Diga meu nome



“Bom dia”
Ela apenas acenou, sem dar-se ao trabalho de responder ao cumprimento. Um lenço negro cobria as longas madeixas avermelhadas, enquanto uma névoa envolvia os olhos claros. Há anos estava ali, ocultando da realidade a cor suave daquele olhar.
Caminhou calmamente pelo corredor que conhecia tão bem, deixando os pés levarem-na sozinhos. Ao seu lado, a enfermeira que a havia cumprimentado andava com os olhos perdidos em algum ponto do longo corredor.
Parou em frente a uma porta, de número 75, e indicou que a visitante ali entrasse.
“Obrigada” Agradeceu, mesmo que ambas soubessem que aquela porta já era demasiado conhecida. A enfermeira apenas lhe sorriu, e continuou o caminho até parar a uma outra porta, um pouco mais à frente.

Diga meu nome
Para eu saber que você voltou e está aqui novamente
Por um tempo
Oh deixe-nos dividir
As lembranças que somente nós podemos dividir
Juntos

Adentrou silenciosamente o quarto, depositando o simples ramalhete de lírios sobre uma mesinha. Na cômoda, um vaso abrigava outros lírios já murchos, presente de visitas de outros dias.
Aproximou-se da cama e tocou delicadamente a mão do paciente, notando o quão gélida estava, e acariciou os cabelos negros que lhe caíam sobre a testa, correndo os dedos pela cicatriz.
“Bom dia” Ele disse, um sorriso inocente nos lábios. Ginny também sorriu, e tocou-lhe a bochecha corada.
“Trouxe mais flores” Ela apontou para a mesinha, na qual alguns lírios brancos estavam depositados, envoltos em uma folha de papel cinzento e áspero. Harry sorriu.
“Mamãe gostava deles”

Conte-me
Sobre os dias antes de eu nascer
Como nós éramos quando crianças

Ginny desembrulhou as flores e as colocou no vaso, depois de enche-lo de água mais uma vez.
“Gostava muito..” Harry continuou, o olhar perdido na parede do cômodo.
Ela apenas sorriu, guardando para si as lágrimas que sabia estarem se formando atrás de seus olhos. Já não podia suportar as visitas diárias que fazia a Harry, sabendo que ele sequer a reconhecia. As únicas lembranças que ele possuía eram de uma infância que talvez nem havia existido.
“Sabe, uma vez ela me levou para andar de bicicleta no parque, eu devia ter uns oito anos” Ginny abaixou a cabeça, enquanto sentia gotas quentes escorrerem em duas linhas por suas bochechas. Aquela lembrança nunca havia existido. Harry sequer sabia que seus pais haviam sido mortos quando ele era apenas um bebê de um ano. Sequer sabia que havia freqüentado uma escola de Magia desde os onze. Sequer sabia que graças ao assassino de seus pais, estava fadado a viver ali naquele leito de hospital, recitando acontecimentos fictícios, recebendo visitas daquela jovem mulher, de quem não sabia o nome.
“Você se parece com ela” Ela levantou os olhos, expondo a ele sua maquiagem ligeiramente borrada pelas lágrimas. Um sorriso fino tomou conta dos lábios dela.
“Então me conte..como ela era”

Você toca minha mão
E essas cores se tornam vivas
No seu coração e na sua mente
Eu ultrapasso as barreiras do tempo
Deixando o hoje para trás
Para estar com você novamente

“Ela tinha cabelos como os seus. Longos e ruivos, assim” Ginny aproximou-se e se sentou em uma cadeira próxima a cama. Harry esticou um dos braços e tocou-a, tirando o lenço negro que cobria suas madeixas. Uma cascata cacheada e vermelha caiu por seus ombros, enquanto ele a desenhava com a ponta dos dedos.
“Mas os olhos...os dela eram verdes como os meus” Ela sorriu, Harry tocando-a gentilmente na ponta do nariz.
“Os meus são diferentes, são cor-de-mel, certo?” Harry capturou a pequena mão de Ginny na sua.
“Eles me parecem verdes daqui”

Nós aspiramos o ar
Você se lembra como costumava tocar minha mão?
Você não está ciente
Suas mãos se mantêm imóveis
Você simplesmente não sabe que estou aqui

“Continue” Ela deixou que mais lágrimas escorressem por suas bochechas, e Harry tocou-as com o polegar. Ele jamais imaginaria que ela chorava por sua causa, por todos os anos de lembranças que havia perdido. Ainda se lembrava do dia em que ele acordara, e a chamara de Lily. Com o tempo, acostumou-se à idéia de que Harry a havia perdido, mas ainda guardava no coração a esperança de um dia ouvi-lo dizer seu nome mais uma vez, nem que fosse por uma última vez. Agora, cinco anos de espera depois, já não tinha tanta certeza de que conseguiria suportar mais.

Dói muito
E agora eu peço que você se liberte logo
E vá para o lugar ao qual pertence

“Eu gostava de ouvi-la cantar” Ginny limpou delicadamente as próprias lágrimas, e observou o semblante sonhador de Harry.
“Havia uma canção em especial...não me lembro qual...ela a cantava tão bem..” Ele sorriu, e Ginny deitou a cabeça sobre seu estômago. Algo que não podia decifrar muito bem começou a se formar em seus lábios, e em seguida ela viu-se murmurando uma canção.
“Essa.. era essa a canção”
Um soluço acometeu a jovem, seguido de mais lágrimas. Aquela canção nunca havia sido cantada por Lily. Ginny a cantava todos os dias enquanto Harry ainda jazia inconsciente, para que quando ele despertasse, ao menos lembrasse de sua voz.

Você toca minha mão
E essas cores se tornam vivas
No seu coração e na sua mente
Eu ultrapasso as barreiras do tempo
Deixando o hoje para trás
Para estar com você novamente

“Ah..Harry..” Ele deixou que suas mãos se perdessem em meio aos cachos avermelhados, e tentou consolar a jovem mulher que ia visitá-lo todos os dias desde que estava preso àquele cômodo. Ela nunca havia se apresentado.
Ginny se ergueu e segurou firmemente as duas mãos de Harry nas suas.
“Quando meus pais virão me ver?” Ela sentiu a inocência presente naqueles olhos, e tocou-o gentilmente no topo da cabeça.
“Assim que sair daqui, Harry, prometo que irei levá-lo para visitar seus pais” Em seu interior sabia que o momento jamais aconteceria. A direção do hospital já a havia advertido sobre a vida do jovem. Ele passaria o resto de seus dias ali, contrariando todos os seus sonhos de estudante.

Por favor, diga meu nome
Lembre-se de quem sou eu
Você me encontrará no mundo de ontem
Você flutua para longe novamente
Muito longe de onde eu estou
Quando me pergunta quem sou eu

Ginny vislumbrou rapidamente o relógio em seu pulso, e percebeu que já era hora de ir. O pôr-do-sol já podia ser visto da janela do cômodo. Como fazia todos os dias, levantou-se e depositou um rápido e carinhoso beijo sobre os lábios do rapaz. Apanhou o lenço que havia pendurado na cadeira, e o amarrou novamente sobre os cabelos ruivos.
“Já é hora de ir?” Ele perguntou, buscando a mão dela com a sua.
“Sim.. Mas sabe que amanhã estarei aqui mais uma vez. E pedirei que o coloquem na cadeira de rodas” Harry deixou que um largo sorriso tomasse conta de seu rosto. Ela o levava para dar uma volta no jardim esporadicamente, e o fazia tomar um pouco de sol.
“Está bem.. Até amanhã” Ele acenou de leve a mão, enquanto Ginny já apanhava a bolsa e se dirigia até a porta.

Diga meu nome
E essas cores se tornam vivas
No seu coração e na sua mente
Eu ultrapasso as barreiras do tempo
Deixando o hoje para trás
Para estar com você novamente

“Até amanhã.. Eu o amo tanto, Harry..” Ginny completou em pensamento, incapaz de dizê-lo em voz alta. Saiu do cômodo e fechou a porta atrás de si, encostando-se à mesma em seguida. Mais lágrimas faziam o tão conhecido caminho de tantas outras, morrendo na ponta do queixo da jovem. Limpou-as, e percorreu o longo e vazio corredor, o som de seus sapatos de salto ecoando pelo ar.
“Ginny.. Eu a amo tanto..” Harry murmurou para si, encostando a ponta dos dedos nos lábios, sentindo ainda a doçura dos dela.

Diga meu nome..





Nota: Oi gente! Essa música se chama Say my name, e é de uma banda chamada Within Temptation...recomendada!

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