Dito desdito
Harry abriu os olhos. Tudo estava girando pra lá e pra cá. Ele sentiu o seu corpo completamente mole, como se seus ossos não conseguissem sustentar seu corpo direito. Tentou sentar-se na cama mas mãos pousaram sobre o seu peito.
- Não, Potter! Fique deitado.
Era a voz da Prof. McGonagall. Harry fechou os olhos com força, e abriu-os como que para fazer tudo parar de girar.
A Profª. McGonagall pegou os óculos dele e colocou em seu rosto. Mesmo com eles, tudo continuava girando, mas menos do que antes.
- O que aconteceu comigo? - perguntou.
- Você ainda está sob o efeito do Veritaserum, apesar de já estar passando. Esteve acordado a maior parte do tempo, mas como se estivesse desacordado, depois dei-lhe uma poção para descansar.
Tudo ainda estava meio desfocado, mas ao menos já parara de girar. Ele fixou seus olhos em um ponto fixo para sua visão voltar ao normal, e viu que estava deitado numa cama, num aposento escuro, que ele já conhecia.
- Grimmauld Place.
Sentiu uma pontada no coração ao se lembrar de Sirius.
- Sim, Snape trouxe-o para cá.
De repente ele se lembrou.
- SNAPE! ELE É UM TRAIDOR, ELE FINGE ESTAR AO LADO DE DUMBLEDORE, MAS ELE ESTÁ ENGANANDO-O - disse isso tudo muito rápido e foi pular da cama, mas não conseguiu por causa do efeito da poção.
- Por Deus, Potter, acalme-se. Do que está falando?
- Snape, ele…
- Professor Snape!
- Sim, ele. Ele é um traidor, está ao lado de Voldemort espionando Dumbledore…
- Potter, eu sei da sua inimizade com o Prof. Snape, mas não deixe isso influenciar na sua capacidade de raciocínio.
- Mas é verdade, a senhora tem que acreditar em mim.
- Potter, Snape mentiu a Voldemort.
- Não, ele finge mentir a Voldemort, finge enganá-lo com Oclumência, já que Voldemort é legilimencista. Mas na verdade ele usa-a contra Dumbledore, porque ele também é legilimencista.
- Potter. Primeiro, acalme-se. Segundo, não diga esse nome. Terceiro, o Prof. Snape está ao nosso lado.
- Não, professora, a senhora tem que acreditar no que eu digo. Harry pensou: por que era tão difícil de entender se tratando de alguém como Snape?
- Potter, foi ele quem trouxe-o pra cá!
Ele congelou perplexo.
- O que?
- Sim, foi o Prof. Snape quem trouxe-o aqui.
- Mas ele admitiu em frente a mim e a Você-sabe-quem que não…
- Ele estava mentindo, Potter. Ele contou a você todas as mentiras que contava Àquele-que-não-deve-ser-nomeado.
- Mas ele me contou coisas…
- Coisas que, incrivelmente, pareciam verdade, não?
- É, demais para ser mentira.
- Na verdade, Potter, era tudo mentira sim. Tudo o que lhe foi dito foi bolado por ele para enganar Você-sabe-quem.
- E como ele acredita?
- Você mesmo já disse. Ele utiliza oclumência.
- E ele cai?
- Harry, você não deve fazer idéia da capacidade do Prof. Snape. Ele é poderoso o suficiente em oclumência para enganar até mesmo Você-sabe-quem.
Harry parou pensando.
- Mas e tudo que ele me disse?
- Bem, na verdade foi utilizado diversos fatores para forjar-se provas falsas. E Snape fazia Você-sabe-quem ver demais em sua mente…
- Como assim?
- O Prof. Dumbledore e ele, junto a outros professores de Hogwarts, forjamos certas circunstâncias, que poderiam deixar a parecer que o Prof. Snape estava ao lado de Você-sabe-quem. Como numa peça de teatro - acrescentou ela ao ver o rosto confuso de Harry. Nós forjamos certas situações e o prof. Snape fez em mostrá-las à Você-sabe-quem indiretamente. Ou seja, Você-sabe-quem quando vasculhava a mente dele encontrava essas cenas falsas. O Prof. Snape é praticamente um especialista em oclumência, ele não só consegue bloquear sua mente de ataques externos, como consegue selecionar os pensamentos que quer que a pessoa veja. Então, quando Você-sabe-quem invadia a mente dele, dava de cara com pensamentos selecionados por ele, que davam a entender que estava ao seu lado, contra Dumbledore.
Harry ficou quieto, pasmo. Nunca imaginara Snape tão astuto.
- Ele contou-lhe sobre Quirrel, imagino.
- Sim.
- Claramente, ele realmente achava que era Quirrel que queria pegar a Pedra, e não Você-sabe-quem, nesse caso teria contatado Dumbledore imediatamente, não o fez porque achou que não seria necessário. Na verdade, Quirrel era um professor um tanto… obtuso.
Harry viu um discreto sorrisinho de deboche passando pelos lábios da professora.
- Obviamente, ele disse a Você-sabe-quem que se soubesse que era ele teria ajudado a pegar a Pedra.
“Quando Você-sabe-quem ressurgiu, o Prof. Snape não foi atrás dele porque realmente servia a Dumbledore, mas disse a ele, que não foi, porque seria mais útil se estivesse em Hogwarts, já que Dumbledore pensaria que ele estava ao seu lado. Quando ele sentiu a Marca Negra queimar, ele estava no meio do labirinto socorrendo Sr. Krum e a Srta. Delacour, demoraria para chegar a Dumbledore, e não deixaria eles dois ali jogados feridos no chão. Por isso quando chegou à Dumbledore para contar que Você-sabe-quem ressurgira você apareceu trazido pela Taça, e contou antes.”
“Quanto a Profecia, alguns membros da Ordem sabem sim o que ela diz, especificamente, já outros não. Snape por exemplo sabe, e se ele estivesse ao lado de Você-sabe-quem ele teria dito. Mas ele sabe, eu sei, Lupin sabe, entre alguns outros. Os outros sabem só do essencial, quase toda a Profecia para falar a verdade, mas nunca a ouviram, pronunciada por Trelawney, como nós.”
- E o que aconteceu que ele demorou para avisar a Ordem que nós tínhamos ido ao Departamento de Mistérios?
- Isso já é mais complicado, ele foi mais cauteloso em vez de por ventura dar um alarme falso. Interrogou os alunos da casa dele que estavam na sala com Umbridge, e foi atrás de vocês na Floresta, quando aproximou-se da orla viu que vocês tinham demorado tempo demais. A essa altura vocês já estavam em pleno vôo. Ele voltou para o castelo, mas foi impedido por mais um dos truques dos alunos, haviam soltado mais um daqueles fogos fabricados pelos irmãos Weasley, e ele não conseguia chegar à sua sala avisar a Ordem. Quando foi avisá-los, Monstro enrolou-o por um tempo com respostas enigmáticas, até que ele se cansou e estuporou o elfo.
Harry não pode deixar de rir. “Bem-feito”, pensou consigo.
- Foi atrás dos membros da Ordem dentro desse casarão para alertá-los, todos estavam nos andares superiores. Por isso a demora.
Estava se encaixando, Harry não podia negar. Mas não podia negar também que era mais fácil acreditar que ele traíra-os.
- Como vim parar aqui?
- Snape tinha sido convocado por Você-sabe-quem naquela noite, e levou-o ao seu esconderijo. Ele nunca tinha visitado o local antes, encontravam-se em diversos lugares…
- Ele comentou isso.
- Por isso que ele nunca denunciou a localização de Você-sabe-quem, nem ele sabia, nunca tinha ido até lá. Mas Você-sabe-quem convocou-o e disse que o levaria ao seu esconderijo, e que você estaria lá, pois os seus comensais tinham ido buscá-lo. Ele não teve como nos avisar andando ao lado de Você-sabe-quem. Decidiu salvá-lo no próprio esconderijo.
“Mas Você-sabe-quem já havia pedido ao Prof. Snape uma Poção da Verdade. Ele não estranhou o suficiente para desconfiar do seu plano, o plano de seqüestrá-lo. E Você-sabe-quem deixou-o encarregado do frasco de Veritaserum nessa noite e disse que logo os comensais chegariam trazendo-o. O Prof. Snape então, abriu uma chave de portal ilegal na poção, não no frasco dela, mas no próprio líquido. Portanto quando ele pingou a poção em sua língua você foi transportado para cá, mas como você acabou bebendo a poção você ficou sob o efeito do Veritaserum.”
- E Snape? Ele não ficou lá - disse Harry duvidando da possibilidade.
- Não. Como você acha que eu sei de tudo isso, do que ocorreu hoje? Ele contou-me antes de partir.
- Então ele já foi?
- Já.
Harry não sabia se sentia ou não gratidão por Snape, era tão difícil sentir qualquer coisa de bom quando se tratava dele.
- E como que ele saiu de lá?
- Com a chave de portal também. Enquanto o fluxo da poção caía em sua língua, ele, habilmente, pôs a mão embaixo dele, e foi transportado junto com você.
Harry então lembrou-se vagamente de uma mão que aproximou-se do seu rosto enquanto Snape despejava o conteúdo do frasco em sua boca.
- Como Dumbledore deixou isso acontecer, assim, não que ele tenha deixado, claro. Mas, ele nunca imaginou que os comensais poderiam ir atrás de mim? Ele próprio disse que não me deixara com outra família bruxa porque o perigo ainda não tinha passado, os seguidores de Você-sabe-quem ainda estavam soltos, na sua maioria. Mas agora aconteceu.
- Harry, realmente poucos, pouquíssimos, sabiam da sua localização. Em base eram o Prof. Dumbledore, eu e Hagrid…
- A senhora e Hagrid?
- Sim, Harry. Provavelmente não saiba, mas quem deixou-o na casa dos seus tios foram nós três.
Então Harry lembrou-se que nunca perguntara isso a Dumbledore, nunca pensara sobre isso.
- Nós três mas também alguns intermediários, e outros que ficaram sabendo mais tarde. No Ministério também eram poucos. Você nunca soube mas você é mais protegido do que pensa.
Harry sentiu-se vigiado, como se fosse vigiado constantemente e se sentiu mal.
- Mas de acordo com o Prof. Snape, ele ficou sabendo disso essa noite também, antes de encontrar-se com você no esconderijo de Você-sabe-quem, Pedro Pettigrew descobriu como você estava sendo vigiado. Tudo começou ano passado, lembra-se que Lúcio Malfoy estava perto da sala onde houve a sua audição no Ministério da Magia?
Harry fez um sinal positivo com a cabeça.
- Então, ele ficou sabendo através de Fudge da existência da Sra. Figg. Depois disso foi só juntar as peças. Até onde sabia-se não havia bruxos naquela região, a região onde você foi atacado, mas de repente aparece um aborto depondo a favor de você, trazida por Dumbledore, que morava naquela região. E, através do próprio Fudge, Malfoy conseguiu saber a sua localização. Mas ainda tinha a Sra. Figg, eles chegaram a conclusão lógica de que ela estaria trabalhando para Dumbledore, vigiando você. Foi aí que acionaram Pettigrew.
- Na sua forma de rato, ele foi à casa da Sra. Figg, e ficou de vigília por algumas semanas…
- E nunca foi comido por nenhum de todos aqueles gatos? - perguntou Harry.
Harry viu um olhar de dúvida quanto a isso até mesmo no olhar da professora.
- Bem, realmente, ela tem quantidade considerável de gatos. É de se admirar que não tenha sido engolido por um deles, mas é bem provável que tenha utilizado alguma poção para afastar gatos, existem algumas à venda no mercado comum… Mas voltando ao assunto, ele ficou sabendo que a Sra. Figg mantinha freqüentes contatos com a Ordem e que trabalhava realmente para Dumbledore, e principalmente, que ficava com o olho encima de você nas férias.
“Porém ele nunca soube da localização da Ordem, já que a Sra. Figg não costuma usar a lareira para comunicar-se com o Prof. Dumbledore, eles se comunicam através de cartas. A lareira dela foi ligada clandestinamente à Rede do Flu para ela nos avisar somente se acontecesse uma emergência. Como foi o caso de hoje.”
“Mas Pettigrew também descobriu que Fletcher montava guarda sobre você. Assim que você voltou a casa de seus tios, ele voltou à guarda. E Pettigrew viu-o na casa de Figg. E não só viu, como escutou, escutou o suficiente para descobrir como ele se escondia. Então ele levou as informações à Você-sabe-quem, que as aproveitou de uma maneira muito astuta. Assim que saíram de Azkaban, eles já foram atrás de você, pegaram Mundungo, e foi por isso que quando você saiu da casa dos seus tios ele não te impediu. Eles atacaram na mesma noite que libertaram os prisioneiros de Azkaban por dois motivos: primeiro, que nós reforçaríamos a guarda sobre você se todos os principais comensais de Você-sabe-quem estivessem soltos; segundo, que todo o Ministério, assim como toda a Ordem, estaria mobilizada no ataque à Azkaban, todas as atenções estariam viradas para lá, e você ficaria desprotegido. E infelizmente foi isso que aconteceu.”
“O Prof. Snape também disse que foi por isso que Pettigrew não estava no Ministério no semestre passado quando vocês foram ao Departamento de Mistérios, estava vigiando a Sra. Figg.”
Harry sentiu uma tremenda pontada no coração, não só de remorso, mas por causa de uma outra lembrança…
De repente foi assaltado por uma lembrança mais importante.
- E os meus tios, eles iam matá-los, e a Sra. Figg e Mundungo, eles haviam pegado-os - disse isso tudo muito rápido, e a professora assustou-se com a repentina mudança de temperamento.
- Acalme-se, Potter.
O poder da voz da professora era tamanho que ele imediatamente sossegou, mas a aflição não o abandonou.
- Quanto aos seus tios. Eles não conseguiram matá-los…
- Como não?
- Na verdade eles descobriram algo mais profundo…
- O que?
- Bem, eles estavam apressados e não podiam perder mais tempo lá, então não insistiram em tentar matar a sua tia…
- A professora poderia ser mais clara?
- Se você parar de me interromper eu poderia, Potter. Não é tão fácil assim… bem, a sua tia, Harry, ela tem o corpo fechado.
Não caiu sobre Harry a reação que pelo jeito ele deveria ter tido, afinal ele não entendeu do que ela estava falando, e pelo jeito que ela falara era algo importante.
- Ela tem o que?
- Ela tem o corpo fechado, Harry. Pessoas que nascem com o corpo fechado possuem um certo grau de magia dentro de si, e nenhum feitiço pode feri-los…
- Mas lançaram a Maldição Cruciatus sobre ela…
- Mas a Maldição Cruciatus, Harry, é um feitiço que baseia-se encima de um processo psicológico, você sente a dor, mas não a nada que esteja a provocando, como uma ferida, ou mesmo um feitiço que cause algum corte ou machuque nem que seja pelo impacto. Assim como os abortos, as pessoas de corpo fechado são raríssimas, aliás, mais, muito mais do que os abortos, estima-se que atualmente não existam nem cinco pessoas com o corpo fechado em toda a Europa.
- Isso quer dizer que Tia Petúnia também é bruxa?
- Sim, Harry. Porém, as pessoas que nascem com o corpo fechado não conseguem desenvolver o lado referente ao desenvolvimento de feitiços, eles não conseguem adaptar-se à uma varinha, nenhuma aceita-os. E nem mesmo o Avada Kedavra consegue matá-los, e isso é um grande mistério, já que ele não fere-os, a morte é súbita. Mas em contrapartida, ela não trabalha sobre um sistema psicológico, como costumam ser os feitiços que conseguem atingir os corpos-fechados, como é o caso da Maldição Cruciatus, ou mesmo da Imperius. Diversas pesquisas são feitas sobre esse assunto, mas ninguém sabe o porquê. Muitas delas, por sinal, feitas no Departamento de Mistérios. Eu, aliás, não deveria nem estar falando-lhe isso, mas sei que é necessário, já que se trata de alguém realmente próximo a você, não tão afetivamente, mas hereditariamente, e você já sabe como isso vem a afetar você, essa hereditariedade.
Harry não disse nada, só ficou parado, pensando no que acabara de ouvir.
- O Prof. Moody, quer dizer, Crouch, quando aparentava ser Moody, disse-nos durante a aula que a única pessoa que já sobrevivera a um Avada Kedavra tinha sido eu…
- Bem, não é comum as pessoas levarem Avada Kedavras.
Bem, fazia sentido, Harry pensou consigo.
- Bem, como eu já disse, os comensais estavam com pressa para partirem com medo de que algum membro da Ordem estivesse chegando, parece que houve algo na casa que os fez pensar assim, mas Snape não ficou sabendo o que. E com a pressa, abandonaram os três lá, não conseguindo assassinar sua tia, eles ficaram demasiado surpresos, e não sabiam o que fazer, eles tinham deixado novatos para dar cabo de seus tios. E Você-sabe-quem soube castigá-los como costume.
Harry viu os lábios da professora enrijecerem-se, numa expressão de repugnância aos métodos de Voldemort.
- Eles ficaram com medo de sua tia, afinal ela sobrevivera a um Avada Kedavra, e sequer tentaram assassinar o seu tio e primo. Quanto a Mundungo e Figg, mais uma vez o professor Snape agiu. Eles foram levados ao esconderijo de Você-sabe-quem para Deus sabe o que…
Harry viu que a professora temia em pensar no que poderia ter sido feito com os dois em cativeiro.
- Mas Snape fez questão de ele mesmo cuidar deles. Como era o dia de glória de Snape entre os comensais eles obedeceram prontamente, além do que estava sendo uma tortura aos dois ver que tinham sido traídos por ele. Então deixaram que ele os amarrasse, e Snape mais uma vez foi muito astuto, pra falar a verdade, acho que nunca o Prof. Snape foi tão útil, ou mesmo tão astuto quanto hoje, Potter. Espero que veja-o com outros olhos daqui pra frente.
Harry sentiu seu rosto corar.
- Ele amarrou Fletcher e Figg com uma corda, que ele havia transformado em uma chave de portal. Não como a que ele deu a você na poção, mas uma com tempo determinado, como as utilizadas na Copa Mundial de Quadribol, que tem uma hora marcada para acionarem-se. E ele calculou o tempo que levaria para que ele ficasse de cara a cara com você, ele conseguisse salvá-lo, e nesse mesmo tempo eles fossem transportados, de modo que todos os comensais estivessem no recinto onde você e Você-sabe-quem estavam e ninguém os vigiando, com o perigo de ele ser descoberto. Mundungo e Figg, que também foram transportados para cá, disseram-me que assim que Snape e você foram transportados, os comensais foram atrás deles, e quando atravessaram a porta eles foram sugados pelas chaves.
Harry estava quieto, tudo o que Snape fizera por ele hoje, e pela Ordem, por todos, não tinha recompensa. Ele tinha finalmente pagado a conta com seu pai, e com juros inseridos.
O primeiros raios de sol entravam pela janela, iluminando aos poucos o quarto. Harry observou o rosto da Prof. McGonagall, ela olhava para fora da janela, observando o pôr-do-sol. Harry nunca estivera tão íntimo dela assim, nunca tivera uma conversa com ela como agora, só então percebeu como a tinha em grande valia. Ela sempre tivera aquele jeito implacável, dura como uma rocha, sempre presente, mas ele nunca imaginara o que ele sentia por ela, viu que era um afeto familiar muito grande.
Ela levantou-se e parou na frente da janela, inconsciente do incessante olhar do garoto, e de repente falou:
- Harry, você sonhou com o acontecido na prisão de Azkaban, ou melhor, teve uma visão, correto?
- Sim - ele não fazia a mínima idéia de onde ela pretendia chegar.
- Disseram-me, que houve uma batalha, entre os heliopatas de Fudge e os dementadores de Você-sabe-quem, certo?
- Sim.
- Você lembra se alguém estava comandando os heliopatas?
Harry forçou sua mente a lembrar.
- Sim, tinha uma espécie de general comandando-os.
- Você lembra se disseram o nome desse general durante o ocorrido.
Harry esforçou-se para lembrar.
- Creio que não, não me lembro de terem mencionado o nome dele. Por quê?
- Ah, nada não! Assunto da Ordem.
O rosto dela estava inflexível, como de costume, de modo que Harry não percebeu qualquer interesse a mais no general.
- Bem, vou deixá-lo. Passou por muitas provações durante essa noite, é melhor que durma, ao lado da sua cabeceira tem Poção do Sono, fará você dormir sem pesadelos.
Ela virou-se e dirigiu-se à porta.
- Durma, irá lhe fazer bem.
E com um aceno de sua varinha, as velas apagaram-se, e ela fechou a porta, deixando Harry ali, deitado, com seus pensamentos em tudo o que acabara de ouvir.
Harry abriu os olhos, levou algum tempo para lembrar-se de onde estava, e olhou pela janela. O sol já estava alto no céu, e um raio entrava pelo vidro batendo no chão do quarto. Ele viu a poeira do local dançando na luz. Levantou, pôs as pantufas, e só então parou pra pensar: como suas pantufas foram parar ali?
Saiu do quarto, e desceu as escadas indo em direção à cozinha. Ninguém estava lá, tinha apenas uma máscara de palhaço flutuando sobre a mesa, com a língua pra fora. Encima da língua da máscara estava escrito em tinta púrpura: Puxe. Harry puxou a língua da máscara e ela ganhou vida. Ela cuspiu o papel da boca e começou a falar:
- Harry?
Harry confirmou com a cabeça.
- A Prof. McGonagall deixou-me encarregado de dar-lhe certas informações: os seus tios já foram encaminhados para sua casa, e até agora encontram-se escoltados, portanto não há motivo algum para preocupar-se com eles; a Profª. McGonagall, assim que terminou de conversar com você, enviou corujas aos Weasley e à Hermione Granger para que dirijam-se para cá; seus pertences já foram trazidos para cá pela própria professora, e encontram-se em seu quarto; todos os membros da Ordem estão extremamente atarefados, o ataque à Azkaban deu um considerável trabalho aos membros e ao Ministério da Magia, estão todos, sem exceção empenhados no caso, logo, nem o Prof. Snape, nem a Profª. McGonagall, nem qualquer outro membro encontra-se aqui, você está sozinho com o elfo; o Sr. Fletcher já voltou à ativa, e a Sra. Figg encontra-se atualmente segura, sem necessidade de você preocupar-se com eles; e por último, mas não menos importante: não… mate… o… elfo!
Ele deu um sorrisinho maroto, deu um giro no ar e explodiu em milhares de faíscas coloridas.
Harry ficou ali parado, pensando: não faltava-lhe vontade de matá-lo, agora, ali, sozinho com ele, até que seria uma boa! Não sabia que reação teria se desse de cara com ele, sentia vontade de esmagar sua garganta. Ele tentou se controlar, e rezou para não encontrá-lo ali, não sabia o que seria capaz de fazer se desse de cara com ele.
Resolveu ir visitar Bicuço. Começou a subir as escadas, mas parando em frente à uma porta estancou. Era o quarto de Sirius, passou por sua cabeça abrir a porta, mas resolveu que não, seu padrinho morrera por sua culpa, não tinha o direito.
Continuou a subir com os olhos começando a lacrimejar, chegando ao aposento onde ficava Bicuço, entrou. Ele estava deitado sobre um monte de feno, mordiscando alguns ossos de doninha. Harry se aproximou, fez uma reverência e esperou pelo hipogrifo. Ele, ainda deitado, olhou-o com desdém, mas depois inclinou levemente sua cabeça também.
Harry aproximou-se dele e passou a mão sobre sua cabeça, e inevitavelmente, começou a pensar em Sirius. Não queria pensar nele, pensar nele fazia-o sofrer, deixava-o pior ainda. Pensara pouco em qualquer outra coisa nas férias na casa dos Dursley, gastava seu tempo apenas lembrando do pouco tempo que passara com Sirius. Passara pouco tempo com seus pais, e agora, mais do que nunca, sentia a falta da presença deles; e também passara pouco tempo com Sirius, que era o seu suporte, era o seu segundo pai, confiava nele mais do que em qualquer pessoa, mas pelo visto ele estava fadado a ficar sem ninguém.
E era tudo culpa sua, todos aqueles que ficam perto dele acabam num fim trágico. Seus pais morreram porque Voldemort queria matá-lo, e Sirius morrera porque fora resgatá-lo por ser um burro. Todos aqueles quem ele mais amava acabavam partindo, e sempre por culpa dele, aliás, não por culpa dele, a culpa era de Voldemort, e de seus comensais, mas por causa dele.
Então lembrou-se de Ron, e de Hermione, só restavam eles ao seu lado, eles acabariam como Sirius, e seus pais.
Por que ele não poderia ter uma vida comum como qualquer outro bruxo, com seus pais e padrinhos vivos, com amigos que pudessem conviver com ele sem correr o perigo de ter seus pais chorando sobre os seus túmulos?
Mas ele sabia a resposta: Voldemort, é por causa dele, é sempre por causa dele. Seus pais fora culpa dele, diversas famílias fora culpa dele, Sirius, fora culpa dele, sempre dele. Dele e daquela maldita da Bellatrix. Mas também de Monstro, de Dumbledore, e de si mesmo. Mas se Monstro não tivesse ido atrás dos Malfoy…
Um ódio trespassou o garoto, aquele elfo maldito.
Levantou e deixou o hipogrifo ali, roendo os ossos. Ele não tinha os seus problemas, ele era feliz. Queria ser um hipogrifo também, para não ter que encarar fatos como os que ele tinha.
Desceu as escadas e foi em direção ao salão, analisar melhor a árvore genealógica dos Black, e enquanto atravessava o corredor ouviu uns ruídos, de quem ele menos queria encontrar naquele momento.
- Ah, é o garoto Potter, o filho daquela mestiça…
- Cale a boca - Harry respondeu prontamente.
- Ah, olá senhor, não tinha visto-o - disse o elfo fingindo estar espantado como se realmente não tivesse visto-o ali. - Dizem que ele está sofrendo por causa do senhor, a vergonha da minha senhora, bem-feito ele ter morrido, foi a vergonha desta casa, manchou o nome da minha senhora, e desrespeitou esse lugar sagrado onde muitos da dinastia dos Black viveram enchendo-o de mestiços, sangues-ruins, traidores do sangue, sim, sim! Foi bom ele ter morrido…
Mal tinha terminado de dizer a frase, Harry voou no seu pescoço e agarrou-o estrangulando o elfo. Ele começou a sentir falta de ar e começou a tossir, cuspir, e babar, batendo seus braços e pernas em todas as direções tentando desvencilhar-se. Quanto mais ele tentava escapar da fúria do garoto, mais Harry apertava suas mãos contra a garganta, já arroxeada, do elfo.
- Harry! - gritou uma voz feminina atrás dele.
Ainda segurando firmemente a garganta do elfo ele virou-se para trás e viu Hermione parada atrás dele, com um malão ao seu lado, com um olhar de terror nos olhos.
- Harry, largue Monstro! - a garota pulou em cima de Harry e segurou os seus braços, uma vez que Harry parecia estar disposto a realmente assassinar o elfo.
- Deixe-me, Hermione. Isso é apenas entre eu e ele, nós temos contas a resolver - o garoto disse com os dentes cerrados.
Hermione, vendo o elfo finalmente começar a ficar imóvel, mais vermelho do que um tomate maduro, agarrou com os braços o pescoço de Harry tentando enforcá-lo.
- Hermione, o que você acha que está fazendo? - perguntou o garoto largando o elfo para desvencilhar-se dos braços de Hermione.
- Eu não vou deixar você assassinar esse elfo, Harry.
- Hermione, deixe-me em paz, eu já te disse, isso é assunto nosso.
- Harry, esse elfo continuará vivo enquanto os membros da Ordem…
Harry soltou-se com pouco esforço dos braços da garota.
- Escuta aqui, Hermione, esse elfo é meu, eu o herdei de Sirius, eu faço com ele o que bem entender - disse Harry apontando com o dedo indicador para o rosto de Hermione.
- Sirius era seu padrinho, não seu pai, Harry. Você não é o herdeiro dele.
- MAS É COMO SE FOSSE! - gritou ele violentamente, fazendo a garota recuar diante a repentina mudança de tom de voz.
A garota olhou-o por um instante. E Harry encarou-a implacavelmente.
- Harry, eu sei que…
- NÃO, VOCÊ NÃO SABE DE NADA! VOCÊ NÃO TEM QUE PASSAR POR TUDO O QUE EU TENHO QUE PASSAR, VOCÊ NÃO FAZ A MÍNIMA IDÉIA DE COMO EU ME SINTO - gritou Harry se descontrolando.
- POIS SAIBA, HARRY, QUE EU VIM AQUI PARA SABER COMO VOCÊ ESTÁ, PORQUE EU ME PREOCUPO COM VOCÊ. AGORA SE VOCÊ FOR FICAR TENDO ATAQUES HISTÉRICOS COMIGO PORQUE TE IMPEDI DE COMETER UM ASSASSINATO, PASSAR BEM! - respondeu Hermione gritando também. Ela virou-se e dirigiu-se à porta.
- Onde você vai?
- À qualquer lugar que eu não tenha que aturar os chiliques de um adolescente descontrolado! - disse ela começando a destrancar a porta.
- Não, Hermione, espere!
- Deveria ter pensado bem antes de sair gritando comigo.
Harry saiu correndo em direção à garota e segurou-a pelo braço.
- Você é surda? Não ouviu eu mandando você ficar aqui?
A garota olhou-o com um olhar espantado, como se nunca tivesse visto-o antes.
- Quem você pensa que é?
Harry, parecendo finalmente ter se tocado do que havia feito, soltou-a, balançou a cabeça, e cobriu o rosto com as mãos, levantando a cabeça em direção ao teto. Repentinamente chutou o armário ao lado da porta, fazendo-o balançar no chão. Na sala a Sra. Black pareceu finalmente ter acordado.
- Sangues-ruins infectando a casa da minha família, toda a escória nojenta poluindo o ambiente onde nasci…
Harry encostou as costas na parede, colocou as mãos sobre o rosto, e deixou suas costas deslizarem pela parede até cair sentado no chão.
Hermione ajoelhou-se ao seu lado.
- Harry, eu não faço a mínima idéia de como você se sente. Eu, felizmente, nunca tive que passar por tudo o que você já passou, mas eu sempre estarei ao seu lado, às vezes você parece esquecer que eu sou sua amiga, e que eu nunca deixarei você. Você não precisa jogar na minha cara o quanto você sofreu, quão grande é o seu ódio, eu imagino como seja, eu imagino eu mesma sem ninguém, sem meus pais, sem ninguém da minha família, e sabe qual a saída que eu encontro em meio a isso?
Harry olhou-a inquisidoramente.
- Eu lembro que eu tenho você, e Ron. E que vocês nunca vão me trair, ou me deixar…
- A não ser que a gente morra, não é?
- Vocês não vão morrer, nem Ron, e nem você.
- E como que você tem tanta certeza?
- Porque eu confio em você.
Só então Harry reparou como a garota era importante para ele, e como se sentiria inseguro se ela fosse embora e deixasse-o ali. Olhou no fundo dos olhos dela, ela olhava-o com olhos implacáveis.
E então ele, por mais que estivesse evitando ao máximo, começou a lacrimejar. Ele não podia chorar, não na frente de Hermione.
Ele foi levantar, mas Hermione segurou-o pelo braço.
- Harry, você é meu amigo, eu sou sua amiga, não precisa ter vergonha de chorar em frente a mim - disse ela passando a mão na sua nuca, como uma mãe faria.
Então ele não agüentou, desabou ali, na frente de Hermione, a última coisa que ele queria, demonstrar qualquer sinal de fraqueza, qualquer que fosse.
Então, surpreendentemente, a garota levantou o seu rosto manchado de lágrimas, que estivera inclinado em direção chão, e abraçou-o.
Harry, desajeitado, passou os braços pelas costas da amiga, e apoiou o queixo sobre o ombro dela.
- Hermione, tudo o que chega perto de mim se destrói. Tudo o que eu tinha de mais próximo a mim se perdeu, não quero que aconteça o mesmo com você e Ron.
A garota afastou-o e olhou no seu rosto.
- Harry, você já sofre o suficiente com a morte dos seus pais e a de Sirius, não comece a sofrer com aquilo que sequer aconteceu, você já está surtando, se começar a sofrer de preocupação comigo e com Ron você vai enlouquecer. Escuta, nada, absolutamente nada vai acontecer comigo e com Ron, fique calmo!
Isso pareceu aliviá-lo um pouco.
- Você e Ron são as únicas coisas que me restaram no mundo, Hermione. Eu não quero perdê-los também.
A garota sorriu para ele.
- Ah, Harry! - e abraçou-o novamente.
O garoto novamente sentiu-se desengonçado, não estava acostumado com esse tipo de afeto.
- Ah, Harry. Eu gosto tanto de você!
O corpo de Harry congelou, ela não poderia estar falando nesse sentido que ele estava imaginando, poderia? Hermione?
A garota, sem perceber a reação dele, continuou:
- Você é o melhor amigo que alguém poderia ter.
Ainda se perguntando qual seria o sentido da frase que a garota dissera a ele, ele ficou ali, abraçado a ela.
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