2 Bicudos



Ninguém pode negar que o nosso amor é tudo
Tudo que pode acontecer com dois bicudos
Não são tão poucas as arestas pra aparar
Mas é que o meu desejo não deseja se calar



- Legilimens!

Um basilisco morto. Uma espada cheia de sangue. Um caderno de capa preta com um dente enfiado no meio. O testa rachada. Um jogo de quadribol contra a Cho Chang. Um beijo no meio da multidão da sala comunal da Grifinória...

- CHEGA!!! – ela grita, colocando os dedos entre os cabelos e pressionando a cabeça como se pudesse arrancar dela todas as lembranças que não quer que eu veja.

Infelizmente, acho que o Snape só poderia estar maluco quando me pediu para ensinar oclumência para a Ginevra. Afinal, ela é uma Weasley, e traidores do sangue não têm inteligência suficiente para aprender certos tipos de magia. Agora sou obrigado a conviver com estas desagradáveis lembranças do Potter Perfeito povoando a minha mente, enquanto ela deixa que eu leia suas memórias livremente.

- Fale baixo! – eu me aproximo dela, e levanto seu queixo com uma mão enquanto seguro a varinha com a outra. – Ou você quer que todos os dementadores de Azkaban nos escutem? Snape prometeu mantê-los ocupados enquanto treinamos discretamente, mas acho que seus gritos não são exatamente o que eu chamaria de discretos – embora o gesto seja carinhoso, só consigo usar um tom de voz ríspido com ela.

- Não sei mais o que fazer, Malfoy... juro que não sei... eu não consigo – os olhos dela cintilam de lágrimas e ela está com os ombros ligeiramente caídos.

Acho que é a primeira vez em todos estes dias que estamos presos que vejo Ginevra assumir uma pose de derrotada. Ela sempre se manteve altiva, confiante, uma verdadeira, nojenta e orgulhosa grifinória. Essa atitude me fez pensar que certas coisas nunca mudam. Mas agora que ela viu que precisa aprender a resistir à Maldição Imperius, percebeu que a coisa vai ficar complicada para o lado dela.

Snape havia retornado apenas mais uma vez depois de deixar a varinha na cela, durante aquilo que acreditávamos ser uma noite. Ele confirmou o que eu temia: eu precisava ensinar Oclumência para Ginevra. A mensagem não tinha sido clara da primeira vez, mas eu não precisei de muito mais para entender. O Lorde das Trevas pretendia usá-la para chegar até o Potter por meio de uma Maldição Imperius, e a única maneira de resistir era fazer com que ela aprendesse a fechar a mente. Claro que isso é um problema gigantesco quando estamos falando de um dos maiores Legilimens do mundo bruxo. Acho que o poder do Lorde das Trevas só pode ser comparado ao do próprio Snape, já que o velho gagá do Dumbledore bateu as botas.

Agora ela resolveu se sentar na cama de pedras que eu costumo usar para dormir depois que ela me tomou o colchão. Eu poderia fazer um ataque surpresa para testar seu autocontrole, mas Ginevra não consegue me bloquear nem quando sabe o que vou fazer! Ela está com a cabeça apoiada nas mãos, ligeiramente baixa, e os cotovelos descansam sobre os joelhos. Não posso ver seus olhos porque os fios ruivos e embaraçados de seus cabelos compridos cobrem o rosto sardento. Sinto-me irritado e preocupado ao mesmo tempo: acho que temos pouco tempo para que ela aprenda, e ver que não estamos progredindo me faz pensar no que acontecerá a ela caso eu falhe. Chuto a parede e me arrependo em seguida, quando sinto uma dor lancinante no dedão do pé esquerdo, exatamente tudo o que eu não precisava neste momento. Ela apenas levanta ligeiramente a cabeça para me observar, voltando a abaixá-la em seguida.

Procuro me controlar. Estou cansado de falhar. Preciso fazer algo para mudar esta situação. Vou até ela e agarro bruscamente seu pulso, obrigando-a a levantar a cabeça para me olhar nos olhos antes que eu comece a falar:

- Esta pose de derrota não combina com grifinórios. Geralmente vocês são os heróis do mundo. Anda, levanta daí, Ginevra! – é uma ordem, penso eu antes de prosseguir, e imprimo este tom à minha própria voz. – Ou será que você prefere morrer? Porque, se preferir, podemos dar um jeito nisso imediatamente, para quê esperar? É só chamar um dementador qualquer. Seria um problema a menos para mim.

Irônico, estúpido e sarcástico. É, este sou eu. Solto o pulso dela e encaro-a, esperando uma reação. Ela deveria ter ficado chocada. Eu até esperava, lá no fundo, que ela se debulhasse em lágrimas, e eu teria ficado satisfeito com uma demonstração de fraqueza deste nível. Ao menos seria uma prova de que ela precisa de mim para sobreviver, que alguém, enfim, depende de uma atitude minha. Seria o esperado por parte de uma garota comum.

Mas, definitivamente, Ginevra Weasley não é uma garota comum. Seu rosto assume agora uma expressão furiosa, os olhos brilhando de determinação. Ela se levante e sacode ligeiramente os ombros, e em seguida me encara numa clara intenção de desafio. Então empurra meu peito, de maneira que eu me afaste dela e crie um espaço possível para esticar a varinha e lançar novamente o feitiço.

Ela não diz nada. O clima fica tenso e posso sentir a escuridão das paredes e o silêncio de Azkaban nos pressionando como se quisesse nos aprisionar ainda mais. Isso cria uma sensação ruim, um aperto e uma certeza de que pode ser tudo em vão. Olho ao redor, a pedra negra, o corredor escuro, o colchão apodrecido, a comida intocada, o toco de vela. Engulo em seco ao me lembrar do carrinho dos mortos, da agonia dos vivos, da vala comum, dos dementadores, do meu próprio Mestre. Aquele que jurei seguir. Talvez eu tenha cometido um erro. E quando encaro aquela que deveria ser apenas mais uma Weasley, o que vejo é a chance de uma nova vida. Há escolha para um Malfoy? Meu velho pai, esteja onde estiver, diria que não. Penso nele agora, e tudo o que me vem à mente é que eu posso tentar escolher. Eu posso fazer meu próprio destino.

- Ginevra, você sabe o que significa o meu sobrenome? Malfoy?

Ela parece desapontada por eu querer conversar, e não partir logo para o ataque. Faz sentido, pois está absolutamente concentrada e, como resposta à minha pergunta, apenas balança a cabeça em sinal negativo. Ignoro sua impaciência e continuo:

- Vem do latim maleficus, e quer dizer alguém que faz mal aos outros. Já Draco quer dizer tanto dragão quanto serpente. Perfeito para alguém que foi selecionado para a Sonserina, não acha? Alguém como eu.

- Por que me diz isso, Malfoy? – ela pergunta, crispando os dentes e apertando os dedos delicados contra a palma da mão, os punhos fechados.

- Apenas para que você perceba o quanto fui condicionado a ser o que sou. E agora: Legilimens!

Não dei tempo a ela para que pudesse pensar no que eu disse. Na verdade, não queria que ela entendesse. Não sei nem porque penso estas coisas, mas agora percebo o quanto fazem sentido. Não poderia ter me tornado nada além daquilo que sou hoje. Minhas escolhas e meus caminhos me trouxeram até aqui. A influência e o peso do meu nome traçaram meu destino até este ponto, este momento, este lugar. Não posso mudar o que sou. Eu sou mau, mas isso não significa que eu esteja do lado das Trevas. Afinal, o mundo não se divide entre Trevas e Luz. Há muitos que são maus, mas estão do lado da Ordem. Eu poderia voltar a viver depois de tudo em que me transformei? Talvez, se eu tivesse uma chance... se eu tivesse Gina...

- Oh! Por Merlin!

Ouço a voz como se estivesse distante, etérea. Só sou despertado de meus devaneios porque a varinha escapa da minha mão, tamanha é a energia mágica que existe entre nós dois. Então me dou conta do que aconteceu: não tranquei minha mente. Ginevra não só conseguiu bloquear suas lembranças como foi capaz de ver as minhas. Droga! Ela revelou o segredo que venho guardando até de mim mesmo durante todos estes dias em que estamos juntos nesta maldita cela! Viu este sentimento de fracos que eu deixei que me dominasse. Preciso arrancar isso de dentro de mim. Agora!

Ela continua parada, apenas observando, enquanto eu me movo inquieto pela cela. Quero sair daqui, fugir da presença dela, nunca mais olhar estes olhos castanhos, estes cabelos ruivos despenteados, estas sardas logo abaixo dos olhos, estes lábios rosados e meio rachados que estão mais perto, aproximando-se impiedosamente, determinados, os lábios de uma leoa em busca da presa, mulher que sabe o que quer e não hesita em fazer...

Antes de tocar meus lábios e me fazer esquecer quem eu sou, pude ver apenas uma coisa: ela sabe que este sentimento vai mudar nossos destinos.

E, pela primeira vez, não me importo que ela seja uma traidora do sangue.



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