VILA LOBO



Caminhavam os dois Atwode pela velha estrada de barro que interligava a vila Lobo ao casarão de Harry. O som cristalino dos córregos era relaxante e as árvores e flores exalavam um aroma entorpecente. Pai e filha conversavam baixo, e ambos estavam impressionados com a riqueza material e a bela arquitetura na qual a casa havia sido feita.
- Uma maravilha, não achou, querida? – Atwode caminhava com o auxílio de sua bengala dourada. Não que a precisasse, mas achava extremamente elegante – Teve sorte com o garoto?
- Ah, certamente, papai – Letícia gesticulava alegremente – O Harry é nobre, gentil... e atrapalhado! É tão engraçadinho.
- O garoto tem dinheiro. Prestou bem a atenção na sala dele? Viu quantos objetos de ouro tem naquele lugar?
- Essa é uma das melhores qualidades dele – os olhos de Letícia brilhavam – Além de suficientemente bonito, ele tem dinheiro.
Caminhavam excitados pela estrada de barro. A bainha do vestido de Letícia se arrastava no chão. Olharam para trás e viram o casarão, situado num terreno mais elevado, que se erguia belo, chamando a atenção de todos que passavam por aquele pequeno vilarejo. Era uma região rural, a estrada era ladeada por bosques e o grito das aves era facilmente identificado. Suas atenções foram desviadas por um Salgueiro lutador que disputava um peixe recém capturado de um flamingo. Pareciam rir de tudo.
- Tem os amigos dele, papai! – Disse a garota, seguindo a placa de madeira que indicava a Vila do Lobo. – Parecem ser bem apegados.
- Ah! O Arthur me falou, são como irmãos! – Coçou os cabelos grisalhos.
Ao invés dos bosques, agora a rua era ladeada por pequenos casebres antigos. Crianças corriam e brincavam pelas ruas e becos do lugar. Transeuntes desviavam-se das carroças e cachorros latiam para todos que passavam.
Uma pequena feira estendia-se por uma rua transversal à avenida que percorriam. Bem na esquina, uma mulher coberta por várias mantas e panos brancos gritou para Letícia:
- Bom dia, minha jovem! Não gostaria de saber sobre seu futuro bem na palma de sua mão?
- Papai, posso? – Perguntou Letícia, já caminhando em direção à mesa da velha.
- Não temos dinheiro para gastar com besteiras, querida! – E continuou andando com sua bengala.
Letícia fez um muxoxo, mas nada poderia estragar sua felicidade. Ou quase nada. Contornaram mais algumas quadras e entraram numa rua pavimentada com paralelepípedos; Era uma rua mais antiga, de classe mais alta. Pararam em frente a um portão de ferro negro, que guarnecia uma majestosa casa.
- Chegamos, enfim – Disse Édouard, retirando de um bolso de sua veste um molho de chaves.
- Mamãe já deve estar careca!
Édouard já mirava a chave na fechadura, quando uma mão magra agarrou-lhe o pulso. Letícia deu um passo para trás e contemplou o homem. Era alto, mal cuidado, tinha sua pele oleosa e os olhos esbugalhados.

Édouard virou-se em seguida.
- O que faz aqui? – Inquiriu Édouard, puxando seu braço e desvencilhando-se da mão magra do homem.
- Já faz duas semanas, Édouard! – o homem olhou profundamente no Sr. Atwode e deu uma piscadela à sua filha, que escondeu-se atrás do pai. Um animal malhado, tão mal cuidado quanto o dono, com os mesmos olhos esbugalhados, estava sentado ao lado do velho – Já faz duas semanas...
- Mesmo assim, não deveria ter vindo aqui em minha casa – exclamou o senhor abrindo os portões. – Entre, Letícia! Entre!
Letícia percorreu aos tropeços o caminho de pedra que cruzavam o jardim e davam direto na porta da mansão. Entrou, dando uma última olhada, e deixou ambos sozinhos.
- Pensa que foi fácil conseguir aquilo? – Perguntou o velho rangendo os dentes.
- Ei! Fale mais baixo! – disse Sr. Atwode, puxando a gola do blusão do homem até um canto mais isolado – Não tenho nenhum dinheiro agora, depois mando pra você por uma coruja! – Sussurrava.
- Mas são apenas 10 Galeões – Perguntou o velho admirando a bengala dourada de Édouard – E essa peça aí?
- É uma imitação, não dá para ver? Mando amanhã mesmo, não se preocupe.
- Olha, se não mandar – ele suava – Não vai ser feliz como quer, e não devolverei à jóia como combinamos!
Édouard franziu o cenho e olhou apreensivo para a cara do velho. O homem misterioso saiu com seus trapos, mancando, seguido por seu animal. Entraram em um beco que não tinha iluminação natural e desapareceram.
Édouard hesitou em sair, ficou ali mais alguns segundos, pensando nos seus problemas, depois fez o mesmo percurso que sua filha e entrou em sua casa, onde agora poucos móveis mobiliavam a sala. O carpete estava gasto e puído, com manchas em alguns lugares. O papel de parede descascara, revelando a pedra cinzenta.
- Édouard, quem era o velho que sua filha disse que foi conversar com você? – Uma estonteante mulher com pele lisa e clara, com cabelos prateados que voavam mesmo com a ausência do vento, interrogou Sr. Atwode, antes mesmo de ele entrar completamente.
- Apenas um amigo, querida – Colocou a bengala num suporte feito de madeira nobre, mas que já exibia marcas de velhice e que estava coberto de pó. - Não se preocupe!
- É o mesmo que esteve aqui duas semanas atrás? – Perguntou a bela mulher, que parecia desfilar em cada passo gracioso de seus pés. O chão, por sua vez, rangia.
- Sabrine, ele não é nenhum bandido como pensa! – Deu um beijo de leve na esposa.
- E como você me explica o sumiço do meu colar de safiras? – Passou lentamente os seus dedos no pescoço, tentando em vão achar o colar.
Édouard engoliu em seco, e respondeu hesitante.
- Você deve ter o perdido por ai. Nossa casa continua sendo grande. Há muitos lugares para se procurar.
- Não sou louca, Ward! Deixei-o bem ali em cima – Apontou para uma escrivaninha num canto da sala – como de costume e justo naquele dia ele sumiu!

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