Apreciem a vontade
Mary abriu os olhos devagar e com muita dificuldade. Cada um dos seus músculos doía, e sua cabeça parecia estar sendo afetada por uma praga de zunido incessante. Com muita dificuldade ela conseguiu sentar e olhou em volta atordoada. Estava com o cabelo desgrenhado lhe tapando a visão e sentia todo o rosto inchado, mas o mais importante agora era descobrir que lugar era aquele.
Estava em um quarto estranho, que ela nunca vira na vida, em uma cama de casal totalmente desarrumada. Ainda não muito acordada, olhou em volta sem entender e foi quando percebeu que estava somente com suas roupas de baixo. Apavorada, ela procurou em volta e viu as roupas que usara na noite anterior espalhada pelo quarto, jogadas de qualquer jeito. No mesmo instante, lembrou-se do bruxo que se parecia com Hainault e que ele a convidara para sair da festa. O que aconteceu depois disso, por mais que ela se forçasse a se lembrar, era um vácuo.
- Meu Deus! O que aconteceu? – ela deixou-se cair totalmente arrasada de volta na cama e lamentou-se – ...o que foi que eu fiz?
***
Já estava em cima da hora para o almoço quando Mary conseguiu voltar para Hogwarts, entrando escondida e seguindo cautelosamente para o seu dormitório. Ela trocou de roupa o mais rápido possível, lavou o rosto para ficar pelo menos um pouco apresentável e juntou o seu material do dia. Saiu tentando agir como se nada tivesse acontecido e seguiu pelo corredor, ainda se forçando a lembrar o que realmente ocorrera.
Não poderia ter passado a noite com aquele cara. Mesmo não se lembrando de absolutamente nada... Ela parou no corredor e encostou a cabeça na parede. Não era possível!
- Merda! – ela chutou a parede com raiva – O que eu fiz?!
- WEED!
Mary quase teve a alma arrancada do corpo: Doumajyd vinha pisando furioso pelo corredor em direção a ela. Era tudo o que faltava para completar o seu dia feliz.
- Já é hora do almoço! – disse ele em tom de repreensão parando na frente dela – O que esteve fazendo?!
- ... Por acaso estava esperando por mim?
Ele a encarou, tentando disfarçar sem jeito e disse:
- É claro que eu não estava! Eu... só estava passando!... E você fala demais! Cala a boca e me segue!
Ele agarrou o seu braço e a arrastou pelo corredor em direção as escadas para o Salão Principal, não dando a mínima para os seus protestos.
***
Doumajyd levou Mary até a ala do D4. Ela se encolheu diante dos olhares diretos de todos os outros alunos da escola enquanto fazia o percurso até lá. O trio das meninas da Sonserina não esconderam a raiva e a inveja que sentiam dela. E Mary viu, sentada em um extremo da mesa da sua casa, Sarah lhe lançar um olhar ressentido, como se estivesse prestes a cair no choro.
Na ala, os outros Dragões, Nissenson e MacGilleain, também ficaram surpresos, mas encaravam o amigo e não ela.
- A partir de hoje você vai fazer as refeições conosco e pode comer o que quiser! – anunciou Doumajyd a forçando a sentar em uma das duas cadeiras desocupadas, provavelmente o antigo lugar de Hainault.
- Mas eu-
Mary não pôde terminar porque seu queixo caiu. No mesmo instante a mesa ficou repleta do melhor banquete que ela já vira em toda a sua vida de estudante em Hogwarts.
Então era por isso que o D4 tinha uma ala só deles? Para poder receber comida diferenciada e especialmente preparada?
- Não faça cerimônia! – disse o líder do D4, satisfeito com a surpresa dela e se sentando no seu lugar também.
- ...Obrigada. – disse Mary se recompondo e pensando que seria uma total idiota se rejeitasse o convite.
- Onde você foi ontem? – perguntou Nissenson de repente – Nós fomos a procurar nas estufas, mas disseram que você tinha saído.
- Ah... – resmungou ela entre mastigar e pôr mais comida na boca – Foram lá? Eu tinha saído mesmo. Estava em Hogsmeade...
- Não pode ser? – comentou MacGilleain – Você não estava se encontrando com alguém, estava? Um namorado?
Ela quase se engasgou e os dois começaram a rir da situação dela.
- Calem a boca vocês! Weed não é desse tipo de garota! – Doumajyd os encarou como se fosse dizer algo muito sério que merecia toda a atenção – Mesmo vocês, vocês vão falar dormindo. Mas quando estão acordados, não estão sonâmbulos. Se foi um sonho, podem dizer quando estão acordados, mas... se não foi, não podem falar quando estão acordados. Quando estiverem acordados, o que se fala é porque não está dormindo...
- ...O que você está falando?! – perguntou Mary completamente confusa, esquecendo da comida e do seu engasgamento.
- Nem ele sabe mais o que fala... – comentou Nissenson.
- Cala a boca! – continuou Doumajyd, agora mais sem graça ainda – Em outras palavras, falar dormindo se chama sono do carneiro!
Os outros três explodiram em risadas e Doumajyd permaneceu imóvel, esperando que qualquer um deles conseguisse parar de rir para lhe contar onde estava a graça.
- Weed, – disse MacGilleain quase sem ar – é bom você se acostumar com isso se vai continuar fazendo as refeições aqui!
- Boa parte das besteiras que o Chris fala tem um sentido, – ajudou Nissenson – mas tão profundo que nem ele mesmo sabe onde encontrá-lo!
- O que foi dessa vez, hein? – perguntou Doumajyd já irritado.
- Não é sono do carneiro. – explicou MacGilleain pacientemente – Na verdade, eu nem sei onde você queria chegar, mas com certeza não é sono do carneiro!
Eles continuaram rindo e Doumajyd se juntou a eles, um pouco relutante. Não parecia estar bravo pela gozação dos amigos já que, pela primeira vez, via Mary rir abertamente de algo que ele falara.
***
- Mary, você realmente não fez nada com aquele cara? – perguntou Vicky séria depois de um bom tempo adubando um vaso em silêncio.
- Nãããão... – respondeu Mary se preparando para começar a comer mais um dos doces vencidos da professora, e acrescentou mais para ela mesma do que para a amiga – Definitivamente, não!
As duas permaneceram em silêncio por mais um tempo, até que Vicky comentou:
- Acho que você não pode brincar com os sentimentos do Doumajyd.
Mary deixou a colher cair tilintando em cima da mesa de madeira:
- O que aconteceu com você, Vicky?!
Ela encolheu os ombros em resposta, sem tirar os olhos do que fazia, e disse:
- ...Se você gosta dele, deve falar.
- Quem disse que eu gosto dele?! – perguntou Mary tentando disfarçar o seu embaraço em pegar o doce com a colher, devido à surpresa com conselho de Vicky – Na verdade, eu posso berrar no ouvido do Doumajyd que eu não gosto dele que não faz diferença... E mais: ele não gosta realmente de mim! Como pode? Somos completamente diferentes, como espécies diferentes!
Vicky lhe lançou um olhar que dizia com todas as palavras quem você está querendo enganar?, e continuou:
- Ele gosta sim de você!... E os amigos dele estão verdadeiramente preocupados com vocês dois... Sim, com os dois!
- Mas, Vicky, aqueles dois seres completamente sem noção são iguais ao Doumajyd! É melhor você ter cuidado com eles...
- Eu não sei como aqueles dois são de verdade e não me interessa... Mas pensei sobre o que conversamos ontem, quando você não estava aqui. Eles me contaram os motivos dessa preocupação toda. Falaram que Doumajyd é, apesar de tudo o que aparenta, uma pessoa muito solitária. Ele cresceu com pais que friamente o colocavam de lado, em um ambiente muito duro. Talvez seja por isso que ele é muito autoritário. Na verdade, em algum lugar do fundo daquele coração de dragão, ele é uma pessoa que deseja muito ser amada.
- ...Vicky? Tem certeza de que está falando do Christopher Doumajyd? Não está confundindo com algum herói de algum romance que você anda lendo?
- Eu estou falando sério, Mary! – protestou a garota – Todos têm uma razão para agir de determinada maneira! Eu acho que você deveria dar uma chance para Doumajyd e descobrir como ele é de verdade! Nós só conhecemos o temível Doumajyd do D4, mas não sabemos como é o Christopher... entende?... Ah, esquece!
Vicky voltou toda a sua concentração para o seu trabalho e deixou Mary comendo seu doce vencido.
- ... Apesar dele ter feito coisas ruins não só para mim? – murmurou Mary, tentando encontrar algo que soasse a seu favor, enquanto lembrava-se de Doumajyd sorridente do almoço – ...inacreditável...
***
Mary acordou cedo no outro dia. Ficara até tarde escrevendo um pergaminho particularmente difícil para a professora de transfiguração e precisava devolver os livros de pesquisa da biblioteca antes que as aulas começassem. Porém, ao chegar ao primeiro andar, foi cercada pelas meninas da Sonserina, que não pareciam nada, nada amigáveis:
- ...Bom dia. – Mary cumprimentou cautelosamente diante dos olhares carregados delas.
- Bom dia nada, idiota! – rosnou a líder loira, a pegando pelos cabelos e fazendo com que derrubasse os livros.
- Você é a pior, Weed! – disse a de cabelos cacheados, pegando um de seus braços, enquanto a outra ruiva fazia o mesmo com o outro, e as três a forçaram a segui-las.
Elas a levaram, sem dizer nenhuma palavra, e parecendo furiosas, até o salão principal, onde praticamente todos os alunos da escola estavam reunidos em volta da mesa da Grifinória. Conforme as meninas foram entrando, arrastando Mary com elas, eles iam abrindo caminho. Uma atmosfera que lembrava muito o ar parado antes de um vendaval reinava no salão, e os olhares para Mary nunca tinham sido piores.
- O que – Mary tentou argumentar, mas foi empurrada para diante da mesa da sua casa, onde algo estava coberto com um pano.
Nele estava escrito a frase ‘apreciem a vontade!’ com uma cor berrante. Mary encarou o pano e depois as pessoas a sua volta, tentando compreender o que estava acontecendo.
Então, a líder das meninas da Sonserina tomou a iniciativa e puxou o pano, revelando um série de fotos, todas de Mary e...
Mary sentiu que o chão havia sumido debaixo de seus pés. Reconheceu no mesmo instante o lugar em que aquelas fotos suas foram tiradas. Era o quarto que acordara na manhã depois da festa. Lá estava ela, deitada, dormindo, sendo abraçado pelos braços de um desconhecido, que ficava fora da visão da foto. Era uma foto mágica, mas os movimentos dela eram mínimos, e apenas a respiração profunda de Mary era bem visível.
- Você só não enganou ao Doumajyd, como a todos nós! – acusou a ruiva – Você está mais do que ferrada!
- Mesmo se tentar todos os seus métodos anteriores, nós não vamos ceder! – disse a de cabelos cacheados a empurrando e a fazendo cair no chão, enquanto os alunos começavam a fechar um círculo em volta dela – Prepare-se!
- O QUE ESTÃO FAZENDO DESSA VEZ?!
O coração de Mary teve um sobressalto e ela pensou desesperada: ‘Não ele! Não agora!’.
- O que estão fazendo com a Weed, feiosas?! – rosnou Doumajyd, vindo até o centro da confusão por um caminho aberto pelos alunos.
- Por favor, dê uma olhada nisso! – a líder loira o fez parar, colocando na frente do seu rosto uma das fotos que estavam em cima da mesa.
- Não! – Mary tentou explicar, embora não conseguisse pensar em nada no seu estado de choque – Doumajyd, não é isso! Eu...
Mas ele não lhe deu atenção, continuou olhando para a foto e perguntou pronunciadamente:
- O que significa isso, Weed?
- Foi alguém que não gosta de mim que fez isso! – defendeu-se ela, mas viu que nada do que dizia atingia tanto Doumajyd quanto o que ele vira na foto, e sentiu que perdia todas as suas forças – Por favor, acredite em mim...
Doumajyd olhou diretamente para ela, e Mary não conseguiu dizer mais nada depois de receber a intensidade daquele olhar. Ninguém nunca a olhara com tanto desapontamento como ele naquela hora e ela se sentiu a pessoa mais culpada do mundo.
Sem dizer mais nenhuma palavra, Doumajyd lhe deu as costas e saiu do Salão Principal. Ela permaneceu estática no mesmo lugar, agarrando seu casaco com força para não começar a chorar, vendo ele se afastar e os alunos novamente fecharem um círculo a sua volta.
Mary não ligava para os sorrisos perversos dos seus colegas de escola, que pensavam na maneira mais divertida de maltratá-la, para fazer pagar o que fizera com o líder do D4. Em sua mente ela não via nada mais além do olhar desapontado de Doumajyd e ele lhe dando as costas.
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