Desculpas



- Hipogrifo xadrez! – Ela disse, e a pintura lhe lançou um olhar de incredulidade. – É, isso mesmo, eu sei a senha, agora você poderia fazer o favor de abrir essa passagem?

A Mulher Gorda olhou-a de cima a baixo, e, depositando a taça vazia a um canto, resmungou. Instantes depois, o quadro já havia se deslocado para o lado, e uma passagem se formou na parede de pedra. A garota atravessou-a, e sentiu a atmosfera conhecida do Salão Comunal chocar-se com seu rosto. O cheiro de madeira sendo lentamente consumida pelas chamas da lareira atingiu suas narinas, e ela não pôde evitar que seus pés ganhassem vida própria e a levassem até a poltrona avermelhada mais próxima.

Deixou o corpo cair pesadamente na superfície macia e aconchegante, e logo seus sapatos negros de boneca já estavam no chão, ao lado da poltrona, deixando de ocultar os pés envoltos em meias brancas. Virou-se, passando a fitar a lareira. As chamas dançavam, crepitando sobre os pedaços já miúdos de madeira que ali queimavam. Deixou-se perder no brilho rubro, e sentiu que os olhos começavam a pesar. Tinha sono.

Bocejou, levando as costas de uma das mãos à boca. Um sorriso maroto surgiu em seus lábios quando passou mentalmente os últimos acontecimentos contra as pálpebras já fechadas. Tinha sérias dúvidas quanto a real origem de Ron naquela família, afinal tanto ela quanto os outros irmãos eram perspicazes e atentos. E Ron era apenas... Ron. Sorriu novamente, mudando de posição. Não podia negar que, mesmo que se irritasse com ele muitas vezes, também ria tantas outras.

Pensando bem, podia imaginar o tamanho da enrascada na qual McGonnagal metera os três amigos. Arrependera-se por ter sido tão dura com o irmão, mesmo sabendo que parte de seus lamentos era puramente exagero. Conhecia-o bem a esse ponto. Mas, sinceramente, não conseguia pensar em qualquer modo de ajudá-los. Se Ron pudesse ao menos entender o que ela havia tentado propor mais cedo, talvez parte do problema já estaria resolvida. Suspirou demoradamente, afundando mais ainda o corpo entre as almofadas de cor carmim. Harry já é bem crescido para resolver os próprios problemas, pensou.

Um ruído fez com que Ginny recuperasse levemente a consciência de onde estava, e ela abriu um dos olhos. A única coisa que conseguiu distinguir entre as imagens borradas pelo sono foi uma pessoa adentrando o Salão pelo buraco do retrato, e pelo modo como caminhava, não parecia estar em seu melhor estado de ânimo. Abriu o outro, e reconheceu os cabelos avermelhados refletindo as chamas da lareira.

- Ron! – Ela chamou-o, erguendo o corpo da posição confortável em que estava. O garoto levantou a cabeça e mirou a irmã, ainda mais desanimado do que seu andar já denunciava. Ginny sentou-se, e convidou-o a fazer o mesmo.

- Hey, Gin... Você..por acaso viu a Hermione? – Ginny sorriu, colocando uma mecha de cabelo endiabrada atrás da orelha. Talvez o irmão não fosse tão lerdo e cabeça dura quanto havia previamente imaginado. Infelizmente, aquele ar de derrota demonstrava claramente que haviam brigado, o que não acontecia com a mesma freqüência desde o fim da Guerra.

- Ela não esteve aqui. – Ron ergueu os ombros, e seus olhos perderam-se em algum ponto da parede além de Ginny. – Mas sente-se! E me diga que finalmente entendeu!

O ruivo aproximou-se devagar, e seus olhos arregalaram-se tão logo as palavras da irmã entraram em seus ouvidos. Ela mantinha um sorriso travesso nos lábios, e enrolava uma pequena quantidade de cabelo em um dos dedos, num gesto infantil. Ron também sorriu, embora se sentisse como um tolo naquele momento. Seu idiota!, xingou-se mentalmente, você merece todos os xingamentos que Hermione lhe dirigiu nos últimos sete anos.

- Ok, eu entendi. – Sentou-se na poltrona em frente à de Ginny, e observou-a mirar o teto do Salão num gesto exagerado.

- Oh, Merlin! – Ela esticou os braços para cima e chacoalhou-os, como se esperasse que a entidade a escutasse e aceitasse seus agradecimentos. – Obrigada!

- Não teve graça! – Ron fechou a cara, cruzando os braços sobre o peito. Suas sobrancelhas se encontraram numa fina linha que cruzava sua testa, enquanto o jovem mantinha a pose emburrada. Ginny apenas soltou uma gargalhada divertida, levando as duas mãos à barriga. – Ok, pare de rir! – O pedido fez com que a irmã risse ainda mais às suas custas. Ron piscou demoradamente e respirou fundo, aguardando o fim do ataque de bom-humor.

- Desculpe..! – ela murmurou em meio às risadas. – Mas, Ron, você precisa concordar que.. é um tapado! – Um novo ataque de risos seguiu a constatação, fazendo com que o ruivo corasse em constrangimento. Ele apertou ainda mais os braços cruzados, e bufou, irritado. Ginny percebeu que o irmão não demoraria a se irritar verbalmente com ela, e decidiu que era hora de parar de rir. Pigarreou, limpando as lágrimas que surgiram nos cantos dos olhos turquesa. – Agora.. é sério. Desculpe.

Ela colocou as mãos sobre os próprios joelhos num gesto inocente, e fitou o irmão.

- Pode falar, estou ouvindo, e prometo não rir! – Levou dois dedos aos lábios como se os selasse, e sorriu ao vê-lo também sorrir.

- Ok.. – Ron respirou fundo, enquanto entrelaçava os dedos uns nos outros, o que Ginny sabia que demonstrava seu nervosismo. – E-eu acho que você tinha razão, e parece lógico que..eu dance com ela. – Ele soltou todo o ar que estava segurando, como se soltasse também toda a apreensão a respeito do assunto. Ginny debruçou-se sobre as próprias pernas e apoiou o rosto nas mãos, num convite mudo para que o irmão continuasse a falar. – Mas.. acho que ela ficou brava por eu ter agido como um idiota.

- Ela deve ter pensado que você ainda não a vê como garota. – A ruiva levou um dos dedos ao queixo, e deixou que um sorriso timidamente confiante surgisse em seus lábios. Ron mirou-a perplexo, imaginando como a irmã conseguira entender quase perfeitamente o que Hermione pensava sem sequer conversar com ela. Ela pareceu ler os pensamentos do irmão. – Eu simplesmente sei, Ron, porque isso não é o tipo de coisa que uma garota consegue esquecer. Além do mais... nós somos amigas! E existem muitas coisas que só se pode confiar a outra garota. – Piscou, enquanto se divertia internamente com a expressão confusa do ruivo.

- Você quer dizer que... – Começou, tentando colocar em palavras da melhor forma possível a perplexidade que havia se instalado em seus pensamentos. Não pôde evitar, porém, que a irmã o interrompesse.

- Não quero dizer absolutamente nada, mas você sabe, algumas coisas não precisam ser ditas. – Ele concordou, enfim, soltando um longo suspiro.

Levou os dedos aos cabelos ruivos e os colocou para trás, deixando o corpo cair para trás na poltrona vermelha. Não era o melhor aluno, aliás estava muito longe disso, portanto considerava-se simplesmente inapto a compreender todas as coisas que elas esperavam que compreendesse. Não sabia como captar as pequenas mensagens que pairavam no ar a cada expressão facial, e se não sabia captá-las, sequer sabia entendê-las. Bufou, contrariado, enquanto as mãos cobriam os olhos e os esfregavam. No momento, queria apenas poder desaparecer daquele mundo cheio de pequenas mensagens subliminares, e estar em algum lugar onde tudo pudesse ser direto, e devidamente esclarecido.





- Pela última vez, Srta. Granger, será que poderia controlar seus espirros?

A voz irritantemente estridente se fez ouvir já pela quarta vez na biblioteca silenciosa. Todos os alunos que estavam mergulhados em suas leituras e anotações levantaram as cabeças curiosas e miraram o alvo da reprimenda. Alguns sorriram, compreendendo a ironia da situação: alguém que passara praticamente metade de sua vida dentro de uma biblioteca abarrotada de livros e poeira simplesmente não pode desenvolver uma repentina alergia. Outros, sentindo-se incomodados com o ruído, apenas menearam a cabeça de um lado para o outro, tentando levar a atenção de volta à leitura. Hermione não ousou fitá-los, sentindo-se envergonhada, e carregou uma pesada pilha de livros em direção à grande porta de madeira que separava o aposento do resto do castelo.

Apoiou um dos pés na superfície lisa e empurrou-a, pois os braços estavam demasiado ocupados na tentativa quase bem-sucedida de equilibrar todos os exemplares que trazia. Eram tantos que praticamente lhe tampavam a visão. Perfeito.. Os únicos que pensei que nunca me fariam mal. Pensou, amargurada, enquanto tentava desajeitadamente inclinar o pescoço para o lado, a fim de enxergar ao menos parte do caminho. Os pés caminhavam com certa dificuldade devido ao peso dos livros, mas ela não se importava. A única coisa que queria, naquele momento, era alcançar o Salão Comunal em segurança, espalhar todo o material sobre alguma mesa e afundar ali até que não tivesse mais nenhum trabalho a fazer. Inventaria alguns, se necessário, mas não permitiria que sua mente vagasse pelas lembranças, antigas ou recentes.

O som ritmado de seus pés em contato com o piso frio dos corredores a manteve distraída, e seus pensamentos se perderam nos planos para a tarde livre. Havia se esquecido, momentaneamente, de inclinar o pescoço e avistar se o caminho era seguro. Até mesmo seus braços não pareciam mais sentir o peso dos livros.

Sua consciência voltou quando sentiu o baque dos livros chocando-se contra a superfície de uma porta recém-aberta, os mesmos indo em direção ao próprio corpo, e o conjunto desmoronando em direção ao chão. Algumas páginas se soltaram, e voaram sem direção pelo corredor silencioso. O peso de um livro sobre seu estômago fez Hermione tossir e empurrá-lo para o lado. Curioso como não havia percebido o quanto eram pesados, enquanto caminhava distraidamente com uma pilha deles nos braços. Talvez os livros não estivessem ao seu favor naquele momento.

Respirou profundamente, recuperando-se do acesso de tosse, e mirou os pés da figura a sua frente. Usava sapatos negros, e uniforme. As vestes exibiam detalhes em verde e prata, e o distintivo de monitor reluzia no peito. Ótimo, um monitor da Sonserina. Pensou, imaginando o que mais poderia acontecer envolvendo ela mesma, livros e alguma situação desastrosa.

- O que foi? – A voz firme e gélida cortou o silêncio, e Hermione se permitiu fitar o rosto do jovem. – Vamos, levante-se, Granger.. – ele disse, um sorriso tipicamente sonserino brotando em seus lábios, e ofereceu-lhe uma mão. Hermione percebeu algo que lembrava divertimento nos olhos cinzentos, mas não sabia dizer exatamente o que era.

- Obrigada. – Agradeceu, sem, no entanto, aceitar a ajuda. Apenas deixou que os olhos caramelo vagassem da mão estendida para o rosto dele, na tentativa de entender se não havia nenhum truque no gesto aparentemente gentil. Decidiu que era melhor não arriscar, e levantou-se sozinha. Ele recolheu a mão e levou-a aos cabelos loiros claríssimos, empurrando a franja para longe de seus olhos cinza-metálicos.

- Não devia carregar todos esses livros ao mesmo tempo. – Comentou, como quem apenas observava o clima do lado de fora de uma janela qualquer. Hermione continuou a recolher os grossos volumes, e pensou se não estava sob o efeito de algum feitiço de confundir. Se seus ouvidos não a estavam enganando, Draco Malfoy, aquele que a chamara de sangue-ruim desde que começara a estudar em Hogwarts, estava sendo educado. Realmente educado.

Ela concordou com a cabeça, e num gesto rápido e hábil da varinha, os livros empilharam-se como se uma mão invisível os movesse, e passaram a flutuar próximos ao seu ombro.

- Você não tem as notas mais altas da escola à toa. – Draco disse, mais para si mesmo do que para ela, e deixou que as mãos permanecessem imóveis dentro dos bolsos do sobretudo negro. Hermione fitou-o, e sorriu, enquanto seus pensamentos pairavam entre o óbvio e o oculto. Ele pigarreou levemente, ainda assim de maneira elegante, para que a atenção dela voltasse para o momento presente. – Eu soube que.. você está enroscada com a idéia maluca da McGonnagal.

Como, pensou, ele pode saber disso?! Sentiu os olhos chocolate apertarem-se e uma fina linha de desconfiança surgir em seu rosto. Não podia baixar a guarda quando se tratava de Malfoy, ex-comensal de confiança, sempre pronto para abocanhar uma oportunidade de se sobressair entre os comparsas sonserinos. Talvez nem mesmo o fim da Guerra e a morte de Voldemort havia sido o suficiente para que ele desistisse da vitória. Os pensamentos de Hermione trabalharam rapidamente, tentando juntar em uma velocidade muito superior à normal as peças do quebra-cabeça. Até mesmo aquele golpe de boa-educação poderia ser uma chance de se fazer de cordeiro.

Draco pareceu perceber que algo se passava pela cabeça dela, fazendo-a emanar desconfiança. Pensou em algo que pudesse desfazer aqueles pensamentos acusatórios, e arriscou:

- Snape.

- O... quê? – Hermione já havia se afastado alguns passos, andando de costas, e planejava virar o próximo corredor para se esconder em alguma sala. De lá, poderia tentar entrar em contato com os garotos e contar a eles tudo que havia acontecido. Eles concordariam que Malfoy os havia espionado, e seria uma ótima oportunidade de eliminar o mal pela raiz. A Ordem daria um jeito na situação tão logo soubesse o que estava acontecendo.

- McGonnagal contou para Snape, que comentou comigo. Sabe, sendo Monitor-chefe, preciso estar ciente do que acontece nesse castelo.. – Hermione arriscou um sorriso nervoso, e deu mais dois passos para trás, afastando-se. Não iria cair na desculpa esfarrapada, e além do mais Draco parecia nervoso, como se tivesse deixado escapar algo que não podia, ou não devia revelar. Ele levantou as mãos, tirando-as dos bolsos, e ergueu os ombros. Havia falado a verdade. – Bem, não me importa. Foi só uma pergunta.

- Estou, mas.. acho que vou conversar com ela e me livrar disso. – Ele meneou a cabeça para frente, concordando, e suas mãos voltaram aos bolsos, dessa vez revirando-se em seu interior. – Preciso ir. – Hermione agitou mais uma vez a varinha e voltou a caminhar, tendo os livros em seu encalço. Como havia planejado nos últimos instantes, virou no corredor mais próximo e caminhou o mais rapidamente que pôde e o mais silenciosamente também.

Parou, finalmente, em frente a uma porta escura de madeira, e deixou o tronco encostar-se nela enquanto recuperava o fôlego. Os pensamentos voavam como vassouras enlouquecidas em sua mente, e ela não conseguia fixar nenhum deles para que pudesse se concentrar. Levou uma das mãos à testa e afastou dali uma parte da franja que insistia em atrapalhar sua visão. Não sabia dizer se tudo aquilo não passara de paranóia, ou se estava certa ao desconfiar do sonserino. A única coisa que podia afirmar com certeza dali para frente era que nunca manteria uma conversa, racional ou não, por mais de cinco minutos com qualquer suspeito a querer acabar com a ordem tão duramente atingida por Harry, Ron e ela própria.





Oh! Que droga! Eu odeio, simplesmente odeio, esse quadro idiota, essas senhas idiotas, e mais ainda os idiotas que as trocam como se fossem meias! As palavras enfurecidas cortaram a linha de raciocínio da garota enquanto ela andava de um lado para o outro em frente ao retrato da Mulher Gorda. Já não era a primeira vez na semana que ficava para fora do Dormitório por culpa de algum monitor mal-humorado que trocava as senhas e não comunicava a ninguém. Podia até mesmo imaginar o tipo de senha que havia sido escolhida para o dia. Talvez algo como ‘Revolta dos Trasgos ocorrida em 1682’, ou algo igualmente inspirado em qualquer matéria. Típico da Granger-sabe-tudo.

- Já chega, não? Estou ficando tonta de tanto que você passa na minha frente! – Resmungou a pintura, acomodando-se melhor sobre o divã cor-de-rosa. Mais parece uma leitoa montada num burro.. a jovem pensou, enquanto levava a mão aos cabelos cor-de-mel e os enrolava num coque, prendendo-os com a própria varinha como se esta fosse um palito japonês. Alguns cachos dourados soltaram-se do penteado, mas ela não pareceu inspirada a recomeçá-lo. – Estou falando sério, D’Albion. – a Mulher Gorda havia se aproximado da moldura e lançou à garota olhares quase assassinos.

- O que, você vai sair dessa pintura ridícula e me bater? – Rachel D’Albion cruzou os braços, fazendo com que a própria imagem se tornasse imponente e desafiadora. Semicerrou os olhos esverdeados e fitou a pintura com seu melhor tom de superioridade.

- Não, mas talvez eu diga que alguém aqui.. – a Mulher indicou Rachel, como se estivesse se referindo a algo sem a menor importância. - ...está na casa errada. – completou, e um sorriso vitorioso apareceu em seu rosto rechonchudo quando a garota bufou. Rachel, no entanto, não havia terminado. Se alguém a desafiava a ponto de merecer desejar nunca ter nascido, ela se mostrava a favor da situação e fazia quem quer que fosse engolir as próprias palavras.

- Concordo.. – Ela deu dois passos na direção oposta, ficando de costas para a pintura. – Talvez nas outras casas as pinturas tenham mais educação e saibam exatamente quais são os seus lugares. Você, querida, deveria estar, no máximo, pendurada em alguma parede suja no porão do castelo. – A Mulher Gorda apoiou as mãos nos quadris, lembrando a Rachel a imagem cômica de um açucareiro cor-de-rosa. A garota manteve a expressão arrogante, e levou um dos cachos para trás da orelha. Discutir com pinturas a entediava. Se ao menos um grifinório qualquer passasse por ali e dissesse a senha, ela poderia se ver livre da situação. Deixaria a mochila sobre a cama e a primeira coisa que faria seria contatar McGonnagal e reclamar sobre essa ridícula mudança de senhas a cada instante.

O som de passos rápidos ecoando pelo piso lustroso do corredor não foi suficiente para que Rachel despertasse dos próprios planos. A outra garota, que vinha em direção à pintura e se perguntava o motivo de esta manter a expressão emburrada, pareceu não notar a distração de Rachel.

- Olá D’Albion.. Esqueceu a senha? – Hermione perguntou, enquanto remexia nos bolsos do sobretudo negro em busca de algo. Quando os dedos ágeis se fecharam ao redor do pequeno pedaço de papel, a garota sorriu, aliviada.

- Não. Eu nem sei a senha. – respondeu, com um certo tom de amargura na voz. Hermione suspirou, enquanto desdobrava o papel e tentava decifrar a caligrafia torta de Ron.

- Nem eu. – sorriu, cúmplice, sem perceber que Rachel sequer a fitava. – Ron é o responsável pelas senhas.. e nunca dá tempo de avisar a todos os alunos.

Rachel ergueu os ombros, indiferente, e fitou algum ponto distante na parede.

- Ele deve estar muito inspirado ultimamente. – A ironia na voz dela se fez clara, e Hermione suspirou. O que sabia sobre Rachel D’Albion era que a garota não nutria qualquer tipo de afeição pelos monitores, principalmente por Hermione. A garota era uma das melhores amigas de Ginny, com a qual sabia que se dava muito bem.

- Hipogrifo xadrez. Essa é a senha de hoje, vou colocar um aviso no quadro, lá dentro. – Rachel não se deu ao trabalho de responder, brincando com a própria varinha. Os cachos dourados haviam se espalhado por suas costas, e os olhos estavam fixos no objeto em suas mãos. – Vou escrever a senha todos os dias pela manhã e afixar no quadro, assim ninguém mais fica para fora. – piscou para a outra garota, e percebeu que um pequeno, mas ainda assim um sorriso, se formou nos lábios da mesma.

- Podem entrar, agora! – disse a pintura, afastando-se para que a passagem se formasse.

Quando avistou o conforto do Salão Comunal, Hermione se sentiu aliviada. Poderia deixar todos aqueles livros pesados sobre uma mesa e descansar um pouco antes de começar a estudar. Tudo o que queria era uma poltrona.

- Obrigada. – Rachel murmurou baixo, mas audível o suficiente para que Hermione sorrisse. De certa forma, a garota se sentira bem por poder ter sido educada e agradecer um gesto de quem nem sequer era sua amiga.

- De nada. – Hermione virou-se para ela e a fitou nos olhos. Sabia que, no fundo, o jeito difícil de Rachel era uma forma de proteção contra os outros, e queria mostrar para ela que nada disso era necessário. Palavras duras jamais seriam suficientes para evitar alguém de ser magoado, e só faria com que as outras pessoas se afastassem cada vez mais. A maior arma contra a tristeza e a solidão sempre seria um grupo de bons amigos.

- Rachel! – a cabeça ruiva de Ginny apareceu por trás de uma poltrona, interrompendo a linha de pensamentos de Hermione. Ela sorriu e acenou para a amiga, recebendo uma piscadela em resposta. – Estava te esperando, vamos, estou com uma dúvida terrível em... – a garota pareceu pensar por um instante, deixando claro que não havia dúvida alguma. - ...Adivinhação! – Ginny puxou apressadamente a mão de Rachel na direção das escadas para os dormitórios, mas esta não se moveu.

- Espere um pouco aí! Você não faz Adivinhação! Ei..! – Recebeu outro puxão, deixando claro que Ginny não responderia mais nada enquanto não estivessem no dormitório. Fitou a face levemente corada da amiga e notou o desespero contido ali. Ginny enviou olhares significativos para Hermione, e em seguida para uma outra cabeça ruiva de costas para o grupo. Ron, pensou Rachel. Claro! – mas fará essa matéria no ano que vem, certo? Vamos subindo...

Rachel recebeu uma piscadela em troca da mensagem entendida, e as duas seguiram apressadamente escada acima, até alcançarem a porta de madeira onde se lia ‘sexto ano’. Ginny levou uma das mãos ao estômago enquanto recuperava o fôlego, e um sorriso maroto brotou em seus lábios.

- Desculpe, eu não sabia mais o que dizer! Se não saíssemos dali naquele momento... acho que Ron nunca teria outra oportunidade de.. – Rachel não deixou que ela terminasse.

- Seu irmão é um total bundão, Ginny, desculpe a palavra! – As duas caíram na gargalhada, e a ruiva deu um tapinha de leve no ombro da amiga. – Mas é verdade!





Hermione olhou em volta e percebeu que o Salão Comunal só poderia estar mais silencioso se não houvesse o estalar contínuo das chamas na lareira. Sequer era inverno, e mesmo assim o castelo mantinha o ambiente úmido e gélido. Chegou até mesmo a pensar, por um instante, que estava no Salão da Sonserina. Balançou a cabeça de um lado para o outro, fazendo com que as idéias se dispersassem, e se dirigiu para uma das poltronas. A pilha de livros já havia se instalado atrás da mesma com um rápido aceno de varinha.

- Elas fizeram de propósito.. – uma voz cortou o ambiente silencioso, e Hermione virou-se rapidamente para a direção de onde a voz viera. Já sabia, no entanto, quem era seu dono.

- Ron! Não vi que estava aí.. – Ele havia se virado, e encarava Hermione por trás do encosto vermelho do sofá. Era muito fácil perceber que ele tinha algo a dizer, por mais que o silêncio ainda vencesse naquele Salão. Ron respirou fundo algumas vezes, como se estivesse pronto para começar, mas desistiu em todas. – Não vejo porquê.

- O que? – Ele disse, encontrando os olhos chocolate da garota. Ela apenas sorriu fracamente, antes de se explicar.

- Não há qualquer motivo para elas terem saído de propósito. – Ron assentiu, deixando a cabeça tombar levemente para frente, e em seguida voltou à postura anterior. – Bem... eu tenho muito a fazer ainda, muitas lições.. e você também! – ela completou em pensamentos, e um pequeno sorriso se formou em seus lábios. Algumas coisas jamais mudariam não importando o que acontecesse, e Ron copiando suas lições na última hora era uma dessas coisas.

Hermione chegou a se virar e caminhar sem qualquer pressa na direção da mesa onde estavam seus livros, mas de alguma forma ainda esperava uma interrupção. Não sabia, apenas sentia que havia algo a ser ouvido. Sua intuição nunca a enganara.

- Não, espere. – Ron esticou o braço e tentou alcançá-la, mas Hermione já estava a alguns passos de distância. O tom de insegurança em sua voz fez com que ela parasse por um instante. – Eu preciso falar com você sobre...

A garota fitou-o e ele pareceu apreensivo. Suas sobrancelhas ruivas formavam uma linha em sua testa, e Ron novamente pôs-se a respirar profundamente, esperando as palavras se formarem sozinhas em seus lábios, o que mais uma vez não aconteceu. Hermione sentiu vontade de sorrir, mas conteve-se; ainda estava zangada com ele e sua falta de percepção, e se fingisse que nada havia acontecido, talvez o garoto jamais percebesse o que fizera de errado.

- Sobre...? – ela começou, entrelaçando as próprias mãos. Tentou ao máximo não demonstrar qualquer emoção em seu rosto, no entanto era difícil não notar seu estado de ansiedade. Ron piscou demoradamente e levou as mãos aos cabelos, jogando-os para trás. Respirou fundo uma última vez, e preparou-se para começar.

- Sobre hoje. – Hermione, que estivera fitando os próprios sapatos negros de boneca, levantou os olhos e encarou-o assustada. – Desculpe, a Ginny tem toda a razão em dizer que sou um tapado e que... – a garota o interrompeu.

- Esqueça isso, não foi nada. E ela diz isso porque é sua irmã, irmãos costumam ter certos tipos de implicância.. – Ron soltou o ar que estivera preso em seus pulmões, e apoiou um dos braços no encosto macio e vermelho. Sorriu.

- Não é implicância, Mione, é verdade! Eu sou um completo tapado, e não tente me convencer do contrário. – Ele adicionou, quando percebeu que a amiga já estava preparada para defendê-lo novamente. – De qualquer forma.. ela tinha toda a razão, e eu não entendi o que estava bem na minha cara.

Hermione não pôde deixar de sentir uma sensação conhecida e quente em suas bochechas, e logo também permitiu-se sorrir. Sabia do que ele estava falando, mas alguma parte dentro de si ainda a fazia acreditar que tudo não passava apenas de uma falsa esperança.

- E o que.. - Respirou profundamente, enquanto uma de suas mãos agarrava um cacho caramelo por trás de suas costas. – o que seria isso? – soltou o ar demoradamente, como se isso pudesse de alguma forma tranqüilizá-la. Fechou os olhos por um instante, sem perceber, e ficou alheia aos ruídos ao redor de si.

Ron notou a distração da amiga e levantou-se, tentando se fazer notar o mínimo possível. Deu a volta no estofado vermelho, e em alguns mínimos segundos já estava ao lado de Hermione.

A única coisa que a garota sentiu a seguir foi a mão dele sobre seu ombro. Ela abriu os olhos, assustada, e o fitou.

- Bem.. você.. – Ele desviou os olhos, sem ainda retirar a mão do ombro de Hermione. Suas bochechas ardiam. – você acharia muito ruim participar do concurso sendo meu par?

Ron havia dito tudo muito rápido, mas suficientemente claro para que a garota o entendesse. Hermione colocou a própria mão sobre a de Ron, e sentiu-a gelada. Ela demorou a responder, fazendo-se de indecisa.

- Hmm.. – começou, e Ron voltou a fitá-la. – Acho que, se você não pisar muito nos meus pés.. eu posso concordar com isso. – Sorriu, finalmente.

O garoto soltou todo o ar que estava preso em seus pulmões, e sentiu-se aliviado. Sorriu para ela também.

- Você também não sabe dançar! – Ron provocou, e ela colocou as duas mãos na cintura, tentando fingir-se de zangada. O garoto deu dois passos para trás, sorrindo divertido.

- E como você pode ter tanta certeza disso? – Algo nos olhos dela pareceu desafiador, mas Ron não soube dizer exatamente o que era. Um sorriso brincalhão surgiu nos lábios rosados, e Hermione lhe deu as costas, caminhando apressadamente até o outro lado do Salão.

A garota parou por um instante, e fitou algo na pintura a sua frente. Respirou fundo, e finalmente virou-se para encarar o ruivo, que ainda não havia entendido o que estava acontecendo. Ele cruzou os braços, e suas sobrancelhas formaram uma fina linha em seu rosto. Hermione não estava séria o suficiente para estar zangada com ele, e de certa forma aquilo soava demais como uma brincadeira. Levou uma das mãos aos cabelos ruivos e enterrou-a por entre os fios, enquanto uma expressão confusa tomou conta de seu rosto.

Hermione fitava-o, ainda sorrindo, e pigarreou levemente, fazendo com que o garoto prestasse atenção no que diria.

- Ron. – ele descruzou os braços rapidamente, e a garota fez que sim com a cabeça.

- O que é que você.. – Ron começou, sendo interrompido pelo ‘shh’ autoritário ao qual estava tão acostumado.

- Me segure.

- O... quê?! – Hermione sorria, e no instante seguinte já cruzava graciosamente a distância que os separava, como se deslizasse pelo assoalho do Salão.

Os passos longos e ágeis levaram-na em direção ao garoto, e este não precisou de qualquer explicação para compreender o que ela faria a seguir.

Quando já estava próxima a ele, Hermione tomou impulso e saltou, sendo prontamente amparada por Ron, que a ergueu acima de sua cabeça. A posição durou alguns segundos, até que as mãos dele escorregassem da posição próxima a sua cintura, capturando-a em segurança, como se tudo houvesse sido previamente ensaiado.

- Ahnn... – ela começou, tirando um cacho cor-de-caramelo de seus olhos, enquanto a outra mão a prendia a ele. – é, algo assim, obrigada.

Ainda sem colocá-la no chão, Ron encarou-a intensamente, e ela retribuiu o olhar.

- Será que podemos conseguir?

- Sim.. – Hermione respondeu, sentindo que um sorriso surgia em seus lábios, e o abraçou.

















Continua...

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.