Saturnianos



Dentro da carruagem de Hainault, que seguia veloz para o seu destino, Mary ainda segurava firmemente o seu embrulho, pensando no que estava fazendo. Apesar de ter funcionado com Hainault aquela vez, não era a mesma coisa agora. Ela não podia simplesmente pular dentro de um trem, como o dragão fizera, e ir para outro país para seguir Doumajyd. Seria algo definitivamente estúpido de se fazer.
Isso a fizera se arrepender de ter aceitado a ajuda de Hainault e entrado sem pensar na carruagem. O que diria? O que faria quando chegasse? Falaria que não era para ele ir embora e que ficasse? Não poderia fazer isso! Iria simplesmente falar que viera para entregar o presente de agradecimento? Também não... Foi ao lembrar do presente que havia feito, que ela lembrou no próprio presente que ganhara, e que ainda apertava inconscientemente na mão.
Mary olhou para a caixinha branca fechada com um laço verde e o pergaminho selado. Então colocou o seu embrulho de lado e abriu o pergaminho, deparando-se com os garranchos de Doumajyd.


“Para a Weed.
Tudo bem?... Eu estou mais ou menos.”



Mary riu da forma como ele começava a carta, exatamente como o que ela havia aprendido a fazer quando estava nas primeiras séries.


“Pode ser meio repentino, mas eu preciso ir para Nova York. Vou estudar Administração Bruxa lá... Afinal, o Ilustríssimo Eu é o herdeiro da fortuna Doumajyd e não tem muita escolha. Eu teria que fazer isso um dia ou outro...
Sabe o que eu pensei a primeira vez que eu vi você no Salão Principal? ‘Quem é essa anã brigona?!’... Mesmo que eu tenha causado tantos problemas com a Tarja Vermelha, acho que eu já tinha começado a gostar de você... Confirmei isso naquela vez na Casa dos Gritos, lembra? Quando fiquei com febre e você cuidou de mim, mesmo ainda me odiando. Eu pensei que você era uma daquelas garotas boas que ajudaria até mesmo quem não merecesse... E quando a Sarah Swan causou aquele problema todo, foi a primeira vez que apanhei tanto... Graças a você eu aprendi o quando dói apanhar!



Mary riu de novo, lembrando daquela semana que passara com Doumajyd na enfermaria ouvindo os lamentos dele e brigando mais ainda.


“Mas quando o Ryan voltou, eu percebi que você ainda gostava dele, e fiquei com medo que você o escolhesse... Mas acho que aí, você já tinha começado a gostar de mim, não?
Eu tenho certeza de que o Simon e o Adam também gostam de você e passaram a ver a sangue-ruim como uma amiga. Eles também sempre vão ajudá-la quando precisar de ajuda, principalmente porque você É uma sangue-ruim pobre e brigona!... Mas foi uma sangue-ruim pobre e brigona que surpreendeu a todos no Totalmente Bruxa e espero que sempre se lembre disso! Você é a garota que eu coloquei acima de todas as outras!
Mas, em tudo isso, tem uma coisa que eu queria muito e que não consegui fazer: mostrar Saturno para você. Talvez tenha sido nosso destino compartilhar todos esses momentos juntos, assim como diziam os livros. Mas, como agora já é um pouco tarde para isso, a única coisa que posso fazer, é dar Saturno de presente para você.”



Sem entender muito bem o que ele queria dizer com aquilo, ela apressou-se em abrir a caixinha. E foi com espanto que viu o planeta que o dragão havia lhe dado. Era um colar dourado e um pingente de pérola com pedrinhas de brilhantes e um círculo dourado em volta. Era exatamente igual a Saturno, e parecia brilhar como tal. Ainda deslumbrada, ela terminou de ler a carta:


“Essa é a primeira vez que eu dou um presente para uma garota! Então se você perder eu te mato!
Bom, ir para Nova York foi algo que eu decidi e que não posso voltar atrás. Mas, lembrando de tudo agora, eu sei que vou sentir a sua falta estando lá...
Faça o seu melhor e se forme em Hogwarts! Eu também farei!
Então... até mais.
Christopher Doumajyd.”



- Idiota... – foi tudo o que ela conseguiu dizer, decidindo que deveria vê-lo e dar uma resposta bem dada àquela carta.


***


A carruagem de Hainault parou em frente à mansão Doumajyd e Mary saltou dela correndo em direção ao portão. Como era esperado, eles não a deixaram entrar, mas ela tinha outros meios. Correu seguindo o grande muro que cercava a propriedade até que encontrou uma árvore que poderia escalar. Sem ligar para os machucados que conseguira nas mãos e nos joelhos com a subida e depois em pular o muro, ela correu pelo grande gramado da mansão, segurando firmemente a varinha, caso precisasse passar por algum animal de guarda ou coisa do gênero. Não havia ninguém na parte da frente da mansão, e a casa parecia abandonada. Olhando em direção as janelas, Mary lembrou que havia visto uma grande carruagem para viagem quando esteve lá dentro, e ela ficava atrás da mansão.
Se escondendo quando podia, para garantir que ninguém a impediria de entrar, Mary seguiu sorrateira até os fundos do terreno. E se deparou com uma grande cerca, com uma cobertura de plantas e que parecia não ter abertura. Ela procurou por entre as pequenas folhas uma fechadura ou qualquer coisa que indicasse uma porta. Tinha perdido muito tempo para chegar ali, mesmo tendo vindo com a carruagem, e precisava se apressar ou Doumajyd iria partir.
Quando já estava ficando desesperada, finalmente achou uma fechadura, mas, mesmo com toda a sua força, ela não conseguiu a abrir.
- Droga! – ela reclamou, chutando a cerca.
Foi então que ouviu vozes do outro lado e um trotar de cavalos. Eles já estavam embarcando. Ela precisava pensar em algo rápido ou então...
- ALARROMORA! – berrou com o primeiro feitiço que lhe veio à mente.
Talvez tivesse sido pela intensidade com que ela pronunciara a palavra, ou o seu desespero em atravessar logo, mas a cerca praticamente explodiu com o feitiço, abrindo um grande buraco.
Mary não tinha tempo para pensar se havia feito algo errado, porque ela viu a senhora Doumajyd entrando na carruagem seguida pelo filho, e nenhum deles haviam notado o que ela tinha feito.
Sem pensar duas vezes, ela atravessou o buraco na cerca e correu o mais rápido que pôde.


***


Doumajyd se largou de qualquer jeito no seu lugar na carruagem.
- É melhor se acomodar, Christopher. – alertou sua mãe – Serão algumas horas de viagem.
- Estou bem assim. – respondeu ele de mau humor.
Richardson foi o último a entrar e confirmou para o guia da carruagem que já estavam prontos para partir. Assim que o cenário familiar lá de fora começara a passar, primeiro de vagar e depois acelerando, o dragão se afundou ainda mais no banco.
- ... Estão ouvindo alguma coisa? – disse a senhora Doumajyd.
- O quê, senhora? – perguntou o secretário desgrudando os olhos dos pergaminhos que lia e olhando em volta.
- DOUMAJYD!
O dragão ergueu a cabeça, pensando que talvez estivesse ouvindo coisas.
- DOUMAAAAJYD!!!
Dessa vez ele teve certeza que não estava imaginando e praticamente pulou na janela da carruagem para olhar lá fora.
Lá estava Mary, correndo para tentar acompanhar a carruagem e gritando por ele. Diante daquilo, Doumajyd ficou perdido, não podia simplesmente mandar parar a carruagem da sua mãe.
- Parece... parece que a senhorita Weed veio se despedir. – informou o secretário, também olhando pela janela – O que devemos fazer, senhora?
Distraída, a senhora Doumajyd vasculhava a sua bolsa a procura de algo.
- Acho que esqueci os meus óculos no meu escritório. Richardson! Pare a carruagem e vá buscá-los!
Assim que a carruagem parou e o secretário desceu apressado, Doumajyd encarou a sua mãe surpreso. Ela estava usando os óculos e tanto ela quando Richardson sabiam muito bem disso. Então, sem dar chances para que sua mãe mudasse de idéia, ele pulou da carruagem.


***


- O QUE ESTÁ FAZENDO, IDIOTA?! ENTRANDO SEM PERMISSÃO?! – gritou Doumajyd furioso assim que desceu da carruagem, parando na frente de uma Mary ofegante.
- QUEM É IDIOTA?! – gritou ela o empurrando, se segurando para não chorar e ainda tentando recuperar o fôlego – PORQUE NÃO ME CONTOU NADA?! – então o empurrou mais uma vez, o acusando e não conseguindo conter um soluço de choro com isso – VOCÊ SEMPRE FAZ AS COISAS DO JEITO QUE QUER!
Diante daquele acesso de fúria dela, Doumajyd ficou paralisado, apenas a encarando. Mas quando Mary estreitou os olhos molhados, como se dissesse que lançaria uma maldição imperdoável se ele não falasse nada, ele acordou do seu transe:
- Desculpa... – disse sem jeito, colocando as mãos no bolso e tentando não olhar para ela.
Ele era um fracasso total em esconder o fato de que ir embora do país não era exatamente a coisa que queria fazer, e que estava extremamente mal humorado por ter que obedecer a sua mãe. Com isso, ela respirou fundo, tentando se acalmar, e começou:
- Você não pode ir assim! Eu... não disse uma coisa importante!
- Algo importante? – perguntou ele.
- Obrigada! – ela agradeceu fungando de uma forma resignada, ainda parecendo estar zangada.
Isso fez com que uma tristeza transparecesse no rosto dele.
- Você sempre... – ela continuou escolhendo bem as palavras – sempre acreditou em mim! Você sempre pensou em mim e me ajudou! Eu estou realmente agradecida por tudo o que fez!
Então ela esticou a mão e a abriu, mostrando o colar dourado com o planeta que Doumajyd havia lhe dado, e acrescentou:
- E por isso também, obrigada.
Ele sorriu vendo o pingente. Então olhou para a carruagem, como se para ver se sua mãe estava observando, e pegou o colar com cuidado da mão dela.
Mary apenas observou ele dar a volta por ela, colocar o colar em seu pescoço e começar a prendê-lo, enquanto falava com seu jeito convencido de dragão, como se estivesse contando uma vantagem:
- Eu vou retornar quando me tornar um bruxo ainda melhor! Portanto me espere, Weed! E mesmo que você me peça e diga que não consegue viver sem mim, eu não vou voltar antes disso!
Mary foi para abrir a boca para protestar contra aquilo, mas ele foi mais rápido e acrescentou conseguindo prender o fecho do colar:
- O mesmo vale para mim!... Mesmo que eu não consiga viver sem você eu vou me esforçar e dar o melhor de mim! Acredito que isso me fará forte! Tão forte que ninguém poderá nos atrapalhar novamente!
Ele voltou calmamente para a frente dela, olhando para o alto:
- Mesmo agora, no futuro, e ainda mais adiante... você é a única que eu sempre aprovarei! – então se virou para ela e a olhou diretamente, declarando como se fosse uma ordem a ser seguida – Eu ficarei com você, Mary, não importa o que aconteça!
Ele tinha usado o seu primeiro nome, coisa que ambos sempre evitavam fazer, e ela não conseguiu mais segurar o choro. Não era justo ele ir embora. Não era justo ele ter virado a vida dela de ponta cabeça e agora, quando finalmente eles estavam se dando bem, ir embora. Mas, mesmo com esses pensamentos egoístas por parte dela, ela tinha que admitir que esse afastamento talvez fosse o melhor para os dois.
- Está feliz por eu fazer isso por você, não está? – perguntou ele sorrindo mais convencido ainda, enquanto ela fungava e tentava limpar o rosto com as mangas das vestes.
- De jeito nenhum! – respondeu ela de uma forma teimosa, mas então, com o rosto mais apresentável, olhou para ele sorrindo.
- Mentirosa! – ele riu dela e continuou, brincando para provocá-la – Está escrito na sua testa que você está apaixonada por mim!
- Estou sim! – responde ela com firmeza.
Doumajyd parou de rir no mesmo instante, como se não acreditasse no que tinha acabado de ouvir, e a encarou não conseguindo ter outra reação a não ser surpresa. Diante disso, Mary continuou, parecendo furiosa, como se o estivesse acusando por tudo:
- Eu me apaixonei por esse Doumajyd idiota, egoísta e egocêntrico! Eu-
Ela não pôde terminar de falar, porque no mesmo instante Doumajyd a abraçou forte. Foi a vez de ela ficar surpresa com a reação dele.
- Doumajyd... – ela ainda fungou mais uma vez, se segurando para não começar a chorar de novo.
Ele a soltou um pouco e a encarou bem de perto, segurando o rosto dela com uma mão:
- Eu vou voltar... prometo.
E então ele a beijou e Mary o abraçou mais forte ainda, querendo que aquele momento durasse para sempre.


***


Já dentro da carruagem, depois dela finalmente ter partido, Doumajyd abriu com cuidado o embrulho que Mary havia lhe dado e tirou uma caixa de dentro. Sem saber o que esperar, abriu a tampa e encarou surpreso o conteúdo.
Ela estava repleta de biscoitos de chocolates, todos eles em formato de dragões. Ele pegou um dos biscoitos e olhou bem de perto. O dragão desenhado não só estava de braços cruzados como tinha um cabelo de chocolate cacheado e bagunçado e uma expressão zangada.
Ele não pode evitar rir daquilo, mas imediatamente a sua expressão mudou e ele disse para si mesmo, imitando inconscientemente a expressão do biscoito:
- Ela está tirando da minha cara, aquela idiota!
Sua mãe o encarou rindo por cima dos óculos e Richardson virou-se para rir disfarçadamente.
- Aquela pobre! – reclamou ele mexendo na caixa para ver todos os outros dragões e, mesmo parecendo furioso, não conseguia esconder que estava feliz com aquilo.


***


Ainda nos terrenos da Mansão Doumajyd, Mary olhava a carruagem desaparecer ao longe.
- Ele foi mesmo... – ela disse para si mesma, segurando firmemente o pingente em forma de planeta sem perceber.
Quando mais nada era visível no céu que começava a escurecer, ela deu meia volta e seguiu pelo mesmo caminho que viera.
Não podia deixar de sorrir. Não importava se havia um oceano entre eles! O que era um oceano para um dragão? Ela deveria seguir o que ele dissera e fazer o seu melhor. Ainda tinha mais um ano em Hogwarts e faria de tudo para superar as expectativas de todos.
Afinal, depois desse ano, ela não sabia mais como poderia viver se não fosse entre doces e dragões.


Fim!

... da primeira parte!

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