Jantar em Família
Rony suspirou fundo, desanimado. Passara o dia inteiro praticamente sozinho no seu quarto, depois que mandara a coruja para Hermione. Com a cabeça cheia de problemas, o garoto preferiu o isolamento no segundo andar da Toca à companhia barulhenta dos irmãos mais velhos no quintal. Achava mais fácil manter a promessa de ficar quieto sem a presença dos gêmeos.
Sentira uma vontade louca de quebrar tudo nas últimas horas, mas sabia que estes arroubos adolescentes não passariam incólumes sob a visão dos pais, mesmo sob tais circunstâncias. A possibilidade de freqüentar uma escola trouxa o enchia de temor. No entanto, tinha certeza que, se os seus pais não encontrassem uma solução para os problemas financeiros da família, eles e os irmãos acabariam por serem matriculados a força em uma instituição pública inglesa. Obviamente, sem a possibilidade de finalizar seus estudos mágicos e com nenhum ponto de N.O.M – Níveis Ordinários de Magia, que seriam aferidos neste ano – as chances dele e de Gina conseguirem um emprego decente na comunidade bruxa diminuía até o sopé do Mar Morto. Com um calafrio, imaginava seu futuro lustrando objetos mágicos de origem duvidosa nas mal fadadas lojas da Travessa do Tranco ou servindo sopas gordurosas no Caldeirão Furado.
Recheado de pensamentos sombrios, o jantar em família foi parecido com que o garoto imaginava ser as torturas nos trasgos durante a Revolução dos Gigantes. Ele sentara à mesa e trocara olhares preocupados com os pais, que se esforçavam para fingir uma tranqüilidade normal. Percy, que fora transferido para um cargo subalterno no Departamento de Transportes Mágicos depois do fiasco com o episódio do Sr. Crouch – assassinado pelo próprio filho durante o último ano, em um dos últimos degraus galgados por Voldemort para alcançar o poder -, estava entusiasmado com os novos modelos de vassouras familiares que estavam sendo propostos para aquele ano. O Sr. Weasley, tentando manter as aparências, mantinha com muito custo uma conversa incipiente e chatíssima sobre as normas de vôos e viagens, pontuada muito mais por expressões distantes e grunhidos que o normal.
Enquanto isso, Fred e Jorge aproveitavam o devaneio dos pais para encantar seus próprios garfos e travar uma batalha encarniçada, usando palitos como espadas. Gina observava fascinada o embate mágico, enquanto a Sra. Weasley enchia o prato de Fred pela segunda vez, que reclamou quando sua tigela transbordou.
- Ei! – exclamou, pulando para trás enquanto a sopa borbulhante escorria pela mesa.
- Desculpe, Jorge – disse ela, com a voz macia e um sorriso amarelo consternado.
- Eu sou o Fred – resmungou o garoto, limpando as vestes.
- Pode deixar que eu ajudo, Molly – se apresentou prontamente o Sr. Weasley, aproveitando a deixa para se livrar do monólogo aborrecido de Percy. Em pouco tempo, os dois já se dirigiam até a cozinha, procurando trapos enquanto confidenciavam um ao outro. Rony notou o movimento sub-reptício dos pais, mas voltou rapidamente os olhos para a sopa, que lhe parecia insossa.
Enquanto isso, Jorge aproveitou a desatenção do irmão para avançar seu garfo com uma fúria desmedida, atacando violentamente o boneco mágico de Fred, quebrando os dois dentes externos e pondo fim à luta.
- Caramba, Jorge! – resmungou Fred, furioso, se envolvendo em uma feroz discussão com o irmão, enquanto Gina dava de ombros e voltava sua atenção para a sopa. Os brados só acalmaram quando o Sr. e Sra. Weasley retornaram da cozinha, olhando feio para os gêmeos.
Fred, ainda irritado com a deslealdade do irmão, procurou alguém em quem descontar a frustração. Passando os olhos pela mesa como uma ave de rapina, rapidamente achou o que estava procurando.
- O que tem o Roniquito? – perguntou, entre os dentes.
Jorge largou a colher e voltou sua atenção para o olhar perdido do irmão. O Sr. e a Sra. Weasley se entreolharam, nervosos. Rony arriscou um leve levantar de sobrancelhas para os pais antes de dar de ombros, emburrado.
- Está chateado por voltar para a escola, baixinho? – continuou Fred.
- Ou é porque levou um passa-fora da sabe tudo? – emendou Jorge, piscando um olho maroto.
- Não enche – murmurou Rony, com cara de poucos amigos. Se já não bastasse as implicâncias normais daqueles dois, ainda tinha que agüentar aquelas provocações sem sentido acerca dele e de Hermione.
- Ora, só porque ele é alto...
- Bonito...
- Eca! – resmungou Gina, obviamente discordando dos conceitos de beleza dos gêmeos.
- Jogador profissional de quadribol...
- Famoso...
- Rico...
- É, irmãozinho... – completou Fred, balançando a cabeça em tom condescendente - ... realmente você não tem nada com o que se preocupar! – concluiu, rindo junto com o irmão e batendo as palmas da mão.
- Já disse... Não enche! – respondeu Rony, fuzilando os gêmeos com um olhar assassino, sentindo suas têmporas esquentarem como um caldeirão queimado. Obviamente, ele entendera muito bem sobre quem os gêmeos estavam falando: Vitor Krum! Jogador profissional de quadribol, aluno do último ano do Instituto Durmstrang e par de Hermione no Baile de Inverno, no último ano. Mesmo sem querer, Rony sentia seu estômago embrulhar só de ouvir aquele nome.
- Fred! Jorge! Já chega! – resmungou a Sra. Weasley, naquele tom inconfundível de quem estava dando o último aviso.
Os gêmeos voltaram sua atenção para a sopa, ainda rindo do irmão. Rony largou a colher com estrondo na mesa. Perdera o resto do apetite, mirando, desolado, a tigela à sua frente, que esfriava lentamente. Observou a fumacinha desaparecer sob suas vistas, em uma espiral hipnótica.
A Sra. Weasley percebeu o tom desanimado do filho e, temeroso que o rapaz fizesse alguma bobagem, não perdeu a oportunidade.
- Rony, querido. Se já terminou, pode ir se deitar. Sei que está realmente muito cansado. Os outros me ajudam com a louça.
- Ei! Porque só ele está cansado? O baixinho passou o dia inteiro no quarto! – protestaram Jorge e Fred, praticamente em uníssono. Gina abriu a boca também, mas a Sra. Weasley os cortou um olhar capaz de congelar uma caixa de Fogos do Dr. Filibusteiro.
Sentindo três pares de olhos raivosos nas costas, Rony arrastou seus pés até a escada, subindo com vagar. Assim que entrou no quarto, ouviu o nítido bater de asas na janela. Arregalando os olhos, correu para a tranca e a abriu com um estrondo. Uma coruja enorme e de porte magnífico esvoaçou pelas camas até pousar com elegância no ombro do garoto, que quase caiu para trás com o peso. Ele podia jurar que nunca vira aquela ave antes, contundo havia algo de familiar naquelas penas e naquele rosto redondo.
- Pichi?! – exclamou Rony, olhando incrédulo para a coruja, que lhe deu uma bicada de confirmação, quase arrancando o dedo indicador do garoto.
- Ai! Coruja idiota! – vociferou, apertando a mão entre as pernas e puxando com raiva a mensagem presa. Pichi soltou um pio desaforado e se empoleirou na janela, olhando com admiração para as próprias asas, limpando as penas fortes com o bico. Sem perder tempo, o garoto sentou na cama e puxou o pergaminho para si, ainda amaldiçoando a ave por ter lhe mordido. A caligrafia elegante de Hermione saltou-lhe os olhos.
Oi Rony
Falei com o Harry pelo telefone, Ele está passando alguns dias com
Olho-Tonto Moody, na sua casa forte (não pergunte, também não
entendi direito o que vem a ser uma casa forte!). Ele já sabia do que
estava acontecendo. Snuffles o resgatou da casa dos Dursley a
mando de Dumbledore.
Rony, eu sei que você vai ficar bravo comigo, mas eu contei tudo
ao Harry sobre a decisão do Malfoy. Ele me deu um conselho
estranhíssimo que eu só estou repassando porque ele me fez
prometer. É bom levar em conta que ele está sob um forte impacto
emocional – como todos nós! – e talvez o seu julgamento não seja o
mais recomendável. De qualquer maneira, lá vai: ele pediu para
você contar tudo para os gêmeos.
É, eu sei que você estará desrespeitando uma promessa que fez aos
seus pais. Particularmente, acredito que seria uma tremenda falta de
educação quebrar esta promessa. É bom que saiba que esta opinião
é exclusiva de Harry e eu não vejo nenhum motivo para corroborar
esta decisão.
Há ainda outra coisa, e é melhor você se sentar...
Harry vai para Beauxbatons este ano. Dumbledore acha melhor
mantê-lo longe de Hogwarts, pelo menos enquanto ELES estiverem
no comando da instituição.
Eu sei que estas não são as notícias que você esperava, mas é
melhor lidarmos com a verdade desde já, não é mesmo?
Nos vemos no Expresso para Hogwarts.
Hermione
P.S. Eu realizei um feitiço refortificante na Pichi. Ela não agüentaria
retornar para a Toca no mesmo dia e eu estava com pressa. Não se
preocupe, o efeito deve passar em alguns dias.
É engraçado com a mente funciona, pensaria Rony, dias depois. De todas as notícias apavorantes da carta de Hermione, a que marcara prontamente o garoto fora o fato da amiga já saber realizar um feitiço refortificante em um animal complexo como uma coruja. Isso era magia avançada, cobrada somente nos N.I.E.Ms – Níveis Incrivelmente Exaustivos de Magia!
Como era de se esperar, assim que sua admiração pela amiga passou, ele sentiu o aperto no coração aumentar. Harry não voltaria para Hogwarts; o que era perfeitamente compressível, considerando o número absurdo de Comensais da Morte que estariam circulando livremente pela escola no ano letivo que iniciava. Para piorar sua amargura, sua única esperança estava em algum plano maluco do amigo que envolvia os seus intragáveis irmãos mais velhos, os gêmeos Fred e Jorge.
Nesta questão, ele concordava inteiramente com Hermione. Falar com os gêmeos sobre os problemas financeiros da família não traria benefício algum – imaginava, enquanto atirava um petisco para Pichi e outro para Edwiges.
“O que será que Harry estava tramando?” – pensou, intrigado.
Enquanto remoia estes pensamentos, olhou de soslaio para o embrulho com a etiqueta da Pollwhish & Pollwhitch. Sem nenhuma disposição para perder tempo com aquelas brincadeiras idiotas dos irmãos, atirou uma veste suja sobre o pacote e pulou para a cama, o estômago vazio reclamando de falta de atenção. Mordendo os lábios, imaginou a longa viagem até Hogwarts sem a companhia do melhor amigo. Não sabia quando veria Harry de novo, nem mesmo se conseguiria se comunicar com ele!
“Será que a Pichi agüentaria viagens internacionais com tanta freqüência?” – pensou, emburrado. Talvez fosse melhor ele tomar umas aulas com a Hermione. Um feitiço refortificante na sua coruja minúscula viria bem a calhar agora...
Ficou horas matutando sobre os conselhos de Harry escritos na caligrafia fina e delicada da Hermione. Os gêmeos subiram para o quarto perto das dez horas, mas Rony fingiu ressonar. Sua cabeça estava atulhada de pensamentos perdidos e pontilhada de Comensais da Morte, fazendo com que o rapaz suasse frio, a despeito do calor de final de verão. Entreouviu, por baixo dos lençóis, os irmãos comentando sobre Hogwarts e o que fariam quando lá chegassem. Fred insistia em conseguir uma autorização para vasculhar a ala proibida da biblioteca. Seus planos em relação a uma loja de logros e brincadeiras ainda estavam em pé, e eles precisavam buscar feitiços novos e interessantes para os possíveis clientes. Enquanto isso, Jorge andava louco para testar suas novas experiências nos alunos mais novos, a Pílula do Roncador e o Doce da Boca Mole.
Rony se sentiu péssimo por escutar a conversa dos irmãos. Ele sabia que os dois, apesar de amalucados, adoravam Hogwarts e se sentiriam miseráveis se não pudessem retornar. No entanto, o garoto se sentia pouco à vontade de ser o portador de notícias tão devastadoras! Seus pais tinham pedido – na verdade, quase implorado – para que ele se mantivesse quieto, mas o garoto não sabia que agüentaria arcar com toda aquela responsabilidade.
Os irmãos dormiram a sono alto enquanto o rapaz se contorcia embaixo das cobertas. Passou a noite em claro, mordendo as unhas e suando como um furanzão geriátrico. Quando amanheceu, tinha tomado uma resolução.
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