A Maldição de Slytherin
O horror que se seguiu ao ato de Voldemort foi inexplicável. Para Harry e os outros membros da Armada e da Ordem, a sensação de impotência diante daquele assassinato tão cruel era a prova final de que o Lorde das Trevas sairia vitorioso daquela guerra. Para os comensais, pela primeira vez, iminente vitória do seu senhor e mestre causava medo.
Enquanto cada um remoía seus próprios temores, Dumbledore recobrava a consciência nos braços de Hagrid. Abriu os olhos ainda trêmulo, com dores por todo o corpo.
A maldição contida no anel de Peverell havia tomado quase todo o corpo do ex-diretor, e ele tinha a consciência de que não lhe restava mais muito tempo de vida. Quando conseguiu se erguer o bastante para entender o que se passava no Jardim, deu um sorriso ainda mais cnsado e olhou para Hagrid.
O guarda-caça também estava chocado com tudo o que presenciou e ficou ainda mais surpreso quando notou o ar complacente na expressão de Alvo Dumbledore. Havia um fundo de tristeza naquele sorriso, mas ele parecia tranqüilo.
O sangue continuava a jorrar do corpo já sem vida de Neville e cada gota era absorvida pelo livro, que lentamente deixava de ser pedra e assumia sua forma natural.
As páginas do livro agora eram novamente de pergaminho. A capa era dura, feita do mais legítimo couro, e era possível ver que toda a encadernação do grande volume que continha todos os segredos dos quatro fundadores de Hogwarts foi feita à mão.
Voldemort puxou o corpo de Neville jogando-o de qualquer jeito ao chão e tomou o livro entre suas mãos, ávido por ler o encantamento que o faria alcançar a eternidade. Primeiro fechou o volume e só então abriu, na primeira página.
O vendaval recomeçou na Floresta, mas desta vez não arrastava ninguém nem derrubava folha alguma das árvores. A única coisa que a ventania movimentava era a capa do Lorde das Trevas e as páginas do livro, que passavam rapidamente, sem dar tempo para que Voldemort lesse uma letra sequer.
Enquanto Voldemort sentia uma ânsia prazerosa, típica de quem espera ser recompensado por uma tarefa realizada com sucesso, Dumbledore se punha novamente de pé.
- Professor? Aonde o senhor vai? Ainda não está bem o sufic...
- Eu não queria que as coisas chegassem a esse ponto, Hagrid! – interrompeu Dumbledore – Mas já que chegaram, eu não tenho escolha. Cuido de tudo, e entregue aquela carta que eu pedi, sim?
Caminhou a passos lentos, aproveitando-se da distração de Voldemort e alcançou mais uma vez a estátua de Godric Gryffindor. Apoiou as duas mãos na estátua e se concentrou.
Pouco depois, a estátua de Godric começou a emanar uma luz amarelada que se espalhou pelo Jardim e atingiu as outras duas estátuas no mesmo instante em que as páginas do Livro dos Segredos pararam de passar. O Livro dos Segredos estava aberto quase ao meio e não admitia ser fechado, nem ter suas páginas passadas, como se o restante dos pergaminhos estivessem colados, ou formassem uma massa única.
Por mais que Voldemort se esforçasse e usasse os seus conhecimentos de magia oculta, o Livro fazia força para voltar ao altar.
A luz das estátuas aumentava mais, fazendo com que grande parte da Floresta Proibida ficasse iluminada. A Lua Cheia saiu novamente de trás de uma nuvem e incindiu seus raios sobre o altar que antes continha o Livro.
O chão da Floresta estremeceu, como se um grande terrmoto estivesse acontecendo. Mas o que realmente havia provocado aquele barulho foi o movimento das estátuas pelo Jardim dos Mortos.
A cena das três estátuas gigantescas se posicionando mais próximas do altar central fez todos os bruxos correrem dali. Aquela guerra não era mais deles, e muitos optaram por salvar suas peles e fugir da floresta.
Rony assistia a tudo junto dos irmãos e dos amigos. O único que não estava com eles era Harry, que ainda se encontrava perto do corpo de Neville. O bruxo ruivo notou quanto aquelas estátuas se pareciam com as do grande jogo de xadrez que ele, Harry e Hermione tiveram que enfrentar em seu primeiro ano em Hogwarts.
Elas pareciam ter vida própria, apesar de não movimentarem os membros. Apenasse arrastavam pelo chão, encurralando Voldemort, Harry e Dumbledore no centro do Jardim.
Sem dar mais tempo para nenhuma ação, a luz que emanava das estátuas atingiu o livro e uma voz suave e etérea surgiu no ar, falando a todos, como se nascesse de dentro da alma de cada bruxo presente naquele Jardim.
Este é o Livro dos Segredos
Guardador dos mistérios sagrados
Que outrora Salazar Slytherin e Rowena Ravenclaw
Godric Gryffindor e Helga Hufflepuff
Tanto adoraram e serviram
Este é o único registro dos seus dias
E de sua sabedoria
E é nas páginas desta relíquia
Que tu há de encontrardes
As respostas para tuas dúvidas
A voz cessou e Voldemort não sorriu. Olhou para o alto, pronto para receber toda a magia do Livro. Alinhou os ombros e esperou, com a costumaz pose que ele adotava para fazer jus ao título que deu a si mesmo.
A espada de Godric, caída a seus pés havia sujado a barra de sua capa com o sangue de Neville. Mas ele não se importava com isso. Era justamente aquele sangue que o fez alcançar seu tão sonhado sonho.
Mas uma sensação nunca antes experimentada tirou Voldemort de sua expectativa confiante. Uma música brotou em suas lembranças e junto com ela a imagem de uma mulher.
A música cantava ao coração de todos os presentes, mas era para Voldemort que ela foi feita. A mesma música que Irmã Christine cantava.
- O que está acontecendo? – perguntou em voz alta – Eu, Lorde Voldemort, ordeno que isso pare. Eu sou o detentor do Livro, eu sou aquele que libertou os segredos do seu túmulo de pedra.
Mas a música continuava e agora ele via claramente Irmã Christine cantando, sentada na beirada de sua cama, uma noite em que ele teve febre.
- Isso não existe. Essas lembranças não fazem mais parte de mim! – berrou contrariado.
Irmã Christine continuava ali, sorrino para ele enquanto lhe segurava uma das mãos e o ensinava a rezar. E embora ele não acreditasse em nada daquilo, fazia exatamente o que ela pedia. Apenas para vê-la sorrir.
- Fraqueza. Pura fraqueza de criança – gritava justificando suas lembranças, receoso de que os demais também pudessem vê-las.
Mas não adiantava, a música permanecia no ar e a imagem de Irmã Christine insistia em não sair do seu lado. Ela, a única pessoa que fez o coração de Tom Riddle se aquecer. A única referência de algo próximo a uma mãe que ele teve e que durou tão pouco.
Os modos gentis de Irmã Christine, seu jeito carinhoso e o extremo zelo que demonstrava com as crianças desagradaram à diretora do orfanato e ela foi transferida. Naquela noite, o menino Riddle chorou. E no dia seguinte, já havia trancado as lembranças de Irmã Christine num quarto escuro que ele não abriria durante toda a sua vida.
Agora, uma voz de mulher falava mansamente, carregada de piedade e ainda acompanhada pela melodia que ainda embalava a cena.
Ai de ti, pobre criatura que anseia pela vida eterna
Que desaprendeu as verdadeiras virtudes
E que teve o coração minado de amor
A você, minha desamparada criança
Revelarei nossos segredos
Voldemort deu dois passos para trás com a intenção de fugir dali. Mas estava cercado pelas estátuas e por mais força que fizesse o livro, ainda seguro em suas mãos, fazia forças para ficar perto de seus legítimos donos.
O altar se abriu e muitas imagens começaram a ser projetadas no ar. Imagens antigas: da convivência entre os quatro fundadores de Hogwarts, das dezenas de guerras bruxas que existiram em toda história da humanidade.
Ai de ti, criatura injusta, que usaste o sangue de um nobre
Para obter seus intentos
Pobre daquele que despreza a riqueza de espírito
Em detrimento da riqueza e do poder
Enfim, pobre do covarde que não tem lugar à minha mesa
E jamais provará do alimento que eu, Godric,
Ofereço aos grandes homens que vêm até mim
Mais imagens brotaram da pedra rachada que antes servira de altar para o Livro dos Segredos. Agora, elas mostravam o desfecho das inúmeras batalhas pelo poder, sempre travadas pela eterna luta do bem contra o mal.
- A minha vitória há de ser diferente! – bradou Voldemort – Eu serei o primeiro e único bruxo das trevas a alcançar o poder absoluto.
O Lorde das Trevas começava a perder a paciência. Com uma das mãos, procurou a varinha entre as vestes e tentou, em vão, lançar vários feitiços nas estátuas, no altar e até no livro.
Irritado, lançou sua varinha ao chão e Harry olhou esperançoso para ela. Poderia usá-la contra Voldemort e destruí-lo de uma vez por todas. Adiantou um passo, mas um murmúrio chamou sua atenção. Dumbledore pedia a ele que tivesse calmo. Ainda não havia chegado a hora.
Decidido a vencer aquela batalha a todo custo, Voldemort tornou a olhar o livro, onde agora as palavras do encantamento brilhavam com um vermelho vivo. Era a sua chance. Sua única chance de alcançar a sabedoria contida no livro.
Fitou as palavras e as memorizou o mais rápido que pôde. Olhou para o alto mais uma vez e murmurou o encantamento.
Uma força estranha fez o livro vibrar e ele arrastou Voldemort até o altar. A pedra se refez e o livro se encaixou no mesmo lugar de antes. Porém, as mãos de Voldemort, que insistia em não largar o livro por nada, ficaram presas sob o livro que lentamente voltava a ser de pedra.
Antes que o livro estivesse todo petrificado, mais um som ecoou, atravessando as estátuas e as árvores da Floresta. Um sibilo alto, que dava a sensação de que todo o território de Hogwarts estivesse coberto pro serpentes de todos os tipos. Mas o que o sibilo disse, apenas Voldemort e Harry compreenderam.
Ai de ti, imundo traidor da pureza
Que ousaste usar o sangue de um puro
Para alcançar uma nobreza da qual não tem direito
Mas tua ousadia será castigada
E a sentença é a concessão de teu desejo mais ardente
Terás a vida eterna que tanto sonha
Assim que seu sangue também for derramado sobre este chão
Uma risada vitoriosa cortou o ar, abafando as últimas palavras do encantamento de Slytherin no Livro dos Segredos.
Dumbledore, completamente fatigado por ceder sua energia para que a magia das estátuas se realizasse, apoiou o ombro na pedra fria e reuniu suas últimas forças para gritar a Harry:
- Agora, Harry! Use a espada...
O rapaz nem pensou duas vezes. Após ouvir as últimas palavras de Slytherin, ele não cogitou questionar Dumbledore. Deu as costas ao diretor, sem ver que ele caía ao pé da estátua de Godric, apanhou a espada no chão e aproveitando-se de que Voldemort ainda tinha suas mãos presas sob o livro, atravessou-lhe a lâmina de aço afiado e polido pelas costas.
O frio da lâmina entrando em suas carnes assustou Voldemort momentaneamente. Ele olhou para o próprio ventre, observando a ponta da espada prateada, onde um filete de sangue começava a traçar seu caminho.
Então riu. E desdenhoso falou sem poder se virar:
- Sabia que me seria útil até o fim, Harry! Quando essa gota pingar da espada eu serei, finalmente, imortal.
O rapaz abandonou a espada cravada no corpo do Lorde das Trevas e deu a volta ao altar ficando de frente para ele.
- Existe uma diferença enorme entre imortalidade e vida eterna, Voldemort.
- Do que está falando, Harry? Será possível que o medo da morte o esteja fazendo delirar? Não ouviu nada do que meu ancestral mais ilustre disse? - zombou o Lorde das Trevas, sentindo um estarnho gosto de sangue subir pela sua garganta.
- Ouvi! Ouvi bem mais do que você! Se não tivesse a arrogância de achar que a guerra estava ganha, teria ouvido as últimas palavras de Slytherin.
Harry olhou ansioso para a espada, de cuja ponta pendia uma gota de sangue, prestes a cair. Voldemort acompanhou o olhar do garoto e enxergou a gota de sangue no exato momento que ela se soltou da espada e caiu lentamente até tocar o chão.
As estátuas dos fundadores voltaram aos seus lugares, o livro se petrificou por completo e os poucos bruxos que ainda ficaram na Floresta correram para o centro do Jardim, para tentar interferir no que fosse preciso.
O chão, ao redor do altar começou a assumir uma coloração esverdeada, do mesmo tom do mármore que sustentava o Livro dos Segredos. Harry entendeu que tudo ali viraria pedra e procurou alcançar o corpo de Neville e tirá-lo dali.
Quando o feitiço atingiu os pés e a capa de Voldemort, ele berrou de ódio.
- Harry Potter, maldito sejam os seus truques!
- Esse não é um truque meu. É a maldição de Slytherin. – respondeu o rapaz, já com o corpo do amigo seguro em seus braços, e sibilando, completou as palavras que Salazar Slytherin proferiu mas que Voldemort não deu ouvidos, tão atento estava ao seu próprio regozijo.
As últimas palavras de Salazar Slytherin foram de uma crueldade muito elevada até mesmo para Lorde Voldemort.
Tua vida pertencerá a este lugar
E dele não poderá sair
Sob a pena de se perder em pó
Torna-te agora pedra como nós
E vive para sempre
Observando o fim de tudo
Por todas as eras até a eternidade
A voz dos protestos do Lorde das Trevas sumiu na noite fria e iluminada pela luz da Lua Cheia. A Floresta inteira silenciou de imediato indicando que, diferente do que todos esperavam, aquela guerra chegara ao fim tão inesperadamente como havia começado, há sete anos.
A única certeza de que tudo realmente aconteceu na Floresta era a nova estátua, presa ao Livro dos Segredos. Voldemort, ou Tom Marvolo Riddle, estava agora petrificado. Seu rosto revelava um horror angustiante, as mãos sinistramente escondidas sob a pesada capa do livro e a boca aberta, como se ele ainda tivesse alguma coisa para dizer.
De todos os presentes, o único que sabia que a alma atormentada de Voldemort estava presa àquela estátua era Harry. Olhou para o bruxo ciente de que ele observava seus passos e sentiu seu coração se apiedar dele.
Uma reviravolta em seu estômago o fez perceber que Voldemort entendera seus sentimentos. E os repudiava com o mesmo orgulho de antes. Harry deu de ombros e saiu dali, levando consigo o corpo do amigo.
Sabia que seria impossível evitar a compaixão que agora tinha por Voldemort. Mas foi com uma agradável surpresa, apesar de tudo, que percebeu que não mais sentia o estômago revirar.
Sua ligação com Voldemort finalmente havia acabado e agora ele era apenas Harry Potter, um bruxo como outro qualquer.
O restante dos bruxos que ainda estavam na Floresta se dividiam entre a limpeza da floresta, a remoção dos corpos e a prisão dos comensais estuporados. Para todos, a estátua de Voldemort era apenas um monumento à vitória do bem contra o mal. Um capricho de Harry ou de Dumbledore.
Vendo a reação dos amigos, Harry prometeu a si mesmo que guardaria aquele segredo só para si. Sentiu que este seria o único jeito de proteger os amigos e os demais estudantes que ingressassem em Hogwarts nos próximos anos.
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