Hogwarts, uma história
O volume de informações que haviam recebido era tão grande que Mia julgava que sua cabeça fosse rachar em duas partes. Wyrda também pareceu notar o esforço dos dois jovens em absorver e processar tudo aquilo e interrompeu as explicações. Como último conselho, o Oráculo disse:
- Quando voltarem para a mui antiga e nobre casa dos gêmeos Weasley, encontrarão um livro no qual poderão sanar algumas dúvidas sobre a fundação de Hogwarts e iniciar a busca pela horcrux que falta. Mas lembrem-se do que vos digo: apenas aquele que tem a verdadeira essência da dona da relíquia poderá encontrá-la.
A mensagem parecia enigmática demais para que eles pudessem compreender. Por hora, o mais importante era saber onde localizar o livro. E foi exatamente o que Hermes externou ao questionar:
- E onde está este livro sobre Hogwarts? – Mia, que também tinha a mesma idéia em mente, concordou com um aceno de cabeça.
- A terra é a matéria pesada, é o espesso, o maciço – começou Wyrda enquanto caminhava pela sala com as mãos prostadas às costas, como se ignorasse a pergunta de Hermes. - É o elemento passivo à espera da modelagem, é a massa pronta para ser trabalhada e transformada. É a gruta, a caverna, a proteção contra o mundo exterior. Mas é também o subterrâneo onde se encontra o tesouro, e é o túmulo onde repousa o cadáver, não à espera da destruição e ruína, mas da transformação em outros elementos, num eterno vir a ser. A terra, sendo caverna, é um mundo de trevas, de onde deve o Homem sair para conseguir a Luz. O que procuras está nas mãos daquela que tem a Terra como elemento.
Antes que pudessem questionar qualquer coisa, Wyrda se precipitou para a porta do armário sumidouro, abrindo-a e convidando a dupla para que voltassem à casa de Fred e Jorge. Cansados, e com pensamentos demais para compreender, Hermes e Mia não questionaram a decisão do Oráculo e se encaminharam ao armário. Antes de entrar, Hermes virou-se para Wyrda:
- Eu só não entendo o porquê da mania dos Oráculos de falarem por enigmas. Seria tão mais fácil se você simplesmente nos dissesse o que fazer e onde procurar.
Tudo o que viram foi o Oráculo sorrir de maneira cansada antes que a porta se fechasse atrás deles. Rodopiaram um pouco mais antes de reaparecerem na sala secreta dos gêmeos. Ao lado de Mia, Hermes comentou:
- Não pensei que alguém pudesse ser tão maligno quanto esse Voldemort. O cara é maluco e...
A ruiva cutucou a costela de Hermes antes que ele continuasse a falar. Sentada numa poltrona próxima à estante de livros dos gêmeos estava uma figura miúda e loira, muito conhecida pela dupla: Lúthien. A menina parecia menor ainda sentada naquela poltrona de encosto alto, com um livro gigantesco e empoeirado no colo. Ela molhava a ponta do dedo indicador com um toque da língua e folheava as páginas do livro displicentemente, esbugalhando ainda mais os olhos em alguns intervalos de tempo. Não pareceu perceber o retorno de Mia e Hermes à sala, ou então não se importou com eles até que ambos se aproximaram o suficiente para que fosse impossível ignorá-los. Mesmo assim, Lúthien ainda demorou um tempo até levantar os olhos das páginas do livro e fixá-los na dupla. Logo depois, a expressão séria de quem lê algo muito importante se transformou de repente num sorriso debochado, que assustou os dois amigos.
Lúthien fechou o pesado livro, sem deixar de sorrir, e se levantou da poltrona para ficar da altura daqueles que a observavam. Depois, com o orgulho digno de um Malfoy, mostrou a capa vermelha do livro, recoberta de couro meio apodrecido nas margens. A lombada estava amarelada, evidenciando a idade avançada da publicação. Em letras douradas e rebuscadas, cintilava o título: Hogwarts, uma História.
Era como se ela soubesse o que os dois amigos procuravam. Mia quase caiu para trás com a surpresa. Hermes segurou a amiga pela cintura, fazendo com que ela logo retornasse ao estado normal, depois de se sobressaltar com a excessiva proximidade do loiro. A ruiva ainda não havia esquecido o estranho beijo trocado algumas horas antes naquela mesma sala.
- Como você conseguiu isso? – Hermes questionou e apontou para o volume nas mãos de Lúthien, enquanto Mia ainda organizava os pensamentos. – Aliás, primeiro, como você entrou aqui?
- Ei, ei, senhor Hermes – Lúthien sorria, abraçando o livro com os dois braços para impedir que as mãos já esticadas de Hermes o agarrassem. - Uma coisa de cada vez, não?
Hermes suspirou, visivelmente contrariado. Lúthien tinha o dom de irritá-lo. A pureza e a inocência da menina, misturada com a mania de se meter em tudo o que ele e Mia faziam, eram o tempero ideal para deixar Hermes com vontade de esganá-la.
- Tudo bem, Lúthien – desta vez era Mia quem falava, mais paciente com a loirinha do que o amigo. - Responda então como você entrou aqui.
- Eu só quis – a menina falou, como se fosse algo óbvio. – Fiquei parada na frente da porta, e quis muito, e pensei na porta aberta. Quando encostei a mão na maçaneta, ela abriu e me deixou passar.
Mia encarou Hermes, o olhar intrigado, mas cheio de compreensão. Antes de tentar pegar o livro das mãos de Lúthien, a ruiva ainda tinha uma dúvida para solucionar:
- É a primeira vez que acontece isso com você? Ou você já... bem... já quis muito alguma coisa antes e conseguiu?
- Ah, não! Isso acontece com freqüência – e ao invés de continuar falando, Lúthien fixou os olhos no espelho logo adiante, fazendo com que a dupla de amigos voltasse os olhos para aquele lado. A loirinha caminhou para lá e parou em frente ao objeto.
- Gosto deste espelho – o coração de Mia ribombou no peito. – Ele me mostra bonita, com as mãos estendidas numa espécie de ritual.
Mia conseguiu soltar o ar preso nos pulmões. Quer dizer que Lúthien enxergava a si mesma no espelho, e não à ruiva. O alívio tomou conta da menina, pois quando Fred e Jorge contaram sobre o poder do espelho, não deixaram claro os desejos de quem ele mostrava. Agora fazia sentido. Hermes leu em voz alta a inscrição na moldura logo acima da parte refletora:
- Olha que engraçado! Se você ler normalmente, não faz sentido algum... Ojesed stra ehru oyt ube cafru oyr on woshi. Mas se lermos as palavras ao contrário, temos mais ou menos o mesmo que Eu não mostro sua face, mas sim os desejos do seu coração.
- Este espelho mostra aquilo que a pessoa que está diante dele quer que se realize – Mia explicou, lembrando-se do que ouviu dos tios. – Mas isso não vem ao caso agora, pois O Oráculo disse que precisáriamos estudar o livro o mais rápido possível.
- É – Hermes concordou com um aceno de cabeça, mas com cara de quem havia registrado a informação sobre o Espelho de Ojesed. – Mas Wyrda também disse que o livro estaria em poder daquele que tem a Terra como elemento.
Mia e Hermes fixaram o olhar novamente em Lúthien. A menina vestia as roupas engraçadas de sempre, tinha o habitual olhar esbugalhado e o sorriso inocente e matreiro estampado no rosto. Com uma das mãos segurava o livro de capa vermelha, e com a outra enrolava o cordão do colar de rolhas. O pé direito batia, pronto para correr se fosse preciso. Mesmo com toda a aparência de lunática, Mia conseguia divisar no olhar da menina que, caso eles negassem algo a ela, Lúthien simplesmente arranjaria um jeito de descobrir. Ela podia ser persistente e estável como a Terra. A força que o olhar de Lúthien estampava naquele momento, somado ao fato de ela ser a filha de um dos casais Renegados, assim como Hermes e Mia, produzia uma sensação de confiança na ruiva. E além disso, Wyrda deixou bem claro que encontrariam o livro que precisavam nas mãos daquela que representava o quarto elemento. Embora não tivesse provas, Mia sentia a empatia pela loirinha crescer quando a encarou no fundo dos olhos negros e determinados. Lúthien já estava envolvida até o pescoço com aquela história, e talvez era para ser mesmo daquele jeito.
Vencida pelos próprios argumentos, Mia encarou os fatos:
- Anda, Lúthien. Conte-nos onde encontrou este livro e o que você leu antes de nós dois chegarmos novamente.
Parecendo absolutamente deliciada e satisfeita, Lúthien se sentou no chão, ajeitando o vestido florido de forma a proteger as pernas, como se as meias negras de lã não bastassem para aquecê-la. A loira começou a folhear o livro. Das páginas amareladas se desprendiam pequenos flocos de poeira, provocando espirros em Hermes quando ele sentou ao lado da loira para acompanhar o raciocínio.
- Primeiro, eu não consegui o livro. Quando entrei aqui, observei as prateleiras e a poltrona, e ele estava lá, em cima dela – Lúthien se deteve em uma ilustração bruxa, onde quatro pessoas se moviam com desenvoltura, vestidas com um figurino de gala que só poderia pertencer à Idade Média inglesa. – Vejam só o que diz aqui na legenda: “Salazar Slytherin, Godric Griffyndor, Helga HufflePuff e Rowena Ravenclaw – os quatro fundadores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts”. Nossos pais estudaram lá, não é isso?
Mia não conseguia responder. A única coisa que prendia sua atenção era a imagem de Rowena Ravenclaw. Era como se a ruiva já tivesse visto aquela mulher antes, mas não conseguia se lembrar exatamente onde.
Hermes também parecia envolvido pela foto. Tanto que deu um ligeiro pulo quando Lúthien voltou a falar:
- Este livro conta a história da Fundação de Hogwarts. Os quatro amigos e bruxos conseguiram escapar das fogueiras da Inquisição e resolveram que precisariam de um jeito melhor de difundir os conhecimentos mágicos, pois apenas o boca a boca de mestre para pupilo faria com que a magia entrasse em extinção. Juntos, resolveram fundar uma escola para ensinar bruxaria às crianças que apresentassem indícios de magia. Eles concordavam que deveria haver uma espécie de seleção para a escolha dos alunos. Mas, como nem todos compartilhavam da mesma opinião, cada um achava que o critério de seleção deveria ser feito de uma forma diferente. Griffyndor acreditava que apenas os corajosos é que deveriam ter a honra de estudar em sua escola. Já Ravenclaw priorizava a inteligência daqueles que queriam aprender e compreender a magia. Slytherin, por sua vez, só queria aceitar bruxos puro-sangue, de linhagem nobre. Hufflepuff não fazia qualquer restrição, e achava que todos aqueles que quisessem tinham o direito de aprender e dominar a magia. Mesmo com as diferenças, fundaram a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, e a solução encontrada foi a divisão em quatro casas, cada qual dirigida por um fundador, e que aceitaria os alunos condizentes com as habilidades que prezavam. Griffyndor foi o responsável pela criação do Chapéu Seletor, um velho chapéu que selecionava os alunos de acordo com suas habilidades pessoais, para cada uma das quatro Casas: Grifinória, Corvinal, Lufa-Lufa e Sonserina, uma homenagem a seus próprios fundadores.
A história era absolutamente fascinante. No entanto, Mia ainda não conseguia tirar os olhos da imagem de Rowena Ravenclaw.
”Eu conheço você... mas de onde?”
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