Entendimentos
Severo Snape não sabia se tinha feito o certo. Sabia que podia pôr tudo a perder deixando-a saber, mas ver que o ódio dela se dissipara de repente – pelo menos um pouco – o deixava até mais leve.
Não forçaria nada agora. Era o único ponto que lamentava: não poderia mais nem dar um simples beijo nela, sob a desculpa de manter as aparências. Não havia mais aparências a serem mantidas.
Por outro lado, agora seria mais fácil encaminhar as suas informações. Era só mandá-las direto para Dumbledore. Além disso, com Hermione lá, ela poderia servir de intermediária. Caso Dumbledore não tivesse como responder, ela responderia.
Ao mesmo tempo, queria dizer algo para ela, qualquer forma de manifestar desculpas. Ainda assim, não tinha o que fazer. Mesmo que não o odiasse mais, certamente ainda teria nojo dele. Não havia a menor chance contra o santo Potter, ou contra qualquer um dos heroizinhos de história que a cercavam. Sabia disso. E não ia forçar nada. Pelo menos, não pretendia forçar nada.
What I really meant to say
O que eu realmente queria dizer
Is I’m sorry for the way I am
É que lamento pelo jeito que eu sou
I never meant to be so cold
Eu nunca quis ser tão frio
Hermione ainda andava pela orla da floresta. Olhava em volta e pensava. Pelo menos eu não me senti atraída por um comensal, só por um filho da mãe que não é capaz de sentir merda nenhuma. O pensamento não a deixava mais feliz, mas um pouco aliviada. Tinha medo do que Snape poderia fazer se fosse mesmo um comensal da morte.
Em contrapartida, não podia deixar de sentir algo bem parecido com pena. Ela odiava sentir aquilo, mas sentia. Snape não tinha perspectiva de vida. Ele era espião para Dumbledore, quando todos pensavam que ele era fiel a Voldemort. Todos o caçavam enquanto ele arriscava sua vida para salvá-los. Era assim. Tudo injusto. Ele não estava certo, mas era sua forma de ajudar. A única forma de penetrar a fortaleza de Voldemort. E ele não queria matar! Não tinha piedade, mas não queria matar. Não a deixou ser exposta a todos por Malfoy. Mas que raios ele sentia por ela? Depois de ter visto tudo aquilo, e de ter ouvido o que Dumbledore dissera, ela começava a pensar se Snape não a amava.
A hipótese lhe pareceu ridícula, mas depois considerou que ele não era bem um vilão, era mais um anti-herói.
So when you feel like hope is gone
Então quando você sentir que toda a esperança se foi
Look inside and be strong
Olhe para dentro de si e seja forte
And you finally see the truth
E você finalmente vê a verdade
That a hero lies in you
Que um herói está em você
No Ministério, Bella e Malfoy estavam quase duelando quando Snape chegou.
- Mas que diabos...? – ele começou, e teve que se proteger de um feitiço lançado esporadicamente. – Parem já com isso! Se vocês se matarem, o triunfo do Lorde das Trevas não será completo. Temos que matar o Potter e Dumbledore antes de morrermos, não é?
- Bravo, Severo! – disse Malfoy. – Essa vadia chamada Bellatrix Lestrange passou em todos os quartos, procurando alguma coisa que levasse a crer que temos intenção de trair o Lorde das Trevas. Como se ela tivesse autoridade para fazer isso!
- Eu posso, porque o Lorde das Trevas me mandou – retrucou Bella.
- Se o mestre mandou, está certo – disse Snape. – Por que o pavor, Malfoy, ela achou alguma coisa comprometedora nas suas tralhas?
- Não – vociferou Malfoy. – Mas não quero essa mulher vendo as minhas coisas!
- Ah, Malfoy, esqueça isso – disse Snape. – Ou terá que reclamar com o Lorde das Trevas, já que foi ele que mandou.
- Onde você esteve? – perguntou Malfoy, virando a mesa.
- Não devo explicações a você – disse Snape com rispidez. – Com licença.
Bella sorriu para Malfoy um sorrisinho cínico, de alguém que sai vitorioso de uma disputa.
Dumbledore se livrou de todos os papéis e provas de que Snape estava mesmo ao lado da Ordem, ao contrário do que todos pensavam.
Ouviu baterem à sua porta; ele mandou entrar. Ela Hermione.
- Ah, srta. Granger! Já ouviu o que Severo tinha a dizer?
- Ele é bem esquivo, mas contou tudo – disse Hermione.
- E qual é o problema?
- Ah, diretor, é que eu fui tão... injusta! Eu falei coisas horríveis e...
- Ele provavelmente não se importa; já está acostumado a isso – retrucou Dumbledore calmamente. – Ah, quero que saiba que o objetivo da festa foi alcançado. Severo acaba de me mandar um recado rápido, dizendo que Voldemort quebrou tudo no escritório que ele está ocupando.
Hermione abriu um sorriso e aplaudiu.
- Se eles ficarem fracos entre eles, então ficarão fracos contra nós!
- Concordo, srta. Granger. E Severo disse também que viu Malfoy e Bellatrix prestes a se matarem.
- Isso é bom – disse Hermione. – Quando os funcionários de alto escalão brigam, os subordinados se dividem.
- Você tem raciocínio lógico com essa história de guerra – comentou Dumbledore.
- Mais ou menos... É que prefiro evitar ao máximo as mortes que podem acontecer num confronto entre comensais e Ordem da Fênix. Estou feliz que o senhor está me ouvindo.
- Estou feliz em ouvir você. Ah, o Harry está bem irritado, porque não consegue se lembrar do que fazia na frente da sala de Poções. O que foi que aconteceu exatamente?
- Aconteceu que ele viu o Snape – disse Hermione. – Aí eu fiz ele ficar parado e apaguei a memória dele, lógico.
- Ah, e Severo me disse que você é uma boa oclumente, e que não precisou apagar sua memória.
- É, mas o senhor já sabia disso, não? –perguntou Hermione com um sorriso.
Dumbledore apenas sorriu em resposta.
- Parece também que Voldemort vai uns dias para o outro lado do país e que ele dispensou Severo. Deixou Malfoy no comando de tudo.
- Por Merlin, Malfoy! – exclamou Hermione. – Ele... ele...
- Vai dar passos maiores que as próprias pernas, como sempre – disse Dumbledore calmamente. – E Severo, aproveitando a dispensa, virá para cá. Terá um quarto nas masmorras, mas não poderá sair enquanto for dia.
- E quanto tempo Voldemort vai ficar fora? – perguntou Hermione.
- Ainda não é certo, mas pelo menos umas duas semanas – disse Dumbledore. – Acho que é tempo suficiente para armarmos um ataque surpresa.
- Não sei... Bom, se Snape vai estar aqui, acho que ele poderá dizer quando é a melhor época para atacar – disse Hermione.
- Ah, tem um detalhe.
- Qual? – perguntou a garota.
- Severo não terá muita distração; ele gostaria de sua companhia para jantar e nos fins de semana em que ele estiver aqui – disse Dumbledore com um risinho divertido.
Hermione ficou séria.
- Ele é bem covarde – ela disse. – Jogo sujo dizer para o senhor me pedir isso...
- Bom, ele não vai te fazer mal nenhum, não vejo por que não fazer uma boa ação a alguém que nos é tão fiel...
Hermione suspirou.
- Sei... Vou ter uma conversinha com ele sobre isso. Bom, licença, professor, vou ver como o Harry tá.
- Ah, é, acho que ele vai ficar feliz.
A jovem saiu da diretoria e foi procurar o amigo. Trombou com Rony no meio do caminho.
- Ah, oi, Rony – ela disse. – Viu o Harry?
- Vi sim – disse Rony, sério. – Ele tá por aí, pensando em alguma coisa que não quer me dizer o que é. Mas por que a preocupação com o Harry? Eu queria falar com você... sobre nós dois...
Ih, dá um tempo, moleque, ela pensou. Tem um homem de verdade atrás de mim e você acha que eu vou dar bola pra um pirralho burro como você?
Ela logo se recriminou por esse pensamento. Rony era seu amigo, fora seu primeiro amor, por assim dizer, mas a infantilidade dele já começava a irritá-la.
- Olha, Ronald, não tenho tempo agora – disse Hermione. – Tenho um monte de coisas pra fazer. Depois a gente se fala, tá?
Ela seguiu o mais depressa que pôde pelo corredor, sentindo o olhar de Rony fulminá-la.
E pensar que, se fosse no ano passado, eu estaria nas nuvens depois dessa, pensou Hermione, com um sorriso divertido. Estava achando graça da própria situação. Como eu era ridícula!
Continuou andando pelo corredor, ainda achando muito engraçado. Depois começou a pensar no que Dumbledore dissera. Severo não terá muita distração; ele gostaria de sua companhia para jantar e nos fins de semana em que ele estiver aqui. Ela imaginava que espécie de distração Snape poderia estar querendo, mas considerou que, se Snape não fizera quase nada enquanto fingia ser fiel a Voldemort, não faria nada agora, que ela sabia que ele era fiel à Ordem.
De repente, ocorreu a ela que aquelas supostas provas poderiam ser forjadas, para que Snape pudesse voltar a vigiar a Ordem para Voldemort. Essa perspectiva não era de modo algum improvável. Era impossível saber de que lado Snape realmente estava. Talvez ele estivesse do lado dele mesmo.
Coitado, ainda assim recebe desconfiança dos que defende, ela pensou. A possibilidade de Snape servir à Ordem era a mesma dele servir a Voldemort. Isso a assustava, mas, de algum modo, despertava seu interesse, sua curiosidade. Snape estava no limite entre a luz e as trevas; isso era muito... interessante.
Hermione sacudiu a cabeça. O que está acontecendo com você, sua tonta? Ela estava mesmo diferente. Snape dissera isso, e era verdade.
A semana se passou. Os alunos ainda falavam do baile da Primavera e de seus resultados. Eric Oxford ainda vinha atrás de Hermione sob a desculpa de falar qualquer coisa, mesmo sem importância. Às vezes queria pedir a opinião dela a respeito de alguma redação, às vezes queria comentar algum fato qualquer.
Hermione sabia bem o que isso queria dizer, e se perguntou se aquilo não era uma grande ironia: um sangue-puro sonserino apaixonando-se por uma nascida-trouxa grifinória. Mas ela não via problema nisso. Gostava de Eric, achava-o muito agradável e divertido. Mesmo suas falas preconceituosas eram engraçadas.
Harry e Rony ficaram na escola por quase dois meses, estudando. Mas então Harry disse que ia ter que procurar um dos dois últimos horcruxes, e ele e Rony foram, para desaparecer sem deixar notícias de novo. Snape, durante esses dois meses, não apareceu em Hogwarts, apenas mandou recados muito bem codificados que só Dumbledore entendia direito. O diretor sempre chamava Hermione para mostrar tudo a ela, e a garota não entendia, pois Dumbledore sempre mostrava tudo a Harry.
Claro, se Harry não estava, o diretor teria que compartilhar o que sabia com alguém, mas Hermione duvidava que Dumbledore dissesse tudo o que sabia.
Até que numa sexta-feira, Dumbledore novamente chamou Hermione a seu escritório, depois do jantar. Bem imaginando que se tratava de mais uma mensagem misteriosa de Snape, ela foi até lá.
- Ah, olá, srta. Granger – disse Dumbledore, ao vê-la entrar. – Sente-se.
Hermione sentou-se. O assunto parecia ser importante.
- O que foi? – perguntou Hermione. – O Snape já descobriu um jeito de mandar o Voldemort pra casa do chapéu?
- Receio que não – disse Dumbledore. – Lembra há dois meses, quando eu te disse que Voldemort ia viajar para o outro lado do país?
- Lembro.
- Então, ele vai hoje à noite, daqui a umas duas horas, para ver se consegue mais aliados por lá... O Severo disse que virá para cá amanhã de manhã – disse Dumbledore. – Temos que dar um jeito de deixá-lo entrar no quarto dele sem ser visto.
- E em que eu entro nisso, diretor? – perguntou Hermione.
- Você vai me ajudar a manter os alunos todos num lugar só – disse Dumbledore.
Hermione ficou estática.
- E como eu vou fazer isso, exatamente?
- Bom, srta. Granger, isso é algo que vou deixar para você pensar – disse Dumbledore muito calmamente. – Só não se esqueça que, se você falhar, teremos problemas com Snape. Todos vão achar que estou caducando em ajudá-lo.
Às vezes também penso isso, suspirou Hermione, um pouco cabisbaixa. Ela pediu licença e foi para seu quarto. Tinha que pensar num jeito de atrair a atenção de todos os alunos de Hogwarts para que Snape pudesse entrar no castelo em segurança. Loucura. Seu cérebro gritava loucura, e mesmo assim ela faria o que parecia certo. Não parecia certo, mas parecia ao mesmo tempo. Na verdade, ela já não sabia mais o que era certo e o que era errado. Snape tinha o dom de confundi-la.
Era manhã em Hogwarts, e o salão principal contava com a presença de todos os alunos e seus professores. Dumbledore olhou para Hermione, esperando para ver o que ela ia fazer.
A garota ensaiou um sorriso. Já tinha pensado em três ou quatro possibilidades, e ia começar com uma que a faria pagar o mico do ano. Teria que ser uma boa atriz.
Ela respirou fundo e fechou os olhos. Ficou com eles fechados até ouvir alguns comentários a respeito dela. Ouviu Gina sacudi-la, mas continuou no mesmo estado. Sentiu que vários olhos a observavam agora. Era a hora certa. Abriu os olhos de uma vez só, mas não olhou para quem estava na sua frente; e sim para um ponto no nada. Era como se ela estivesse em transe.
Quando ela abriu os olhos daquele jeito, tão subitamente, os amigos que a cercavam pularam para trás.
- Mione, você tá bem? – perguntou Gina, pondo-se na frente da visão dela.
Merda, Gina, assim fica difícil não olhar para você!
Mas mesmo assim Hermione parecia não ver. Aquilo preocupou os amigos. Rapidamente, várias pessoas a mais se juntaram. Até mesmo alguns professores começaram a cercá-la. Já estava na hora da próxima fase.
Hermione levantou-se; a rodinha que a cercava abriu-se. Ela levantou-se e foi andando como se estivesse em transe. Andava em perfeita linha reta, olhando para frente, mas parecia não ver nada.
- Mione! – gritou Gina, tentando impedi-la.
Gina voou longe e bateu em algumas cadeiras.
Me desculpe, Gina, mas estou possuída por Voldemort, pensou Hermione, esforçando-se para continuar representando e não cair na gargalhada.
Ela andou para fora do salão, sendo seguida por vários alunos e alguns professores. Minerva tentava pará-la; lançava alguns feitiços, mas Hermione bloqueava todos. Continuou andando.
Dumbledore viu-se sozinho no salão principal. Vai lá, Granger, você consegue. Ele levantou-se rápido e foi o mais depressa possível para a entrada do castelo em que Snape já se encontrava.
Enquanto isso, os jovens de Hogwarts seguiam Hermione, tentavam pará-la, mas ela continuava andando, sem rumo.
- Para onde ela está indo? – perguntou o professor Flitwick. – Ela está bloqueando os meus feitiços! Deve estar sendo induzida por alguém!
- Oh, Flitwick, reze para que não seja isso! – exclamou a professora McGonagall apavorada. – Onde está o Alvo?
Hermione ia e várias pessoas se jogavam na frente dela, faziam caretas, deitavam no chão, se contorciam e faziam palhaçadas. Ela queria rir, mas não podia. Iria tudo por água abaixo se o fizesse. Tinha que arrumar uma saída. Tinha que pensar em outra coisa. Não podia continuar enxergando o mundo exterior. Pensou em Snape. Começou a se lembrar da noite no Ministério, desta vez pensando em um homem apaixonado que ocultava seus sentimentos e não em um comensal desprezível. Achou que poderia gostar daquilo.
Então ela finalmente viu o que queria: a saída para aquela brincadeira. Torcia para que Snape tivesse tido tempo para ir ao quarto, porque era o máximo de tempo que ela poderia continuar bloqueando feitiços de professores poderosos. Ela andou mais e mais.
- Está indo para o lago! – gritou Cho Chang apavorada.
- Impeçam-na! – gritou a professora Sprout.
- Isso é coisa do Voldemort! – exclamou Gina.
- Ou do maldito Snape – murmurou Eric, com os dentes cerrados.
Hermione continuou andando.
Várias pessoas tentavam pará-la agora, e ela as fez voar. Segurava a varinha numa das mãos e tinha que fazer feitiços não-verbais.
Snape, seu filho da mãe, se você voltar a me tratar mal um dia, juro que te mato!, ela pensou. Continuou andando e lançando longe seus amigos, tomando cuidado para que nenhum deles se machucasse além do necessário.
O lago estava muito mais perto agora: ela o via.
Não olhe, não olhe, ela pensou. Não grite, essa água tá gelada, mas não grite quando cair.
Ela andou, ainda olhando para um ponto no nada à sua frente, e finalmente caiu no lago. Sentiu a água gelada ao redor dela tentando roubar o calor da sua superfície.
Hermione resistiu à tentação de voltar à superfície e respirar. Tinha que ficar lá muito tempo e enfim voltar à superfície desmaiada. Mas não foi preciso. Viu alguém que entrara no lago atrás dela. Tudo o que pensou foi em desmaiar – aos olhos de seu salvador.
Sentiu-se puxada para fora da água, sentiu alguém a deitar no chão e sentiu uma boca na sua, forçando ar para dentro. Ela cuspiu água sem saber como tinha conseguido aquele efeito. Então abriu os olhos e olhou em volta. Seu salvador era um sonserino sangue-puro e chamava-se Eric.
- Eu não acreditava em super-heróis – ela murmurou.
Ele ajudou-a a sentar-se e ela, muito falsamente, levou as mãos à cabeça.
- Como caí no lago? – ela perguntou.
- Não sabemos – disse a professora McGonagall, aproximando-se. – Você não sabe? Até onde se lembra?
- Ah, lembro que eu estava no salão principal, então senti uma dor de cabeça muito forte – disse Hermione, simulando perfeitamente abatimento. – E só acordei agora...
Ela envolveu o próprio corpo com os braços, pois estava sentindo frio. Sentiu uma capa sobre seus ombros e olhou para ver quem era: Eric.
Cara, tem um sonserino dando em cima de mim, ela pensou, querendo rir, mas se controlando.
Ele ajudou-a a se levantar.
- Vamos, Granger, o diretor quer falar com você – disse Minerva. – Podem ir a seus afazeres.
Hermione envolveu-se melhor com a capa, e até se esqueceu de agradecer ao seu salvador...
Na sala de Dumbledore, Minerva nem entrou; deixou Hermione perto da porta, após se certificar que ela estava bem, e a garota entrou sozinha lá.
Ela bateu à porta e ouviu Dumbledore mandá-la entrar. Entrou e deparou-se com ele e Snape. Sentados à frente da lareira. Ela ficou estática.
- Mas o que está fazendo aqui? – ela perguntou irritada.
- Calma, srta. Granger, ele tem acesso ao quarto dele por uns dois ou três túneis subterrâneos – disse Dumbledore calmamente. – Mas você parece estar precisando dessa lareira mais do que nós. Venha, sente-se conosco.
Hermione sentou-se na poltrona que Dumbledore lhe oferecia – ao lado da dele, quase de frente para Snape. Ela tremia.
- Resolveu tomar banho no caminho, Granger? – perguntou Snape, com um tom de deboche.
Filho de uma p..., ela pensou.
- É, pensei. Mas parece que me enganei; tinha que tomar banho depois que saísse dessa atmosfera infectada.
Ela fulminou Snape com o olhar; ele deu um sorriso no canto da boca.
- Crianças, calma – disse Dumbledore calmamente. – Srta. Granger, ele está apenas te provocando; nós dois vimos o que aconteceu por uma janela mágica, na minha lareira (ô, idéia tosca, me desculpem, galerinha). Sua atuação foi ótima.
- Obrigada – disse Hermione, séria, esforçando-se para sorrir. – Mas o que o senhor quer comigo? Já cumpri meu papel, pensei que pudesse ir fazer alguma outra coisa agora, já que tenho NIEMs esse ano e...
- Severo quer sua ajuda para preparar algumas poções – interrompeu Dumbledore.
Ela fez uma mesura. Eu mereço esse castigo mesmo?
- Que poção?
- Várias delas, Granger. Algumas que caem nos seus NIEMs, então estará estudando, de certa forma – disse Snape naquele tom letal.
Desgraçado!
Snape olhou para o casaco dela, muito interessado.
- Usando vestes da Sonserina... – ele fez que não com a cabeça. – Aonde é que esse mundo vai parar?
Hermione mordeu o lábio inferior.
- Bloqueei três feitiços da McGonagall e sete do Flitwick, Snape, e estou de mau humor – ela disse. – Cuidado.
Snape permitiu-se um de seus sorrisos debochados. Irritá-la costumava ser seu esporte preferido.
- Vou me trocar e devolver o casaco ao Oxford – disse Hermione levantando-se. – Que horas tenho que ir a... ao seu quarto?
Só então entendera que o único lugar onde Snape poderia ficar com segurança era o quarto dele.
- Calma, Granger, há uma separação entre meu quarto e meu laboratório – disse Snape, fazendo uma boa idéia do que ela estava pensando.
- Ah... tá – ela disse, mais aliviada.
- Então... que horas tenho que ir lá?
- O mais cedo possível – retrucou Snape. – Não posso perder tempo, e não tenho como fazer poção nenhuma lá no Ministério. Tenho duas semanas para uma lista impressionante.
Hermione assentiu. Pediu licença ao diretor e saiu.
- Cuidado, Severo, parece que ela está muito irritada – comentou Dumbledore.
Tensão Pré-Menstrual, pensou Snape, achando graça.
- Bom, vou preparar meu laboratório, Dumbledore – disse Snape levantando-se.
- Boa sorte – disse Dumbledore. – Porque você vai precisar.
Hermione foi para seu quarto. Nem via os olhares curiosos que lhe eram lançados, nem ouvia os comentários que faziam. Queria torcer o pescoço de Snape, quebrar aquele narigão dele a murros...
Ando muito agressiva, ela pensou. Agressiva demais.
Chegou finalmente a seu quarto e, ao tirar o casaco de Eric, viu um pequeno pergaminho no bolso.
Será que é importante? Ela pegou o pergaminho. Se for, ele pode ter problemas e... Mas o que ela leu a deixou espantada.
Granger, quero falar com você. Depois do jantar na biblioteca pode ser? Responda na hora do chá das cinco.
- Mais essa! – ela exclamou.
Tá bom, você é muito fofo, mas será que não pode me livrar dessa encrenca? Hermione ponderou. Teria que jantar com Snape. Não que não preferisse a companhia agradável de Eric, mas entre o que queria e o que tinha que fazer, não havia muita escolha.
Ela suspirou e foi tomar banho. Entrar no lago não era agradável. Entrar no lago gelado, menos ainda. Respiração boca-a-boca muito eficiente, pensou ela, com um sorrisinho divertido.
Entrou no chuveiro quente e lembrou-se de que ia encontrar Snape. Enquanto tomava seu banho, não podia se esquecer dos comentários ferinos dele. Grosso, não vai chamar a minha atenção assim, se é que você se importa com isso.
Terminou de tomar banho e decidiu que não queria usar suas roupas habituais. Pegou uma camiseta grande e branca e uma calça jeans velha. Assim está melhor.
Ela se vestiu rápido e, pegando o casaco de Eric, correu para a porta. Torcia para não ter que procurar muito; não queria dar motivos para Snape reclamar de seu atraso.
Desceu até as masmorras, sem encontrar Eric, mas não queria se desviar de seu caminho. Estava já na frente da antiga sala de Snape quando deu de cara com Eric.
- Ah... Oxford... Você por aqui?! – ela pareceu desconcertada.
- E o que você faz por aqui? – perguntou o garoto curioso.
- Ahn... – ela se lembrou do casaco e disse: - Eu tava te procurando. Perguntei pra um monte de gente onde você tava, e nem lembro quem me disse que tinha te visto vindo pra cá. Seu casaco. Obrigada... você... ahn... salvou minha vida.
Mentirosa, pensou Hermione.
- Ah... – ele disse, pegando o casaco que ela lhe estendia. – Bom... então... Sabe, Granger eu...
Ai, caramba, estou meio sem tempo agora.
- Eu sou sonserino e... Sabe, minhas boas ações em geral são mentirosas e têm um fundo de interesse, então...
Ele se aproximou; ela recuou um pouco.
Merda, merda, merda, ele vai me beijar em território de Snape... Perigo, perigo, perigo... Alerta vermelho... Todas as unidades, socorro!
- Que foi, Granger? Algum problema comigo? – ele perguntou, ainda se aproximando. – Sei que vocês grifinórios acham que todos os sonserinos são cruéis e sei lá mais o que, mas essa impressão é muito errada. Queria que você soubesse que nem todos os sonserinos ligam pra esse negócio de sangue...
Ela não tinha mais como recuar: a parede não deixava. Eric era persistente: o lendário orgulho sonserino. Ele a puxou para si a beijou. Hermione respondeu. Não era apaixonada por ele mas não tinha nada contra. Ele era até legal.
Quando se desvencilharam, ela o olhou e disse:
- Olha, Oxford, eu te acho um cara legal... Não tenho nada contra sonserinos, sério mesmo, mas é que... Sei lá, estou meio ocupada agora e... Podemos nos falar depois do jantar, como você tinha me proposto?
Eric disse:
- Ta´bom... Vou te esperar na Torre de Astronomia, tá bom?
Safado!, pensou Hermione, pilheriando, permitindo-se um sorriso divertido.
- Tá, tá legal – ela disse, parecendo muito sem graça.
Ele sorriu e disse que estava tudo certo, e se afastou, meio dançando, meio cantarolando.
Homens idiotas, se soubessem que são raríssimas as mulheres que ficam mesmo sem graça!
Ela olhou em volta para ver se achava o lugar onde teria que se encontrar com Snape.
- Eu devia ter perguntado onde ele queria que eu esperasse – considerou Hermione para si mesma.
Ela se sentiu puxada pelo braço para dentro de uma porta que ela não tinha visto antes. Estava tudo escuro; a voz de Snape soou bem perto de seu ouvido.
- Acha bonito me deixar esperando para ficar se agarrando com um colega no corredor, Granger?
Merda, ela pensou.
- Bom, Snape, o que eu faço da minha vida não é problema seu. Além do mais, eu nem sabia que ia encontrar o Oxford no corredor.
As luzes se acenderam aos poucos. Estavam em um lugar parecido com a sala de Poções, mas tinha só uma bancada, muito maior e mais larga que a outra.
Ela olhou em volta.
- Bom, que vamos fazer agora? – ela perguntou, indo para a bancada e começando a olhar os ingredientes e os tipos de caldeirões.
Snape foi até lá.
- Tem uma lista em cima da mesa – ele disse. – Veja as poções que você sabe fazer.
Hermione assentiu e pegou a lista; era um pergaminho de quase um metro. Ela falou dois terços das poções que tinham ali; Snape assentiu satisfeito.
- Podemos começar com a poção do morto-vivo – ele disse.
Snape sentou-se à bancada e começou a pegar os ingredientes; Hermione fez o mesmo. Ela começou a cortar os ingredientes, ignorando os olhares inquisidores que Snape lançava-lhe de vez em quando.
Cortou tudo com perfeição, mas sabia que Snape ia querer ver. Ele se levantou e foi para o lado dela. Olhou tudo e disse:
- Está certo por enquanto; pode começar a cozinhar.
Hermione assentiu e obedeceu. Ouviu Snape dizer:
- A propósito, Granger, o seu bolo do Baile de Primavera estava ótimo.
Ela olhou-o e riu uma risada divertida.
- Onde está Severo Snape? – ela perguntou, com um sorriso amistoso.
Snape não respondeu. Aquele sorriso tinha poder sobre ele. Ele nunca o vira ao vivo, até ali. Ele só sabia que era um sorriso lindo. Ele não imaginou que ela poderia sorrir para ele por causa de um comentário tão simples. Controle-se, homem! Todos aqueles pensamentos passaram por sua cabeça em uma fração de segundo, e ele se recompôs rápido.
- Continue seu trabalho, Granger.
- Aha, você está aí – ela disse, bem humorada. – Parece que fugiu por um momento e me deixou um cara que eu não conhecia.
Snape arqueou a sobrancelha. Aquele jeito espontâneo de tratá-lo também era novidade. O comentário sobre o bolo não soara como uma ironia cruel, por isso ela estava pilheriando.
Hermione cozinhava sua poção, concentrada. Quando terminou a primeira etapa, ela se levantou e foi abrir as janelas.
- Tá ficando quente aqui dentro... Meu cabelo vai ficar todo seboso...
- Ah, conte isso pro seu amigo Potter – disse Snape, visivelmente debochando. – Conte que, se você fica muito tempo cozinhando em cima de caldeirões e vapores o seu cabelo fica seboso, como vocês dizem.
- Ah, está bem! – ela exclamou. – Desculpe. Tá bom assim? Estou sendo educada?
- Nos limites do possível – ele disse.
Snape também terminou sua primeira etapa e afastou-se da bancada para tirar a capa esvoaçante e o sobretudo. Ficou só com uma camisa preta de algodão. Hermione arqueou a sobrancelha, com a expressão de quem acha algo muito estranho.
- Acho que nunca vi você sem sobretudo – ela comentou.
- Viu sim, no Ministério – ele disse.
Hermione corou.
- Olha, eu não tava prestando atenção em nada naquela noite – ela explicou.
- Ah, sim, estava mais preocupada que eu a visse sem nada – disse Snape, voltando ao trabalho.
Hermione corou mais ainda, e decidiu voltar ao trabalho também.
- Não fique constrangida, Granger – ele disse.
- Não posso evitar – ela retrucou.
Trabalharam em silêncio por mais algum tempo, e então ele disse:
- Agora teremos que esperar mais algumas horas. Vamos fazer outra poção.
Hermione assentiu e levantou-se para pegar outro caldeirão.
- Pegue pó de casca de ostra no meu armário – disse ele.
Ela deixou seu caldeirão em cima da bancada e deu a volta no lado dele para ir pegar o que ele dissera no armário, que ficava atrás do lugar dele.
Ela abriu o armário e viu vários vidros com ingredientes dentro.
- Nossa, isso aqui tá em ordem alfabética? – ela perguntou. – Se não estiver, vou demorar uns cinqüenta milhões de anos procurando.
- Na prateleira mais alta, no fundo do canto esquerdo – ele disse, sem sequer olhar para ela.
Hermione olhou. O armário era pelo menos sessenta centímetros mais alto; ela não tinha condições de pegar nada que estivesse na prateleira mais alta.
- Acho melhor você pegar, Snape, antes que eu derrube as suas coisas.
Snape olhou para trás.
- Ah, quase me esqueci que você é bem baixinha – ele comentou, levantando-se.
Hermione cruzou os braços.
- Você me mandou pegar um ingrediente fora de alcance!
- Como você é dramática, Granger – comentou Snape, pegando o vidro sem a menor dificuldade e pondo nas mãos dela. – Também está fora do seu alcance pôr isso em cima da bancada?
Hermione olhou para o vidro e depois para a bancada.
- Hum... não sei, acho que está, hein?
- Crianças... – suspirou Snape.
Ela arqueou a sobrancelha.
- Eu tinha uma resposta legal pra isso, mas vou ficar quietinha – disse Hermione, voltando ao seu lugar.
- Você é cheia de respostas que não quer compartilhar – comentou Snape.
- Não sei se é seguro fazer piadas sujas com você – ela comentou, parecendo bem humorada. – Vai que você leva a sério...
Ela riu de novo e olhou a lista.
- Que poção agora, mestre de Poções? – ela perguntou, sarcástica.
- Veritasserum – ele respondeu, se esforçando para continuar com sua expressão mal humorada. A espontaneidade dela era contagiante.
- Sim, senhor.
Ela separou os ingredientes e começou a cortar o que tinha que ser cortado, enquanto já punha seu caldeirão no fogo.
Snape terminou o que fazia e ficou observando Hermione trabalhar. Ela parecia concentrada, por isso não notou seu olhar. Ele admirava aquele rosto concentrado com o mesmo fascínio que um crítico observa uma obra de arte de perto. Queria poder tocá-la, mas sabia que isso a faria afastar-se e odiá-lo. Parecia que ela esquecera seu ódio por um momento. Parecia que ela se esquecera de quem ele era. Ou será que ele se esquecera?
- Deixe-me ver isso, Granger.
Ele levantou-se e parou ao lado dela outra vez.
- Olhe para a sua poção e diga qual é o problema dela – ele disse, sério, assumindo o olhar grave do professor de Poções.
Hermione olhou-o, incrédula, e lembrou-se do professor Snape, que não aparecia fazia tempo. O professor que ela admirava, mas que sempre a humilhava diante de todos.
Ela olhou para a poção e franziu as sobrancelhas. Não parecia ter nada errado.
- Vamos, Granger, qual é o seu erro? – ele perguntou, muito grave.
Hermione olhou para ele e para a poção.
- N-não sei, Snape... É... a cor?
Snape suspirou.
- Belo chute, Granger, mas não é – ele respondeu, sério. – Para uma receita um, qual deveria ser o volume da sua poção?
Hermione fechou os olhos, achando seu erro:
- Devia ser 370 ml...
- E você pode me dizer qual é o volume da sua poção? – ele perguntou, no mesmo tom profissional.
- É... – ela mediu e disse, estupefata: - 373 ml...
Snape olhou-a e disse:
- Então onde foi que você errou?
Hermione, ainda espantada, disse:
- Acrescentei alguns microgramas de osso calcário mais do que devia.
- Dez pontos para a grifinória – ele ironizou, voltando ao seu lugar.
A garota ainda olhava-o espantada.
- Você tem dificuldades em reparar erros, Granger? Jogue isso fora e comece de novo.
- Ahn... Snape... como você viu um erro de 3 ml nesse caldeirão enorme?
- Nem a piedade de Dumbledore me colocaria no cargo de mestre de Poções de Hogwarts se eu não tivesse competência para isso, Granger – disse Snape sério.
Ele começou a olhar sua poção, enquanto Hermione se dirigia à pia atrás dele para jogar fora sua poção e lavar o caldeirão para poder começar outra.
- O peso em microgramas dá trabalho; a Veritasserum é muito precisa – esclareceu Snape. – Eu posso medir para você. Ou melhor, posso ensinar um jeito fácil para você medir isso.
Ele não se virara para olhá-la, mas Hermione disse que seria bom. Não queria errar de novo.
Quando ela voltou à bancada, Snape levantou-se e ficou em pé ao lado dela.
- Pegue a balança – ele disse.
Ela obedeceu. Ele segurou as mãos dela e guiou-as como se fossem as suas.
- Olhe só, para calibrar a balança para microgramas, é mais fácil você segurar assim, entendeu? Dá para ver melhor a marcas da balança. E sempre, sempre na altura dos olhos. Está conseguindo ver agora?
- Sim – ela disse, fingindo que as mãos de Snape – as mesmas que ainda a deixavam vexada – não estavam segurando as suas daquele jeito tão... possessivo.
- Pronto – ele disse, soltando-a e voltando para o seu lugar.
- Puxa, como você se controla – ela desabafou. – O Dark Lord tava certo...
- E por que você acha que Dumbledore deixou você vir trabalhar comigo? – perguntou Snape, olhando-a com uma quase piedade. – Você acha que ele é um velhinho inocente que não sabe o que se passa na minha cabeça?
- Não, não, de modo algum, eu só...
- Granger, entenda que, para fazer o que eu faço, é necessário ter nervos.
- Imagino – ela murmurou.
- Se o fantasma do que aconteceu no Ministério ainda ronda a sua cabeça, pode mandá-lo embora; aquilo não vai acontecer de novo. Eu não teria feito se soubesse que você era oclumente.
- Eu não queria que Voldemort soubesse – ela disse. – Se soubesse que você estava do lado da Ordem, eu teria te dito.
- A vida é cheia de desencontros – disse Snape, voltando a olhar seu caldeirão.
- É verdade... – ela murmurou, mas havia algo diferente na voz dela que fez Snape olhá-la.
- Está tudo bem, Granger?
- Não – ela disse, olhando para fora pela janela. – Não está nada bem.
Ela suspirou e disse:
- Tenho que ficar aqui depois do jantar?
Snape arqueou a sobrancelha.
- Deveria, mas não vou mantê-la como prisioneira até nas noites dos seus fins de semana. Você vai poder encontrar o Oxford, se é o que a preocupa.
- Na verdade – começou ela, verdadeiramente sem graça, – eu tinha uma esperança de ter uma desculpa par não ir.
Snape olhou-a, um pouco espantado.
- Você não quer ir?
- Ahn... não – ela disse, muito envergonhada por estar falando de algo tão íntimo justo a Snape. – É que... não estou muito certa de querer ir à torre de astronomia com ele... Ainda mais sabendo que... acho que ouvi Dumbledore dizer que ia a Londres hoje à noite...
Hermione corou até a raiz dos cabelos. Snape deu um sorriso cínico.
- Certo, você tem medo de ficar sozinha com ele – ele disse.
- Olha, Snape, eu já disse que medo não é bem o meu problema – ela disse, um pouco irritada.
- Qual seria o problema de Hermione Granger? – ele perguntou, com aquele sarcasmo cruel.
Hermione respirou fundo e olhou para seu caldeirão. Não ia responder às provocações dele.
- Está certo, estou sendo irritante – disse Snape, irônico. – Mas, se o seu problema é não querer aparecer, pode jantar comigo, aqui.
Ela fez uma careta.
- Parece que nenhuma das suas opções a agrada, Granger – ele comentou.
- Não, mas se eu tiver que escolher, acho que prefiro ficar por aqui.
- Eu gostaria de saber o que você está pensando que aquele moleque pode fazer, para aceitar uma alternativa como essa que está aceitando – comentou Snape. – Jantar comigo nas masmorras ainda é melhor que ir visitar a torre de astronomia sozinha com o garoto que te salvou do lago.
Hermione ficou séria.
- Não gosto de dar fora em ninguém.
- Então você foge – resumiu Snape, apenas para provocá-la.
- Encare como quiser – disse Hermione, fechando a cara.
- Ah, não, volte a rir, estava tão interessante ver você rir ao vivo – ele pediu, e não parecia ser o Snape de sempre.
Ela olhou-o, curiosa. Achou aquele um pedido muito estranho, então se lembrou do que Dumbledore dissera sobre Snape ficar admirando sua foto.
- Você me assusta às vezes, sabia, Snape? – ela perguntou.
Snape assentiu e voltou ao trabalho.
O dia passou daquele jeito – às vezes algum comentário, às vezes ele ia caçar algum erro nas poções dela. Às vezes ele explicava um jeito de fazer determinada poção mais rápido.
Almoçaram juntos num canto livre da bancada; ele explicava a ela qualquer coisa sobre uma poção que fazia as pessoas parecerem bêbadas; ela ria. Parecia não se lembrar da tragédia de duas semanas antes.
O resto do dia passou do mesmo jeito. Hermione pensou que Snape poderia ser uma pessoa diferente, até feliz, só precisava ser amado. Esse pensamento chegou a passar muitas vezes por sua cabeça, mas ela os afastava.
Já passava das dez da noite, quando ela reclamou por estar com fome.
- Ah, Granger, eu realmente não vi o tempo passar – disse ele, quase em tom de desculpas. – Já está liberada, se quiser ir; o jantar foi há mais de uma hora.
- Os sonserinos costumam ir dormir tarde – ela murmurou. – E a prova disso está na minha frente.
- Vou parar por hoje – ele disse, levantando-se. – Vou pedir o jantar do meu quarto; aqui é muito frio. Se você quiser ir até lá...
Hermione fez uma careta. Não sabia se era seguro ir com ele ao quarto dele, mas rapidamente decidiu que, se ele fosse forçar alguma coisa, já teria feito antes, e não importaria se fosse numa bancada ou numa cama.
Depois, pensou muito maliciosamente que preferia uma cama à fria torre de astronomia. Permitiu-se rir com a piada e disse:
- Ora, está bem! Vou alugar mais o seu tempo.
- Você não aluga meu tempo – ele retrucou, encaminhando-se para as escadas que davam acesso a uma porta.
Ela foi atrás.
Controle-se, Severo, apesar de ser linda e provocante, ela é uma menina ainda..., ele pensou.
Abriu a porta e convidou-a a entrar antes. Ela aceitou. Ele entrou depois e fechou a porta, mas não trancou.
Hermione olhou em volta. Tudo estranhamente arrumado para um quarto de um homem solteiro. Depois ela se lembrou que ele acabara de “se mudar”. Havia duas poltronas à frente da lareira, uma mesa com suas cadeiras, um imenso armário e uma grande cama de casal.
Bastante sugestivo, ela pensou, desviando o olhar da cama para ele.
Ele mandou qualquer coisa pela lareira e duas bandejas com o jantar apareceram. Hermione olhou em volta e pegou a toalha da mesa, que estava dobrada em cima da mesma. Depois colocou a toalha e pôs pratos e talheres em cima da mesa, deixando as duas bandejas num criado mudo.
O quarto era espaçoso.
Os dois sentaram-se à mesa – ele puxou a cadeira para ela e sentou-se depois.
- Espero que a minha companhia não seja muito penosa – ele disse, enquanto pegava os talheres.
- Não é – ela disse. – Você é bem menos insuportável do que eu imaginava...
- Bom saber – ele comentou.
Jantaram. Quando o jantar terminou, ele olhou o relógio. Quinze para as onze.
- Já está meio tarde para você, não, Granger? – ele perguntou.
- Amanhã é domingo – ela disse. – Mas mesmo assim já é tarde. Vou dormir. Que horas tenho que estar aqui amanhã?
- Levando-se em conta que você saiu daqui bem tarde, vou deixar você chegar às oito da manhã. Não se atrase.
Hermione assentiu e levantou-se. Ele levantou-se também e levou-a até a porta do laboratório. Depois, deixou-a ir. Entrou outra vez em seu quarto e olhou para sua cama. Ela era muito grande e muito vazia.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!