Final



A sala de espera da ala reservada para acidentes mágicos e feitiços muito potentes estava lotada. A profusão de cabelos vermelhos que iam e vinham sem parar começava a incomodar os médicos, que ameaçaram suspender as visitas se eles não se acalmassem.

De todos os feridos em batalha, apenas Hermione continuava internada, mesmo uma semana após o eclipse da lua. Rony não precisou de muitos cuidados. Chegou em pé e consciente ao hospital e apenas ingeriu uma poção revitalizante para evitar qualquer dano futuro.

Gina teve os machucados cicatrizados e foi liberada, junto com o pai, os irmãos e Harry.

Draco precisou fechar muitos machucados, mas foi informado que poucos deixariam cicatrizes, o que o fez lembrar de Alastor Moody na mesma hora. Não conseguiu evitar um temor de chegar ao fim da vida parecendo um remendo mal feito de si mesmo.

Mas Hermione continuava ali, inconsciente. Havia perdido muito sangue e não estava respondendo aos tratamentos. Todos pareciam nervosos demais, e até mesmo o chefe do Departamento de Aurores apareceu para uma visita, trazendo a condecoração que ela deveria ter recebido, junto de Draco, Harry e Tonks, na cerimônia da noite anterior.

Cansados, muitos dos Weasley deixaram o hospital, e apenas os pais da jovem, Harry, Gina, Rony e Draco permaneceram ali.

E só quando a agitação diminuiu os medibruxos permitiram que os Granger entrassem para ver a filha. O clima do lado de fora do quarto que a morena ocupava estava estranho. Rony não falava uma palavra, enquanto Draco mantinha os olhos fixos na janela.

Gina notou que havia alguma coisa a mais ali além da preocupação com a saúde de Hermione. Não sabia dizer exatamente o que, mas conhecia o irmão. Em outros tempos, ele estaria falando sem parar e brigando com os medibruxos.

Pegou a mão de Harry disfarçadamente e reclamou cansaço.

- Rony, nós vamos até em casa tomar um banho e voltamos em meia hora, tudo bem? – informou Harry.

O ruivo apenas balançou a cabeça. Era-lhe penoso ficar ali, do lado de fora do quarto e não do lado de dentro, deitado na cama no lugar dela. Ele havia sido imprudente na batalha para ser atingido, para ser morto, para facilitar as coisas para ela.

No entanto, nada adiantou. Ele sobreviveu e ela estava correndo risco de morte. E para ele, isso seria pior do que vê-la com Malfoy.

A porta do quarto abriu e uma Senhora Granger muito sorridente saiu.

- Ela abriu os olhos – informou comovida.

Os dois rapazes olharam ansiosos para a porta, de onde vinha agora o Sr. Granger e o medibruxo de plantão. Ele informava que os pais da garota precisavam assinar uma autorização para a transferência dela para a ala de recuperação.

Quando chegavam ao corredor, o medibruxo se virou e informou:

- Ela quer ver o noivo.

Rony estremeceu. Não queria vê-la. Saber que estava bem era o suficiente. Quando ficaram sozinhos na sala de espera, o ruivo se dirigiu a Draco:

- Pode entrar!

O loiro encarou o goleiro com estranheza.

- Você não ouviu o que o medibruxo disse? Ela quer ver o noivo.

- Exatamente, Malfoy. Agora que tudo está bem vamos esclarecer uma coisa, – disse Rony com a voz irritada e a raiva contida durante todos esses dias dominando seu corpo – eu sei bem que você e a Mione não são mais só companheiros de missão.

- O quê? – perguntou chocado com o fato de o rapaz saber o que havia acontecido entre eles.

- Deixa de cinismo. Não somos mais crianças e não estamos mais na escola para você fazer seu teatrinho de bom moço, enquanto não passa de uma cobra. Se não bastasse ter visto vocês se beijando na Casa dos Gritos, eu ainda tive a infelicidade de recuperar a consciência no exato instante em que sua titia lhe atacava e Hermione partia lívida para cima dela a fim de lhe defender.

- Você precisa ser menos estúpido, Weasley – retrucou Draco com rancor – É por isso que não serve para ser auror, por isso não passou na prova, porque não sabe analisar e não tem paciência para pensar e tentar ver que, para cada caso, existe uma explicação além daquela que os olhos são capazes de registrar.

- Não me venha com explicações inúteis, Malfoy. O meu talento para ser auror, goleiro ou dançarina de cabaré não é o problema desse caso.

- Realmente, o problema desse caso é sua falta de cérebro, de confiança em si e de confiança nela.

- Como eu posso confiar em alguém que me trai bem debaixo do meu nariz? E ainda por cima com uma doninha imunda que a chamou de sangue-ruim inúmeras vezes?

- Por que você não inverte a pergunta? Por que não pergunta a mim como posso me interessar por uma sangue-ruim? Afinal, você nos viu juntos, não é mesmo?

Rony bufou irritado. Então Malfoy assumia que havia ficado com Hermione ali, na cara dele. Não ficaria espantado se não tivessem feito piadinhas a respeito da ingenuidade dele.

- Quer ouvir a resposta, Weasley? Quer saber se eu me interesso pela sua noivinha, porque até o momento ela ainda é sua noiva? Eu lhe digo, porque eu tenho inveja de você, está satisfeito?

A resposta foi uma bofetada na cara de Rony. De todas as respostas que ele esperava ouvir de Malfoy, aquela não era uma delas.

- Surpreso? Pois é verdade! Inveja. Fico pensando como um pobretão feito você pode ter conseguido tudo? Sua família saiu inteira depois da guerra, enquanto a minha se despedaçou antes mesmo de Voldemort cair. Nos formamos e você entra para um time de quadribol, realizando o sonho de qualquer rapaz da nossa idade. E com isso veio o sucesso, o reconhecimento, a fama, o dinheiro. E, além disso, você ainda tem a ela? Porque ela não é pra qualquer um. Ela nunca vai amar qualquer um, porque ela, infelizmente, ama você.

- Se me amasse não teria te beijado – tornou Rony ainda nervoso.

- Você não se perguntou se por acaso não fui eu quem a beijei? Será que eu não poderia tentar arrancá-la de você? Porque a minha vontade era essa, fazer com que ela olhasse pra mim com a mesma intensidade que olha pra você, com o mesmo carinho, a mesma preocupação, o mesmo desejo.

Rony abriu a boca umas três vezes para argumentar, mas não conseguiu formar as palavras.

- E eu a beijei, sabe? Não uma, mas duas vezes. Em dois momentos diferentes. E a única coisa que consegui dela foi arrancar um olhar piedoso, daqueles que se dá para alguém que não se pode amar.

Ele foi até a janela, olhou o céu azulado, com poucas nuvens relembrando cada momento daquela aventura. Jamais falaria da noite que passou com ela, pois seria seu segredo mais bem guardado, seu tesouro. Encostou-se ao parapeito e falou novamente:

- Não lamento por você nos ter visto juntos. Porque eu tenho certeza que a dor que você sentiu não chega à metade da que eu senti quando notei o desespero dela à visão de você preso nos braços daquela vaca. A loucura de desarmar Bellatrix, o modo como ela segurou sua cabeça e a deixou descansar sobre o colo, alisando seu rosto e seus cabelos. Pior que qualquer tortura!

A raiva de Rony cedia lugar à angústia. Ele contraía os lábios, tentando não chorar enquanto ouvia Malfoy narrar o que a jovem deitada no quarto ao lado havia feito.

- A súplica dela para que eu quebrasse logo o espelho, para que aquela batalha terminasse e você pudesse ser socorrido. Foi isso que eu consegui ler nos olhos dela. E quando ela levantou para atacar aquela maldita, foi para vingar o que ela havia feito a você. E foi por você que ela quase morreu.

O ruivo não continha mais os soluços que chacoalhavam seu ombro. Não falava nada e não tinha coragem de olhar para Malfoy, que também se esforçava para manter a apatia e o desdém de sempre.

- Agora, Weasley – continuou o loiro depois de um tempo – Se você insistir com essa bobeira de terminar com ela por causa de um beijo, eu vou ser obrigado a entrar naquele quarto antes de você e contar a ela sobre Chris Tucker.

Ainda soluçando, Rony olhou curioso para o auror. Ele havia mesmo falado Chris Tucker?

- É, eu sei Weasley. Chris Tucker, a batedora do Harpias que lhe agarrou no vestiário, no último treino antes da escalação para a seleção inglesa. Sabe, eu posso ter perdido quase tudo na guerra, mas ainda restou um pouco de prestígio e uma dezena de contatos para os Malfoy. Meu padrinho, Hermius, é o apanhador do Puddlemere United, e dividiu o alojamento com vocês.

- Isso... isso é... isso foi apenas uma confusão. A Tucker, quero dizer... ela...

- Ela beijou você, não é isso? Ótimo! Mas você acha que a Hermione vai acreditar em você? Ainda mais se eu disser que a Tucker me lembra muito aquela aluna da Grifinória, a loirinha. Como ela se chamava mesmo? Ah é, Lilá Brown. Você costumava se atracar com ela pelos corredores, não é?

- Isso é sujeira, Malfoy! – berrou Rony sem se importar de estar em um hospital.

- Eu sei. Eu costumo fazer isso, esqueceu Weasley? Não beijei sua noiva tentando roubá-la de você?

Ele deu um último olhar sarcástico e abandonou Rony na sala de espera, alcançando o corredor, indo em seguida para o saguão e aparatando no alojamento.

Ainda chocado com a conversa, Rony deu alguns passo pela sala de espera. Indeciso, foi até a janela, chegou a meio caminho do corredor e por fim voltou. Bateu de leve na porta com os nós dos dedos e entrou no quarto, onde Hermione o esperava, com a cara cansada, mas iluminada por um sorriso ao ver que o noivo estava bem.

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- Anda, Hermione! Sai logo daí antes que tenha um troço aqui fora. – gritava Gina batendo na porta do quarto que a morena ocupava na Toca.

Só as duas haviam ficado em casa, mas Gina parecia ansiosa demais para continuar ali, agüentando a demora da amiga.

Quando a fechadura destrancou com um clique seco, Gina deu um passo para trás e encarou porta que se abria devagar. Ali, parada com uma expressão de infinito contentamento, apareceu Hermione.

O vestido branco, sem alças, bordado com pequenas pedrinhas delicadas e transparentes, ia até o pé. O cabelo havia sido preso num coque displicentemente meio desmanchado, para valorizar os cachos castanhos. Algumas flores miúdas e brancas foram colocadas ao acaso entre uma mecha e outra. E para completar o visual, ela trazia na mão um belo buquê de tulipas vermelhas.

- Você está divina! – falou a cunhada emocionada. – Espero ficar uma noiva tão linda quanto você está agora.

Havia sinceridade no tom de voz da ruiva e Hermione a abraçou com carinho, enquanto respondia:

- Obrigada! Eu tenho certeza que vai ficar até mais bonita. São só mais seis meses, e eu que vou estar espancando essa porta pra fazer você sair.

Gina sorriu para a amiga e a ajudou a descer as escadas que a levariam até a varanda, onde o pai da morena esperava para acompanhá-la ao altar que havia sido montado numa tenda atrás do jardim da Toca.

Rony andava de um lado para o outro, encarando Harry, olhando o relógio de bolso, espichando a cabeça para ver se avistava a noiva se aproximar. E quando ele notou um vulto branco, caminhando lentamente ao longe, sentiu as mãos ensoparem de suor frio e o coração congelar no peito.

Reviu rapidamente a cena em que a visitou no St. Mungus, quando ela acordou após a batalha que levou da face da Terra os últimos resquícios da lembrança de Voldemort.

Estava pálida, cansada, mas sorria. Um sorriso lindo, acompanhado de um olhar que era visivelmente um pedido de perdão. Ela não verbalizaria aquele pedido nunca, pois isso implicaria em contar o que havia acontecido. Mas ele já sabia, pelo menos uma parte da história e estava decidido a acreditar em Malfoy ao menos uma vez.

Pegou na mão da noiva, viu que ela ainda usava o anel com que a havia presenteado algumas semanas antes e chorou. Deitou a cabeça no colo da auror, que com custo havia conseguido se sentar recostando-se ao travesseiro, e ficou ali, soluçando feito uma criança.

Agora, seis meses depois, ele sentia vontade de chorar novamente, mas por vê-la incrivelmente linda caminhando sobre o tapete tão branco quanto o vestido que usava. Ela sorria do jeito que ele mais gostava e em seus olhos não havia mais nenhum pedido de perdão.

Eles haviam se entendido e deixado o passado para trás. E com essa certeza, de que o que importava para eles dali em diante era o futuro, a cerimônia se realizou, simples e bonita.

Na festa, eles dançaram, cumprimentaram os amigos e cumpriram com todas as tradições, do corte do bolo ao buquê jogado, que caiu nas mãos de Penélope, noiva de Percy.

O casal já estava no quarto, arrumando os últimos detalhes na mala que levariam na lua-de-mel, quando a mãe do goleiro bateu na porta.

- Queridos, desculpe vir atrapalhar, mas chegou um presente de última hora.

A expressão da matriarca da família Weasley estava indecifrável e os dois desceram as escadas rapidamente.

Sobre a mesa da cozinha estava o mais estranho presente de casamento que alguém já recebera antes: uma grandiosa cesta de vime, repleta de maçãs, goiabas, morangos, cachos de uva, pêssegos, mangas, kiwis e até algumas exóticas lichias. Por cima de tudo, rosas, lírios e gérberas enfeitavam o presente.

Havia um pequeno cartão, desejando felicidades, embora Hermione nem precisasse ler para saber quem havia lhe enviado aquela cesta.

Draco havia sido transferido, a pedido dele próprio, para uma unidade da escola de aurores no sul da Inglaterra. Longe o bastante de Hermione e de todas as lembranças que ela poderia despertar nele.

Deixou uma carta de despedida, explicando os motivos que o levavam a sair assim, sem vê-la uma última vez. Dizia que não suportaria sentir aquele cheiro de flores e frutas sumir de seu travesseiro, vendo ela tão perto sem poder se aproximar.

Ela guardou a carta, não junto com as outras que recebia de diversos amigos, mas numa caixa especial, que deixara propositalmente na casa dos pais. E agora, vendo o presente, se lembrava de cada palavra escrita ali.

- Uma cesta de flores e frutas – comentou Rony, enquanto guardava o cartão no envelope verde, se divertindo com o presente – Inusitado, mas pode-se dizer que o Malfoy tem bom gosto.

Hermione sorriu encabulada. Flores e frutas, exatamente como tudo começou. E um jeito muito especial de encerrar uma história, embora ela ainda sentisse que aquilo que o loiro “arrogante e sonserino” havia despertado nela, não seria tão efêmero quanto o presente que ele enviara.

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