Capítulo Único
por Bruna Malfoy
A noite me leva pra rua
Promete o que eu quero
E toma o que eu tenho
Promessas fazem o meu sangue ferver
E o asfalto queimar
Mas atravesso com os olhos fechados
Só a luz da rua como testemunha
As nuvens caminham preguiçosas no céu avermelhado. Os últimos raios do sol anunciam o começo da noite, escondendo-se atrás das copas mais altas, das árvores na mata fechada, ali adiante.
Devagar e vagarosamente, as sombras aparecerem. Os becos escurecem, escondendo seus mistérios. As pessoas abandonam as ruas, á procura das suas casas quentes e acolhedoras. Os animais adormecem e um pio de coruja, ecoa no ar abafado da noite. Lança ao mundo, seu manto tranqüilo e inquietante.
O poste aceso, no inicio da rua, é a única fonte de claridade que o lugar ostenta.
Atitudes erradas e precipitadas no passado levam á conseqüências extremas no futuro próximo. Ele era uma criança, apenas um ser indefeso e inocente. Infância roubada e arrancada á mordidas. Presas de lobo, assassino. Animal que mata, que dilacera a carne, somente pelo prazer doentio de sentir o sangue doce, a preencher a boca faminta. Tornara-se um monstro.
O quarto nunca lhe pareceu tão sufocante. O ar quente lhe rouba o fôlego e de repente é difícil respirar. Espasmos doloridos percorrem seu corpo e não há nada que ele possa fazer. Fado. Sina. Destino.
As paredes tremem, diminuem o espaço pequeno. Os poucos móveis rústicos, rangem ameaçadores. A noite apavora, as sombras lambem as paredes sujas. A lua lança sua maldição. Ele está sozinho. Não há companhia.
O luar ilumina a janela e suas lágrimas ofuscam o seu brilho prateado. Pelo fraco reflexo do poste na rua, ele estende as mãos no ar. Seus dedos tremem sem controle. Ele os fecha, cravando as unhas nas palmas das mãos, deixando imitações de meia lua na pele pálida. Uma forte dor no peito o faz curvar-se para frente, abraçando o corpo, protetor. Cada músculo latejando separadamente; a dor excruciante espalhando-se pelo corpo inteiro. Um uivo de dor preenche o ar quieto. Ajoelhado no chão, suas lágrimas formam desenhos indefinidos no chão empoeirado. A lua agora aparece imperiosa no céu da noite clara. Seu corpo sofre a transformação e seu coração chora.
Ele ergue os olhos para a vidraça, a Lua inteiramente prata. O lobo ergue-se imponente e fareja o ar do quarto vazio. Avançando até a porta, ele arranca-a com ira. Liberdade. O lobo não é prisioneiro.
Correndo pela mata, ele sente uma fúria incontrolável. Sem sentido aparente, sem motivo para tanto. Rasgar… Matar… Mas há algo que o impede. Alguma força racional mantém o lobo aflito. Ele se vê, num rompante, impossível de seguir em frente.
Não há caminho, se o lugar é obscuro. Não há luz, se o breu permanece. Na noite amaldiçoada, ele segue por entre os bosques, fugindo do inevitável.
O lobo, na maioria das vezes, consegue o dominar completamente. Mas nem sempre. Ele necessita do controle maior. Ele sabe que é capaz. Chegando à margem de um lago, a lua cheia era refletida contra as águas negras. A figura de um homem aparece no reflexo do lago. Ele não é um lobo. Não era um monstro, um animal. Ele era um bruxo, um homem forte. Que sempre luta e sempre vence, no final das contas. Ele era Remus Lupin.
Sabia que seu grande erro, o maior de todos, fora ter decidido sair àquela noite para brincar, quando criança. E achava que ter a pele rasgada de dentro para fora, todas as luas cheias, era a penitência por este erro. E era.
Sempre tivera a certeza de suas limitações. De não conseguir um emprego, de se fixar numa casa, enquanto todos desconheciam sua natureza. Dos olhares temerosos e carregados de preconceito. Só houve os amigos. E hoje, eles não existiam mais.
E o único modo de se punir, era o autoflagelo. Mordidas e arranhões, pelo seu corpo frágil. Cicatrizes de um erro marcadas no corpo, por toda sua vida.
Desamparado e sozinho, ele se recolhe naquela mata. A dor da realidade o invadindo. A angústia de estar só, sempre fora a pior de todas as transformações. Acostumara-se às cicatrizes físicas, mas não era capaz de curar as dores emocionais.
As sombras da noite o envolvem e cerrando os olhos, ele aspira o ar ruidosamente. O lobo quer seguir o seu caminho, rasgar… matar. Não! Será que escondidos nas sombras, ele seja forte o bastante para esquecer a dor e as tristezas? O lobo que uiva, que amedronta. Embora, o machuque, ele deve ser forte. Sempre fora, nunca duvidou disso.
A mente humana é a dona desse corpo, mesmo sob a forma do lobo. Ninguém havia dito que era fácil, tampouco que seria tão difícil assim. Dói, machuca.
Sentado ali, com o corpo manchado do próprio sangue e terra úmida, ele nota as sombras noturnas desenhando os contornos das árvores. A grama fofa, com pegadas recentes, do seu peso. Os sons indefinidos da natureza envolvendo-o.
Ele tenta controlar o instinto irracional. É desesperador conter algo, que o chama com volúpia. Ela escurece a visão, afugenta a alma, denigre o corpo. Atraído pelas sombras, você não segue seus limites. Está à beira do precipício e dele não quer sair.
Um pássaro negro cruza o céu e ele observa o horizonte. As horas haviam passado sem que percebesse. A lua baixa no céu dá o seu adeus sereno e quieto. Um sentimento novo toma conta do seu coração.
Ele tomba no chão, sentindo seu corpo voltar a ser o que era. A pele arde dos ferimentos intencionais. A aceleração do pulso acalma-se gradativamente. A respiração cansada, mas contida. A razão é sua completamente.
O dia clareia, as sombras esvaiam-se por completo. Ele dá as boas vindas ao sol, quente e reconfortante.
Devagar, ele se ergue do chão apoiando-se nos troncos das árvores e observa as últimas estrelas desaparecerem no céu, que clareia preguiçosamente. Um sentimento nasce no seu peito e um fraco sorriso surge no rosto cansado.
Esperança.
Ela nunca morre. Ela só desaparece no último suspiro. O alvorecer sempre encontra uma brecha para aparecer. O sol ainda vai imperar. Só uma certeza cega que tudo ficará bem, não deixar o amparo morrer. A luz sempre traz a ajuda, para sair da escuridão.
N/A: Lá no inicio há um trecho da musica Abismo – Capital Inicial. Eu só achei que tivesse um pouco a ver com a fic. Bem, não tem realmente um contexto pra isso; a minha idéia era passar a dor que o Remus sente, por ser um lobisomem. Será que consegui? Comentários são amigos!
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