II - Alucinações



Capítulo dois: Alucinações


Quero me encontrar, mas não sei onde estou
Vem comigo procurar algum lugar mais calmo
Longe dessa confusão e dessa gente que não se respeita...


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O dia já havia amanhecido, e ele ainda estava deitado no mesmo sofá de couro da sua enorme biblioteca. No mesmo sofá em que passara a noite, entre livros e mais livros, como fazia freqüentemente.

Nenhum ruído na grande sala. Era como a ausência de uma multidão barulhenta. Nem os mosquitos ousavam bater as asas, receosos em quebrar o silêncio.

Fechou os olhos. Um outro livro, dos grossos, estava pousado aberto em sua barriga. Até então, ele não tinha percebido como mais uma noite mal dormida deixara seu corpo exausto, mas aquele silêncio, aquela calmaria, aquele ar frio do começo de mais uma manhã foi aos poucos invadindo seu corpo. O sono foi chegando, chegando... e Draco não ousou lutar contra ele.

Mas foi despertado antes mesmo de sua mente sair completamente do estado de vigília, pelo ruído de passinhos eufóricos que invadiu o ar, cortando bruscamente o silencio. Não abriu os olhos de imediato, porque sabia de cór quem era o dono dos passinhos. Apenas respirou profundamente, tentando buscar uma gota de paciência no fundo de sua consciência.

- Sr? Está dormindo?

-Estava, antes de você me incomodar. – Ele não precisou abrir os olhos, tampouco se mexer, para apavorar o pequeno elfo doméstico. Sua voz seca, meio rouca, foi o suficiente para fazer com que os poucos e ralos fios de cabelos marrons na cabeça do pobre servo se arrepiarem.

-Pe..perdão, meu Senhor, mas é que...

O louro abriu os olhos e fixou no elfo um olhar de amargura, fazendo com que ele estremecesse e vacilasse ainda mais.

-Um..uma moça! É, tem uma moça lá fora, e ela está pe...pedindo comida! – O pequeno ser mirrado respirou aliviado quando conseguiu terminar a frase, mas logo o seu corpo ficou inerte outra vez, com medo da reação do amo em relação a informação que acabara de receber.

-Uma moça!? – Colocou-se de pé em um pulo.

-É, uma moça ruiva.

-Ruiva? E como ela conseguiu encontrar a casa? – ele andou até a janela de madeira rústica, com as bordas minuciosamente entalhadas, sua capa negra se arrastando no chão. Puxou levemente a cortina, relutando em deixar a claridade invadir seus olhos.

E ele viu.

Só precisou direcionar seu olhar um pouco para a direita. A ruiva estava parada em frente às portas de mogno da casa, batendo enfurecidamente na madeira com os punhos cerrados.

-Eu só quero um pedaço de pão, ou alguma coisa para comer! – ela gritava, direcionando sua voz à porta fechada.

A garota do lado de fora deixou os ombros caírem, e se sentou na escada, com uma expressão de desânimo. Já tinha desistido. Começava a achar que aquela casa era só uma miragem, fruto da sua cabeça atormentada, assim como as pessoas estranhamente vestidas que vira na fábrica abandonada.

Ele a observou cobrir o rosto com as mãos. Seus cabelos vermelhos caíram ao lado do rosto dela, e ele ficou imaginando se ela estava chorando.

E ela estava. Gina estava em prantos, outra vez. Agora, além de faminta e sem-teto, ela começava a achar que estava enlouquecendo.

Ele desviou o olhar da janela e voltou para o sofá de couro. Suas pernas estavam trêmulas, sua respiração confusa.

O elfo o encarava, mais confuso ainda. Seus enormes olhos esverdeados brilhavam, como se esperasse uma resposta, uma indicação do que ele deveria fazer. Mas como não obteve resposta alguma além do olhar distante do patrão, resolveu arriscar:

-O que eu faço, amo? Ela... – hesitou – ela parece ser uma boa moça, talvez não haja mal algum em dar à ela...

-CALE-SE, INUTIL! Ela não deveria estar aqui, ela não podia estar aqui, ela... ela não pode ser ela. – acrescentou para si mesmo, em um tom baixíssimo, tão baixo que o elfo nem se quer ouviu.

-Ma...mas o que eu devo fazer, Draco Malfoy, meu senhor? – Sua voz, além de confusa, era levemente... babaca.

Draco dirigiu ao servo um olhar avaliador, examinando-o. Seus olhos percorreram o corpinho mirrado do elfo, com uma expressão de desagrado no rosto, como se avaliasse se a pergunta dele era digna de uma resposta sua.

-Não faça nada. Ela vai acabar indo embora.

A resposta de Draco não agradou o elfo, mas ele reverenciou, obediente, e concordou em se retirar e deixar Draco a sós com seus pensamentos.

Depois de ouvir os passinhos corridos do elfo ao longe, ele caminhou novamente até a janela. Talvez tenha sido só uma alucinação causada pelo sono. Por Merlin, o que ela estava fazendo na porta da casa dele!?

Puxou outra vez a cortina e olhou para fora, mas ela não estava mais ali. “Talvez ela nunca tenha estado ali...” Ele tentava mais convencer a si próprio de que o que vira era impossível do que qualquer outra coisa. E estava quase conseguindo. Teria conseguido, se não tivesse ouvido a porta do hall de entrada ser aberta, rangendo, apesar dos visíveis esforços de quem a abrira em não fazer barulho.

-Mas o que ela pensa que... – ele começou a caminhar a passos largos, pisando fundo, em direção ao hall de entrada. Parou em frente à porta no fim do corredor que dava acesso ao hall.

Ele não queria ser visto por ela, tinha medo do que poderia acontecer. Na verdade, ele não queria que ela o visse nas condições deploráveis que se encontrava, depois de ter o visto em um dos seus momentos de glória, no ápice da sua vida. Mas agora ele não passava de um homem fracassado, e parte da culpa talvez fosse dela. Gina. Ela continuava praticamente igual ao que ele se lembrava; o mesmo rosto de menina, mas agora com um corpo de mulher. Nem as roupas velhas e sujas dela desvalorizavam suas curvas perfeitas. Fora isso, os mesmos lábios rosados e bem delineados, os mesmos olhos cor-de-âmbar, os mesmo cabelos cor-de-fogo...

A ruiva deu dois passos tímidos para dentro da casa e ficou olhando em volta. Isso fez o cérebro de Draco gelar. Pensou em chamar Arns, o elfo doméstico, mas decidiu que não seria uma boa idéia, ele mesmo faria o serviço. Respirou fundo e cruzou a porta, em passos decididos. Sua capa farfalhou no chão, provocando um leve ruído que chamou a atenção dela.

Se virou de repente e o encarou. Seus olhares se cruzaram e por um breve momento ela achou ter reconhecido aqueles olhos frios e tristes, mas julgou ser mais um delírio. Ele não disse nada. Ela estremeceu diante daquele olhar gelado, mas não deixou transparecer. Manteve a cabeça erguida e o ar de dignidade, mesmo tendo a sensação de que estava encarando uma fera selvagem que a devoraria a qualquer instante. Finalmente disse, com um fio de voz:

-Você pode me arranjar algo para comer? Eu...

-Saia. – ele a cortou. O seu tom de voz era firme, e decidido, apesar de sua cabeça estar a mil por hora. Não sabia porque tinha ido falar com ela. Naquele momento, se arrependeu profundamente disso, porque poderia ser extremamente perigoso mais alguém sabendo do seu refúgio, mas agora era tarde. Ele se sentiu um tolo.

Ela não abaixou a cabeça nem diante da resposta áspera dele. Nunca abaixava a cabeça diante de ninguém. Cerrou os dentes e manteve seu olhar cheio de orgulho fixo nele.

-Um mínimo de educação não faz mal a ning...

-Você não é bem vinda aqui! – brandou com sua voz rouca.

A garota arregalou os olhos e lhe dirigiu um olhar confuso, e ao mesmo tempo furioso.

-Bem, se você acha que eu vou querer roubar alguma coisa, está muito enganado! Sabe, pode não me restar nada nessa vida, mas pelo menos dignidade eu tenho! E isso parece que te falta.

As palavras dela fizeram-no duvidar por um instante que a garota à sua frente se tratasse da mesma pessoa que ele pensava que se tratava. No início, Draco pensou que aquela história de querer comida era só um pretexto para entrar na casa dele. E ele começava a achar que caíra na armadilha dela indo ao seu encontro. Mas ele percebeu sinceridade na voz dela. Será que era possível? Será que ela não estava o reconhecendo?

-Como você sabia da casa? Como você a encontrou? Quem te disse o que fazer para poder vê-la? – apesar das duvidas, não abandonou o tom de alerta e nem o olhar atento, que fazia Gina sentir seu coração ser perfurado.

-NINGUÉM ME DISSE! – ela não conteve um grito, indignada com a ignorância dele. – foi uma coincidência e... e eu não sei, de repente sua casa estava diante de mim. – seu olhar ficou vago por uns instantes e ela fez algo inesperado. Algo que não gostava de fazer, mas não pôde se conter. Seus olhos brilhavam, cheios de lágrimas e ela começou a chorar. Chorar na frente dele, como um bebê.

Ele não sabia o que fazer. Ficou confuso diante da reação inesperada dela, mas não deixou transparecer. Elevou seu tom de voz também, para que suas palavras se sobressaíssem ao choro dela.

-Ora, acha que vai me comover com isso!? Francamente, que decadência! Eu sempre soube que você era pobre, mas não a ponto de chorar na minha frente mendigando comida.

E dizendo isso, deixou uma ruiva com uma expressão abobada parada no hall de entrada e subiu as escadas.

-Saia! E eu não quero mais ver você por aqui, nem você e nem ninguém da sua laia. – Ele berrou, sem voltar a se virar, assim que atingiu o patamar superior e bateu uma porta atrás de si.

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A ruiva escorregou até o chão, com as costas encostadas na parede atrás de si e chorou. Não só porque começava a sentir seu estômago se contrair de fome, nem só porque não sabia onde passaria a próxima noite, e nem a seguinte... Mas chorou porque fora humilhada. Ela ainda estava um tanto confusa. Não sabia o que exatamente ele queria dizer com “gente da sua laia”. Olhou para as próprias roupas velhas e deduziu que ele se referia à pessoas sem dinheiro ou coisa do gênero.

Mas continuava a não entender o porquê da raiva dele contra ela. Ela não faria nada de mal, nem à ele e nem à maldita casa dele! Não era possível que ela parecia tão perigosa! Suas lágrimas corriam livremente pela pele alva pontilhada por sardas, enquanto ela tentava buscar forças para se levantar e ir embora dali, mas não conseguia. Estava fraca, o sanduíche de queijo que ela devorou na noite anterior já havia sido digerido. Mas não era só por isso que ela permanecia sentada no chão. O seu coração pesava só de pensar que ela sofreria com aquele tipo de preconceito em cada lugar que ela parasse para pedir comida ou abrigo, e isso a fez ter vontade de desistir de tudo, desistir de seguir em frente.

Mas ela não podia desistir. Tinha que encontrar seu passado, e ficar chorando, sentada no assoalho da casa de alguém que a humilhara com certeza não era a melhor maneira de fazer isso. Pelo menos ela pensava que não. E já tinha chorado demais nos últimos dois anos. Não que não tivesse motivos para chorar, mas aquilo definitivamente não resolveria seus problemas.

Havia uma pequena janela no hall, e os raios do sol que se erguia lentamente no céu invadiram seus olhos e a aqueceram, revigorando suas esperanças. Aparentemente fazia um belo dia lá fora, apesar do frio. Ela se colocou de pé e levou a mão até a maçaneta prateada em forma de cobra.

Mas antes que pudesse puxá-la, ouviu uma voz baixa e hesitante chamar sua atenção.

-Senhorita...

Gina se virou, mas não viu ninguém. “É, eu estou realmente enlouquecendo...” Se preparava outra vez para sair, mas sentiu alguém puxar a barra da sua calça, tentando novamente chamar a atenção da ruiva.

-Senhorita...

Ela olhou para baixo. Seus olhos inchados se arregalaram. Ela notou um serzinho um tanto esquisito, cuja altura não ultrapassava o joelho de Gina a encarando.

Ela fechou os olhos com força e murmurou veementemente:

-Você é uma alucinação. Você não é real. Nem você, nem essa casa que apareceu do nada e nem aquele maluco que me insultou. – respirou fundo, piscou algumas vezes e olhos para baixo. Mas o elfo continuava a olhar para ela, com seus enormes olhos brilhantes e uma expressão confusa, que o deixava ainda mais engraçado do que era ao natural.

-Eu só queria saber se a Senhorita ainda quer algo para comer, eu posso te arranjar.

-Tá bom, mas... O QUE... OU QUEM... QUEM DIABOS É VOCÊ!?

-Shiiii, não grita! Ele não pode descobrir que eu estou te ajudando! Sabe, eu não deveria te ajudar – dizendo isso, deu um soco no próprio queixo e arrancou uma quantidade considerável de cebelos, para alguém que tem tão pouco. – mas se quiser eu posso te arranjar algo para comer.

Apesar da aparência abissalmente estranha, ele parecia levemente familiar à Gina. E como ela já estava começando a se acostumar com coisas estranhas que aconteciam a sua volta, concordou em ser ajudada. Bom, se ela estava tendo uma crise de esquizofrenia, ou coisa assim, pelo menos seu estômago ficaria cheio.
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n.a.: érm, o que acharam do capítulo? *esperando pra ser apredejada* ><" espero não estar decepcionando ninguém, já que o prólogo ficou tão promissor... mas de qualquer maneira, eu até que goste bastantei desse capítulo. x}

Ana Karynne e Lola Malfoy: qualquer semelhança com o filme não é mera coincidência! xD~ a história é realmente baseada em "Anastácia", por isso o título: Romanov. Mas é uma adaptação que vai tomar rumos bem diferentes da história do filme. :x

ah, acho que é só. O próximo capítulo está previsto pra sair ainda esse fim de semana. \o/

Beijo :*

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