Illudere
Era fim de tarde do primeiro dia da vida de Harry Potter aos 17 anos. Ele esperava, como em todos seus anos, a indiferença de seus tios, desprezo, e nada mais do que um simples "vá cortar a grama e vê se dá um jeito nesse cabelo, moleque". Foi quando ele começou a sentir a diferença que jamais antes vira em sua vida naquela casa.
Desde mais cedo, Harry notou o estranho silêncio que habitava aquela casa, e alguns cochichos por entre corredores quando ele saía e entrava do quarto para ir ao banheiro. Era inegável que sua tia Petúnia tinha um tom tão fúnebre em seus olhos, qual mesmo que sem querer Harry notou que ela não parecia ter tido uma boa noite de sono. Duda estava amoado ao canto da cozinha, sentado à mesa com a cara amarrada, os brações de porco cruzados frente ao corpo arredondado - apesar de agora ter bastante massa muscular onde antes haviam apenas grandes montes de banha - e seus olhos estavam completamente vidrados na TV, apesar de Harry ter notado assim que entrou na cozinha que seus ouvidos estavam bem atentos a cada movimento. Aparentemente a atitude de ignorá-lo o dia inteiro da mãe não havia o agradado muito. Tio Válter era outro que, separado da família, estava sentado à sala assistindo ao noticiário, mas sem comentário algum como de costume fazia a cada notícia dada.
Harry teria dado uma atenção maior ao assunto, não houvessem tantos outros rondando desesperadamente sua mente. Não havia passado nem mesmo um mês que ele havia deixado Hogwarts em seu sexto ano, assim como não havia passado nem mesmo um mês, que ele se fora, o deixando sozinho para terminar de trilhar esse caminho... Dumbledore o deixara para seu destino, sozinho, sem que quisesse que fosse assim, pelas mãos daquele, qual Harry caçaria até a morte... e ao lado de seu lorde, ele iria desejar jamais ter traído Dumbledore como traiu, pois Harry o faria se arrepender de cada segundo em que ele fingiu ser o que não era... Severus Snape estava fadado a morrer.
O peito de Harry doía somente de se lembrar das feições de Dumbledore perante Snape... ele podia ver acontecendo frente aos seus olhos, como se fosse agora...
..."- Severus... Por favor... - havia uma súplica nos olhos azuis do diretor, e Harry queria gritar, mas não conseguia. A repugnância e ódio nas marcas frias e duras do rosto de Snape eram claras, quando este ergueu a varinha ao peito de Dumbledore.
- Avada Kedavra! - e um jorro de luz verde disparou da ponta de sua varinha e atingiu Dumbledore no meio do peito. Harry sentiu o horror invadir suas entranhas, mas a voz travou em sua garganta, e ele não conseguiu gritar, sendo obrigado a presenciar aquela cena terrível, onde Dumbledore parecia pairar pelos ares em frente à Marca Negra reluzente em verde conjurada no céu, antes de seu corpo, inerte, deixar o quadro de visão de Harry e seguir seu rumo ao chão. Não era real... não podia ser!"...
Uma lágrima teimou em caminhar pela face de Harry, perdido em memórias, qual ele foi muito rápido em secar e desvencilhar de seus sentimentos. Não era hora para choro, lágrimas... não mais. Ele precisava ser forte, o caminho que o aguardava era longo demais, e se Harry se perdesse no meio por todos que o deixaram nessa vida, jamais conseguiria estar inteiro para prosseguir. Tudo que precisava agora era deixar em segurança àqueles que amava, e que ainda podiam ser salvos... e foi assim que Ginny voltou a seus pensamentos. Harry a veria novamente assim que pusesse os pés n'A Toca mais uma vez, naquela noite quando os Weasley o viessem buscar para o casamento de Gui e Fleur, e não sabia ainda como seria esse reencontro. Estava sentindo saudades homéricas de Ron e Hermione por mais que não se vissem à pouco tempo, sentia uma certa carência tomar conta de seu ser em tempos tão difíceis, porém não tinha exatama certeza de o quanto estava ansioso para realmente colocar os pés n'A Toca mais uma vez. A última vez que vira a ruiva foi quando terminaram o curto, mas muito intenso namoro, e imaginar que a veria mais uma vez, talvez pela última, e não saber como ela reagiria à sua presença era bastante massacrante ao estômago de Harry, que revirava com qualquer idéia semelhante que o atormentasse.
E com esse solavanco o garoto que sobreviveu voltou a sentir seus pés batendo ao chão da cozinha da casa dos Dursley, encarando o tampo da mesa. Ele ergueu os olhos muito verdes para olhar ao redor e mais uma vez se localizar. Sua tia estava parada em frente à pia, e esfregava o mesmo prato já há um tempo. Era hora então de tornar real... e pra isso, ele precisava dizer. Precisava agir. Se ergueu de um impulso da cadeira, e como se estivesse esperando por isso há diversas horas, sua tia largou de imediato o prato, que fez um som alto ao bater ao fundo da pia de pedra e virou-se para ele de uma forma que até o assustou. Duda pareceu ter sentido isso também, porque seus olhos piscaram várias vezes e olharam para a mãe rapidamente, dirigindo-se para Harry logo em seguida. Os olhos fundos de tia Petúnia faziam a voz de Harry falhar um pouco.
- Han... bem... - de súbito tio Válter adentrou a cozinha e parou ao lado da esposa. Foi estranho ter uma atenção tão grande dos Dursley sob si, como nunca antes, e Harry frisou o cenho, enquanto uma de suas mãos foi levada à nuca, desvencilhando suas madeixas e as desarrumando um pouco mais. Ele continua - então... é isso. Minhas coisas já estão arrumadas lá em cima, os Weasley devem estar chegando a qualquer momento pela lareira... então acho que já é bom me despedir por aqui.
Pronto. Colocou pra fora, então era real. Estava deixando os Dursley, e dessa vez para sempre. A intenção de Harry na realidade era não ter voltando após seu sexto ano, mas por ter sido um dos pedidos registrados em sua memória por Dumbledore, ele o fez. Sabia que era por seu bem, lembrava-se que enquanto estivesse debaixo daquele teto não poderia ser tocado, pois o sangue de sua tia - que corria também por suas veias - o protegia. Mas agora que completara 17 anos, o feitiço protetor concedido por Dumbledore chegava ao seu fim, e de nada bastava mais manter-se ali agora. Ele partiria, e pela última vez.
Pela primeira vez naquele dia ele ouviu então a voz falha de sua tia.
- Harry... - ela tomou ar, e aquilo parecia lhe custar muito a sair, enquanto Duda e Válter a encaravam estáticos. - Você sabe que não deve deixar essa casa... Não precisa. Sabe que se for, lá fora só vai encontrar... a morte. - Ela estremeceu, e pela segunda vez na vida Harry viu na tia um ar de medo dentre seus olhos, e sentiu a conexão que a mãe dele fazia entre os dois. Mas isso não mudaria o que ele já tinha determinado. Encarou bem os olhos de tia Petúnia, como ela também fez, parecia ver um pouco de sua irmã ali detrás.
- Não vai adiantar de nada continuar aqui, enquanto o mundo desaba nas mãos daquele maníaco e seus seguidores. Você sabe, tanto quanto eu, Dumbledore te explicou, não explicou? Somente eu posso matar Voldemort, somente nas minhas mãos ele vai ter fim.
Os olhos dela assentiram, sua boca seca parecia não se atrever a dizer mais uma palavra, enquanto Harry passou os olhos rapidamente pelo tio, e pelo primo. Eles nada diziam, Duda tinha uma expressão confusa, e o tio, o único ali que Harry ainda reconhecia agir quase normalmente, parecia se dividir entre uma grande felicidade de finalmente estar se livrando de Harry, e apoiar a solicitação de sua mulher em Harry não deixar a casa. Na dúvida, ele não disse nada.
Harry pôde ouvir então o som indistinguível de um crepitar, e passos logo em seguida vindos da sala. De imediato ele se dirigiu até lá, seguido dos três Dursley. Um garoto muito alto, de cabelos vermelho-alaranjado, cílios esbranquiçados, olhos azuis e uma pele extremamente alva havia batido a cabeça contra o teto da lareira, e esfregava a testa com uma expressão de dor, o que fez Harry rir automaticamente esquecendo por um momento do resto. Era Ron que chegava com Pó de Flu para dentro da lareira da residência seguido de Arthur, um homem menor que o filho, calvo e com salientes olheiras que naquele momento lembraram as de tia Petúnia à Harry.
- Ah, oi Harry, você está aí... bom, suas coisas estão prontas? - a voz de Ron era grave hoje em dia, aos 17 anos. Harry acenou um sim com a cabeça, e Ron passou por ele, dando um breve tapa em suas costas de cumprimento, seguindo às escadas em seguida para pegar as bagagens do amigo. Arthur aproximou-se com um sorriso paterno a Harry, que ele retribuiu com muita sinceridade.
- Feliz aniversário, Harry. Estamos te esperando com um bolo lá em casa... - ele disse, sem mesmo olhar para os Dursley. A última vez em que se encontraram não havia sido nada agradável, e por mais que Duda estivesse recostado à parede como se a qualquer momento alguém fosse lhe lançar um grande monte de bosta à cara, e tio Válter o espremesse com força buscando pelo próprio espaço na parede, tia Petúnia não movia um músculo, observando cada movimento.
Ron não demorou nada, e já descia carregando o malão pelo carrinho de Harry, e a gaiola de Edwiges em cima.
- Eu libertei a Edwiges, Harry. Ela vai se sentir melhor voando até lá em casa do que indo por Pó de Flu, tenho certeza... - ele disse, parando ao lado do amigo com um sorriso.
- Então... bom... - Harry virou-se para os tios. Não sabia se devia agradecer. Havia mesmo ao que agradecer? Somente encontrou desprezo e destrato dentro daquelas paredes. Mas ainda que não tivesse tido um verdadeiro lar, que jamais tivesse tido uma família, ao menos teve a proteção que Dumbledore selou sobre seu teto, que apenas existiu por Petúnia o ter aceito. - obrigado por... tudo. - Harry não especificou exatamente seu "tudo". Ron irrompeu na lareira antes de Harry e o pai, levando consigo a bagagem, e assim que Harry aproximou-se da lareira, sentiu uma mão magra e ossuda em seu ombro.
- Harry, espere... - era de sua tia, que se afastou ligeiramente até um console mais atrás na sala, voltando com um embrulho nas mãos. Harry olhou para o embrulho, e depois para a tia, retornando ao embrulho antes de pegá-lo.
- ...O que é isso? - ele não pôde evitar o ar de desconfiança em sua voz. Um presente? Não era possível. Arthur já estava com a mão preparada sobre a varinha na parte de trás da calça, caso fosse necessário.
- Leve com você... deveria ter sido seu há alguns anos já... acho que pode te ajudar quando você encontrar... ele... mas NÃO! - Petúnia tomou um tom um pouco mais histérico ao ver Harry já desembrulhando o pequeno pacote de suas mãos. - Abra quando... quando não estiver mais aqui.
- ...Ok... Am... adeus. - Harry achou aquilo tudo muito estranho. Colocou o embrulho no bolso de sua calça, e virou-se novamente para a lareira. Enquanto entrava nas chamas, deu uma última olhada à sala, como uma despedida por jamais a ver novamente, e olhou para a tia antes de gritar - A TOCA. - Momentos antes de sentir seu corpo rodopiar entre cores e sons, Harry pensou ter visto uma Petúnia pálida deixar uma lágrima deslizar por sua face.
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Enquanto via difusas lareiras passarem frente aos olhos, Harry começou a desligar não só seu físico, mas sua mente do que acabara de presenciar em sua, agora, antiga residência. Era impossível continuar qualquer pensamento, quando sabia que em questão de segundos talvez, ELA poderia estar o esperando sair da lareira, com uma expressão que ele não conseguia ver, ou entender devidamente. Junto das voltas que seu corpo era levado, Harry começava a sentir uma forte contração no estômago só de imaginar as feições de Ginny quando chegasse... o que não tardou. Seus pés bateram fortes contra a lareira de pedra da casa dos Weasley, e por pouco seus joelhos não cederam ao chão. Um pouco zonzo da viagem ainda, Harry saiu da lareira limpando as cinzas de cima dos ombros, ao que seus olhos mantinham-se fixos ao chão, como se tentasse atrasar a necessidade de erguer o olhar e encarar quem o esperava do lado de fora. Isso só ampliou o susto, e os olhos arregalados de Harry quando ouviu altas palmas, e um canto ritmado.
- Parabéns pra você, nessa data querida! Muitas felicidades, muitos anos de vida! - era regido por diversas cabeças vermelhas, uma loura, uma acastanhada, uma sutilmente grisalha e uma rosa-chiclete, que sorriam para ele sem parar, frente a uma mesa com um bolo de três andares escrito "Parabéns, Harry" em glacê cristalizado azul, vários docinhos e salgadinhos feitos pela própria senhora Weasley, e presentes cercando os pés da mesa. O senhor Weasley vinha logo atrás de Harry com o mesmo sorriso, e Harry sentiu seu rosto queimar de calor, com um sorriso amarelado brincando entre seus lábios, enquanto fungava com os olhos marejando. Harry jamais teve uma verdadeira festa de aniversário na vida, e agora, no meio de tanta dor e tormento, os Weasley conseguiram encontrar uma forma de reunir quase todas as pessoas mais importantes de sua vida, e fazê-lo sorrir.
- Não... não precisava, senhora Weasley, senhor Weasley... muito obrigado... mesmo! - Harry agradeceu ao que a Molly também se emocionou, e sem querer tropeçando em alguns presentes ao fazer isso, atravessou pela cozinha e abraçou Harry com intensidade.
- Você merece querido, você merece! Venha, vamos comer...
Harry se aproximou da mesa, sentindo um calor preencher seu peito, e ele não queria que aquela chama se apagasse, por nada. Enquanto Molly cortava os pedaços de bolo para distribuí-los, Harry sentiu o rosto ser preenchido por uma porção bastante vasta de cabelos, ao que os braços de sua melhor amiga se atiravam por seu pescoço.
- Parabéns Harry!! Espero que você tenha tido bons dias nessas férias... Estive preocupada, você não respondeu minhas cartas...
Harry sorriu marotamente ao que Hermione se afastava, e continuou a frase por ela:
- Como sempre faço, não é? Hahaha... Também senti saudades!
Logo atrás de Hermione vinha Ron, agora carregando um embrulho nas mãos e um sorriso à face.
- Olha Harry, eu não tive muito tempo, a Hermione chegou aqui ontem e não me deu um sossego pra respirar enquanto falava sem parar sobre... a missão... - ele baixou o tom para falar essa frase - mas acho que ficou bom. - Hermione girou os olhos nas órbitas, encarando Ron com desgosto pelo cometário, e ele fingiu não ver enquanto esperava pela reação de Harry, que abria um embrulho laranja-vivo.
- Mas o que... WOW! Ron... como você conseguiu isso?? - Harry olhava extasiado para um álbum de fotos, por fora bastante semelhante ao que Hagrid lhe dera em seu primeiro ano contendo algumas imagens de seus pais, mas por dentro este era bem diferente, contendo diversas imagens vividas por eles no decorrer de seis anos em Hogwarts. Imagens tiradas em momentos não esperados e quais Harry não fazia idéia de como tinham sido tiradas, mas que o fizeram rir ao ver a evolução dele e de seus dois amigos dos 11, aos 16 anos.
- Papai e mamãe conseguiram uma penseira agora que o papai subiu de cargo... eu retirei algumas lembranças minhas e coloquei lá durante esses dias. Então o Carlinhos me ensinou uma forma de se revelar fotos quando não se tem uma máquina por perto... é só escolher uma lembrança em particular dentro da penseira, recortar ela no momento específico que você quer retratar, envidrar ela entre um tipo de molde específico, e congelar. Fica pronto em 5 minutos... às vezes a foto fica meio difusa, e às vezes a pessoa que cedeu os pensamentos não sai direito na foto, mas tem os movimentos e tudo. - Ron tinha um ar extremamente orgulhoso em cada palavra.
Harry ria enquanto folheava as lembranças, saudoso de alguns momentos, como quando foi campeão da taça de quadribol para a Grifinória em seu terceiro ano. Viu também imagens de quando dava aulas na AD em seu quinto ano, e se perdeu deslizando os dedos por entre cada componente, que acenava com um sorriso feliz à face. Lembrou-lhe por um momento a imagem de seus pais, junto de Remus e Sirius, jovens acenando na antiga Ordem da Fênix da qual fizeram parte. Seus olhos repousaram em uma garota de feições mestiças ao oriental, cabelos negros, lisos, longos e sedosos que abriam-se como um leque, e ela estava ao seu lado naquele momento: Cho Chang. O Harry da foto olhava de esguelha vez ou outra para ela, assim como ela fazia com ele, e sorrisos tímidos surgiam em ambas às faces. Até quando ele tomou a mão dela junto à sua, ligeiramente, fazendo o Harry real rir à lembrança de como esteve bobo por aquela garota durante quase três anos inteiros. Não conseguia estar no mesmo ambiente que ela, gaguejava a cada momento em que tentavam conversar, mas ainda assim foi a primeira garota por quem Harry se apaixonou na vida e a primeira a quem beijara, por mais que confusões diversas tivessem vindo logo após. Quando seus olhos bateram em Marietta Edgecombe, Harry fez a si próprio o favor de virar logo aquela página e seguir para a próxima foto. Não deveria ter feito isso... era uma imagem bastante recente até, tinha pouco mais de um mês e meio. Um Harry descabelado mas muito feliz sorria, abraçando uma garota menor que ele, seus cabelos quentes cor de fogo deslizavam graciosamente contra o vento e seus olhos encaravam fixamente os de Harry, com o mesmo ar feliz que ele. Naquela foto parecia que nada era capaz de abalá-los, e um beijo delicado, mas carinhoso acontecia a cada 20 segundos. Harry engoliu a seco, fechando o album de fotos derepente e erguendo o olhar. Ainda não havia a visto... na verdade não tinha procurado.
- Obrigada Ron... as fotos estão demais! - Harry agradeceu com um sorriso, mas no mesmo momento Ron percebeu que Harry se abalou, e o motivo não era tão difícil de notar.
- Ela também não conseguiu olhar muito tempo pra essa foto, sabe... mas achei que seria importante, entende, guardar alguma coisa... - Ron disse atento. Harry desviou o olhar.
- Claro, com certeza. Escutem, o casamento, quando vai ser mesmo? - Harry mudou drasticamente de assunto, procurando o apoio no olhar de Hermione, e foi ela que respondeu.
- É amanhã pela manhã. Fleur quis aqui, no quintal dos Weasley... disse que é o lugar que Gui se sente mais à vontade, e não existe lugar melhor do que esse para os dois se unirem. Pouco antes de você chegar nós estávamos armando os últimos arranjos lá fora, quer ver?
- Claro... - Harry sentiu apenas o alívio de que Hermione o entendera, e levava para longe daquele assunto que só sabia maltratar dele. Hermione e Ron guiavam Harry pela cozinha em direção ao quintal, mas no meio do caminho Remus veio aos sorrisos até os três, ladeado por Tonks, que irradiava alegria, os cabelos rosas quase reluziam de tão vivos, e os olhos azuis sorriam mais do que os próprios lábios em forma de coração dela. Era bastante claro que essa felicidade toda se dava ao fato de sua mão estar bem unida a de Lupin.
- Olá Harry... meus parabéns... meu presente ficou aí no meio de todos os outros, tem meu nome e da Tonks, espero que goste quando o encontrar...
- Obrigado...
- E aí Harry, beleza? - Tonks perguntou, acenando com a mão livre de uma forma exuberando alegria. Harry achou engraçada toda aquela animação que Tonks exalava, mas sua atenção foi inteiramente desviada quando seus olhos brincaram com seus sentimentos, ao passarem por sobre o ombro esquerdo de Tonks, e se deparar com aqueles cabelos ondulando contra o vento, o rosto sério e inexpressivo, e o olhar vago, dela... Ginny Weasley, que entrava pela porta do quintal. Agora com 16 anos, Ginny era uma ruiva exuberante, chamava a atenção não somente pela cor de seus cabelos, mas pelas voltas que seu corpo possuía, e a delicadeza de sua face, ainda que tão mais opaca do que Harry vira ao estar com ela. - Harry? O que foi, dementador? - Tonks perguntou ironicamente, estalando os dedos frente os olhos de Harry, tornando sua atenção a ela.
- Ahn? Ah... não... não é nada. Acho que estou um pouco cansado só, é isso... - ele voltou-se à Ron mais uma vez. - Eu durmo no seu quarto?
- É, a Mione está no quarto da Ginny, Fred e George estão aqui também, Percy voltou pra casa depois de tudo, faz uma semana, eu te contei? Estamos meio apertados, amanhã chegam alguns parentes distantes, mas ainda coube a sua cama entre a minha e a do Percy. - Ron foi guiando Harry para as escadas, e Harry seguiu de bom grado, deixando agora pra trás Remus e Tonks, com Hermione, que foi se ajuntar a Ginny.
No quarto, Ron não disse muito, Harry pediu por um momento para se trocar antes de se deitar, e Ron entendeu a deixa para voltar ao andar de baixo. Harry precisava ficar sozinho por uns momentos. Nas mãos ele ainda tinha o album de fotos que acabara de ganhar, e mesmo sabendo que não devia, ele o abriu diretamente naquela foto, a última que vira... Aquele foi um dia tão bonito, Harry se lembrava perfeitamente... foi o primeiro dia em que estiveram juntos, estavam em frente ao lago, e o primeiro beijo tinha acontecido há poucos momentos anteriores no Salão Comunal depois da vitória da Grifinória sobre a Corvinal. Seu olhar perdia-se naquela foto, enquanto suas lembranças voavam ao ver aquele beijo repetidas vezes acontecendo. "Você escolheu assim, Harry. Agora pare de se lamentar... é pro bem maior... é pro bem dela..." O Harry de sua consciência mais uma vez se manifestara, e fizera ele suspirar infeliz, fechando o album com carinho. Ainda não vira o álbum inteiro, mas sabia que aquela não era a hora... Quando Harry começou a tirar as roupas para trocá-las por pijamas, sentiu o embrulho no bolso traseiro de sua calça, de sua tia. Tomando-o nas mãos antes de calçar as calças do pijama, Harry começa a desembrulhá-lo, finalmente. Tinha o tamanho da palma da mão de Harry, e aparentemente era uma pequena garrafinha quadrada e transparente, repleta de facetas e contrastes com uma tampa toda trabalhada em vidro, que guardava um líquido de cor amarelada e brilhante. Se assemelhava à um perfume. Havia um bilhete junto, ao qual Harry viu uma letra miudinha e garranchosa. Era de sua tia.
"Harry, isso pertenceu à sua mãe quando ela era ainda viva e morávamos sob o mesmo teto. Pelo que me recordo, ela chamava isso de Illudere. Seu poder é criar ilusões tão fortes, que são uma mera cópia da realidade, onde somente o bruxo que aplicou a magia, pode distinguir o real da ilusão. É só espirrar em si próprio, no objeto, ou outra pessoa, dependendo do que deseja, e ele funciona. Ela criou essa poção quando tinha 16 anos, me lembro como meus pais ficaram orgulhosos por Lily conseguir até mesmo criar suas próprias magias ao invés de apenas estudá-las... ela o engradou num de seus perfumes favoritos, qual usava diariamente, para esconder de quem não deveria ter conhecimento dele. Deixou escondido debaixo da cama, e o esqueceu quando foi viver com Potter. Use-o quando for a hora certa. Sei que é o que ela teria me pedido pra te mandar fazer.
Sua tia,
Petúnia"
Os olhos de Harry não podiam acreditar no que viam. Passaram-se 17 anos de sua vida, e apenas após sua partida eterna da vida dos Dursley, sua tia lhe entregava um artefato que fora de sua mãe?! Tantas perguntas rondaram a mente de Harry nesse momento... Em suas mãos, um perfume de sua mãe, contendo uma magia criada por ela... aquilo era simplesmente a essência de tudo que sua mãe representava. Sem nem mesmo pensar duas vezes, Harry retirou a tampa com a maior agilidade que pôde, e levou a pequena garrafinha quadrada ao nariz. Seus olhos fecharam-se quase que instintivamente. Aquele aroma era de longe, o melhor que Harry já sentira na vida inteira. Uma mistura de cheiros onde Harry distinguia de longe lírios, jasmins, rosas e violetas, e até mesmo um sabor aquele perfume parecia trazer aos lábios, de pêssego e pêra, tudo muito chamativo e picante ao mesmo tempo. Ele parecia já ter sentido aquele aroma em sua vida antes, e como um mar de memórias, imagens difusas planaram por sua mente, mas mais do que em qualquer outra ocasião, Harry sentiu uma proximidade sem igual da própria mãe.
- Mãe... - seus lábios pronunciaram avulsamente, baixo e rouco, ao que Harry olhava para aquele vidrinho em suas mãos, agora fechado mais uma vez. Mais do que um presente de sua própria mãe, aquele perfume parecia liberar sua alma aos ares...
E Harry adormeceu segurando firme entre os dedos a pequena garrafinha, com um sorriso passeando alegremente por entre os lábios naquela noite.
[ Imagem do perfume de Lily: http://internet.boticario.com.br/Internet/staticFiles/Produtos/15_Lily_Essence_220x360.jpg ]
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