Ídril, Æthelind e Voldemort...

Ídril, Æthelind e Voldemort...



Title: Cogitari Ancilla
Author name: Jesse Kimble
Author email: [email protected]
Category: Drama
Rating: PG-13
Spoilers: Todos os cinco livros, incluindo a Ordem da Fênix. Se você não leu o quinto livro, então desliga esse computador e vai ler agora mesmo! E, obviamente, Departamento de Mistérios, que é a primeira parte dessa fic.
Shippers: Harry e Hermione, obviamente.
Summary of the chapter: Hermione não pode depor e Harry não pode sair...
Disclaimer: Bom, já que a Jo disse... ESTA HISTÓRIA É TOTALMENTE MINHA E AI DE QUEM TENTAR COPIAR!
A/N: Hahahaha, comemorem! Traduzi Shakespeare para vocês! Não pude deixar de encerrar Cogitari sem o grande mestre da tragédia inglesa :P A/N 2: Ah, sim, só para facilitar, já vou ensiná-los a pronunciar os nomes esquisitamente lindos que escolhi pros personagens: Æthelind se diz /étlind, com o “d” mudo, assim como em Ormand, que se diz /Ómand/.



Capítulo Dezesseis – Ídril, Æthelind e Voldemort...


“Sem ter a fronte coroada, York não pode falar

Uma coroa para York! e,senhores, vinde prostrar-vos diante de York

Enquanto eu a ponho na fronte dele, segurai-lhe bem as mãos.

Coloca uma coroa de papel sobre a cabeça dele

Oh, senhores, parece mesmo um rei!

Oh, sim, este que teve a petulância

de sentar-se no trono de Inglaterra

de fazer-se herdeiro presuntivo

do Rei Henrique. Então, porque motivo

se fez coroar Plantageneta, o grande,

quebrando seu solene juramento?

Sempre pensei eu que a rei não chegarias

Enquanto nosso Henrique não houvesse cerrado a mão da Morte;

Ao invés disso, tu cinges a fronte com o fulgor de Henrique

E, em vida dele, o privas da diadema, contra o teu juramento sacrossanto?

Oh, é uma falta muito muito imperdoável!

Vamos logo: tiremos-lhe a coroa e, ao mesmo tempo,

Cortemos-lhe a cabeça. Enquanto fôlegos tomamos,

Faça-o morto.”

- William Shakespeare, “Henrique VI, Parte III, Ato I, Cena IV”





***

“Mãos firmes ergueram seu tórax, enquanto outras, mais gentis, afastaram de sua testa o cabelo molhado pelo suor. Podia sentir a preocupação existente nos murmúrios a sua volta, embora as palavras não fizessem nexo. Foi só quando conseguiu abrir os olhos que percebeu ter voltado à sala com Dumbledore, Lupin e McGonagall. Estava sentado próximo à mesa e suas mãos ainda tremiam. Ele ajeitou os óculos mal colocados no rosto e encarou cada um dos rostos à sua frente antes de dizer:

– Ele desaparatou”.

Harry levantou-se.

– Ninguém pode desaparatar! – contestou Lupin. – Não ouviu Dumbledore dizendo que estamos numa “colisão”?

– Como se isso fizesse alguma diferença para Voldemort! – riu Harry.

– Hermione está bem? – McGonagall perguntou.

O próprio Harry não sabia como responder; até onde vira, Voldemort não a machucara. Queria era sair correndo daquela sala para ter certeza de que fora isso o que acontecera e de que os Comensais da Morte não haviam feito o que Voldemort planejara. Tentou abrir a porta, mas esta ainda estava trancada por causa do feitiço lançado por Dumbledore e, sem a varinha, ele não poderia abri-la.

– Harry... – chamou Dumbledore.

– QUÊ?

– O que aconteceu com Hermione?

Harry olhou para os lados, impaciente.

– Se me deixassem sair daqui, eu poderia responder essa pergunta!

– E quanto ao julgamento? Você é o réu...

– Ah, muito obrigado por esclarecer isso, afinal, posso me esquecer se vocês não me lembrarem A CADA CINCO MINUTOS!

– Sente-se, Harry – disse Dumbledore calmamente. – Nenhum de nós aqui dentro está agindo contra você.

Harry obedeceu, mesmo a contragosto.

– Eu preciso ver como ela está – ele resmungou.

– Um de nós fará isso imediatamente, Harry – Dumbledore disse, olhando para Lupin, que assentiu e tomou McGonagall pelo braço, pronto para conduzi-la para fora da sala.

– Eu preciso vê-la... Minerva? – suplicou Harry, encarando a ex-professora.

– Não sou eu que decide isso, Harry.

– Você disse que Voldemort desaparatou e deixou Hermione? – intrometeu-se Lupin.

– E você acha que ele não desaparatou? – Dumbledore perguntou à Primeira Testemunha.

– Eu acho que ele não deixou Hermione.

– DÁ PRA VOCÊS PARAREM DE DISCUTIR E ME DEIXAREM VER O QUE ACONTECEU? – reclamou Harry.

– É melhor não, Harry – Dumbledore colocou a mão no ombro dele antes que o garoto pudesse se levantar.

– Deixe eu ir, Dumbledore, por favor.

Dumbledore murmurou alguma coisa para Lupin; com isso, este conduziu McGonagall para fora da sala. O diretor sentou-se ao lado de Harry, que permaneceu em silêncio observando. Nem tentara sair; sabia que não teria sucesso e só pioraria as coisas.

– Harry, você sabe o quanto isso é perigoso, não sabe? Os aurores também estariam atrás de você...

– Eu não vou fugir, Dumbledore! Nem posso desaparatar!

– Eu sei disso, Harry, mas você precisa ficar aqui. Remo e Minerva voltarão logo. Se alguma coisa estiver errada, iremos lá.

– Se houver algo errado, eles não vão voltar...

– Dê-lhes tempo.

– Não temos tempo! Eu preciso vê-la! – Harry levantou-se impetuosamente e começou a andar de um lado para o outro. – Vocês a mantiveram escondida por seis meses. Por que não querem que eu a veja? Não vou atacar Hermione!

– Você não acabou de vê-la?

– Apenas um borrão, Dumbledore! Eu não sei se os Comensais da Morte fizeram alguma coisa depois que ele desaparatou.

– Logo saberemos.

Lupin estava demorando e Harry ficava mais nervoso a cada segundo. Ele já deveria estar de volta; o Átrio não era tão longe e Harry tinha certeza que Hermione estava na metade dessa distância.

– Eles não vão voltar, Dumbledore. Já estariam aqui se fossem. Deixe-me ir até lá.

– Tenha paciência, Harry.

– CHEGA, DUMBLEDORE! Tem alguma coisa errada! Abra essa porta antes que eu tenha que lhe obrigar a fazê-lo.

– Você já o está fazendo agora, Harry – disse Dumbledore, o que o irritava ainda mais.

– EU NÃO ME IMPORTO! – disse Harry, colocando a mão direita na cabeça. – Abra essa porta!

– Não – disse Dumbledore, simplesmente.
– Por que você quer me levar ao limite?

– Não é sábio – Dumbledore começou a explicar – sair daqui nesse momento. Em primeiro lugar, só complicaria as coisas no julgamento, sem motivos para isso.

Harry fez menção de contestar, mas Dumbledore continuou:

“Eu sei que você não quer fugir, mas será complicado explicar isso para a Wizengamot. E se, mesmo assim, sua preocupação não for infundada, tenho certeza de que Remo e Minerva saberão lidar com o problema.”

– ELES NÃO PODEM LIDAR COM VOLDEMORT!

– Você não disse que Voldemort desaparatou?





***

Harry subiu correndo as escadas que levavam ao Departamento de Mistérios. Mal podia acreditar que se livrara de Dumbledore tão facilmente e mais: conseguira uma varinha. Era verdade que preferia não ter estuporado o diretor; somente o fizera porque fora realmente necessário. Não queria dar a impressão de que tentara cometer alguma violência contra seu mentor, mas não agüentava mais nenhum segundo sem saber o que acontecera com Hermione; e Dumbledore insistira em trancá-lo naquela sala, mesmo depois de Harry tê-lo avisado que estava sentindo o que Voldemort realmente estava fazendo.

Quando estava subindo o segundo lance de escadas, que levava ao sétimo nível do Ministério, dois aurores o encontraram. Reconhecendo-o imediatamente, os dois cautelosamente pediram que ele entregasse a varinha e os acompanhasse de volta ao tribunal. Harry aproximou-se sorrateiramente, fingindo entregar a varinha, e então, quando estava perto o suficiente, usou um dos aurores como escudo e apontou a varinha para a garganta dele.

O outro auror percebeu a cilada, mas, sob a ameaça de Harry ao colega, não teve outra opção senão largar a varinha no chão. No momento em que ele fez isso, Harry concentrou-se e lhe lançou um feitiço estuporante. Com isso, o refém pôde reagir e agora ele e Harry tinham as varinhas apontadas um para o outro.

– Entregue a varinha, Potter! Não queira piorar sua situação no julgamento.

– Você deve fazer como seu colega se não quiser receber mais do que um feitiço estuporante – Harry replicou.

– O que vai fazer, Potter? Lançar uma Maldição Imperdoável? É isso que faz com todos, não?

– Estou avisando...

Antes que o auror pudesse responder, Harry decidiu abaixar a varinha. Lentamente, abaixou-se e largou-a no chão. Quando o auror aproximou-se para rendê-lo, Harry conseguiu realizar mágica sem varinha e empurrar seu inimigo para longe, dando tempo para que conseguisse pensar em um feitiço melhor antes que o auror se recuperasse.

Recolheu do chão a varinha de Dumbledore e subiu os primeiros degraus da escada. O auror o seguiu, mas foi detido por uma fofa parede verde semitransparente, conjurada por Harry. Achou melhor isso do que o feitiço estuporante; pelo menos esse tipo de escudo impediria que outras pessoas também viessem atrás dele e Merlin sabe como isso era exatamente o que ele queria evitar agora.

Continuou subindo as escadas, lance por lance. Não sentia cansaço ou dor; a cicatriz na sua testa estava quase esquecida diante da obcecação que tinha em mente. Ao alcançar a escada do terceiro andar, pôde ver, em seu topo, alguém caído. Ao chegar mais perto e reconhecer McGonagall – e, não muito distante dali, também no chão, Lupin – Harry precisou pensar duas vezes antes de seguir em frente.

Notou que ainda estavam vivos – um simples feitiço deveria trazê-los de volta à consciência; não poderia se preocupar com isso, não enquanto Hermione estava à mercê de Voldemort. Não parou de correr escada acima – usar os elevadores poderia se mostrar demasiado perigoso em uma situação como essa, em que ele não conhecia nem a posição dos Comensais da Morte, nem a dos aurores que defendiam o Ministério da Magia.

Os Comensais, a esta altura, deveriam saber que ele estava a caminho, mas seriam eles ignorantes o suficiente para não o procurarem nas escadas? Talvez estivessem ocupados demais torturando Hermione para considerar a ameaça que ele poderia representar. Não, não queria pensar nisso. Hermione estava bem, precisava estar bem.

Ao passar pelo segundo andar, entendera por que ainda não confrontara Comensal algum. Um grande duelo envolvendo membros da Ordem da Fênix, aurores e Comensais da Morte se dava ali. Harry observou bem, ocultado pelo canto da parede que dava acesso às escadas. Não demorou muito para perceber que Voldemort não estava ali; se estivesse, o teria sentido pela cicatriz.

Subiu os próximos lances ainda correndo. Chegou ao Átrio e surpreendeu-se ao encontrar o lugar quase vazio. Pensando melhor, isso não deveria ser tão estranho, já que a maioria das pessoas do prédio parecia estar envolvida na batalha que estava acontecendo no segundo andar.

Caída no chão, de bruços, estava Hermione. Os gritos dela enchiam o saguão do Ministério da Magia e alcançavam seus ouvidos. Lúcio Malfoy estava em pé ao seu lado, a varinha apontada para ela, perpetrando uma Maldição Cruciatus. Não demorou mais de três segundos – durante os quais os gritos não cessaram por um instante sequer – para que Malfoy a libertasse da maldição.

Hermione abriu os olhos e, mesmo de longe, Harry pôde ver o quão vermelhos estavam e o quanto temiam o bruxo que a ameaçava. Harry apoiou-se na parede, lutando para continuar observando, por seus olhos entreabertos, o que acontecia; tentava evitar que se fechassem, apesar da dor em sua cabeça que ameaçava obscurecer tudo ao seu redor.

Apertou a varinha de Dumbledore em sua mão, os olhos fixos na garota caída no chão e aproximou-se despercebidamente. Pelo menos ele pensou que passara despercebido, até o momento em que a negra capa de Malfoy rodopiou no ar e os olhos vermelhos de Lord Voldemort encontraram os de Harry; então ele soube o que acontecera; admirara-se por não ter pensado nisso antes. Voldemort não tinha corpo, a única possibilidade de ele estar ali fisicamente era se possuísse alguém. Harry agradeceu por não ter sido ele.

Uma gargalhada fria espalhou-se pelo ar e aquela voz, que Harry reconheceria em qualquer lugar, falou:

Eu sei que está aí, Harry Potter.

Hermione levantou-se desajeitadamente e afastou-se de Malfoy o quanto pôde. Não foi realmente o suficiente, já que, no momento em que percebeu o movimento, o Comensal da Morte virou-se para ela.

– Aonde pensa que vai, sangue-ruim? – ele perguntou com a varinha apontada para ela e os olhos observando Harry Potter de longe, deixando muito claro que ele não deveria tentar nenhum movimento brusco ou Hermione sofreria as conseqüências. – Será que não está se divertindo? Como se você se importasse com Harry Potter depois de tudo que ele fez para vocês!

Hermione gelou, incapaz de qualquer reação. Harry olhava dela para Lúcio e depois voltava, passando pela varinha que era mantida apontada, firme.

“Não, talvez ainda não esteja se divertindo... talvez seja melhor se Harry Potter unir-se a nós...” ele continuou, virando-se para Harry e murmurando alguma coisa.

Harry caiu de joelhos, incapaz de sustentar o peso de suas pernas enquanto lembranças passavam por sua mente como flashes. Sem soltar a varinha, levou as duas mãos à cabeça, que parecia prestes a explodir. Em seu desespero, a mente lutou como pôde para expulsar aquele ser estranho. Porém, tudo que conseguiu fazer foi usar descontroladamente sua mágica.

As defesas que protegiam a mente de Voldemort foram inúteis perante a força de Harry. Talvez porque o Lord das Trevas não possuísse mais um corpo, ou talvez porque ele estivesse demasiado fraco para reagir; a verdade é que Harry obteve sucesso.

Sentiu-se como se mergulhado em algo denso e gelado, tão intensamente frio que fazia seu queixo tremer, e um mal-estar que poderia muito bem ser comparado à aproximação dos dementadores. Precisava bloquear sua mente, mas era impossível fazê-lo. A dor que cortava a cicatriz se espalhou por toda sua cabeça e o fez gritar.

Sua garganta se fechou e um silêncio mortal invadiu sua audição. Harry sabia do perigo que estava correndo, mas a dor simplesmente o impedia de tomar uma atitude, de repelir os avanços de Voldemort, de freá-lo, de destruir seu plano; um plano do qual ele fazia parte.

Havia um vulto à sua frente, mas sua mente estava confusa demais para desenvolver qualquer tipo de raciocínio. Estava incapaz de controlar os próprios atos.

Respirou fundo e sentiu uma ardência incomum na cicatriz; uma sensação estranha e ligeiramente familiar. Algo que ele tinha sentido somente em uma ocasião...

Pôde observar uma cena que, segundo seu ponto de vista, estava muito confusa. Era uma memória, como se fosse uma penseira, e Harry só pôde entendê-la quando a observou com mais nitidez, depois de já ter passado algum tempo mergulhado naquela lembrança.

Reconheceu o jovem Tom Riddle entre as outras crianças ao seu redor. Estavam no salão do orfanato em que ele crescera, Harry soube, ao começar a dominar a exploração na mente de Voldemort. Riddle estava à parte, encostado à parede. Prestando mais atenção, Harry pôde notar o que ele fazia discretamente. Mesmo sem nunca ter ido à escola e mesmo sem ter uma varinha, Tom Riddle fazia magia contra um dos únicos adultos dali.

O tutor – que atendia a um grupo de garotos um pouco mais velhos que Riddle – fora atingido por uma maldição que Harry só veio a conhecer em Hogwarts, quando tinha o dobro da idade de Riddle. O adulto começou a gritar com um dos garotos, ignorando totalmente o que Riddle fizera.

Harry queria ajudar o tutor, impedir que Riddle continuasse controlando-o, mas logo foi forçado a lembrar o quão impotente era diante de uma lembrança que não lhe pertencia. Talvez esse fosse o problema. Talvez, se fosse uma memória sua, ele pudesse controlá-la; talvez houvesse uma forma de fazer com que a lembrança passasse a lhe pertencer. Mais do que invadir a mente de Voldemort, precisava realmente assumir o controle dela.

Ele foi levado até Hogwarts e soube que cinco anos haviam se passado desde a cena anterior. Riddle estava sentado à mesa da Sonserina para o café-da-manhã, ao lado de dois outros alunos, que escutavam atentamente cada palavra que dizia.

Riddle sabia das desconfianças de Dumbledore e não podia evitar olhar de relance para o professor a cada meia dúzia de palavras ditas. Procurava não passar esse conhecimento a seus aliados; eles não deveriam perceber que ele era fraco.

Ao sinal de Riddle, os outros dois alunos levantaram-se da mesa da Sonserina e passaram a seguir três grifinórios que deixavam o salão. Riddle permaneceu sentado, sua atenção agora totalmente voltada a Dumbledore.

O professor de Transfiguração conversava com o diretor Dippet, que estava sentado ao seu lado. Dumbledore notara os cinco alunos que tinham saído segundos antes, mas antes que fizesse alguma coisa, Tom murmurou um feitiço que passou invisível aos olhos dos outros alunos. Quando atingiu Dumbledore, este olhou diretamente para a mesa da Sonserina.

Um momento de tensão seguiu-se quando Dumbledore e Riddle se encararam. Não muito tempo depois, o professor de Transfiguração retomou distraidamente a conversa que estava tendo minutos antes com Dippet, enquanto Riddle saía para encontrar os colegas.

Em um piscar de olhos, Harry viu-se em uma das masmorras do castelo usada como sala de aula. Riddle era mais velho agora. Faltava menos de um ano para que o jovem monitor da Sonserina desaparecesse completamente para dar lugar a Lord Voldemort. Os outros dois sonserinos que Harry vira na cena anterior estavam novamente presentes, assim como um aluno que usava o uniforme da Corvinal.

Tom Riddle andava de um lado para outro, carregando displicentemente a varinha entre os dedos da mão direita. Estava treinando-os; desde o momento em que vira a cena, Harry soubera que as pessoas que via seriam os primeiros Comensais da Morte. A maioria deles já estava morta agora, exceto o garoto da Corvinal.

Harry assistiu por algum tempo. Aparentemente essa era uma memória que Voldemort tinha interesse em compartilhar com ele. Não reconhecera em qual das masmorras estava; mesmo durante o curto período que lecionara em Hogwarts, não explorara suficientemente o castelo para conhecer cada canto dele. Voldemort o fazia concentrar-se em pequenos e familiares detalhes da cena, como se quisesse desviar sua atenção de alguma outra coisa.

Um barulho chamou sua atenção. Um dos sonserinos lançara um feitiço no garoto com as vestes da Corvinal, fazendo-o cair entre algumas carteiras.

– Isso não será suficiente quando atacarmos aqueles sangues-sujos, Ormand!

Harry lembrou-se da voz dele quando os dois conversaram na Câmara Secreta. Era a mesma voz jovem; tão diferente de quando ele ouvia o Lord das Trevas, embora ambas conservassem a mesma insensibilidade que dominava Voldemort.

“Faça novamente, Ormand!”

Os sonserinos entreolharam-se e sorriram. O outro garoto encarou-os, corajoso, ajeitou as vestes e disse:

– Estou pronto.

Desta vez, após ser atingido, ele gritou e foi jogado contra a parede do outro lado da sala. Harry fechou os olhos involuntariamente, contraindo todos os músculos, nervoso.

O garoto levantou-se com muita dificuldade e, a julgar pela expressão familiar que Harry identificou em seu rosto, estava sentindo muita dor. Harry aproximou-se para tentar intervir e, nesse momento, o próprio Riddle, surgindo por detrás dele, amaldiçoou o corvinal, que foi ao chão novamente. Harry ajoelhou-se ao seu lado e, em vão, tentou segurar seu braço, enquanto o esperava abrir os olhos.

– Como você fez isso? – perguntou o garoto caído, dando a Harry a nítida impressão de que o encarava nos olhos.

– Não fui eu – Harry respondeu, olhando ao redor.

– Você deveria estar preparado, Æthelind. Não gosto de falta de atenção! Agora – Voldemort voltou-se ao sonserino que Harry ainda não ouvira falar –, diga-me, Sorrel: você fez o que ordenei?

– Co-como, milorde?

– Não me importa como! Você a encontrou?

– Ela veio para Hogwarts – Æthelind falou.

– Não me basta saber onde ela está! O que preciso saber é como matá-la! – Riddle gritou, fazendo os outros recuarem.

– Receio que seja impossível, milorde – disse Ormand, em voz baixa.

– NADA É IMPOSSÍVEL PARA LORD VOLDEMORT!

– Enquanto Dumbledore estiver vigiando, não poderemos fazer grande coisa – disse Æthelind.

– Então tirem Dumbledore! Ou será que estão preocupados demais com uma mera expulsão para cumprir minhas ordens?

– Claro que não.

– Ótimo, então poderemos matá-la – Riddle disse, andando até a porta da sala.

– Aonde vai, milorde? – perguntou Ormand.

– Vou até a sala de Transfiguração. E vocês vêm comigo!

– Sim, milorde.

Harry seguiu-os pelos corredores do castelo. Os três jovens caminhavam depressa. Ele nem teve tempo de descobrir que sala era aquela. Situou-se quando eles aproximaram-se do corredor que Harry conhecia como o de acesso à sala de McGonagall.

Havia uma jovem dentro da sala de Transfiguração quando Tom Riddle entrou, acompanhado de Æthelind; Riddle dera a Sorrel e Ormand ordens para que mantivessem Dumbledore afastado. Ela possuía cabelos castanhos e os olhos de um azul muito claro que brilhavam de uma maneira familiar a Harry.

– Tom... – ela cumprimentou, sem se aproximar, tentando não demonstrar nem a surpresa, nem o pavor momentâneo que sentiu.

– Oras, veja só quem eu encontro por aqui...

– Que houve, Tom? Não previu que eu estaria aqui ao invés de meu pai?

– O que isso, Alana? Não está vendo o quanto estou surpreso?

– Lord Voldemort, surpreso?

Riddle recuou alguns passos; não estava preparado para a maneira direta com que ela se pronunciara, mas não perderia – de maneira alguma – a oportunidade de tirar vantagem da fraqueza de Dumbledore.

– Hum, é ótimo que possamos nos tratar por nossas verdadeiras identidades, mas... nunca pronuncie o nome de Lord Voldemort – disse ele, entre os dentes. – Por falar em verdadeiras identidades, como devo chamá-la, Ídril?

– Vamos deixar as formalidades de lado e partir para o que interessa, Voldemort – ela ignorou o fato dele proibir o uso desse nome.

– E o quê interessa, Ídril?

– O que você quer com o meu pai?

Tom sorriu timidamente, mas não pensou muito antes de responder:

– Assuntos da monitoria.

– E posso saber o que um monitor da Sonserina pode querer com o diretor da Grifinória?

– Não se esqueça que eu sou o monitor-chefe, Ídril. De qualquer forma, não é nada tão interessante que valha a pena ser discutido com você. Entre nós há questões mais interessantes a serem resolvidas.

– E quais questões seriam essas? – perguntou ela, ignorando a presença de Æthelind na sala.

Quando Alana percebeu, alguém tirara a varinha de seu bolso, de uma forma quase gentil. Uma presença fria foi sentida em sua nuca e uma voz sussurrante falou em seu ouvido:

– Ah, você descobrirá logo, Alana – Æthelind disse, para a satisfação de Voldemort.

– Ele conhece os seus planos, ele descobriu – disse ela, encarando Tom nos olhos.

– Eu sei, eu já tinha percebido, Ídril. E não estou achando que você contou.

– Não? – ela perguntou com a voz presa pelo medo.

– Não. Até porque, você não faria uma coisa dessas comigo, faria?

– Nem precisaria. Qualquer um com um pouco mais de inteligência consegue perceber o que você está tentando fazer, herdeiro de Slytherin.

– E o que eu estou tentando fazer?

– Você tenta destruir os outros que têm um defeito que reconhece em si mesmo. Você destrói outros porque não tem coragem de destruir a si mesmo. Não tem coragem suficiente para acabar com sua própria linhagem de sangue-sujo.

– Quem está falando, amante de trouxas!

– Eu estou certa, admita.

– Cale a boca, Ídril!

– O que aconteceu com todo aquele autocontrole, Lord das Trevas?

Riddle riu e, com um sinal, ordenou que Æthelind agisse. O corvinal, ainda por trás, puxou o cabelo dela com força e obrigou-a a ajoelhar-se empurrando seu ombro para baixo.

– Curve-se diante do seu Lord, insolente!

– Você não vai se tornar um sangue-puro matando todos os mestiços!

Tom agarrou o antebraço de Alana com violência e apontou a varinha para ele.

Morsmodre! – ele pronunciou o feitiço que conjurava a Marca Negra.

Um crânio verde-brilhante foi impresso sobre a pele clara de Alana. Não muitos segundos depois, quando ela ainda mordia o lábio inferior para conter o grito, o verde da Marca progrediu, transformando-se em escarlate e, posteriormente, no tom escuro que caracterizava a Marca Negra.

– O que é isso? – ela perguntou, gaguejando.

– Isso é a minha marca, Ídril. Nada pode tirá-la de seu braço. Você é minha agora.

– Não é você que manda na minha vida, Voldemort! Prefiro morrer a obedecê-lo!

– Mesmo? – Riddle riu, zombador.

– Qualquer coisa é melhor do que seguir um sangue-ruim como você!

Tom largou-a com força e Alana desabou no chão, imediatamente esfregando o antebraço, na tentativa de diminuir a dor que sentia. Ele, por sua vez, voltou-se para o outro garoto e disse:

– Æthelind, tenho um trabalho especial para você.

– Sim, milorde.

Riddle sorriu mais uma vez, andando em torno da moça caída no chão.

– Preciso de uma corda, Æthelind.

Puxando Alana com muita força pelo braço, a obrigou a aproximar-se da escrivaninha de Dumbledore. Quando ela estava quase encostada na beirada desta, Riddle a empurrou subitamente, fazendo-a quase se deitar sobre a mesa. A uma altura considerável, ela podia ver que um suntuoso lustre de cristal suportava as velas iluminativas do ambiente.

Ele analisou os objetos de Dumbledore expostos sobre as prateleiras das estantes. Havia um interessante punhal, com cerca de quinze centímetros de lâmina, perfeitamente polido e muito afiado.

Com um feitiço convocatório, trouxe-o até sua mão direita, enquanto a esquerda ocupava-se em manter Alana presa. Ela estava semideitada sobre a mesa, com Riddle perigosamente perto e com o punhal na mão; a ciência da situação a fez sentir o sangue gelar de medo.

Riddle arrancou os botões que fechavam a blusa dela, a abrindo por completo. Encostou a lâmina gélida contra seu colo e foi deslizando-a até que esta alcançasse a parte inferior do esterno. Nenhuma gota de sangue escorreu, pelo menos não até o momento em que ele pressionou o punhal com mais força contra sua pele.

O jovem monitor a mirou intensamente e, de forma abrupta, agarrou o pulso direito dela e nele encostou a lâmina que anteriormente usava para pressionar o tórax da garota. Com um corte súbito e preciso em direção transversal, ele abriu o pulso de Alana e permitiu que o sangue pingasse livremente sobre a mesa.

Repetiu o procedimento com o outro braço e, por instantes, ficou olhando o sangue atingir alguns pergaminhos que haviam permanecido em cima da escrivaninha, apesar da atitude violenta de Riddle ao empurrar a garota para cima desta. Alana estava em choque; quase não oferecia resistência naquele momento. Riddle levou um de seus pulsos até a boca e beijou-o, sentindo o gosto ferroso do sangue dela, ainda quente.

Æthelind alcançou-lhe a corda que conjurara e Voldemort a passou em torno do pescoço da garota. Com um simples feitiço, ele conjurou um nó e amarrou a ponta da corda na base do lustre, deixando-a suspensa, mas não suficientemente alta para que a corda pudesse sufocá-la.

Não demorou muito para que Alana entendesse que o encantamento usado por Voldemort não permitia que o enforcamento ocorresse de fato, a não ser que ele assim desejasse. Mas os planos que ele tinha para ela eram outros.

Lentamente, um sorriso enigmático formou-se nos lábios de Riddle. Æthelind, que não escapara para a periferia da sala em momento algum, surgiu por trás de Alana e agarrou seus pulsos cortados. Apertando a ferida, fez com que o fluxo de sangue diminuísse, embora não o fizesse com a dor. Entretanto, quando ele passou a segurar as mãos dela ao invés dos pulsos e a obrigou a baixar os braços em nível inferior ao de seu corpo, o sangue recomeçou a escorrer em maior volume do que em qualquer momento anterior.

Pela primeira vez, Alana gritou de dor. Viu Tom envasar um pouco de seu sangue em um pequeno tubo transparente e guardá-lo seguro em suas vestes.

Harry observava tudo atento e atônito, sentindo que suas mãos suavam e sua consciência pesava toneladas. Julgava-se a criatura mais vil e cruel da face da Terra por estar assistindo a uma cena como aquela e não fazer absolutamente nada; por estar vendo Voldemort torturar a filha da pessoa que mais lhe ajudara na vida e simplesmente conformar-se diante de sua impotência.

Os olhos de Alana imploravam para que parassem, para que ela fosse deixada em paz, embora sua boca jamais fosse pronunciar tais súplicas. A face de Riddle a encarava a menos de dois centímetros de distância, enquanto Æthelind ainda continha os movimentos de suas mãos. Riddle tocou seu rosto levemente e tal gesto a obrigou a fechar os olhos. Não conseguia pensar em reagir. A perda de sangue começou a enfraquecê-la. Ela respirava com dificuldade e o rosto de Tom, colado ao seu, bloqueava a passagem de ar.

– Gostando, Ídril? – sussurrou ele, fazendo-a abrir os olhos novamente.

– Você não vai escapar disso, Tom – Alana respondeu com extrema dificuldade.

– Hum... ferida, mas ainda mostrando suas garras! – ele sussurrou de novo e a fez sentir o calor das palavras que saíam da boca dele e encontravam a pele fria de seu rosto. – Vamos ver quanto tempo ela resiste? Dumbledore adorará saber como sua filha sofreu tanto por culpa dele.

– Isso faz de você um bruxo mais poderoso, Tom? – Alana perguntou, vendo suas forças se exaurirem junto com seu sangue.

– Ah, pode ter certeza que sim, Ídril. Seu sangue me fará mais poderoso; a fraqueza de Dumbledore me fará mais poderoso.

– Não adianta, Tom. Nem o meu sangue será suficiente para purificar o seu.

Riddle não se conteve e deu um tapa violento no rosto já quase inexpressivo de Alana. Ela apenas cerrou novamente os olhos, não esboçando qualquer outra reação.

– Não ouse mencionar o sangue impuro dos Riddle! Eu, o descendente do próprio Salazar Slytherin, não pertenço a tal família!

– Só porque você os matou, Tom.

– Isso não interessa a você, garotinha idiota! Por que não se junta a eles? – Voldemort ameaçou.

Ele se afastou, deu as costas à Alana, respirou fundo e encarou seu companheiro.

– Divirta-se com ela, Æthelind.

– Milorde... – o corvinal pareceu hesitante.

– Você sabe o que fazer – declarou Riddle, firme, entregando a Æthelind o punhal de Dumbledore e distanciando-se em direção à porta.

Harry viu que Voldemort deixaria a sala, e que ele seria levado à próxima lembrança. Alana ainda conservava um pouco de consciência quando Æthelind se aproximou e Riddle abriu a porta para sair. Harry concentrou todas as suas forças para impedir que a lembrança se dissipasse e, quando Tom Riddle cruzou a porta da sala de Transfiguração, sentiu uma espécie de choque. Tudo ficou escuro por cerca de três segundos.

Parecia que o mundo à sua volta havia desaparecido. Por um momento, desejou não ter querido ficar naquela lembrança. Então, como se mergulhasse em uma profunda piscina, ele viu-se de volta à sala, acompanhado por Alana e Æthelind.

A cena lhe parecia igual à anterior, mas, dessa vez, não era uma lembrança. Assim que essa idéia começou a ser assimilada por sua mente, a única ação que passou a cogitar foi uma intervenção.

Æthelind continuava torturando-a e agora, longe dos olhos de Voldemort, Alana tentava resistir, embora seus protestos diminuíssem à medida que a energia deixava seu corpo.

Harry não poderia ser visto, e tão pouco sentido, pelas pessoas presentes. Por mais que ele tocasse Alana, tentando confortá-la, ela continuava ignorando-o. Havia uma chance – uma pequena esperança que surgira – de que ele pudesse ajudar. Precisava fazer magia com a varinha que carregava. Fazer magia para interferir naquele passado, naquela lembrança, ou o que quer que fosse aquela situação que ele estava vivendo.

Tirou a varinha de Dumbledore do bolso e, concentrando-se, dirigiu um feitiço a Æthelind. O futuro Comensal assustou-se e imediatamente apontou a varinha para Alana, observando o resto da sala com olhos suspeitos.

– O que você fez? – ele exigiu uma resposta da jovem à sua frente.

Quando se aproximou de Alana, ela, agora com as mãos livres, empurrou-lhe. Harry aproveitou a surpresa de Æthelind para tentar novamente o atingir com um feitiço estuporante. Æthelind caiu desacordado no chão e Harry virou-se para libertar Alana.

Tarde demais.

A corda que envolvia o pescoço da filha de Dumbledore cumpria a função para qual fora conjurada.

Pendurada sobre a mesa, seus pés sem tocar o tampo de madeira logo abaixo, estava Alana Dumbledore.

Enforcada.

Morta.

O feitiço que obrigava a corda a mantê-la viva deveria estar sendo segurado pela magia de Æthelind. No momento em que o atingira, Harry não calculara o que aconteceria se o futuro Comensal não estivesse dominando a própria magia.

Não calculara que sua intervenção poderia custar a vida de Alana.

Não calculara que seria por culpa sua que ela morreria.

Em pânico, Harry tentou, em vão, liberar a corda, mas continuava sem conseguir tocar nela. Tentou gritar, chamando por alguém, mas, mesmo que falasse, sua voz não ressoava.

Estava ainda mais incapacitado do que estivera antes. Precisava sair dali; precisava voltar ao Ministério. Permanecera tanto tempo nessa situação desconhecida, sua mente completamente fora de seu corpo... quem sabia o que Voldemort poderia ter feito com ele durante esse tempo?

Pôs as mãos na cabeça, enterrou os dedos entre os cabelos e procurou uma saída. Talvez conseguisse avisar Dumbledore, nem que o fizesse por magia. Abriu a porta sem se preocupar em por que agora podia tocar os objetos ao seu redor.

Saiu para o corredor e imediatamente começou a imaginar onde Dumbledore poderia estar. Se fosse em outra situação, ele iria diretamente à sala do Diretor, mas não confiava tanto em Dippet, mesmo que nem o conhecesse. Desde o momento em que encontrara Riddle na Câmara Secreta, sabia que o Dumbledore da época já desconfiava de Tom Riddle, sem contar que ele tinha o direito de saber o motivo pelo qual sua filha morrera.

Depois que percorrera dois corredores diferentes e chegara ao andar inferior, encontrou Riddle. Ele encarava um dos quadros com interesse, mas, assim que Harry se aproximou, se virou e encarou-o nos olhos, fazendo Harry levar um grande susto.

– Duas perguntas: quem é você e por que entrou na minha lembrança?

Harry considerou contar a verdade, contar que estava lá para destruir Voldemort, mas achou melhor não desafiar Riddle. Pelo menos por enquanto.

– Como assim, em sua lembrança?

– A única maneira de você estar aqui é pela lembrança de alguém. Desconfio que seja a minha...

– É a de Dumbledore; usei legimência com ele.

– Hum... Dumbledore é um bruxo muito poderoso. Se você conseguiu entrar na mente dele, é porque...

– Não confia no meu poder, Riddle? Eu consegui interferir em uma lembrança e ainda assim não me considera poderoso?

– Engraçado, aquilo que você viu era uma lembrança minha e não de Dumbledore... a quem você quer enganar?

– Só respondi o que você me perguntou. Entrei na mente de Dumbledore enquanto duelávamos no Ministério. Agora, se ele tem uma memória sua, se ele sabe que foi por sua culpa que Alana morreu, isso não diz respeito a mim.

– No Ministério?

– Da Magia. É onde meu julgamento estava acontecendo.

– E você estava sendo julgado por qual crime exatamente? – perguntou Riddle.

– Matei a prima do meu padrinho.

– Por quê?

– Ela merecia.

– E o que as pessoas precisam fazer para que você as mate? – Riddle insistiu, curioso.

– Ela estava do outro lado.

– E de que lado você está?

– Achei que a essa altura já soubesse, Lord.

– Fui eu que lhe mandei para cá?

– Foram as circunstâncias.

– Você ainda não me disse o que veio fazer aqui.

– Vim derrotar uma pessoa.

Passos muito rápidos e decididos aproximaram-se do local onde estavam. Logo, Harry ouviu uma voz que conhecia muito bem.

– O que está fazendo, Riddle?

– Monitorando os corredores, Professor – respondeu ele, acreditando que Dumbledore não enxergava o estranho bruxo à frente deles.

– Então certamente viu quem entrou em minha sala.

– Ainda não subi – respondeu Riddle, apontando as escadas.

Harry observava o rosto muito mais jovem de Dumbledore. Foi impossível não se lembrar de quando vira Alana naquela sala, lembrar-se do que Voldemort a fizera. Então, quando Harry encarou diretamente os olhos do professor, viu que eles lhe devolviam o olhar.

– Você subiu. Sei que esteve em minha sala. – Harry notou que ele controlava a raiva ao continuar falando com Riddle.

– Vai me acusar pelo suicídio de sua filha, Dumbledore?

– Como eu suspeitava, você fez alguma coisa com ela!

– Professor, acalme-se – Riddle falou em um tom entre a ironia e o desinteresse pelo assunto.

– O que você ordenou que fizessem com ela, Voldemort? – Dumbledore elevou a voz.

– Você quer mesmo saber dos detalhes, Dumbledore? Muito cuidado com o que pergunta. As pessoas podem lhe responder...

– O diretor Dippet estará muito interessando em ouvi-lo, tenho certeza.

– E o que vai dizer a ele? Que Ídril foi longe demais com as brincadeiras envolvendo Magia Negra?

– Você foi longe demais com suas brincadeiras de Artes das Trevas.

– É mesmo? – Riddle perguntou, irônico. – E quão longe seria o suficiente para lhe instigar a tentar me parar?

Harry, mesmo sem olhar para a expressão de Riddle, captou a ameaça subentendida. Escondida por sua manga, Riddle mantinha a varinha preparada desde o início para atingir Dumbledore à primeira oportunidade.

– Vou perguntar pela última vez, Tom. O que você fez com ela?

– Você não disse que a matei, Professor?

Como?

– Que diferença isso faz para você?

– Porque eu a amo, porque ela merece ter alguém que se importe.

– Você nunca se importou de verdade com sua filha – acusou Riddle.

– Diz isso só porque nunca teve alguém que se importasse com você.

– Não faz diferença para mim, Dumbledore. Aliás, o fato de se importar tanto com sua querida Alana não impediu que Ídril fizesse coisas que você condena... coisas das quais você tem medo...

– Está muito enganado se acha que tenho medo de você, Tom.

– Muito cuidado, Professor. Se eu fosse o senhor, temeria o Lord das Trevas – disse Riddle, esticando o braço e apontando a varinha ameaçadoramente na direção de Dumbledore.

Harry reagiu por instinto e, no mesmo instante, colocou-se entre Riddle e Dumbledore. Riddle fez menção de dizer alguma coisa, mas preferiu ignorar a sombra à sua frente e concentrar-se no que estava prestes a fazer.

Dumbledore passara dos limites. Não deveria ter desafiado Lord Voldemort. Estavam praticamente sozinhos naquele corredor; ninguém saberia que fora o Monitor-Chefe que atacara o professor de Transfiguração, a não ser que Dumbledore contasse. Havia uma forma de Riddle impedir que isso acontecesse: era só não permitir que aquele saísse vivo.

Riddle usou pela primeira vez o feitiço que treinava há muito tempo: a Maldição da Morte. Harry, que estava entre ele e Dumbledore, sentiu uma dor excruciante no momento em que foi atingido.

Imediatamente, sua mente ficou confusa. Uma dor estranha começou em sua nuca e espalhou-se vagarosamente, até chegar ao topo da cabeça e provocar uma dor aguda, incontrolável. Harry perdeu a consciência do que acontecia ao redor, embora sentisse muito bem o sangue parando de correr por suas veias. Não dominava mais seus membros; era como se esses estivessem adormecidos. Seu estômago parou e os pulmões diminuíram o ritmo da respiração, embora ele estivesse precisando de cada vez mais Oxigênio por causa da sensação de pânico instalada em sua mente. Descobriu que estava sufocando no próprio silêncio, causado pela ausência de batimentos cardíacos. Seu coração simplesmente parara. Seus olhos fecharam-se e todos os músculos relaxaram ao mesmo tempo, como se não tivessem sido atormentados segundos antes.

Tudo aconteceu em pouquíssimo tempo.

Não notara a surpresa daqueles que viram seu corpo ir ao chão, pálido e frio, como se estivesse sem vida.

Na verdade, ele deveria estar realmente sem vida, se não fosse por sua mente, que lhe dizia que estava acontecendo exatamente o contrário. Ele não poderia – não deveria – morrer, não fora para isso que viera até ali... até a mente de Voldemort... sim, estava na mente de Voldemort. Como poderia morrer? Preparara-se tanto para destruí-lo e simplesmente desistira por ter sido atingido com a Maldição que matou seus pais?

Não deveria ser algo tão ruim; ele nunca temera realmente a própria morte. Já perdera tudo mesmo e, se sua vida fora em vão, esperava, ao menos, encontrar na morte algum sentido para a vida.

Deviam ser os seus últimos segundos de consciência. Já estivera próximo deles várias vezes, mas nunca tão preparado. A Dama Branca aproximou-se para ficar ao seu lado, mesmo que ela não soubesse o quanto isso significava. Ele não estava sozinho; percebeu que, na verdade, nunca estivera. Harry sentiu o calor dela aquecer seu corpo gelado. Quando morresse, Voldemort não venceria; a Dama Branca não permitiria que ele fugisse. A Dama cumpriria a profecia – através dele – e o mundo bruxo seria novamente livre.

Com um último esforço, procurou fechar completamente sua mente a quaisquer tentativas que Voldemort pudesse empreender contra ela. Em um momento, seus pensamentos estavam completamente isolados da influência do Lord das Trevas, ainda que por ele fosse dominado. Com a mente fechada, esperou a morte.

– Harry! Harry! Harry!

Uma voz chamava seu nome. Ele sentia o chão duro e frio embaixo de seu corpo, mas estava incapaz de qualquer reação.

“Harry.”

– ME DEIXE! ESTÁ TUDO ACABADO!

“Você não quer desistir, Harry.”

– NÃO QUERO MAIS ISSO, NÃO POSSO MAIS!

“Pode, Harry. Lute.”

– NÃO POSSO! – ouviu-se suplicar, ainda que não pronunciasse palavra alguma. – Estou acabado.

“Não, Harry. Só continue ouvindo a minha voz. Vai dar tudo certo.”

– MAS EU NÃO CONSIGO LUTAR!

“Ouça a minha voz e resista.”

Era um sentimento doce o que passara a percorrer seu corpo. Estava no lugar mais seguro que conhecia; luz o cercava e uma aconchegante atmosfera o envolvia. Seu coração reanimou-se e, aos poucos, com sua mente já bem mais calma, notou que recuperava o controle sobre seu corpo.

Ainda que a realidade estivesse voltando, com a sua consciência era diferente. Havia paz e silêncio, não sofria mais e a exaustão começava a deixá-lo.

Agora, ao seu lado, estava sua mãe, passando a mão em sua testa, acariciando seu rosto e secando as lágrimas que ele não sabia de onde surgiram. Tudo estava voltando ao normal, até ela retirar a mão bruscamente, e sua imagem tornar-se desfocada. A cicatriz, esquecida até momentos antes, pareceu queimar sua cabeça – e a mão da Dama.

Seus membros se enrijeceram em uma fração de segundo, sua mente voltou a entrar em colapso e a Dama Branca parecia cada vez mais distante.

“Não vá embora!” Ele tentou gritar, mas sua voz não saiu.

“Não vou.” Ela respondeu, embora sua imagem estivesse cada vez mais difusa.

Harry usou toda sua força de vontade para ignorar Voldemort. Naqueles poucos segundos, vira como as coisas deveriam ser diferentes; ele deveria estar em casa com seus pais – com Sirius – e até com Hermione, e não lutar cada dia contra a morte. Deveria ser feliz – como esperava desde sempre – e não temer a ameaça de ficar preso até o fim dos seus dias. Deveria ter o direito de lutar por sua felicidade e não o dever de se responsabilizar pela dos outros.

Finalmente seus olhos se abriram e ele viu seu braço alcançar a varinha de Dumbledore. Não conseguiu encontrar Malfoy; tentava virar a cabeça e olhar para a porta, mas não era mais dono de seus atos.

Tinha certeza de que estava frente à morte, ainda que desejasse que não fosse a sua. Voldemort significava isso. Ele matava quem estivesse em seu caminho.

Mesmo ainda sem poder usar a varinha, Harry reuniu toda a magia que carregava em si e a direcionou contra seu único alvo. A raiva que carregava há tanto tempo parecia ter uma utilidade. Seu rosto já estava lívido – pelo ódio e pelo esforço – quando a Dama Branca manifestou-se.

– Harry, não.

– Eu preciso matá-lo!

– Não é a sua raiva que vai matá-lo, Harry.

– Ah, sim, então o quê vai matá-lo? Você?

– Você – respondeu ela, calmamente. – Mas só vai conseguir depois que controlar seu ódio.

– Como?

– Olhe para mim.

– Eu estou cansado – Harry murmurou, pronto para desistir.

– Eu sei, mas já vai acabar. Tudo já vai acabar.

– Só vai acabar quando eu destruir Voldemort.

– Você pode fazer isso agora. – a Dama Branca sorriu para ele.

– É, e vou morrer também... – lamentou Harry.

– Não, eu não vou deixar, filho. Você é maior do que Voldemort. Sabe que não pode derrotá-lo pelos métodos dele; precisa usar o poder que ele desconhece. Estou aqui para lhe ajudar; está na hora.

– Eu não conheço outros métodos. A espada de Gryffindor não deu certo; a sala no Departamento de Mistérios não deu certo. Não me deixam tentar mais nada. Matar foi sempre a única alternativa que eu tive; matar ou morrer.

– Não precisa fazer isso por ódio. Se você faz porque quer, há sempre uma escolha. Eu sei que não foi você que escolheu matar Voldemort, mas você escolhe como quer cumprir a Profecia. Se quiser continuar adiando essa luta indefinidamente, vá em frente, use todo seu ódio para lançar a Maldição da Morte. Mas se, como você disse, notou que está na hora de viver, e não de morrer, então você fará a coisa certa.

– E deixarei que ele me mate?

– Acredita mesmo que ele pode lhe matar? Você acredita que ainda tem uma vida?

– Não – Harry admitiu, derrotado.

– Você deveria ter uma. Hermione está só esperando tudo isso acabar, está só esperando por você.

– Ela está esperando em vão. Se não é o meu ódio que pode destruí-lo, então já perdi essa batalha, porque, depois de todos esses anos, o ódio foi tudo que me restou.

– Não foi. Você sabe que não, filho. Mesmo que não perceba, há outras coisas que fazem de você quem você é. Se só houvesse ódio, você já seria como Voldemort.

– E o que é que eu sou? Quem mais se não um novo Lord das Trevas?

– Você não será um novo Lord das Trevas se não quiser ser! Não finja que é isso que deseja porque sabe, em seu íntimo, que isso é mentira!

– É o que vou me tornar. Eu pratico Artes das Trevas, faço mágica sem varinha e mato outros bruxos.

– E você ainda pode mudar isso! – a Dama Branca insistiu. – Você não matou Dumbledore lá embaixo, não matou os aurores que tentaram lhe impedir...

– Matei Bellatrix Lestrange.

– Pare com isso, filho! Acabe com Voldemort e deixe o passado para trás.

– Deixar o passado para trás significa lhe ignorar.

– Quando isso terminar, sim.

– E se eu não quiser?

– Você não precisará mais de mim depois.

– Precisei de você a minha vida inteira. Posso simplesmente impedir que você vá embora.

– Filho, eu só vim porque você precisava agora. O que vier depois, enfrentaremos depois.

– Vou continuar precisando de você, não importa o que aconteça. Eu quero que você fique.

A Dama Branca se ajoelhou à sua frente e o fez observar seu rosto. Ela estava preocupada, embora seus olhos ainda demonstrassem serenidade.

– Estarei aqui depois que tudo terminar, filho.

– Eu realmente queria acreditar nisso, mas não consigo. Quando – e se – eu derrotar Voldemort, você irá embora. Eu sei, eu sinto. Irá embora da mesma maneira que apareceu; sem explicações.

– Não, não vou – ela o abraçou carinhosamente. – Vou estar aqui quando você precisar.

– Só tem um jeito de saber.

Ela se afastou um pouco, suas mãos indo ao encontro das dele. A Dama Branca permanecia observando-o encorajadamente.

– Estou aqui – ela disse e Harry, como se esperasse apenas isso, decidiu agir.

Fechou os olhos e se concentrou em sentir o que acontecia ao redor. Sonho e realidade se misturavam; ele ouvia a voz de Hermione e, o tempo tudo, sentia a presença de Voldemort e da Dama Branca, que ainda estava à sua frente. Poderia haver outras pessoas no Átrio, mas ele decidiu concentrar-se somente na figura negra de Voldemort que estava em sua mente.

A Dama tinha razão, ele precisava ter uma vida. Merecia uma, mesmo que para conseguir isso precisasse matar Voldemort. Precisava derrotá-lo, terminar com tudo isso; voltar para casa.

Sentando-se com muita dificuldade e usando um braço para apoiar-se no chão, Harry reagiu e novamente empunhou a varinha para conjurar o feitiço que acabaria com aquilo de uma vez por todas.

– Avada... – começou ele, mas alguém baixou sua varinha antes que pudesse completar o feitiço. Era Dumbledore.

A princípio, Harry não entendeu o que estava acontecendo, nem como Dumbledore conseguira lhe tocar e impedir que atingisse Tom Riddle. Não encontrava motivos para que ele tivesse feito tal intervenção.

Ficou calado e viu aqueles dois bruxos poderosíssimos observando-o surpresos. Dumbledore não deveria saber da Profecia ainda, não deveria saber que ele era o único com poder para derrotar o Lord das Trevas. Precisava avisá-lo, precisava matar Tom Riddle antes que Dumbledore se machucasse.

Quando Dumbledore, ainda sob o olhar chocado de Riddle, o ajudou a se levantar, Harry aproveitou para empurrar Dumbledore gentilmente. Ele precisava assumir essa batalha; sabia que Tom Riddle poderia vê-lo e que, assim, poderiam duelar.

Voldemort não se deu ao trabalho de perguntar de que lado estava aquele estranho bruxo que penetrara em sua memória. Dumbledore podia vê-lo e não estava contra ele. Por mais que fosse seu maior inimigo, Tom não ignorava a sabedoria do professor. Pelo contrário; respeitava-a muito.

Harry respirou fundo e, em sua mente, encarou não o presente de um aluno que freqüentava Hogwarts, mas a perspectiva daquele ser o que se transformaria em Lord Voldemort em breve. Sabia o que precisava fazer.

Usava o braço esquerdo para restringir Dumbledore e o direito para apontar a varinha que usaria. Riddle o via, Dumbledore o via e, o mais importante, a Dama Branca o via e permanecia ao seu lado.

– Avada Kedavra! – Harry murmurou o feitiço por completo pela primeira vez na vida.

Os olhos de Dumbledore brilharam, Riddle empalideceu e deixou a varinha cair no chão. Seu corpo ficou em pé por não mais que dois segundos antes de despencar sem vida.

Harry gritou com todas as forças quando tudo ao seu redor deixou de existir, como se sua magia tivesse acabado no momento em que a usara para o feitiço. Ele saíra da lembrança, mas não sabia como voltar ao mundo real. Tudo que via era escuridão. Acordou algum tempo depois, ainda tonto e muito cansado. Viu uma luz e, em seguida, a claridade que sempre acompanhava a Dama Branca... ela segurou sua mão.

– ‘Cabou? – ele murmurou fracamente.

– Sim – ela sorriu e beijou sua testa.

Aos poucos, a luz começou a iluminar tudo ao seu redor. Ainda sentia a presença da Dama, embora não a enxergasse mais. Em seu campo de visão, imagens das pessoas à sua volta começaram a se formar. Hermione... Dumbledore... Lupin... membros do Ministério que o rodeavam, tentando descobrir o que estava acontecendo.

– Harry? – chamou Dumbledore com uma voz parcimoniosa.

Apesar de ter ouvido o chamado, ele não conseguia responder. Não tinha forças para isso.

Harry? – dessa vez foi Lupin quem o chamou.

– Ele ainda está desmaiado – Kingsley falou.

Ele queria abrir os olhos, mexer-se e dizer que estava ouvindo, mas simplesmente não conseguia, não tinha forças suficientes; e aquela agonia deixava-o ainda mais debilitado, cansado, fraco e confuso.

– Mas pelo menos ele parou de se mexer e pronunciar aqueles feitiços... – disse McGonagall.

– A voz de Voldemort também cessou há algum tempo – acrescentou Lupin.

– Ele não está... – Hermione não conseguiu completar a frase, temerosa.

–... morto? – Dumbledore terminou por ela. – Não.

– Então por que ele não acorda? – a voz de Hermione parecia desesperada.

A verdade é que Harry não conseguia reagir aos apelos desesperados à sua volta. Talvez esperasse que, se permanecesse desacordado, a Dama Branca não o deixaria e ele não seria tão brutalmente trazido de volta a um mundo do qual ele preferia não fazer parte.

– Temos que tirá-lo daqui – disse Kingsley. – Não podemos deixá-lo à mercê dos curiosos.

– Mas... ele... ele...

– Fique calma, Hermione, ele vai ficar bem, só precisa descansar. Deve ter sido uma batalha difícil – disse McGonagall, pegando-a pelo braço que ela usava para segurar a mão de Harry e fazendo Hermione levantar-se. – Alvo, Kingsley tem razão, não podemos deixá-lo aqui.

– Harry? – Dumbledore tentou novamente, dessa vez curvando-se sobre ele.

Sentiu que dessa vez teria forças para responder. Apertou os olhos e tateou brevemente o chão à procura da mão da Dama. Como não a encontrou, percebeu que finalmente voltara à realidade.

– Harry, está me ouvindo? – Dumbledore insistiu.

– Eu... – ele conseguiu murmurar alguns sons que demonstravam sua consciência, embora se mantivessem incompreensíveis.

– Consegue se levantar? – perguntou Dumbledore sob os olhares atentos dos observadores.

Harry simplesmente balançou a cabeça, mal abrindo os olhos. Dumbledore o tomou nos braços e o carregou para longe do Átrio. Lupin os acompanhou.

Quando Harry abriu os olhos, viu-se em uma sala de médio tamanho, deitado em um sofá provavelmente conjurado por Dumbledore. Lupin estava sentado bem próximo, enquanto Dumbledore, do outro lado da sala, observava a ambos.

– Como está se sentindo? – Lupin perguntou.

– Cansado – Harry respondeu antes de virar-se para Dumbledore. – Acabou.

O diretor sorriu indulgentemente e acenou com a cabeça. Harry respirou fundo antes de continuar.

– Eu entrei na mente dele para matá-lo. Acho que voltamos no tempo... você estava lá.

Dumbledore permaneceu neutro e esperou Harry continuar.

– Eu vi quando... Ídril foi morta – ele disse com muito cuidado.

– Ídril? Quem é Ídril? – Lupin perguntou, curioso.

Harry manteve-se em silêncio. Não era sua história para contar e não queria realmente relatar sua parcela de culpa na morte de Alana, embora não recusasse fazê-lo se Dumbledore o pedisse. Lupin virou-se para o diretor, esperando que esse lhe respondesse.

Dumbledore aproximou-se de Harry, ajoelhando-se ao lado do sofá e mirando-o como se o que fosse dizer a seguir fosse algo extremamente importante.

– Foi Riddle quem a matou? – sussurrou ele.

– Fui eu.

O bruxo cambaleou. Aquela era a última resposta que estava esperando para a pergunta que ficara tantos anos atormentando sua mente.

– Como? – sem saber por que, Dumbledore ainda cogitou a hipótese de não ter ouvido direito.

– Fui eu – Harry repetiu.

– Mas...

– Indiretamente, mas fui eu – ele baixou os olhos. – Sinto muito.

– Conversaremos depois – Dumbledore encostou a mão no ombro dele por um curto segundo.

– E o julgamento? – perguntou Harry, percebendo o interesse de Lupin na filha de Dumbledore e aliviado por poder mudar o rumo da conversa.

– Ainda não temos nenhuma informação – disse Lupin. – Os membros da Wizengamot estavam ocupados lutando contra os Comensais da Morte. Precisamos esperar até que eles decidam se continuaremos hoje a audiência, apesar de não termos mais as testemunhas.

– O que aconteceu com os Comensais? – Harry não conteve a pergunta.

– Todos presos.

– Inclusive Mark?

– Sim, Mark Evans estava entre eles – confirmou Dumbledore.

– E o que houve com as testemunhas?

– Mark foi preso e Snape pediu para ser dispensado para tratar de “interesses particulares que conflitavam com o caso”, então a Corte aceitou o pedido – explicou Lupin. – Bom, Hermione...

– O que tem ela? – perguntou Harry, sua voz mais preocupada do que estivera até então.

– Hermione não está em condições de depor – Dumbledore explicou, observando atentamente a reação de Harry.

– Por quê? – Harry perguntou, prendendo a respiração sem perceber.

– Minerva a levou para o... – Lupin fez uma pausa e encarou Dumbledore em busca de apoio. – St. Mungus. Hermione está no St. Mungus.

– Ela está... – Harry demorou um momento para concluir. – Ela está bem?

– Isso só os medi-bruxos poderão dizer.

– Quando vocês saberão? – Harry perguntou ansioso, parecendo entender que não poderia revê-la tão cedo.

– Não faz muito tempo que Minerva a levou. Esperamos receber notícias logo – Dumbledore declarou.

– Mas ela estava consciente, não estava? – perguntou Harry, receoso.

– Sim, Harry, estava. Mas foi torturada por Voldemort e-

– Por mim – Harry não resistiu em acrescentar.

– Por Voldemort – enfatizou Dumbledore. – Foi uma batalha muito longa...

– Acabou, Harry – Lupin sorriu, passando a mão nos cabelos bagunçados de Harry e chegando à testa. – O que aconteceu com a sua cicatriz?

Harry pôs a mão na testa, correu os dedos pela pele por alguns instantes, fechou os olhos e respirou fundo. Olhou interrogativamente para Dumbledore e esse, sorrindo, pôs a mão em seu ombro.

– A ligação com Voldemort foi quebrada – o diretor declarou.

– É por isso que a cicatriz sumiu? – perguntou Lupin.

– Provavelmente – garantiu Dumbledore. – Lupin, vá ver o que consegue descobrir sobre o julgamento, sim?

– Claro, Dumbledore. Volto assim que puder – disse Lupin, saindo e encostando a porta.

Dumbledore deixou o ar sair vagarosamente de seus pulmões. Encarou Harry e permitiu que esse se acalmasse um pouco antes de pedir:

– Gostaria de me contar o que aconteceu?

– Tudo ou só sobre a morte da Alana?

– Por que você disse que a matou? – Dumbledore foi incisivo.

– Porque foi o que aconteceu. Eu consegui interferir na memória de Voldemort.

– De que maneira?

– Eu o acompanhei por algumas lembranças, até o dia em que...

–...ela foi me procurar em Hogwarts... - acelerou Dumbledore.

– Isso mesmo. Riddle sabia que você já conhecia os planos dele e ele estava procurando uma fraqueza sua.

– Ela... – completou o diretor.

– Quando entrou na sua sala e a viu lá, ele compreendeu que poderia usá-la para... – Harry não quis concluir a frase.

– Atingir-me?

Harry confirmou.

“Ele já me atingiu quando a ensinou Artes das Trevas; ela me atingiu quando aceitou ser Ídril, a princesa que abandonou o pai antes que seu império caísse.”

– Mas nós vencemos – disse Harry. – Ele finalmente se foi. Você não caiu, Dumbledore.

– Acontece que ela... – pela primeira vez, Harry viu Dumbledore fugir do seu olhar –...ela não... como foi eu aconteceu?

– Riddle não estava sozinho. Havia um outro aluno, um garoto da Corvinal.

– Æthelind?

– Ele mesmo. Riddle – Harry parou para pensar se deveria usar essa palavra – a torturou.

– Muito? – Dumbledore precisava saber de toda a verdade, por mais dura que fosse.

– É melhor que eu... – Harry procurou fugir da resposta.

Eu encontrei o corpo dela, Harry; eu a vi daquele jeito. Eu a perdi e convivi com isso todos esses anos. Nada que você diga agora poderá me chocar mais.

– Foi horrível – despejou Harry. – Ele a machucou muito. Não apenas seu corpo... mas se eu não tivesse estuporado Æthelind, o feitiço que a mantinha viva não teria sido quebrado.

– Alana não viveria de qualquer forma, Harry. O máximo que você deve ter feito foi diminuir o sofrimento dela.

– Voldemort não deu ordens para que Æthelind a matasse. Talvez ela ainda estivesse viva quando você chegou se eu não tivesse intervindo. – Harry quis perguntar algo que perturbava seus pensamentos desde que entrara na mente de Voldemort, mas não estava certo de que deveria fazê-lo. – Professor...

– Sim?

– Æthelind está realmente vivo?

– Não tenho certeza, Harry. Supomos que sim, mas não temos notícias dele há mais de duas décadas. Se nossa suposição está certa, então é de se estranhar que o braço direito de Voldemort não tenha se envolvido na guerra...

– E... Ídril? Você acha que ela teve escolha?

– Teve – confessou Dumbledore. – Apesar de eu sempre ter sido contra o uso da Arte das Trevas, nunca a proibi de estudá-las. Quando você estava no segundo ano em Hogwarts, eu lhe disse que são as nossas escolhas que determinam quem realmente somos.

– Sim, eu lembro.

– Alana escolheu o caminho das trevas.

– Você sabia disso antes de encontrá-la morta?

Lupin bateu à porta e entrou em seguida, interrompendo a conversa deles.

– Parece que a Ministra resolveu tudo – informou ele. – Kingsley estará ocupado com a prisão dos Comensais da Morte, mas o julgamento será retomado. Eles querem vê-lo, Harry.

– Por quê? – Harry perguntou inseguro, virando-se para Dumbledore.

– Estão achando que você fugiu. Eu garanti que você só estava se recuperando, mas eles querem certificar-se de sua presença – explicou Lupin.

– Eles vão... me interrogar?

– Não mais. É só o tempo das considerações finais e...

– Da sentença? – perguntou Harry.

– Sim, da sentença, Harry – confirmou Dumbledore.

– Mas então, se eu for... – Harry engoliu em seco –... se eu for condenado, não vou mais sair daqui, vou?

– Você tem que pensar em-

– Sim, eu sei que tenho que pensar nas duas possibilidades – Harry interrompeu Lupin –, mas posso ser condenado, não posso?

– Harry... – Dumbledore tentou explicar.

– Se isso acontecer... – Lupin também tentou, mas Harry não prestou atenção. Assustado, ele levantou-se, apoiando-se no sofá.

– Não posso ficar aqui.

– E aonde pretende ir? – perguntou Dumbledore.

– Embora. Eles me condenarão. Não quero mais ser preso, não agora. E isso é o que farão por saberem que tenho mais poder que Voldemort.

– Acalme-se, Harry – Dumbledore aproximou-se dele e trocou com Lupin um brevíssimo olhar. – Você não será preso.

– Eles podem me condenar...

Você não será preso – Dumbledore repetiu e parou por um momento, olhando-o nos olhos. – Independentemente da decisão de Wizengamot, será madame Bones que definirá a sentença.

Relaxando a respiração, Harry não resistiu mais e sentou-se novamente. Não fugiria; Dumbledore lhe dissera, lhe garantira, que teria a liberdade após o julgamento. Decidiu aceitar isso por enquanto; preferia não cogitar a possibilidade de estar acreditando em uma mentira.

– Podemos ir, Harry? – Lupin perguntou.

Ele não respondeu, apenas aceitou a mão que Lupin oferecia e levantou-se em silêncio. Lupin abriu a porta e, antes de saírem, Harry virou-se para Dumbledore.

– Harry? – Lupin tocou-lhe o braço.

– Isso não é meu – Harry ofereceu a Dumbledore a varinha que carregava.

O diretor a aceitou e, com um aceno, indicou a Harry que deveria ir.

Lupin o acompanhou pelo corredor até a sala em que os inquisidores o aguardavam. Antes de entrar, parou em frente à porta. Harry estava demasiadamente nervoso e até isso poderia ser interpretado erroneamente.

– Falei com McGonagall... Hermione está bem – informou Lupin.

Harry sorriu timidamente e Lupin abriu a porta de uma sala não muito diferente da que estavam antes. Madame Bones aproximou-se.

– Obrigada por ter vindo, Sr. Potter – agradeceu ela, indicando a ele e Lupin dois lugares vazios opostos ao que Emelina Vance estava sentada.

Harry sentou-se; Lupin ficou em pé, conversando com madame Bones, mas não por muito tempo. Logo Kingsley uniu-se a eles e informou que a Wizengamot estava pronta para a continuação da audiência.

– Gostaríamos que ficasse aqui durante as considerações finais e o desenvolvimento do veredicto, Sr. Potter – informou ele.

– Não é obrigatório, apenas uma sugestão que seria bem vista se a acatasse – Lupin enfatizou.

– Se isso pode ajudar na minha absolvição, eu fico aqui.

Os inquisidores retiraram-se, Lupin lançou a Harry um olhar de apoio e seguiu pelo mesmo caminho que viera, deixando-o sozinho naquela sala onde deveria esperar a sentença.





***

A Wizengamot estava novamente reunida. Todos aguardavam ansiosamente o pronunciamento das duas Primeiras Testemunhas. Vários bruxos, aos cochichos, indagavam sobre a ausência do réu; alguns, ainda, especulavam que isto se devia à fuga de Harry Potter. Somente quando a Ministra Bones levantou-se e cedeu a palavra à Primeira Testemunha de Acusação, foi que os murmúrios desapareceram para dar lugar à tensão diante da perspectiva de um veredicto condenatório ao Menino-Que-Sobreviveu.

– Uma Imperdoável – começou Malfoy, levantando-se de seu lugar e andando de um lado para o outro. – Foi o que custou para que a real face de Harry Potter fosse mostrada. Apenas um ato, perpetrado há oito anos, foi necessário para que o Garoto de Ouro de Dumbledore revelasse suas verdadeiras intenções.

“Não se deixem enganar, caros colegas, pela falsa e imaculada imagem do Menino-Que-Sobreviveu; não é ele que está sendo julgado. O réu não passa de um bruxo que não resistiu às tentações do poder. Não passa de um bruxo que, ao deparar-se com a possibilidade de tornar-se o novo Lord das Trevas, não permitiu que nada detivesse o caminho até esse objetivo”.

“Talvez a culpa por tudo isso seja nossa, caros colegas. Talvez tenham sido nossos erros que levaram Harry Potter a tornar-se aquilo que é hoje. Pode ser que tenhamos errado ao permitir que ele morasse com pessoas que não se importavam com ele, que não o ensinaram o valor real de uma família. Há a possibilidade de nossa falha estar na permissão silenciosa que demos ao então garoto para que testemunhasse cenas tão terríveis que até nossos olhos adultos recusavam-se a ver”.

“Se foram esses nossos erros, então é culpa nossa que ele não tenha conseguido se importar com a família que poderia vir a formar. É culpa nossa que ele não consiga dar à vida o valor que ela merece”.

“Porém, não podemos cometer um erro ainda maior na tentativa de apagar os anteriores. Nossos erros custam vidas. Eles não podem ser apagados. A única coisa que podemos fazer é corrigi-los. Mas, acreditem, não é permitindo que Harry Potter saia livre dessa Corte que os corrigiremos”.

“Devem parar por um momento, senhoras e senhores, e considerar atentamente o que estão prestes a fazer. Parem por um instante. Não olhem para o réu como estão acostumados a fazer. Olhem-no como se ele fosse apenas um bruxo e nada mais do que isso”.

“Lembrem-se do que foi dito hoje. Esse bruxo – esse bruxo qualquer que está à frente das senhoras e dos senhores – não conheceu os pais. Ele era apenas um bebê quando estes morreram; apenas um bebê quando foi largado entre os últimos membros daquilo que ele deveria considerar como sua família”.

“Por onze anos, lhe foi ensinado que ele não valia nada. Sua tia, seu tio, seu primo não se importavam com ele. Ninguém se importou com ele por onze anos”.

“Então, quando finalmente lhe foi revelado o mundo bruxo, o mundo ao qual ele pertence, ele teve esperanças de que encontraria alguém que se importasse”.

“Entretanto, tudo o que ele encontrou foi cobiça e ganância. Foram amigos que aproximaram-se só porque ele é o Menino-Que-Sobreviveu; porque ele é filho de James Potter; ou porque ele é o queridinho de Dumbledore, que pode quebrar quaisquer regras da escola e do Ministério e escapar impune. Foram pessoas que, ao menor sinal de provação, lhe deram às costas e acreditaram nas mentiras sobre ele contadas”.

“Ah, sim! Mas Dumbledore se importava. Se importava e tomava os cuidados necessários para impedir que sua preciosa arma caísse em mãos erradas”.

“Até mesmo o Sr. Potter sabe que estou certo. Dumbledore o usou, o enganou e o manipulou como pôde. Mais isso deveria terminar, senhoras e senhores, e qual a melhor forma de desafiar o poder de Dumbledore do que fazendo aquilo que ele mais reprova? Do que usar Artes das Trevas contra seu próprio mentor?”.

“Harry Potter estudou essas artes e mais: usou esse conhecimento para machucar as pessoas que o cercam. Não se importou quando Dumbledore tentou ajudá-lo, julgou que o Diretor de Hogwarts tentava novamente manipulá-lo. Tão pouco importou-se com a jovem que ele alegava amar”.

“À primeira oportunidade que teve, virou as costas para tudo em busca de seu lugar de Lord das Trevas. Ao atingir Dumbledore, mais do que atacar indiretamente a representação do Diretor de Hogwarts, Harry Potter fez um desafio direto ao poder do Lord das Trevas, atacando justamente a pessoa que milorde mais temia”.

“O que venho pedir é a condenação do réu. Pedir não, venho exigir que cumpram seu dever para com a comunidade bruxa. Não podemos deixar livre um bruxo com poderes das trevas tão desenvolvidos, ainda mais se este não reconhece figura alguma de autoridade”.

“Cumpram seu dever, senhoras e senhores, e não permitam que esse assassino saia impune e tenha a chance de tirar mais vidas por sua sede de poder”, Malfoy terminou e voltou a sentar-se.

– Sr. Lupin? – convidou madame Bones.

“Todos puderam notar,” Lupin começou, em pé, de costas para os inquisidores “desde o início desta audiência, que Harry Potter não queria estar aqui. Sabem de uma coisa? Ele tem razão. Esse julgamento não deveria existir, não novamente”.

“Podem não perceber, mas já permitimos que Harry Potter fosse julgado. Quando Lord Voldemort ameaçava vidas inocentes, não hesitamos em desejar continuamente que Harry Potter o matasse. Indubitavelmente, não o condenaríamos por ter destruído o Lord das Trevas, então por que insistimos em fazê-lo por ele ter matado a sua mais fiel seguidora?”.

“O encerramento que eu tinha preparado implorava por uma nova chance para Harry. Se ele era o único que poderia derrotar Voldemort – como dizia a Profecia –, a prisão – ou até mesmo a morte – impediria-o de fazê-lo. Porém agora, felizmente, não preciso mais pedir isso. Harry Potter não se importou com o que diriam, não se importou se, mesmo depois de que ele cumprisse sua missão, o condenassem à morte. Harry Potter matou Lord Voldemort e fez um bem a toda nossa comunidade; como queremos agradecê-lo?”.

“Querem puni-lo preventivamente, mas digo-lhes: não há motivo para tal atitude. Eu pediria-lhes uma nova chance para que Harry derrotasse Voldemort. Hoje eu peço-lhes uma nova chance para que Harry tenha uma vida. Peço-lhes que mostrem que a bondade conta e pode sim superar a crueldade. Peço-lhes que mostrem que a vida é importante; não a vida como um simples objeto, mas sim como sendo a maior dádiva do ser humano, como algo que deve ser aproveitado em sua plenitude”.

“Harry Potter admitiu que matou Bellatrix Lestrange. Admitiu, fora dessa Corte, que deveria ser preso. Ele sente-se culpado, não há dúvida. Harry pode ser culpado, mas a culpa não é só dele, é nossa também. Nós que escolhemos nos importarmos somente com o Menino-Que-Sobreviveu; nós que decidimos ouvir somente as mentiras contadas sobre Harry Potter”.

“Não hesitamos em acusar Harry Potter. Ele foi, no ano seguinte ao ressurgimento de Voldemort, informalmente acusado pelo assassinato de Cedrico Diggory. Membros do Ministério – DETENTORES DE ALTOS CARGOS NO MINISTÉRIO DA MAGIA BRITÂNICO – o acusaram: MENTIROSO! Seus próprios colegas o rotularam: MENTIROSO! Ele foi obrigado a se retirar de uma aula e a prestar detenção porque uma professora o considerou: MENTIROSO!”.

“Na época, induzidos pelo Ministério da Magia, boa parte da população ignorou o retorno de Lord Voldemort. Por que acreditar em um pirralho com uma estúpida cicatriz e em um velho...” Lupin apontou diretamente para Dumbledore “...que deve estar tão caduco a ponto de nem se lembrar do nome da escola que administra? Por que acreditar neles se há uma versão segura e confiável fornecida pelo Ministro da Magia?”.

“Por que não acreditar Cornélio Fudge, que não estava no cemitério em Little Hangleton na noite de 21 de junho. Cornélio Fudge, que por um ano negou a volta de Voldemort e continuou negando-a até o momento em que o Lord Voldemort em pessoa invadiu a sede do Ministério, em Londres, acompanhado por Comensais da Morte” Lupin voltou-se para Lúcio Malfoy.

“Acreditam que farão justiça hoje se condenarem Harry Potter? Eu posso afirmar: vocês não farão. Acreditam que condenar alguém inocente é fazer justiça? Eu posso afirmar: estão errados. Não podem condená-lo por ter feito algo que vocês mesmos fariam. Não podem condená-lo por ter feito algo que ele não escolheu fazer. Não podem condená-lo por ter feito a coisa errada, se nem sabem qual seria a coisa certa”.

“Agora, vocês podem continuar agindo assim. Não há justiça, mas quem sou eu para tentá-los impedir de fazer alguma coisa? Vocês podem continuar condenando previamente as pessoas, podem continuar punindo-as preventivamente; mas, com isso, continuarão aluindo vidas e mostrando que, na verdade, não há motivo para preocupar-se com o bem dos outros se já se foi condenado por estas mesmas pessoas; que não há razão para compreender a humanidade se ela mesma não busca a compreensão, se ela mesma não incentiva o homem a importar-se com seu próximo”.

“Podem começar hoje a mudar essa realidade, podem começar hoje a importar-se”.





***

Dumbledore foi o primeiro a entrar na sala em que Harry esperava há horas. Encontrou o réu mais exausto e entediado do que da última vez que o vira.

– E então? – Harry levantou-se ansioso ao perguntar.

– Sente-se, Harry.

– Passei as últimas três horas sentado, Dumbledore. O que decidiram?

– Eles... – Dumbledore foi interrompido por uma leve batida à porta da sala.

– Com licença – pediu Lupin, entrando.

Suando frio, Harry temia o que estava por vir pela frente. Lupin largou sobre a mesa uma pilha de pergaminhos que carregava e encostou-se na mesa, de frente para Harry, cruzando os braços e deixando o réu ainda mais ansioso.

– A Wizengamot chegou a um veredicto – declarou Lupin, observando Dumbledore com insegurança.

– E...? – insistiu Harry.

– Você deve retornar ao tribunal para a pronúncia.

– Mas você já sabe?

– Você deve retornar ao tribunal – repetiu Lupin.

– Agora?

– Sim, não há motivos para demora. Vamos?

O coração de Harry batia forte. Lupin estava à sua direita e Dumbledore vinha um passo atrás deles. Não havia guardas para levá-lo; seria esse um sinal de que fora declarado inocente? Procurou afastar tais pensamentos. Não queria antecipar o veredicto e depois se decepcionar.

Olhos silenciosos passaram a acompanhar cada movimento seu a partir do instante em que entrara na Corte. Ele sentou-se à mesma cadeira de antes; seus pulsos, dessa vez, não foram presos. À sua frente, os três inquisidores permaneceram de pé para a pronúncia.

Procurou por rostos conhecidos e demorou um pouco a encontrá-los. Draco Malfoy encarou seu olhar com uma firmeza que chegou a assustá-lo, fazendo desaparecer completamente o otimismo que surgira com a ausência dos guardas e das correntes.

Buscou, entre todos aqueles rostos, a expressão animadora de McGonagall e, quando não a encontrou, lembrou-se que ela provavelmente ainda estava com Hermione no St. Mungus.

Por um instante que pareceu durar a eternidade, nenhum ruído foi ouvido no tribunal de número dez. Então, a voz de madame Bones elevou-se entre os presentes e atraiu a atenção dos bruxos.

– O réu levante-se para o veredicto.

Harry fez como ordenado, assim como Lupin.

– Harry Potter foi acusado perante essa Corte pelo assassinato de Bellatrix Lestrange. Como o réu se declara?

– Inocente, Meritíssima – respondeu Harry.

– Muito bem. Com base na análise dos argumentos apresentados pelas Primeiras Testemunhas, a Wizengamot, reunida em sessão de Tribunal Pleno, decide declarar o réu, Harry James Potter – Harry fechou os olhos – inocente.

O suspiro de alívio dado por Dumbledore foi imitado pela maioria dos presentes. Harry estava pronto para agradecer a Lupin, mas madame Bones ainda não terminara.

– Em vista dos antecedentes apresentados, essa Corte deseja fazer uma ressalva quanto à liberdade do réu.

“Como foi citado muitas vezes no decorrer da presente audiência, o réu nunca chegou a conhecer o verdadeiro convívio familiar. Primeiro foram os parentes trouxas que o maltrataram, depois, a morte trágica de seu padrinho, Sirius Black, que aniquilou a maior chance que ele já teve de pertencer a uma família.”

“Quando Harry Potter pôde finalmente constituir sua própria família, o Lord das Trevas impossibilitou qualquer tipo de tentativa. Arruinou não somente a vida do réu, como também a vida das pessoas com quem Harry Potter se envolveu.”

“Agora, livre das acusações, livre da prisão, Harry Potter terá uma nova oportunidade e é nosso dever oferecer-lhe condições para isso. É nosso dever garantir que ele possa finalmente ter uma vida, e não uma existência única e exclusivamente dedicada à destruição do maior de nossos medos.”

“Voldemort não irá mais nos aterrorizar, nos aprisionar e, se agora estamos livres, devemos isso a Harry Potter.”

“Assim sendo, essa Corte solicita a Remo John Lupin que assuma a responsabilidade de assistir Harry James Potter em sua readaptação à sociedade bruxa.”

– Meritíssima...? – Lupin vociferou o sentimento de dúvida que pairava sobre os ouvintes.

– Gostaríamos que desse a Harry Potter uma família, Sr. Lupin.

– Por mais que eu esteja honrado com o pedido, não acredito que devo aceitá-lo, Meritíssima. Em primeiro lugar, Harry Potter já é maior de idade, portanto acredito que é capaz de decidir se esta é realmente uma boa opção e, no entanto, acho que ele não foi consultado. Em segundo lugar, Meritíssima – e devo enfatizar isso – não sei se sou a pessoa mais indicada a assumir tal responsabilidade. Acredito que, se o Sr. Potter desejar que alguém tenha a guarda dele, ele deveria poder escolher a pessoa.

– Sr. Lupin, dificilmente escolhemos a família a qual pertenceremos. O que lhe peço – e tenho certeza que o senhor pode alcançar – é que mostre a Harry Potter como relacionar-se em um ambiente familiar. Peço que assuma a guarda do Sr. Potter como seu padrinho e que o ensine – e espero que não seja tarde demais para isso – as bases que norteiam a vida de nossa comunidade.





***

O julgamento terminara na noite anterior e Lupin levara Harry para Grimmauld Place, respeitando o desejo desse de sair de Londres somente após encontrar Hermione. Os dois passaram a madrugada esperando ansiosos por qualquer notícia que Minerva McGonagall trouxesse.

No meio da manhã, quando Lupin já estava tendo sérias dificuldades para manter Harry na casa, uma coruja chegou, com um mensagem presa na pata esquerda, avisando que Hermione acordara e que já poderia receber visitas. Sem pensar duas vezes, Harry pegou o pó de flu e partiu para o St. Mungus, deixando para trás um Lupin boquiaberto que ainda segurava o bilhete.

Mal esperou a recepcionista lhe informar o quarto em que Hermione se encontrava e partiu em disparada para vê-la. Chocou-se em algumas pessoas nos corredores e nem se deu ao trabalho de desculpar-se. Passou por uma mulher ruiva que segurava uma criança no colo e teve a impressão de que ela o chamara, mas estava ansioso demais para ouvir qualquer coisa.

Abriu a porta abruptamente e encontrou Hermione deitada na única cama ocupada do quarto. Entretanto, o que mais o surpreendeu não foi vê-la sorrindo novamente, e sim, encontrar os olhos cinzentos do jovem que a acompanhava.

– O que está fazendo aqui, Malfoy?

– Vim visitar Hermione, caso não tenha percebido – respondeu Draco. – Estava preocupado com ela, Potter.

– Draco... – Hermione chamou gentilmente.

– Desculpa, Mione – ele pediu com a voz doce, sem deixar de encarar Harry friamente.

Harry respirou fundo e cerrou os punhos para conter a raiva. Ignorou Malfoy e dirigiu-se à Hermione, aproximando-se da cama dela:

– Como você está?

– Bem – ela respondeu, agora sem o sorriso que demonstrava no momento em que ele entrara.

– O que os medi-bruxos disseram?

– Voltarei para casa em dois dias.

– Você acha que... – Harry começou, incerto – ...podemos conversar à sós?

Hermione não respondeu de imediato. Encarou os olhos de Harry por alguns instantes e depois, virou-se para a figura de Malfoy, que estava de costas e disse:

– Draco...

– Estarei lá fora, caso aconteça alguma coisa – respondeu ele.

– ‘brigada.

Draco encostou a porta demoradamente. Harry voltou a encarar Hermione e então, bem menos desconfortável, disse:

– Hermione, eu vim pedir desculpas...

Ela apenas o encarou com os olhos bem abertos.

“Você estava certa e eu não devia tê-la tratado daquele jeito, mesmo que você estivesse errada. Desculpa...”.

– Não foi o modo como você me tratou que me deixou magoada, foram as coisas que você disse.

– Ouça, eu poderia dizer que a culpa é de Voldemort por ter entrado na minha mente, mas não farei isso porque sei que não é totalmente verdade. Foi culpa minha sim, eu sei disso, eu devia ter me controlado. Mas tudo que eu posso fazer agora é dizer que sinto muito... não sei como posso apagar o que fiz – nem sei se conseguirei apagar, mas eu posso tentar se você me disser como...

– Harry...

– Me perdoa, Hermione...

– Eu já lhe perdoei, Harry, há muito tempo. Só não sei se as coisas devem voltar a ser o que eram.

– Entendo – disse Harry, que já esperava esse tipo de resposta; ainda assim, seus olhos perderam um pouco do brilho.

Ele sentou-se na beirada da cama, tomou a mão direita dela entre as suas e continuou.

“E o bebê?”

– Ela está bem, apesar...

– Você vai voltar para Hogsmeade quando sair daqui?

– Eu não moro mais em Hogsmeade. Minerva e eu dividimos um apartamento em Edimburgo.

– Ah... – ele murmurou. – Não sei se você soube, eu moro com Remo agora...

– Gina me contou algumas coisas sobre o julgamento.

– Quando... quando ela nascer, nós vamos... você vai... – Harry tirou os óculos e respirou fundo, frustrado. – O que você pretende fazer?

– Nós temos três meses para decidir isso.

– Nós...

– E também ainda não escolhemos um nome para ela... você pensou em algum?

– Alana – Harry murmurou.

– A filha de Dumbledore?

– O quê? Como você sabe? – perguntou Harry, surpreso.

– Minerva me contou o motivo que levou Dumbledore a evitar que qualquer bruxo se envolva com Artes das Trevas, por mais bem intencionado que esteja.

– Ela morreu à noite passada, e o responsável ainda está livre...

– Ela morreu há mais de cinqüenta anos, Harry.

– Eu sei, eu vi...

– Então por que disse aquilo?

– Ele ainda está livre – Harry repetiu. – A guerra acabou e ela está morta... achei que seria bom homenageá-la.

– Podemos pensar nisso mais tarde?

– É... claro.

Harry levantou-se, pôs a mão sobre os óculos posados no balcão ao lado da cabeceira dela. Hermione notou que ele demorou algum tempo para apanhá-los e levá-los ao rosto e então percebeu que ele encarava a porta, por onde Draco e Gina, com Matthew, vinham entrando.

– Hei! – Hermione falou com Gina, novamente sorrindo. – Ele se acalmou?

– Sim, sim, já está mais calminho, não é, Matt? – disse ela, sorrindo para o filho. – Oi, Harry!

– Oi – Harry respondeu encabulado. – Acho melhor eu ir, Mione... vou para Edimburgo com Remo, qualquer coisa...

– ‘tá bem... – respondeu Hermione, tentando encará-lo nos olhos, embora Harry observasse atentamente o chão.

Draco abriu cerimoniosamente a porta do quarto, sorrindo para Harry, que passou por esta sem encarar o rosto cínico de Malfoy.

Assim que Harry saiu, Draco fechou a porta e virou-se para onde Hermione estava, a fim de certificar-se de que nada errado acontecera enquanto ele não estivera no quarto.

Caminhou até a cabeceira da cama e, em cima da mesa ao lado dessa, encontrou uma pequena jóia dourada cravejada com brilhantes, a qual ergueu aos olhos de todos.

– O que é isso? – perguntou Gina, curiosa. Tanto ela quanto Malfoy encararam Hermione.

– A minha aliança de noivado – Hermione respondeu, estendendo a mão para que Draco lhe entregasse.

Ele pousou-na sobre a palma aberta de Hermione, que olhou a aliança por alguns instantes, respirou fundo, fechou os olhos e a colocou no dedo anelar.

“Do meu noivado com Harry”, completou ela.




~~~~~ FIM DE COGITARI ANCILLA ~~~~~


~~~~~ CONTINUA EM REGILLUS AVERNUS ~~~~~

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