A Quebra do Elo
Lucila sentiu-se triste. Não havia mesmo como mentir para Severo. Mas ainda não fora derrotada. Ele vira muitas coisas, ela tinha certeza, mas não mais do que deveria. O mais importante ficara protegido pela pouca oclumência que conseguiu usar naquela noite. "Não nos amamos, mas nos queremos bem. Nos conhecemos desde criança. E nossas famílias ficarão satisfeitas. Nos deixarão em paz".
Severo soltou um riso amargo. Todos sabiam que quando, aos dezesseis anos, Black fugira de casa, sua família o renegara. Mas ainda assim sua mãe o perseguia, enchendo sua vida de infortúnios como castigo por sua suposta ingratidão. Snape não conhecia muito da história, não fazia idéia se algum dos lados tinha razão. Mas achava que, de qualquer maneira, Black merecia todo tipo de punição. E com requintes de crueldade.
Lucila não chegou ao extremo de fugir de casa, pois apesar de cheia de preconceitos e idéias radicais inerentes a qualquer Malfoy, sua mãe era uma boa pessoa. E seu pai era um homem de coração imenso, de uma família bruxa antiga e nobre que não julgava as pessoas pelas suas origens, mas por seu caráter.
Para o desgosto de Snape, se visto pelo ângulo das relações familiares, o casamento seria uma ótima saída. A mãe de Black pararia de persegui-lo, menos ultrajada após ele se casar com uma bruxa de sangue puro (e, ainda por cima, metade Malfoy). E a mãe de Lucila pararia de incomodá-la com pretendentes nada amistosos vindos de Durmstrang. Ela se sentia como uma mercadoria, sendo chamada para a sala para que um rapaz carrancudo e seus pais arrogantes pudessem avaliá-la de cima a baixo. Isso a irritava profundamente, mas poderia ser pior se sua mãe realmente a obrigasse a aceitar o compromisso com algum daqueles brutamontes.
Contudo, Severo ainda achava que era uma decisão muito precipitada. Existiam outras soluções e ela tinha muito tempo pela frente para achar alguém com quem realmente quisesse se casar. Todos eram jovens ainda, por volta dos dezoito anos. Mas ela parecia ainda mais menina, com os olhos cheios de ternura e o sorriso de uma alma repleta de esperança. Nova demais para dar um passo como aquele, para se resignar, para algo tão definitivo e, ao mesmo tempo, tão sem futuro. Sirius Black era um bruxo imaturo, sem classe e sem educação. Ela merecia alguém mais...responsável, valoroso. Desde quando, aliás, Black e Lucila tinham ultrapassado a linha da simples amizade? Não se lembrava de qualquer sinal disso. Concluiu que não havia mesmo explicação alguma para aquela união ultrajante. "Esses não me parecem os motivos ideais para um casamento" disse ele, voltando a fitá-la. "Eu não acredito que vá desistir assim dos seus sonhos!".
Lucila tentou sorrir, inundada por uma nova onda de melancolia. "E você não desistiu do seu?". E mais uma vez, antes que ele pudesse se defender, se refugiar atrás de sua máscara de frieza, Lucila pôde vislumbrar Lílian em Severo. Menos agora do que antes, mas ela ainda estava lá. Rindo alegremente. O impregnando de um sentimento morno e estranho, algo que ele nunca admitiria. Severo Snape nunca se jogaria aos pés de mulher alguma. Ele se considerava muito mais do que isso, do que essas sentimentalidades banais. Aliás, melhor dizendo, como estaria apaixonado por Evans? Uma garota que o envergonhava tentando defendê-lo daquele bando de marginais? Não, ele não precisava de ajuda. Ela era uma enxerida, querendo se meter na sua vida como se ela...como se ela se importasse! Nunca! Repudiava qualquer tipo de pena dirigida a ele! Ainda mais vinda "da sangue-ruim preferida do nojento do Potter"! Então, como não poderia deixar de ser, ele enganou a si mesmo durante anos e nunca sequer cogitou uma declaração à ruiva. A tratava de forma politicamente correta quando estavam a sós, mas a insultava quando um dos Marotos estava por perto. Lílian nunca sabia ao certo o que esperar dele e isso, às vezes, a magoava profundamente.
Lucila sempre soube daquele sentimento que o corroia. Mesmo antes do primeiro encontro do grupo de estudos, quando teve a oportunidade de conhecer Severo melhor. Não que ele tenha ajudado, já que mal lhe dirigia a palavra. Mas o tempo e a convivência fazem milagres. E a maior prova disso é que ela poderia considerá-lo, contrariando todas as expectativas, seu melhor amigo. Alguém em quem ela confiava a ponto de aceitar praticar legilimência e oclumência com ele, jogando em segredo.
E sua melhor amiga? Era, claro, Lílian. Trocaram as primeiras palavras dentro de um dos botes que levavam os alunos do primeiro ano ao castelo. Palavras cheias de expectativa, de excitação. Estavam felizes por estar ali e deslumbradas pelas perspectivas que tinham em relação aos estudos em Hogwarts. Tornaram-se muito amigas, mesmo sendo direcionadas a casas diferentes pelo Chapéu Seletor. Uma corvinal e uma grifinória.
A questão é que, exatamente por ser tão amiga dos dois, Lucila sabia que o que Severo sentia poderia ter sido algo mais que um amor adolescente platônico. Conhecia a ruiva o suficiente para saber que um dia ela também sentiu algo por Snape. Algo não muito claro, mas terno. Admiração por sua inteligência, curiosidade, carinho e uma dose de compaixão. Por isso Evans não suportou Potter durante quase todo o período que passaram em Hogwarts. Não tolerava o modo como ela tratava o pobre Snape, porque era generosa e enxergava sempre o melhor em cada pessoa.
Mas há um momento em que qualquer um se cansa de esperar que a água se torne vinho e, no sétimo ano, Lílian desistiu de Severo. E, para o desespero mascarado de Snape, deu uma chance ao seu pior inimigo. Lucila assistiu ao sofrimento dele, porque mesmo que ele tentasse esconder, ela o entendia. Olheiras, falta de apetite, desinteresse até por poções. Ele estava mal. Doente por Lílian Evans.
Severo não quis continuar falando naquilo. Era passado e ponto. Lílian não era mais uma possibilidade. Ele havia perdido e não havia mais nada a ser feito. Perdido para Potter. Mas não ia deixar que levassem Lucila para o lado deles. Não ia perder a única amizade verdadeira que lhe restava. Praticamente a única coisa que ainda o forçava a questionar suas escolhas, lançando uma dúvida sobre o caminho que seguiria ao deixar a escola.
Lucila não precisou visitar a mente dele para saber que esse era seu medo. Medo de que ela também começasse a odiá-lo e que mais nada o prendesse a uma vida...normal. E lá estava ele, tão aparentemente frio e indestrutível, temendo a solidão, que todos os que não o conheciam achavam ser sua única sina e vontade. "Eu vou estar sempre onde você possa me encontrar, Severo" disse, repousando a mão em seu ombro. E sorriu.
Snape não se moveu, apenas abaixou um pouco a cabeça, olhando para a mão de pele clara que o tocava com delicadeza. Depois, suspirou. E voltou a olhar para o chão. "Você não me deixou ver tudo. Está me escondendo alguma coisa que a faz sofrer...".
Lucila empalideceu ainda mais e se levantou bruscamente. Graças a Merlin, ele ainda não sabia o que era, mas sabia que havia algo ali. E, se ela não fosse cautelosa, logo ele descobriria. "Há coisas que você também não me mostra, Severo".
Ele permaneceu sentado, engolindo em seco. Sabia muito bem do que ela estava falando. Uma noite cometera um erro. Compareceu ao encontro semanal para que explorassem as lembranças um do outro, mas não estava em um bom dia, influenciado demais por seu coração quebrado, enfraquecido por uma batalha mental contra imagens de Evans e Potter se beijando que faziam questão de brotarem de todos os lados. Não pensou nas conseqüências disso, subestimando o poder de Lucila. E deixou que ela visse a sombra negra. Por apenas alguns segundos até que ele pudesse ocultá-la de novo, mas ela enxergou o vulto. Nunca mais se esqueceria da expressão no rosto dela. Da decepção em seus olhos, do medo e da preocupação. Ela tentou conversar com ele, tentou fazê-lo falar. Mas ele se fechou e a proibiu de tocar no assunto. Era melhor que fosse assim. Ou ela se envolveria demais...
A voz de Lucila o trouxe de volta à realidade. Ela ainda estava de pé, andando lentamente de um lado para o outro. "Severo, eu pensei muito e acho que temos o direito de guardar alguns segredos um do outro. Acho que devemos parar com esse jogo. Ele está começando a nos fazer mal...".
Ele levantou os olhos, seguindo os movimentos da moça. Queria argumentar, mas ela estava certa. Seus pensamentos, agora que eram quase adultos e responsáveis por todas as suas ações, estavam se tornando complexos demais para serem compartilhados sem qualquer...efeito colateral. Ele concordou apenas com um gesto de cabeça, mas Lucila achou suficiente. Não era a primeira vez que discutiam sobre aquilo e não havia muito mais a ser dito.
Ela forçou-se a sorrir e ele lhe retribuiu o gesto também da melhor maneira que pôde. Sorrir livremente não fazia parte da sua lista de atributos. "Agora vamos, Severo. Está tarde...". Snape não parecia muito contente, mas levantou-se e a seguiu. E enquanto rumavam para o castelo lado a lado, ela pensou ver o jovem levar as mangas das vestes aos olhos uma única vez. E endireitar as costas, recomposto.
Para ela não foi tão fácil. Quando Snape a deixou na entrada de sua casa, quando ela teve certeza de que ele não ouviria, largou-se em uma poltrona da sala comunal deserta e, escondendo o rosto em uma grande almofada para que seus soluços fossem abafados, deixou que o choro que segurava finalmente se libertasse. Chorava por Snape. Pela amizade meio torta, mas sincera que construíram. Chorava porque um elo entre eles se quebrara, o elo mais forte de todos. Que a permitia olhar por ele e tentar antever os rumos que a vida dele tomaria. Agora nunca poderia evitar que ele se perdesse. Estava tudo nas mãos dele e pensar dessa maneira não era nada reconfortante...
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Bom dia para quem lê de dia, boa noite para quem lê de noite! rs
Mais um capítulo postado. O outro realmente ficou um tanto curto, como a Morgana observou muito bem, mas acho que esse está de bom tamanho. :o) Gosto de imaginar as lutas internas do Snape, de tentar compreender como ele se tornou Començal e, mesmo assim, nunca deixou de ser forte. Gosto também de imaginar que ele sempre foi uma pessoa admirável, mesmo que tentasse esconder qualquer qualidade. Eu acho que Evans seria muito capaz de o admirar. :o) O que vocês, leitores, acham? Ninguém é obrigado a comentar nem nada, mas eu gostaria muito de saber a opinião de vocês. Não só sobre a minha fic em si, mas sobre Severus Snape. Tudo bem que logo saberemos que apito ele toca...rs...já que o último livro está para sair, mas é legal tentar entendê-lo.
Nossa, falei demais! rs Bom, quero agradecer a todos que estão lendo e à Morgana, que me deixa muito feliz com seus comentário! Tudo de bom para todos vocês!! See ya soon!
OBS: Quando falei sobre minha fic Snape/Tonks, esqueci de indicar uma ótima fic da Morgana Black chamada "I Wanna Rock". É divertidíssima! Totalmente Tonks! :o)
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