Cp01 Maioridade...



Cp01
Maioridade...

Mais um dia na rua dos Alfeneiros, não que fosse uma rua totalmente normal, os vizinhos do numero quatro afirmariam que naquela casa aconteciam coisas estranhas, barulhos, pessoas estranhas, corujas que esvoaçavam por ali de vez em quando, e os dois garotos que ali residiam, também não eram exatamente normais....

O filho do casal Dursley era um adolescente de dezessete anos maciço que adorava aterrorizar a região com sua gangue, não que alguém se intrometesse com aquilo, afinal ele aparentava uma imensa normalidade quando nas proximidades de seu lar, mas todas as crianças e jovens da região o temiam.

Mas o misterioso ali era o garoto criado pelos Dursleys, todos sabiam que era um delinqüente da pior espécie, assim os próprios tios afirmavam, e qualquer um que o visse, e ás vezes ele saia dar intermináveis voltas pelo quarteirão, amarrotado, com cabelo comprido, desgrenhado e ar mortiço, concordaria que ele não era um rapaz normal...

O sol a pino deixava todos com pouca vontade de se mover, Guida olhava para o sobrinho com olhos de satisfação, viera para o aniversário de Duda que se acabava num sorvete diet enquanto a ouvia sobre a criação de bulldogs, e contava sobre suas lutas de boxe, mas de minuto em minuto ela dava uma olhada desgostosa ao rapaz insolentemente estendido ao sol num banco do jardim...

Harry era uma rapaz estranho em muitos sentidos, na aparência ele já era diferente, era muito menor que qualquer outro de sua idade, ao longe parecia ter uns quinze, dezesseis anos, e havia crescido em comparação aos anos anteriores...sua pele pálida parecia pouco se avermelhar sob o sol quente, ele estava estendido com um shorts jeans duas vezes maior que ele, tinha sido de seu primo e parecia um calção, e uma camiseta regata que mais parecia um vestido, ele estava ali estendido como se estivesse de folga, com um diskman que ganhara de alguém, no braço direito haviam três cicatrizes...
Guida o viu se recostar no banco, dando o outro lado do corpo ao sol forte, os olhares se cruzaram e ele deu um sorriso convencido.
-Você continua por aqui moleque ingrato?- ela perguntara ao jogar a mala para ele na entrada, no dia em que chegara.
-Continuo né? Fazer o quê?- ele respondeu calmamente.
Insolente, malcriado, uma verdadeira peste segundo Guida, e com certeza teria uma vida criminosa, bastava olhá-lo, com aquela eterna expressão de devaneio inocente misturado com uma revolta violenta, ela fez um comentário sobre seu cabelo quando chegou e acabou levando um susto.
-Como eles deixam você ficar com esse cabelo ridículo naquele lugar? Válter! Eles não estão tendo resultados, não batem com força suficiente nele.
-Ah! Batem sim – o garoto respondeu sarcástico.- Você nem imagina como batem...- ele tirou a jaqueta e mostrou as cicatrizes no braço. – Mas eu não ligo.- riu.

Ela ficou chocada ao ver o braço dele, imaginava em que encrenca ele se metera, talvez briga com faca, mas Válter o mandou para o quarto antes que pudesse falar umas verdades para aquele imprestável, uma cópia do pai, teria um fim miserável, Guida olhava contrariada a figura esguia no banco, apertando os olhos por causa da luz forte do sol.

O cabelo comprido de Harry tampava os olhos do sol forte, ele adorava o calor, amava o sol, porque normalmente sua vida era plena escuridão... "amanhã tem sol...", as olheiras, mais fracas do que já tinham sido denunciavam seu pouco sono, naquele lugar ele estava sozinho, isolado, uma ilha de infelicidade, por mais que soubesse que era para seu bem, ele se resignara a aceitar o que a vida lhe impunha, mas não de qualquer jeito, estivera sendo intragável com Guida desde que ela chegara, não fazia nada demais, mas não ficava calado.
Ele não tinha mais onze anos, quando era jogado de um lado para o outro pelos tios se sentindo muito infeliz, pensando que era uma criança abandonada no mundo, suportando todo tipo de humilhação, como aceitar ser tratado como um empregado ou viver embaixo da escada... não que no todo a vida agora fosse feliz , na verdade ele carregava muitas marcas dolorosas, isso era visível nos seus imensos olhos verdes, ele tinha um olhar maduro, distante, sua voz também chocara os parentes quando retornou da escola, muito mais grave e rouca do que tinha sido antes, mas era pouco ouvida, ele raramente falava, e quando o fazia era de uma ferinidade terrível, ele estava ali, cozinhando no sol, acabara de tirar a camiseta, enrolando-a para apoiar a cabeça, pensando em como a vida lhe fora irônica, toda a infância ele se sentiu uma coisa abandonada, presa a uma existência nula e infeliz, mas então o destino lhe bateu a porta com uma fama incômoda e um inimigo mortal...
Porquê ele era Harry Potter, o garoto que segundo uma profecia tinha um poder suficientemente grande para derrotar um dos maiores bruxos das trevas existentes, Lorde Voldmort, ou Tom como começara a chama-lo só por birra, chama-lo de Tom o irritava e isso Harry tinha prazer de fazer, ele tinha matado seus pais, lhe roubado o padrinho por duas vezes e matado a garota por quem se apaixonara, e ainda o fez reve-los com uma magia maligna, e em sua última luta com ele... bem o ferimento ... o acidente com sua amiga também acontecera por causa dele...
Depois disso ele ainda teve que aceitar que muita gente se afastasse dele por medo, e que o acusassem de exagerado, de exibicionista, e de ver os amigos se desesperarem ao conhecerem a profecia que o atormentara durante um ano inteiro...
Escutava música no último volume para abafar os gritos de seu coração.

"Somos parecidos demais Potter, é preciso um mago das trevas poderoso para deter outro... somos mais parecidos do que você gostaria de admitir não?”
”Ou você vai negar que gostou de torturar Bela?”

Ele se torturava, se angustiava com as vozes que ouvira em sua mente quando foi possuído por Voldmort, quando quase desistiu...e não conseguia tirar da memória as palavras da cópia daquela que amara tanto, tudo aquilo era um fardo imenso, mas a vida dele podia se resumir a isso, exagero, foi um exagero de dor, um exagero de medo, de obrigações, de descobertas...

Mas ele estava vivo, acima de tudo, acima de qualquer possibilidade ele persistia, ainda respirava, vivia... havia esperança também, nas trevas... ele era jovem, tinha sonhos, queria viver, apesar de tudo ele ainda tinha o desejo de continuar, de acreditar.

Mas não ia continuar bem se pegasse uma insolação, se espreguiçou como um gato e sentou no banco, esticou a coluna e os braços com uma preguiça imensa arrepiando selvagemente o cabelo tirando a franja do rosto enquanto punha os óculos quentes do sol, jogou a camiseta no ombro, enfiou os pés nos chinelos e foi em direção a "Tia" e o primo, ambos arrumados como se fossem a um a passeio chique, ele bem que reparou nos olhares dos dois em sua figura, quase riu, mas se manteve calado, ele sempre se mantinha calado até ser provocado.
-Não tem vergonha? Se algum vizinho te vê assim meio pelado?- disse Guida em tom de aberta censura.- Erga esse shorts, vai mostrar as cuecas... moleque desleixado.
Ele sorriu, parou na porta, não ia deixar mais uma boa oportunidade como aquela passar, se virou e disse maldosamente.
-Pensei que tava gostando... já que não parou de olhar...
Ela arregalou os olhos escandalizada, Duda afastou a cadeira, os dois se encararam, Duda nunca mais dera uma de valentão contra ele, depois de descobrir a exatamente um ano, que apesar de magro o primo era razoavelmente forte, e de reparar que apesar de continuar magro ele ficara visivelmente mais forte após nocauteá-lo no segundo dia de férias, coisa que ele não contara nem aos pais, pois acontecera de madrugada em frente ao banheiro...

Harry ainda lembrava, havia acordado após sonhar com Voldmort e Morgan... saíra zonzo até o banheiro, lavou o rosto olhando o quanto sua cicatriz estava vermelha... ela parecia ser recente... quando saía trombou com o primo, trocaram insultos... Duda cometeu o mesmo erro pelo terceiro ano consecutivo.
-Uma namorada... essa morreu também? Como aqueles dois? Cedicos e Sirios... não é?
Harry respirou fundo:
-Vai acabar desse jeito... então vamos começar, tá bem?
Se virou e acertou Duda uma única vez... nem percebeu que dera um soco tão forte... enquanto o primo caía desacordado, mole como um saco de batatas... ele soltou um palavrão baixo e segurou a mão com uma careta.
-Que... de queixo duro... pombas...- e olhou o primo caído.- Sortudo, nem vai sentir a dor...- disse abriu e fechou a mão com uma careta...

Por isso os dois apenas se encararam e Harry fez menção de entrar, e o primo sentou metendo mais uma colherada imensa de sorvete na boca, quando Harry retornou e disse mais maldosamente ainda:
-Ah... Guida... não se preocupe, não tô usando cueca mesmo...
Ela ficou branca e o primo se engasgou, ele entrou rindo por dentro, chegou na geladeira, da qual não tinha mais receio de usar e pegou um suco, despejando-o num copo sobre a mesa, como imaginou, o tio que lia um jornal sob o ventilador, vermelho como uma morsa esfolada esticou a mão e pegou o copo sem nenhuma intenção de agradecer, foi surpreendido quando outro copo bateu de leve no primeiro e o garoto ainda lhe sorriu e disse:
-Saúde.
Anos de treino nas pequenas mesquinharias deles para saber de antemão o que iam fazer... e não ser mais atingido, e sim atingir... somente a sua verdadeira parente havia mudado, a irmã de sua mãe, tia Petunia, ela o evitava furiosamente, parecendo ter medo de ficar no mesmo aposento que ele, não comparecera na estação para buscá-lo, evitava olhá-lo, não falava com ele, apesar de estar acostumado, ele não se conformava com aquilo, sabia que tinha algo errado, mas não sabia o quê...

Subiu para seu quarto, um refúgio para suas horas de solidão, ali afastava uma tábua solta do chão e relia todas as cartas que trocara com os amigos... os bilhetes, os recados, era seu tesouro, valiam mais do que muita coisa no mundo, cada um deles tinha um sabor especial, de anos inocentes, de medos infantis, de receios bobos... ele se via mudando, aprendendo, tomando decisões...

Na janela aberta uma coruja muito branca batia as asas impacientemente, devia estar com calor, ele sorriu olhando-a, ela se sentia esquecida a mais de um ano, mandar e receber notícias era perigoso, só recebera um bilhete de Marco nas férias e respondera com cautela, não recebia o jornal, mas até nos jornais trouxas era perceptível... uma explosão aqui, uma epidemia ali... mortes, seqüestro... uma guerra ocorrendo e ele encalhado naquela rua pacata, sem sequer passar do quarteirão...
Edwiges voou e pousou leve em seu ombro beliscando sua orelha:
-Não faz isso.- ele riu.
A coruja soltou um pio magoado, ele coçou-lhe a cabeça arrepiando de leve as penas dela.
-Que foi? Está quente para você viajar por aí... dê uma volta... mas não vá longe.
A coruja pareceu assentir feliz, saiu pela janela, logo ele escutou berros assustados, saiu para o corredor, a tempo de ver no andar de baixo o tio olhar furioso.
-Sabe que aquele seu bicho nojento voa?!- falou Guida entrando com raiva.
-Sério? -respondeu debochadamente olhando Guida pálida no meio do caminho.- Incrível seria se ela trotasse...
-MOLEQUE!!!- disse Válter subindo realmente bravo.- Peça desculpas!!!
-Pelo quê?- disse sério.
Os dois se encararam, Guida sussurrou um "deixa, isso aí não tem concerto... não fique nervoso.", mas ele agarrou o braço de Harry com força, o rapaz nem se importou em se mexer, dor era uma velha conhecida, intimidação era uma companheira a muito insignificante.
-Se comporte.- Válter disse baixo mais furiosamente.- Vai esperando, espere para ver...
Soltou-o e desceu, Harry se virou para entrar no quarto, quando escutou:
-Ele não vale esse nervoso, Válter, eu vivo dizendo, vocês agüentam demais desse... tem certeza que ele não está metido com algo ilegal? Essa cara dele não me engana... ele nem piscou quando você pegou nele... Doido como os pais, eu vivo dizendo... bichado por dentro...
E a voz foi sumindo em direção a cozinha, não era a primeira vez que Gida dava a opinião que ele era louco, retardado ou drogado como ela afirmara mais recentemente, mas aquilo lhe estragou dia, ele ainda se aborrecia quando ela falava dos pais...
Lembrou dos pais... das cópias... do olhar dele que empunhou uma varinha que acertara Rony... porque Belatriz então acertara Hermione...Hermione não falara mais com ele... Morgan caiu... e levaram Sirius... então a dor na cicatriz foi horrível.
Ele caiu de joelhos, mão na boca, sufocando um grito de desespero, coisa que ás vezes ocorria, quando por segundos a lembrança daquela noite tomava sua consciência por completo, ás vezes voltava a doer quando lembrava, inspirou algumas vezes profundamente e se pôs de pé trêmulo olhando em volta, para se certificar que nenhum deles percebera o que acontecera, para seu desgosto ele viu um par de olhos claros, espiando-o pela porta do quarto de casal, sua tia o olhava de longe e foi fechando a porta devagar, ela dissera que não estava se sentindo bem após o almoço e fora se deitar, mas uma das desculpas para não vê-lo, uma onda de tristeza e solidão se abateu nele, ela era mesmo sua única parente, não lhe sentia nenhum carinho?
Não seria cínico, anos de sofrimento tinham apagado a capacidade de apreciá-los também... só nunca entendera, nunca entendera porque era realmente tão mal tratado naquela casa que deveria ter sido um lar, entrou no quarto se sentindo muito mal, atirou-se na cama, cada parte dele pedindo por convívio humano, uma saudade devoradora se apossando dele, saudade dos seus, daqueles que realmente gostava, "odeio ficar sozinho."

A coruja voltou a noite piando baixinho como se o chamasse, pousou em seu peito, ele ficou fazendo carinho nela por muito tempo, até ela se arrepiar e ir beber água se ajeitando para adormecer na gaiola, agora sempre aberta, ela pelo menos era livre para ir e vir se quisesse, adormeceu como estava, apenas se cobrindo com o lençol, se preparando para mais uma longa e torturante noite... suas noites sempre foram repletas de pesadelos, antes receios infantis, agora medos reais .

Rotina que aprendera num programa de televisão sobre viciados em álcool, ao despertar, abra os olhos só após se espreguiçar, só após sentir que todo o corpo está bem, então não tenha pressa em levantar, se levante com calma, olhe-se no espelho e repita:
-Bom dia, hoje é o primeiro e pode ser o último. "eu posso morrer hoje."- complementou como sempre fazia desde que entrara de férias.
Não era saudável de fato, mas o mantinha ligado a sua realidade, como sempre acordava cedo, pegou a roupa separada por ele e entrou no banheiro, fechou a porta sem pressa, despiu o shorts, ligou o chuveiro, entrou no boxe, deixou a água correr da cabeça, pelas costas, pernas, morna, relaxante, sentiu o cabelo rebelde perder o volume, pesar, escorrer, estava mesmo comprido, ele não cortava a mais de dois anos, podia amarrar se quisesse, a franja cobrindo os olhos, afastou-a com a mão, encarando a água, fechando os olhos, sentindo-a escorrer agora pelo rosto, pelo pescoço, peito, barriga... engraçado como quando se relaxa assim, sem pressa com nada, outras pessoas tem a capacidade de interromper.
Batidas na porta, voz de Guida.
-Tem outras pessoas que precisam do banheiro!
Não ligou, ensaboou-se sem pressa.
Mais batidas.
"Vai dormir... caramba.", pensou enquanto pegava o shampoo.
-Espero que não esteja fazendo nada indecente aí!
Ele abriu os olhos, quase riu, então a espuma fez seus olhos arderem.
-Que m****!- disse tentando afastar a espuma dos olhos.
Saiu irritado, vestindo apenas as enormes calças jeans desbotadas e velhas do primo, encarando Guida, enxugando os cabelos.
-O que estava aprontando?
-Eu estava tomando um banho... sabe, é bom de vez em quando....
Ela entrou esbarrando nele, ainda lançou um olhar sério.
-Sei... e esses olhos vermelhos... enganando esses dois... você não me engana.
Fechou a porta na cara dele, sem dar tempo para ele dar uma resposta, ele entrou no quarto, enrolou a camiseta na cintura calçou o chinelo e deixou o shorts em cima da cama desarrumada e desceu em direção a cozinha, Petúnia arrumava a mesa, trocaram um olhar, ela desviou os olhos rapidamente para os talheres na mesa:
-Vou demorar... o café não está pronto.
Ela não queria sua companhia, ele virou-se para a sala.
-Está bem... bom dia.
Mas foi até a entrada da casa, pegar o sol nos degraus da frente, para secar o cabelo.

Na porta, as cartas, deixou-as no balcão do corredor, sentou-se calmamente no degrau da porta, olhando a rua dos Alfeneiros despertar, sentindo como estava quente apesar de cedo, escutou o ronco, seus olhos miraram a direita, era a moto da filha mais jovem da vizinha, que segundo sua Tia era tão perdida quanto a irmã "que já era problemática no tempo que o dudinha tinha um aninho...", a moça de vinte e três anos apareceu, sorriu assim que o viu, voltou a acenar para ele em convite, ele sorriu de volta "se eu pudesse sair... iria dar uma volta com ela sim... mas não posso.", apenas balançou a cabeça, ela deu um risinho e saiu acelerando, ela o convidara com a cabeça desde a primeira vez que o viu, era uma garota muito interessante, cabelo descolorido pela metade, brinco na sobrancelha, vestindo roupas tão exóticas quanto as vestes que já vira alguns bruxos usarem... parecera muito interessada nele, mais nunca tivera a oportunidade de conversar com ela, o que uma garota trouxa de vinte e três anos fazia da vida? Ela parecia muito feliz, principalmente em provocar e chamar a atenção da vizinhança, ele olhou a moto dobrar a esquina, e se ele aparecesse com a moto que herdara de Sirius... ela ia babar em cima, com certeza, escutou um farfalhar de asas, devia ser Edwiges na ginástica matutina, sorriu e entrou vestindo a camiseta larga sem mangas, ele mesmo cortara depois de achar que pareciam grandes demais, estava cansado de dobrar as roupas.
Guida e Duda já estavam comendo, ambos suarentos nas roupas alinhadas assim como a tia, para não causar cenas ele foi até a sala, isso acontecia desde que Guida chegara, os tios reclamaram que cinco na mesa era muito apertado, ele entendera o recado, esperava, era melhor comer sozinho, evitava brigas desnecessárias, o tio estava assistindo o jornal da TV a cabo, se abanando com uma revista e suspirou contrafeito quando ele se sentou, mas ficaram em silêncio, intolerância mútua, estaria tudo normal se não fosse o estranho sorriso do tio, algo o deixara de bom humor... talvez o mercado de brocas estivesse em alta.

Duda e Guida se despediram, iriam ao shopping, iam ao cinema, ver lojas, fazer lanches, Guida ainda lhe reservou aquele olhar que dava desde sua infância... desafiando-o a perguntar por que não fora convidado.

Enquanto seu tio os acompanhava até a porta ele se levantou e foi comer, sua tia retirando os pratos sujos,pensou em esperar ela sair, mas uma pontada de fome o fez mandar a bondade para com ela para o espaço, sentou-se e pegou uma das torradas e ia pegar a geleia quando o tio entrou:
-Então moleque sabe o que é isso?- ele disse sorridente com um pergaminho na mão.
-Não, além de que deve ser uma correspondência minha...
-Há.- disse o tio alegremente olhando para a mulher.- Escute...
Harry pressentiu algo ruim com aquela alegria toda, o barulho de asas que ouvira devia ser da coruja que entregara aquilo... o tio já começara a ler:

"Prezado Senhor Potter,
Em virtude de seus recém completos dezessete anos, informamos que está livre da restrições impostas aos ... menores de idade...

Era verdade, tinha passado seu aniversário... a presença de Guida o distraíra, mas não recebera nada de seus amigos, será que acontecera algo com eles?

... mesmo assim pedimos que venha acertar seus documentos no Ministério da ... dentro de uma semana a partir dessa data... blá blá blá... apesar de sua maioridade, deve respeitar as leis que regulamentam o uso de... "

-Entendeu Moleque?- disse o tio com imensa expressão de felicidade.
-Claro que entendi.- ele disse retornando de seus temores.
-Ótimo, então nos entendemos...
Harry não via aquela expressão na cara do tio desde que eles tinham descoberto que ele não podia usar magia, por ser menor de idade, ele falou ainda com a torrada pendurada na mão:
-Nos entendemos em quê?
-Que você é adulto, um... deles adulto.- disse balançando o papel.
-E daí?- ele já imaginava o que ia acontecer...
Mas foi a Tia que falou, furiosamente:
-Fizemos a nossa parte! Agora acabou! Você vai embora! AGORA!!!

Harry ficou olhando os dois, mal percebera que a torrada se espatifara no prato, mas ela continuou, como tinha feito naquela cabana a seis anos atrás.
-Aceitamos você, cuidamos, alimentamos, aturamos, eu aturei essa sua cara por dezesseis anos! CHEGA!!! Vá embora! Acabou aqui, aceitamos cuidar até ficar adulto! Fiz minha parte, quero sossego! Antes que aquelas coisas venham atrás de nós!!! VAI!!! AGORA!!!
Ele mal reparou que o tio estava ao seu lado, puxando-o violentamente pelo braço.
-Entendeu moleque, vai embora agora.
-Como?- foi a primeira coisa que lhe escapou dos lábios.
Petunia soltou um grunhido de insatisfação:
-Eu sempre soube que você era um estorvo! Uma desgraça! Soube assim que bati os olhos em você naqueles panos imundos em que te abandonaram!!! Mas não, fiquei com PENA!!!
O tio o largou e saiu alegremente para a sala, ou talvez ele estivesse subindo a escada, Harry estava muito chocado para raciocinar...
-Eu devia saber que era desperdício de tempo!!! Você ia seguir o caminho deles, é só olhar essa sua cara!!!- ela se aproximou, olhar furioso.- Cópia daquele... dele! Igualzinho! Cópia de cima abaixo!!!Só podia dar nisso!!! MAS ACABOU!!! FINALMENTE!!!
Ele só sabia que não entendia porque estava escutando aquilo, quer dizer, ele estava sem reação... apenas chocado, pensou ter escutado algo no andar superior.
-Soube que seria assim!!! SABE?! Sempre soube que estava condenado... que era desperdício de tempo, você está morto, é questão de tempo, e vai acabar que nem ele!!! Levando mais umas boas pessoas com você!!! Igual a minha irmã! É só olhar para essa sua cara!!!
-PÁRA DE FALAR ASSIM COMIGO!!!- ele berrou.
-CALA A BOCA!!!- ela estava muito perto dele, o olhou no fundo dos olhos...-Você não é nada meu para falar assim comigo!!! Eu nego o sangue!!!SAIA!!! Saia da minha casa! SUA COISA!!! CHEGA!!! VAI!!!
Ele deu um passo para trás, coração acelerado, agora sabia onde o tio estava, haviam coisas sendo arrastadas onde era seu quarto, virou ás costas a tia e correu, subiu as escadas rápido, o tio jogava suas coisas para fora do quarto, roupas, livros...
-Espere!
-Chega moleque... caminho da rua... finalmente.- ele falou alegremente.
Não podia se aproximar, suas coisas estavam sendo atiradas, dois livros pesados o acertaram na altura do joelho, pensou em puxar a varinha e fazer algo, mas iria se encrencar se a primeira coisa que fizesse como adulto fosse azarar os próprios tios trouxas... escutou a tia subindo a escada, teve uma atitude desesperada, correu e entrou no quarto de Duda trancando a porta, foi até a janela.
-Edwiges!!! Edwiges!!!
O tio começou a esmurrar a porta.
A coruja parecia furiosa, Harry pegou o primeiro papel e caneta que encontrou rabiscou :

"estou sendo expulso de casa, preciso de instruções."

-Leva para a Ordem o mais rápido que puder... por favor, o mais rápido que puder!
A coruja nem titubeou prendeu o papel com força no bico e voou rápido desaparecendo de vista...

Até porque esse era o grande problema, afinal ir por ir ele bem que desejara.... ou não, estava mortalmente confuso e sim, magoado... estava sendo escorraçado como um cão.

Mas acima de tudo, de dor, de mágoa, de raiva, ele sabia que por a cara fora daquela casa sem planejamento seria a morte certa, pois Voldmort o estava vigiando. Dumbledore explicara isso, "Seja paciente, só mais essa vez..." ele com certeza não esperava que os Dursleys levariam sua maioridade a esse ponto, de o expulsarem no dia em que fazia aniversário... belo presente, ele pensou amargo, nunca havia ouvido um feliz aniversário deles em dezesseis anos... e agora as palavras da tia martelavam em seus ouvidos, não merecia... era muito injusto.
A porta do quarto de Duda desabou com o peso do tio vermelho como uma beterraba.
-Não adianta se esconder, é definitivo!- ele agarrou-o pelo braço.
Pela primeira vez sentiu que o aperto no seu braço era realmente forte, Válter o arrastou até a escada, suas coisas jogadas no corredor, tinham sido jogadas escada abaixo, ele viu com raiva o álbum com as fotos de seus pais jogado e meio torto, aberto, arremessado com o resto de seus pertences.
-Parem com isso!- protestou.
-Nem pense moleque acabou! É rua!
-Eu...
-Vá embora...- disse a tia.
-Eu não posso sair assim!
-A alguns anos você bem que queria ir!!!
-Vocês sabem que as coisas mudaram!!!
-Não venha com desculpas.- disse o tio ainda o empurrando pelo braço.
Mal sentiu o chão lhe faltar aos pés, pois estava olhando a bagunça de suas coisas, caiu pela escada, parando sentado no chão, escutou o crack! de alguém aparatando nas suas costas no momento em que caía, estava perdido, olhando os tios furiosos lá no andar de cima, e completamente consciente que alguém olhava a cena das suas costas, escutou com alívio a voz de Lupin:
-O que diabos está havendo aqui?!
Escutou mais um crack! Implorou mentalmente que não aparecesse mais ninguém... porque era muito humilhante, era isso, ele se sentia humilhado ali, no chão, com tudo que era seu espalhado a sua volta. Escutou Petúnia gritar:
-Levem ele embora! Fizemos nossa parte! Ele é adulto! Vai embora!!!
-Parem com isso!- foi Thonks que gritou. -Calem a boca! Vocês não podem...
-É isso sim!!!- gritou Válter.- Vocês não podem nos obrigar mais!!! Levem ele embora!
-CHEGA!!!- ele gritou, ou a alma dele gritou, virou devagar o rosto e viu Lupin, ele parecia furioso, e isso era raro.- Acabou Lupin, é assim... eu vou.- tentou não transparecer mas sabia que a mágoa era óbvia na sua voz.
-Levante Harry.- disse Thonks o ajudando a levantar.
O silêncio reinou quando ele olhava as coisas espalhadas, ele mesmo disse:
-Arrumar malas.
-Você não pode sair Harry.- disse Lupin. -Dumbledore...- ele falou mais alto, olhando os Dursleys.
-Por favor Lupin...- interrompeu.- Não dá mais...
-Isso! Vá embora!-disse Petúnia.
Harry apenas engoliu seco.
-Não podemos levar, você agora...-disse Thonks calmamente.- Ninguém está sabendo disso... só estávamos nós dois na sede.
Harry olhou deles para os tios, Petúnia e Válter tinham planejado sua expulsão, era óbvio, por isso Duda e Guida tinham saído.
-Eu não vou ficar...-disse sério.- Eu não agüento mais...
Thonks o olhava com pena. Lupin se adiantou:
-Deixem ele ficar até a tarde... viremos...
-NÃO!!!-berraram os dois.- Já fizemos o favor de não jogá-lo pra fora de noite!!! -completou Válter.
-Vá embora! Chega! Minha obrigação acaba aqui!- disse Petúnia.
-Seus... -Lupin ergueu a varinha.
-Não.- disse Thonks segurando a mão de Lupin, olhando Harry.
Ele estava perdido... só isso, como sempre que isso acontecia, ele começou a ficar calmo, apenas olhava a cara transtornada dos tios... olhou para Lupin.
-Não dá para eu ficar na sede?
-Claro Harry, mas para ir até lá... precisa mais gente, você conhece a situação, e sair voando... nem pensar.
-Mas se fossemos na casa da Figg? Ela tem uma lareira, não tem?
-A Figg não... talvez.-disse Thonks desaparatando.
Petúnia gritou:
-Anda vai!- se virou e entrou corredor a dentro.
Harry e Lupin ficaram ali em silêncio, Lupin alternado o olhar entre Harry e Válter, Harry não conseguia mais erguer a cabeça, estava olhando o malão pronto, a gaiola amassada, e a Firebolt, felizmente intacta.
Thonks aparatou ali e sorriu:
-Tudo ok, vamos até a casa da Figg... acho que é seguro se formos rapidamente.
Lupin ainda ficou pensativo, mas olhou a casa e então falou:
-É vamos sim, venha Harry.
Harry os acompanhou, com a gaiola na mão, Thonks encolheu o malão e a vassoura, para que não chamassem atenção, Harry mancava, a queda da escada tinha sido feia...
Por mais que quisessem ir embora rapidamente, por mais que ele tenha desejado ir embora, ele nunca pensou que seria daquele jeito, tentou, em vão, não olhar para trás...

O número quatro da rua dos Alfeneiros ainda era a mesma onde dezesseis anos antes um certo gato se sentara olhando a casa dos Dursleys naquele mesmo horário, e finalmente, para os Dursleys, aquilo havia acabado, naquele dia, aquele que fora deixado sozinho ainda bebê naquela porta estava sendo levado embora...

Mas Harry, que sempre pensara que deixar a casa dos Dursleys seria uma benção, sentia uma estranha sensação de tristeza no peito, acabou se virando para ver a casa, apenas para compreender dolorosamente que acabara de ser expulso do único lar, da única família que conhecera... os tios estavam olhando pela janela do segundo andar, viraram as costas e fecharam a janela, pareciam confirmar um fato que agora pesava muito, era orfão... sempre fora... que nunca tinha sido amado naquele lugar... isso lhe deu forças, para virar as costas e ir.

"Sou adulto agora... não preciso deles..."

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