Resquícios



Capítulo I
Resquícios

Uma noite típica do inverno inglês, cinza e gelada. A mulher caminhava pela rua com passos decididos, acompanhada por um enorme cachorro preto.
Olhou o animal que seguia ao seu lado, manso, preso a uma coleira chinfrim. Por um segundo o invejou, ele não tinha consciência do que acontecia, nem do perigo, nem das perdas, nem das dores da vida humana.
A rua estava fria por demais, seu sobretudo parecia não ser suficiente. Mas frio era algo que já não sentia há muitos anos. O coração que carregava no peito era mais gelado do que qualquer temperatura fora de seu corpo.
Só havia uma situação no mundo que mudava isso, quando sua pele se encontrava próxima a dele. Fazia tanto tempo que aquilo não acontecia... Pareciam até séculos.

“O que te trouxe a essa humilde morada” lembrou-se da voz sarcástica vinda da cela ao lado, assim que fora trancafiada em Azkaban “que crueldade você andou fazendo dessa vez?”

“Apenas o que era necessário.” Respondeu seca, ele era o único a quem não lhe atraia usar seu cinismo. O dele sempre fora mais afiado e venenoso que o seu próprio.

“Eu soube, andei lendo os jornais... Enlouquecendo pessoas atrás do seu mestre idiota.”

“Nosso mestre”.

Sorriu satisfeita, sabia que o silêncio era um sinal de que havia acertado o ponto.

“Também andei lendo sobre o que você fez, priminho”.

“Eu não fiz aquilo...”

Ela gargalhou, mais para irritá-lo de que por achar graça.

“Garanto que todos aqui dizem o mesmo...”

De volta às ruas geladas por onde caminhava, sorriu de lado ao lembrar-se de como a vida havia sido cruel com ambos. Os colocou tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes. Havia sempre sido assim... Desde muito antes de Azkaban.

“Venha, querida, venha conhecer seu primo”.

A garota de 8 anos bateu fortemente a porta do seu quarto, numa atitude vã de fugir da realidade. Finalmente os Black havia conseguido produzir um varão, o que acabava com o seu posto de criança mais importante da família.

O novo herdeiro sequer era seu irmão. Que diria gente. Ela não considerava aquela trouxa enrolada em um manto azul escuro uma pessoa, que diria uma de sua família e... Muito menos, alguém a quem um dia viesse a ter que respeitar.

Mas sua mãe fora intransigente, arrombara a porta de seu quarto e a levara até a sala à força. Levou anos para compreender o motivo daquela atitude, a mãe nunca se dera bem coma cunhada, afinal. Mas, contrariar a mãe do atual herdeiro da família, não era aconselhável.

Só que ninguém esperava que sua inconseqüência fosse tão grande.

Com raiva e contrariada demais para pensar em sorrir cinicamente, a menina de cabelos negros olhou para o bebê que sua tia segurava com tanto cuidado, agachando a sua altura para que conseguisse ver-lhe a face rosada, e, num impulso rápido, que surpreendeu a todos, levou a mão fechada à face da criança com toda a força, arrancando um choro estridente do menino.

Nem o castigo terrível que tivera naquele dia, lhe tirou o prazer infinito de jogar na cara dele, sempre que possível, que o primeiro murro que ganhara na vida viera das mãos dela.

Olhou para o alto, a lua cheia brilhava fortemente no céu, mesmo assim o frio não dava trégua. A mão esquerda costumava doer em noites como aquelas, por conta da cicatriz grossa, em forma de cruz, no meio da palma, que de tão alva, parecia não ter nenhuma gota de sangue a percorrê-la.
Ela às vezes duvidava que houvesse, mesmo. Principalmente depois do dia em que ganhara aquela cicatriz.

“Bella!” ele parecia realmente preocupado quando agachou ao seu lado. “Bellatrix, prima!” Não era de se admirar, o sangue que escorria da sua mão era tanto que parecia tingir todo o tapete em que se encontrava. “O que aquele mostro fez com você?”

Ela encarou aqueles olhos tão cheios de vida, tentando buscar alguma para si própria, a visão turvou. O garoto a sua frente, novo e tolo, não poderia ajudá-la dessa vez. Havia sido punida por um trabalho mal feito, merecera a dor e o corte que agora deixava seu sangue se esvair aos poucos.

O jovem tirou a própria varinha e apontou para a mão ensangüentada... Ela riu amargamente, já havia tentado aquilo antes. O ferimento havia sido enfeitiçado para não fechar. Na sua opinião, o garoto de 15 anos jamais conseguiria desfazer aquilo.

Estava errada, mas nunca soube dizer se fora para o seu bem ou seu mal.
Entrou na cabine telefônica juntamente com o cão. Tirou o fone do gancho e digitou a senha. Esperou a resposta do outro lado. “Ministério da magia, o que deseja?”
“Visitar um falecido...”
O chão começou a se mover e ela teve aquela incomoda sensação de estar caindo.
“Senhora Tonks, que prazer em vê-la...”

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