O que eu não faço por ela
Claustrofobia. Foi essa a sensação que Draco teve ao entrar na cozinha dos Weasley, aonde iam jantar. Achou-a muito apertada para tantas pessoas, embora isso fosse um pequeno exagero de sua parte. Achou o teto muito baixo, e nisso ele tinha alguma razão. Achou tudo muito simples, e isso também era verdade, mas teve que admitir que estava tudo muito limpo e bem arrumado (ele achou um assombro que Molly conseguisse manter tudo tão limpo sem ajuda de elfos domésticos). Foi inevitável lembrar da sua sala de jantar com paredes brancas e piso de mármore grego, do teto alto e da louça de porcelana antiquíssima. ”Pelo menos não vamos comer em pratos de papel”, ele pensou lembrando de uma das ofensas que tinha feito a condição financeira da família Weasley. Todos se acomodaram na seguinte ordem: Arthur na ponta da mesa, e Molly do seu lado direito. Ao lado dela Percy, Rony, Hermione e na outra extremidade Carlinhos. Ao lado esquerdo de Arthur sentaram-se Fred, Jorge, Gina e finalmente Draco. O jantar estava simples (pelo menos para o gosto de Draco), mas havia uma boa variedade de comidas, era óbvio que Molly havia caprichado. Draco se sentiu ligeiramente envaidecido ao notar que o jantar era uma ocasião especial porque ele estava ali, mas passou depressa. De qualquer forma, o clima era tão tenso que, no dia seguinte, nenhum deles saberia dizer o que tinha sido servido. Pros curiosos, o prato principal era um ensopado de frango com batatas com diversos acompanhamentos, e havia suco de abóbora e amêndoa para beber (“Dois tipos de suco só porque o Malfoy está aqui?!”, pensou Rony quando viu as duas jarras sobre a mesa) - Está gostando querido? – Molly distraiu Draco da sua observação. Ele acenou com a cabeça, surpreendido pela pergunta. Ele tinha apenas acabado de dar a segunda garfada. - Está perfeito senhora. – respondeu com educação e sinceridade. Ele tomou o cuidado de olhar apenas para Molly, evitando cruzar com o olhar dos outros ocupantes da mesa. - Imagine! – ela corou envaidecida – Não deve ser nada perto do que você está acostumado. - É mesmo. – Rony cortou falando por entre os dentes, a mão apertando o garfo - Todo tipo de iguaria devia ser servida na sua mansão, não é? - Nem tanto... – Draco recusou-se a deixar uma provocação impune. E também achou que já era hora de começar a falar com seus cunhados. – Não há nada que se compare a comida caseira. – dizendo isso sorriu e piscou inocentemente para a Sra. Weasley. Os olhos de Molly cintilaram, Arthur ergueu os seus com satisfação indifarçada. As juntas de Rony estalaram e Gina suspirou desolada imaginando o que ainda ia acontecer naquele jantar. - Me fala cunhado... – Fred começou – O que você costumava comer lá na Mansão? - Carne humana? – Jorge completou ironicamente. Hermione parou de mastigar e deu um cutucão por baixo da mesa em Rony quando este ameaçou falar. Carlinhos riu alto sem querer. Percy olhou para os gêmeos com evidente reprovação. - Só em ocasiões especiais. – Draco disse sem pestanejar. “Vocês estão malucos se acham que podem me pegar, Weasleys!”, ele pensou deixando um sorriso malicioso surgir em seu rosto por um instante. Rápido demais para que Arthur, Molly e Carlinhos vissem. Devagar o suficiente para irritar Rony e os gêmeos e para fazer Gina e Hermione trocarem um olhar de cumplicidade tipicamente feminino. - Muito espirituoso! – Arthur riu tentando descontrair os filhos, que não escondiam seus olhares assassinos para o convidado. A todo minuto passava pela cabeça de Gina a imagem desastrosa de Rony levantando para dar um soco em Draco, de Draco falando uma maldade para Hermione, de Carlinhos botando o louro pra fora a pontapés... A única forma que ela via de evitar essas tragédias era falar alguma coisa e interromper o fluxo da tensão. - Não vai beber nada, Draco? Tem dois sucos... – Gina disse apontando a jarra de vidro em frente a Rony (o suco de abóbora) e a jarra ao lado de Hermione. Draco queria beber mesmo pois estava com a garganta seca de nervosismo. Mas, depois de calcular mentalmente a distância viu que não alcançaria a jarra de suco de amêndoa sem se levantar da cadeira. “Levantar da mesa durante uma refeição não é NADA educado.”, lição de finesse número 7 de Narcisa Malfoy. Ok, ele não ia levantar. Pedir que lhe passassem o suco de abóbora era arriscado, ele passaria pelas mãos de muitos Weasley e podia ser envenenado pelo caminho. Havia a segunda opção... “Sem chance!”, pensou Draco olhando de soslaio para a garota de cabelos rebeldes que comia distraída bem na sua frente. “Credo! Porque eu tenho que sentar na frente dela?”, pensou e quase involuntariamente encolheu as pernas para baixo da cadeira. - Não Gina, obrigado... – ele disse sentindo a boca secar ao olhar para aquele chamativo suco de amêndoas. A ruiva compreendeu qual era o problema. Ela pensou em pedir o suco para Mione fingindo que ia colocar no seu copo, e colocando discretamente para Draco. mas desistiu do plano quando viu que seu copo ainda estava bem cheio. Ela desistiu definitivamente de qualquer coisa desse tipo quando pensou que, se os irmãos a vissem servindo Draco, eles não perderiam a piada de jeito nenhum. “E Draco ficaria irado...”, pensou expirando alto e voltando a comer. O louro fez o mesmo. Para a surpresa do casal alguém mais percebeu o impasse em que estavam. Gina viu Hermione mover delicadamente o braço em direção a jarra de suco e Draco viu (talvez tenha sido imaginação) um leve brilho de gozação quando ela lhe ofereceu a jarra. Ele a olhou com quase pavor, como se ela estivesse lhe ameaçando com uma espada. “Não aceite nada da mão de sangues-ruins. Eles são porcos nojentos, é totalmente anti-higiênico.”, lição de identidade racial número 5 de Lúcio Malfoy. Notando a hesitação do louro Hermione falou: - Algum problema, Malfoy? – agora ele tinha certeza, ela estava se divertindo muito com aquela situação. – Está com sede, não está? O suco está realmente ótimo, você devia provar! Uma sangue ruim, a Granger, a pior das sangue ruim, se divertindo as custas dele. Em outros tempos isso teria rendido a Draco um ataque histérico mas não naquela noite. “Estou apaixonado por uma Weasley, estou jantando na casa dela... O que poderia ser mais ‘impróprio’ do que isso?” ele pensou sorrindo e apanhando a jarra das mãos da garota. - Muito obrigado, Granger. – quando ele disse, todos à mesa suspiraram de alívio involuntariamente. Sem que ninguém soubesse a relação mais problemática presente naquela cozinha entrava em trégua naquele minuto. A mais problemática sim, porque a por piores que fossem, os Weasley eram sangues puros e Draco podia suporta-los. Mas uma sangue ruim... a Granger! Ele odiara durante todos os anos de Hogwarts o nariz empinado da monitora. E tinha achado muita graça quando ela e Rony começaram a namorar, “Eles se merecem”, foi o que ele tinha dito e repetido na época. “A Granger deve ter me rogado uma praga...”, ele pensou divertido. Para Hermione, a idéia de ter Draco convivendo com sua família postiça era repulsiva. Ainda mais na condição de namorado da sua amiga, que ela sempre tinha considerado meio ingênua. Hermione compartilhava da decepção da família, que sempre achou que Gina e Harry iam acabar juntos. Mas no final das contas, Mione foi a primeira a aceitar a situação, “Se ele pode pegar alguma coisa da minha mão, então deve estar mesmo gostando da Gi”, concluiu em pensamento. *** O jantar transcorreu sem mais emoções e quando terminou todos foram para a sala onde conversaram animadamente por cerca de uma hora. Claro que apenas Gina e seus pais dirigiam a palavra a Draco, mas ele não se importou. Só notou os outros quando Rony bocejou alta e forçosamente, chamando a atenção de todos. Draco entendeu o recado. - Já é tarde, melhor eu ir embora. – disse levantando-se. - Ir embora pra onde?! – perguntou Arthur com genuína surpresa. Antes de dizer “pra casa”, Draco lembrou que estava desabrigado e que teria que procurar um hotel. A idéia de sair no meio da noite batendo na porta de estalagens era desanimadora. - Procurar algum hotel... Os gêmeos Weasley já estavam de pé, quase pondo Draco pra fora, quando Molly se levantou e se aproximou do louro. - A essa hora, querido? De modo nenhum! Você fica essa noite conosco e amanhã você pode procurar outro lugar, se quiser. Draco viu pelo canto dos olhos os gêmeos sorrindo malignamente e Rony soltar um ruído indefinível. Os demais apenas olhavam a cena com atenção. - Eu realmente não quero incomodar! - Claro que não é incômodo! Você pode dormir no quarto do Ronald... – ela olhou para o filho – Não é? Rony não teve nenhuma reação, apenas balançou a cabeça afirmativamente, com resignação. Gina correu para mostrar o resto da casa ao namorado e foi assim que Draco viu prolongada a noite mais insólita da sua vida.
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