Girl afraid
21:30
Era só isto que estava escrito no pequeno pergaminho que Pitchí havia trazido na tarde daquele dia. Desde então Harry perdeu o apetite – não que houvesse muito o que comer – e só conseguia pensar no alívio que sentiria ao voltar para um dos poucos lugares que ele realmente poderia chamar de lar. Perdera a conta de quantas vezes repassara mentalmente o diálogo que teve com Lupin ao se despedir na estação King’s Cross.
– Ninguém sabe ao certo como vão ficar as coisas agora que... Bem, agora que Dumbledore se foi... Você deve saber que estão querendo fechar a escola... – Lupin disse, mãos nos bolsos da capa, o mesmo ar professoral de sempre, enquanto Harry, aéreo, parecia admirar uma fila de formigas que se formava no chão. – Mas não era sobre isso que vim falar. A data ainda não foi decidida, mas o casamento de Gui deve acontecer por volta da terceira semana de agosto. Eu sei que é bastante tempo na companhia dos seus tios, – Harry pareceu “acordar” – mas nesse meio tempo estaremos todos trabalhando formas de enfrentar o que está por vir.
– O senhor está dizendo pra eu mais uma vez ficar prostrado em meu quarto, apenas esperando uma coruja chegar pra me entregar um convite de casamento? – Mas logo depois pediu desculpas, percebendo o quanto alterara a voz.
– Paciência, Harry... Todos queremos que esta guerra termine logo, mas McGonagall e todos os outros acham que de certa forma um casamento seria um modo de lembrarmos pelo que estamos lutando... – Harry suspirou e concordou com a cabeça sem mostrar muita convicção, e Lupin continuou.
– Uma coruja, Harry, mas não com um convite. No dia seguinte a seu aniversário de 17 anos vai chegar uma coruja apenas com o horário em que você deverá estar pronto no dia seguinte, quando iremos te buscar para voltar à Toca.
Era nesta conversa que ele pensava enquanto o pergaminho em sua mão esquerda quase se desfazia, tantas eram as vezes que o rapaz, agora um bruxo maior de idade, havia dobrado e desdobrado a mensagem, ainda não convencido de que tudo o que ela dizia era apenas o 21:30.
Aquele não havia sido um aniversário como os outros. Não que tivesse festas ou presentes, mas o silêncio dos Dursley’s era maior que o habitual. “Agora eles sabem que posso usar magia fora da escola” , pensou Harry. Mas não. Aquele silêncio não parecia uma demonstração de medo. “Pelo menos não o de tia Petúnia...” Ela parecia desligada do mundo desde a chegada da coruja de tarde, mas Harry resolveu ignorar este comportamento e trancou-se em seu quarto desde então.
A proximidade do casamento de Gui o fazia pensar em sua busca, que começaria tão logo a festa acabasse. Se permitiu pensar em Gina, a única imagem que, nas últimas semanas, trazia um pouco de paz a seu coração, apesar de saber como poderia ser perigoso para ela estar ligada a ele mesmo em pensamentos... Depois de uns bons minutos com estes pensamentos ele – finalmente – conseguiu dormir.
:::
Já era noite na Toca quando os habitantes de ocasião da casa se preparavam para buscar Harry. Gui estava sentado num canto da sala, olhando o que parecia ser um velho álbum de fotos, enquanto sua mãe descia as escadas, acompanhada de Fleur.
– Não podemos esquecer de acertar os últimos detalhes de seu vestido com Madame Malkin, minha querida! – e todos os presentes sorriram com a atenção que Sra. Weasley dispensava a Fleur desde o acidente de Gui. Seu filho tinha feito uma boa escolha, afinal.
– Oui, senhorra Weasley! Mas nom acrredite que il prrecisará de muitos ajustes... – e se encaminhando para o local onde estava seu noivo, perguntou – O que tante você admirra neste álbum, mon querride?
– Ah... Nada de mais... – respondeu Gui – São somente lembranças de meu tempo de escola... E apoiou o álbum no colo de sua noiva enquanto lhe dava um beijo.
– Que coisinhe más bonitinhe! – ela exclamou quando viu uma foto de Gui acenando da janela do trem, rumo a seu primeiro ano na escola.
Todos sorriram por conta do comentário, e a moça seguiu olhando fotos enquanto os membros da Ordem organizavam os últimos detalhes da “missão de salvamento”.
– E estes? Quem son? – Perguntou Fleur depois de um tempo, apontando uma foto que parecia ser de Gui em seu último ano em Hogwarts, acompanhado de dois rapazes e uma moça, os quatro fazendo poses sérias na entrada do Salão Principal, até que algo dava uma trombada nas costas da moça da foto e toda a seriedade forçada da pose caia por terra com as gargalhadas do grupo.
– Por Merlin! Tonks, vem cá! – chamou Gui. – Dá só uma olhada nessa foto!
Tonks se aproximou e deu um berro discotecal ao ver a cena.
– São Donaghan Tremlett e Kirley Duke! Gui! Eu já tinha esquecido que eles estudaram contigo!
Como Fleur não entendesse o que estava acontecendo, Gui se pôs a explicar:
– Donaghan Tremlett e Kirley Duke são de uma banda que a Tonks adora, Fleur, “As Esquisitonas”... Bem, eles ainda não tinham montado a banda na época, mas você pode ver que eles já tinham lá suas fãs se prestar atenção nesta pontinha de trança azul no canto da foto...
Tonks corou ao perceber que sua afobação por ver mais de perto os três mais belos rapazes do sétimo ano tinham acabado por derrubar no chão a amiga de Gui, e corou mais ainda ao ver a cara de Remus ao olhar para a foto... No desespero por tirar a atenção de si, fez um único comentário:
– E essa garota, Gui, quem é? Não estou lembrando dela...
Mas antes que alguém pudesse prestar atenção no que a moça havia dito, Gui perguntou se já não estavam atrasados para buscar Harry, e, fechando o álbum, desejou fortemente que não tivessem percebido na foto a figura séria de Snape em um canto, a costumeira expressão de desdém enquanto observava a moça se levantar.
:::
Não houve cartas com desculpas desta vez. O estranho grupo bateu pontualmente à porta do número 4 da rua dos Alferneiros, sendo prontamente atendido por um Harry nem feliz nem triste por deixar aquela casa, mas apreensivo.
Valter Dursley apenas observava o grupo, o maxilar visivelmente travado, se segurando para não esboçar qualquer reação. Duda se escondia atrás do corpulento pai e Petúnia...
Petúnia ainda parecia estar em um transe constante.
– Vocês sabem que a partir de agora Harry não precisa mais colocar os pés nesta casa, não sabem? – perguntou Moody, chapeuzinho coco escondendo um dos olhos.
Nenhuma reação.
O homem bufou e resmungou alguma coisa para o grupo ir saindo da casa, mas quando quase todos já estavam no jardim, Petúnia Dursley – estaria ela com os olhos marejados? – aproximou-se de Harry, entregou em suas mãos um envelope muito antigo e amarelado e tocou sua cicatriz. Murmurou apenas “Adeus, Harry Potter”, e entrou em casa.
Havia poucas pessoas na rua, mas os que por ali passavam já estavam tão acostumados com as histórias sobre o sobrinho estranho dos Dursley que nem se espantaram com as companhias do menino. O grupo deveria tomar o metrô até a estação de Paddington, iriam até o Caldeirão Furado e de lá aparatariam para a Toca. Espalharam-se pelo vagão. Carlinhos Weasley e Olho-Tonto Moody de pé em uma das portas, Lupin na outra ponta, e Harry sentado em um dos bancos encostados na parede, ladeado por Kingsley Shacklebolt e Tonks – naquele dia metamorfoseada em uma perfeita executiva do centro financeiro de Londres.
Harry observava o movimento das pessoas. O homem que lia um jornal distraído, o jovem de uniforme que quase dormia de walkman nos ouvidos enquanto tentava se manter de pé, uma senhora e seu netinho que chorava, porque tinha deixado seu pirulito cair no chão. Duas jovens sentadas no banco em frente chamaram sua atenção: uma comia uma maça enquanto equilibrava o celular com o ombro. A outra olhava para os vidros parecendo esperar que a amiga terminasse a ligação para que concluíssem algum assunto iniciado antes de Harry entrar no metrô. Tinha um ar apático e extremamente cansado, mas não aparentava ter mais de trinta anos.
Em um dado momento a moça percebeu o olhar de Harry, deu um esboço de sorriso e olhou na direção de Lupin. Sua amiga deixou o telefone de lado e comentou alguma coisa como “eu no seu lugar já teria ligado pra ele, ido atrás e exigido explicações” , mas a moça se limitou a suspirar, fechar os olhos e massagear as têmporas. Olhou na direção de Carlinhos e depois de alguns segundos Harry percebeu que sua expressão mudou.
– Onde já se viu, Anna? Duas semanas sem notícias? Eu sempre achei esse cara esquisitão, vivo repetindo isso pra você, mas não... Você defende o homem com unhas e dentes, diz que ele trabalha demais, que...
Mas a moça não tirava os olhos de Carlinhos. A principio Harry achou que ela – apesar da discussão sobre um suposto namoro em crise – estava fascinada pelos músculos do treinador de dragões, mas seu olhar não era de interesse. Parecia sim que algo começava a fazer sentido para ela. Ela desviou o olhar de Carlinhos para Lupin, dele para Moody, Tonks, Kingsley, uma, duas, três vezes. Até que seus olhos pousaram em Harry. Bem na hora que Tonks disse baixinho um “se prepara que é na próxima" em seu ouvido, e eles se levantaram.
A moça do metrô se levantou logo depois, ignorando o chamado da amiga. Correu para alcançá-los e, com muito esforço para desviar das pessoas, desceu na plataforma da estação. Harry era acompanhado bem de perto por Lupin, Tonks, Carlinhos e Moody, mas perdeu Kingsley de vista assim que saíram do vagão. O grupo andava rápido, o menino olhava muitas vezes para trás, a tal moça ainda os seguindo, até que viu Kingsley surgindo sabe-se lá de onde e a segurando pelos braços. O grupo parou. Kingsley e a moça discutiram. Se encararam por alguns segundos e logo depois Kingsley pareceu segurar a moça com menos força. Ela baixou os olhos.
A moça se virou e encarou o grupo, os olhos brilhando.
Com um craque ela sumiu no ar.
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