirou-o do pescoço do afilhado. Harry notou um certo brilho, vindo talvez do medalhão. Nunca pensou que no meio de tanta cor cinza ele conseguisse emitir um brilho tão vivo, apesar de não haver sol naquele lugar.

- Bela relíquia… - murmurou Sirius, segurando o medalhão pelo fio e deixando-o baloiçar. A criança-demónio não esperou por outra oportunidade: num salto arrancou-lhe o medalhão da mão e saiu a correr.

- Não! – gritou Harry, desatando a correr atrás dela, tentando alcançá-la. Mas aquela coisa parecia um galgo a correr e bem depressa fugiu do seu alcance, desaparecendo no horizonte.

Deixou-se cair de joelhos no chão, esforçando-se para não gritar de raiva. Aquela era a única saída que tinham! Agora, tanto ele como Sirius ficariam ali presos eternamente.

- Então, não é assim tão mau… - murmurou Sirius, poisando-lhe a mão sobre o ombro.

- Não? É péssimo! Eu vim ajudar-te a sair daqui e no final de contas… fui incapaz de o fazer…

- Que exagero! Nunca devemos perder a esperança, é isso o que as sombras querem. E depois, como eu digo sempre, a mão é mais rápida que o olho, principalmente o olho de uma criancinha avarenta e egoísta.

Harry fitou o padrinho intrigado, não percebendo ao que ele se referia, até que Sirius tirou de dentro da manga da sua camisa meia esfarrapada, um medalhão dourado que balouçava ao vento inexistente.

- O que um feitiço de cópia e um pouco de magia muggle não faz – riu-se dando o medalhão a um Harry estupidificado. Com que então o brilho que tinha visto não proviera do medalhão mas da sua varinha! – Agora como é que vamos sair daqui através disso?

O “Rapaz que Sobreviveu” analisou atentamente o medalhão, a serpente incrustada nele fazia-lhe lembrar algo relacionado com a Câmara dos Segredos. Talvez se falasse com ela em serpentês, se lhe ordenasse que os levasse para o mundo real, ele obedecesse.

Explicou a sua teoria a Sirius.

- Bem, é uma idéia – disse Sirius encolhendo os ombros. – Vale a pena tentar.

Harry concentrou-se o mais que pôde na pequena serpente do medalhão e numa voz clara, mas num língua bem diferente disse: - Leva-nos para o mundo real.

Nada aconteceu.

- Bem, se calhar não é isso que tens dizer… talvez isto seja considerado um mundo real. Tenta pedir para que ele te leve para o mundo dos humanos… ou para te levar para o mundo a que pertences… ou mesmo para onde a tua mente quer ir! – opinou Sirius.

Harry escolheu a última sugestão do padrinho e concentrou-se.

- Leva-me para onde a minha mente quer ir.

Ao princípio pareceu não resultar, mas uma luz verde impulsionou-se do medalhão para o céu, caindo segundo depois a dois metros deles, onde se começou a abrir rapidamente uma espécie de portal rodeado por faíscas verdes e prateadas.

- Deve ser isto – alvitrou Sirius. – Só saberemos se experimentarmos. Quem vai primeiro?

- E se formos os dois ao mesmo tempo? – sugeriu Harry sorrindo. Estava feliz por ter ali o homem que considerava como um pai.

- Mas se for perigoso…

- Não acredito que seja. Não demoremos, ou aquela coisa ainda volta – disse Harry avançando para o portal. – Aos três saltamos lá para dentro, de acordo?

- Sim – concordou o padrinho colocando-se ao lado dele. – Um…

- Dois…

- Três! – gritaram os dois em coro, e saltaram.

Foram apanhados por um vórtice verde e prateado que os deixou tontos e enjoados. Harry não soube quanto tempo lá estiveram, poderiam ter sido segundos, minutos ou horas. Só soube que nunca se esqueceria da queda que deram ao sair do vórtice… talvez uns cinco metros!

*


Ron, Hermione e Gina tinham acabado de ver Harry ser engolido pelo véu quando uma forte luz sobre as suas cabeças se abriu subitamente. Olharam para cima e qual foi o seu espanto quando viram duas pessoas a serem, praticamente, arremessadas dessa estranha fonte de luz.

Harry abriu os olhos e olhou em volta. Conseguira escapar das sombras! E Sirius estava ao seu lado a olhar o tecto do templo com um sorriso de alegria que Harry há muito não via.

- Harry! Conseguiste! – exclamou Hermione, passando para palavras os pensamentos de Harry.

Gina deixou-se cair de joelhos ao seu lado e deu-lhe um beijo apaixonado de quem não via o grande amor da sua vida há imenso tempo.

Hermione chorava, enquanto Ron ajudava Sirius a levantar-se do chão, completamente dolorido da queda.

- Meu Deus! É tão bom ver outras cores! – riu-se Sirius, depois de já o terem abraçado e derramado lágrimas suficientes, olhando em volta, apesar de as cores não serem muito diferentes donde ele e Harry tinham vindo, tirando as cores de Ron, Hermione e Gina.

Os três olharam para ele confuso.

- Depois explicamos… e teremos de examinar alguns factos interessantes – informou Harry, observando o medalhão curioso. – Agora é melhor regressarmos a casa. Precisaremos de descansar.

E tinha razão. Uma batalha bem maior aproximava-se, a batalha que possivelmente decidiria o futuro de todo o mundo.


FIM





N.A.: Bem, espero que tenham gostado! XD E comentem please ;)

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