O Baile de Primavera
Hermione decidiu que não ia contar para Dumbledore o que tinha passado. Não ia contar. E o velho diretor não ia usar oclumência, porque tinha que poupar energia. Ela entrou nas terras do colégio e andou apressadamente para o castelo.
Subiu as várias escadas correndo e foi direto para a sala do diretor. Encontrou-o à mesa, com uma expressão um pouco cansada, mas sem o abatimento anterior.
- Ah, diretor – disse ela. – Desculpe a demora. Deu tudo certo e...
- Tem certeza? – perguntou Dumbledore, olhando-a por cima de seus oclinhos meia-lua.
Onisciente, ela pensou.
- Sim, senhor, absoluta certeza. Um pouco de submissão e Voldemort se desmancha. Tenho certeza de que ele ainda está muito espantado.
- E você viu Severo? – perguntou Dumbledore, um pouco apreensivo.
- Sim, ele estava lá – respondeu a garota, sem hesitar. – Falei com ele, com a Bellatrix Lestrange e com o Malfoy pai. Além de Voldemort, claro.
Dumbledore desviou o olhar.
- Ele deu algum sinal de... arrependimento?
Hermione sentiu uma pontada no coração. Não podia mentir para Dumbledore, mas a verdade seria ainda pior. Ela ponderou:
- Ele nunca dá sinal de sentir nada, diretor.
Dumbledore suspirou.
- Eu realmente errei muito feio – ele murmurou. – Ainda não acredito...
- Diretor, eu acho que...
- Já pode ir dormir, srta. Granger – ele disse. – Que bom que você está bem.
Hermione, perguntando-se a causa da súbita interrupção de Dumbledore, obedeceu e foi até o salão comunal da Grifinória. Foi para o quarto e arrumou-se para dormir logo.
Deitou-se em sua cama e se cobriu, mas as imagens da agitada noite figuraram em sua mente. Voldemort e seu olhar cruel, com aquele rosto tão disforme. O olhar de Snape, o deboche de Snape, os beijos de Snape. Pensou bastante nos beijos e nas mãos dele.
Mas que inferno, por que ele tinha que ser um filho de uma porca?, ela pensou. O maldito traidor sabia do que ela gostava, mas era simplesmente o homem que ela mais odiava! Por que ela tinha que se sentir atraída pelo homem de que mais sentia nojo em toda a Terra? Nem Voldemort recebia tamanho ódio por parte da garota.
Ela se virou para o lado e fechou os olhos, forçando-se a pensar em alguma outra coisa, mas não conseguia. Seus pensamentos voltavam para ele. Ela chorou quando se lembrou que não pudera despedir-se de seus pais. E se lembrou de que Harry e Rony estavam desprotegidos.
Todos os seus pensamentos se misturavam em sua cabeça quando, cansada, ela se rendeu ao sono.
Durante toda a sexta-feira Hermione não conseguiu pensar em nada que não fosse nos preparativos da festa. Nem se lembrou de que havia estado no Ministério na presença de Voldemort na noite anterior. Não pensou no homem que odiava.
Sábado de manhã. A decoração estava pronta; as roupas todas preparadas. As quatro meninas treinavam sua dança sob a coordenação de Hermione. Alguns casais que iam abrir a valsa também ensaiavam. Hermione estava enlouquecendo. Nunca antes havia promovido uma festa de tal grandeza.
- Gina, as roupas para o ballet estão prontas? – perguntou Hermione.
- Estão sim – ela disse. – Tudo perfeito e preparado.
Hermione suspirou. Estava totalmente despenteada, desalinhada, suada. Sua condição se agravava cada vez que alguém indicava um problema e ela ia correndo ver o que era.
Na cozinha, por exemplo, o imenso bolo que seria oferecido estava dando problemas e os elfos perderam um trabalho de três dias.
Xingando todos os nomes feios que sabia – algo que não era de seu feitio, – ela mandou as meninas continuarem ensaiando na sala secreta onde estavam e correu para a cozinha. Viu o estrago. Suspirou.
- E agora, Hermione? – perguntou Dobby, com um pouco de medo.
- Temos quatro horas para deixar o bolo pronto de novo.
- Dobby pode tentar e...
- Não – disse Hermione arregaçando as mangas. – Vamos fazer sem magia.
- Sem magia? – todos os elfos pararam e olharam para ela.
- Está louca, Hermione? – perguntou Dobby.
- Só um pouquinho – disse a garota sorrindo. – Vamos, todos os ingredientes na bancada! Vamos pôr isso pra funcionar!
A correria foi imensa. Faltavam dez minutos para tudo começar; a equipe de alunos organizadores estava louca atrás de Hermione, quando ela apareceu completamente desconjuntada no saguão.
- Mione! – chamou Gina. – Vá se arrumar! Eles não podem ver a nossa chefe assim!
- Olha, gente, eu vou vir – assegurou Hermione. – Talvez eu me atrase um pouquinho, mas não tem problema. Assim que eles atravessarem as portas o ballet da recepção vai começar aqui mesmo neste saguão. Não importa que eu não esteja.
- Mas, Granger... – começou Cho, apreensiva. – E se a gente errar?
- Improvisem! Ajam como os trouxas têm que agir quando dá tudo errado – respondeu Hermione, começando a subir as escadas. – Ah, e não se esqueçam da postura!
Ela correu escadas acima em disparada. As quatro meninas que iam dançar estavam já com as roupas de dança e usavam capas pretas por cima, escondendo as roupas.
Nove horas da noite. Era dado o início. Uma coruja negra veio avisar que as visitas já estavam a caminho do castelo. Todos os alunos tensos, no saguão. As quatro meninas, sob todos os olhares, ainda de capas. Hermione não aparecera.
Professores também ansiosos – mesmo Dumbledore se encontrava à espera da recepção. Quando Voldemort, Snape, Malfoy e Bellatrix apareceram na porta, Eric Oxford fez a música começar a tocar. Os convidados pararam à entrada para ver. Ainda assim, era possível reparar nas roupas provocantes de Bella, que parecia fazer questão de ser a mais bonita de qualquer festa.
Gina Weasley, Cho Chang, Mina Angels e Regina Black sentiram o coração acelerar. Onde estava Hermione para lhes dar o apoio moral de que precisavam?
Ao primeiro acorde da música, elas tiraram as capas em sincronia perfeita e as lançaram para trás – Eric chamou as capas por meio de um Accio.
Elas começaram muito nervosas, apavoradas, com muito medo de errar. Era a primeira apresentação de bruxas que haviam aprendido a dançar naquela semana. Evitavam olhar para os que ali estavam, mas tentaram manter a altivez como o ballet exigia.
Piruetas, saltos, todos os mínimos passos, tudo parecia ir bem. Voldemort, vez por outra, comentava alguma coisa com Snape. Este, aliás, olhava em volta a todo o momento, procurando por alguém. Mesmo Voldemort fazia o mesmo.
No alto da escada, com os olhos fixos na dança lá embaixo, Hermione apareceu. Usava um vestido azul claro, num tom pálido e seus cabelos estavam presos perfeitamente, como os de uma rainha. Por um momento, o olhar de Snape, de Voldemort e dos que estavam virados da porta para o saguão correu para lá. Houve alguns comentários, mas logo voltavam à dança. O olhar de Snape, no entanto, se reteve por mais tempo na figura angelical que descia as escadas.
Hermione chegou ao saguão e foi para o lado dos professores, que estavam exatamente do lado oposto aos convidados especiais. Ela olhava a dança atentamente. Quando as meninas a viram ali, algo como uma força fez o medo delas sumirem. Era a parte mais difícil, e elas usaram o olhar forte de Hermione como apoio. A garota fazia gestos discretos com a cabeça em aprovação.
Houve um momento em que Mina, um pouco receosa, olhou para o chão; Hermione ergueu a cabeça e pôs as mãos na posição como deviam ficar e Mina imediatamente se corrigiu. Hermione estava séria, mas estava alegre. Só um pequeno erro por parte de Mina, até ali. Snape observava tudo isso mais que atentamente.
A clássica parte em que a música reduz o ritmo para aumentar aos poucos em tons crescentes era o momento mais crítico da coreografia, mas mesmo ele saiu perfeito. No final, elas fizeram a pose final e foram muito aplaudidas, mesmo pelos convidados, que aplaudiam para demonstrar alguma educação.
- Bravo! – exclamou Eric, muito entusiasmado.
- Bom, se as alunas se saíram bem, o mérito é da professora – disse Gina com um sorriso alegre, indicando Hermione.
As quatro dançarinas aplaudiram e os aplausos se seguiram por todos os outros. Hermione fez uma pequena reverência em agradecimento. Depois se virou e disse alguma coisa para Dumbledore, que assentiu e disse:
- Ao salão principal.
- Mais alguma surpresa, Dumbledore? – perguntou Voldemort, fazendo todos os comentários cessarem.
Hermione olhou em volta; Dumbledore deu um sorrisinho e olhou-o por cima de seus oclinhos meia-lua.
- Por que não pergunta a srta. Granger? Eu não tenho nada a ver com o que está acontecendo aqui hoje, Tom – respondeu muito calmamente.
- Para o salão, vamos! – exclamou Hermione. – Vocês quatro têm quinze minutos para trocar de roupa – ela cochichou para as dançarinas.
Hermione segurou a barra de seu vestido e começou a subir as escadas em direção ao salão principal. Ia à frente muito decidida e altivamente. Eric apressou-se e ofereceu o braço a ela, que aceitou. Mas ele não viu o olhar fulminante que lhe era lançado.
Uma vez no salão principal, Hermione abriu as portas e ficou parada à porta, para receber a todos, como uma verdadeira organizadora. Eric deixou-a para ir cuidar da parte que lhe cabia.
Todos da equipe de organização foram para os pontos combinados. Todos que entravam recebiam de Hermione a indicação da mesa para a qual deveriam ir.
Por fim, vieram os quatro convidados detestados.
- Ah, vi que realmente foi bom tê-la deixado voltar – comentou Voldemort.
- Eu disse, senhor – ela disse, muito educadamente, revestida de uma artificialidade que não era sua. – Agora, queiram me acompanhar.
Ela foi à frente deles, cruzando o salão central, sob os olhares de todos. Os convidados olhavam em volta e observavam a decoração. Bem no alto de uma grande mesa – para os professores – pairava o brasão de Hogwarts, ladeado pelo símbolo da Ordem da Fênix. Mesmo Fawkes estava lá, pousada no parapeito da janela.
Bella andava com altivez, meio que requebrando quando andava. Gostava de chamar atenção. Gostava dos olhares que seu mestre lhe lançava. Só Snape parecia não ficar absolutamente encantado com seu charme.
- Aqui – disse Hermione indicando a mesa. – Que bom que decidiu não trazer muitos convidados, Voldemort, as meninas estavam apavoradas. Este lugar aqui é ótimo para ver tudo. Vamos abrir o baile com a tradicional valsa dos alunos de Hogwarts. Espero que gostem.
- Como você é falsa, garota – vociferou Bellatrix. – Uma festa e toda essa preocupação para receber os grandes inimigos! Hipócritas!
- Não, sra. Lestrange, não é isso – volveu Hermione calmamente. – Estou apenas fazendo o que Dumbledore me ensinou a fazer desde que sou aluna daqui.
- E o que foi? – perguntou Malfoy, desdenhoso.
- Pôr amor nas coisas – disse Hermione. – Amor a tudo o que eu faço. Bom, com licença, acho que já poderemos começar.
Hermione encontrou Eric a um canto e logo Gina e Cho se juntaram a eles. Simas Finnegan logo em seguida. Conversaram qualquer coisa.
Hermione era a única que não usava a cor de sua casa no vestido, mas isso mudaria em breve.
Ela andou para o centro do salão e disse:
- Atenção, professores e convidados! Uma homenagem para vocês, de nós, humildes alunos.
Entraram vários casais. Lufos e corvinais formavam pares. Isso não era um problema. Um “OH” uníssono por parte da platéia veio quando entraram aos pares no salão grifinórios e sonserinos com sorrisos imensos.
- Essa Granger está começando a me irritar – comentou Voldemort.
Por fim, ela, a própria, aceitou o braço que Eric Oxford – um sangue-puro – veio lhe oferecer. Antes de dar a ordem para começar, entretanto, Hermione olhou para seu vestido e olhou em volta, para as outras meninas de sua casa.
- Ih, parece que vou ter que renascer das cinzas – murmurou Hermione com um sorriso deslumbrante, provocando algum risos entre os professores, e um riso contrafeito dos convidados.
Um círculo de fogo se fez em torno dela, provocando outro “OH!”, e, quando o fogo se desfez, ela estava com o mesmo desenho de vestido, mas vermelho com detalhes em dourado, como sua casa mandava.
Ela aceitou o braço de Eric e fez a música começar a tocar. A dança começou, igual, em uma perfeita sincronia. Dumbledore e Minerva levantaram-se e juntaram-se aos alunos. Mais alguns professores fizeram isso, mas houve alguns que permaneceram sentados.
Quando a música acabou todos se aplaudiram. Com certo desdém, Voldemort olhou para a mesa pela primeira vez e perguntou:
- Isso é um raio?
Seus três seguidores olharam na direção em que ele olhava. Era um vaso com bonitas rosas vermelhas. As rosas não eram o grande problema; o problema era o vaso ser em forma de raio. E a toalha tinha o desenho de uma grande fênix.
- É, a Granger parece mesmo estar testando a sua paciência, milorde – disse Snape.
Outras músicas começaram a tocar, mas desta vez só alguns alunos ficaram dançado. Alguns foram sentar, outros foram pegar algo para comer.
- Vocês não dançam? – perguntou a voz tranqüila de Hermione.
Os quatro viraram-se para olhá-la.
- Bom o número com fogo – disse Voldemort. – Diga-me, Granger, a idéia do vaso em forma de raio foi sua?
Hermione olhou para o vaso e sorriu; voltou a olhar para ele.
- Não estou muito certa. Acho que não sou tão criativa assim... Bom, mas vocês não dançam? As mesas não andam. A mesa é de vocês, ninguém vai sentar aí. Entendo que pela idade de vocês um certo cansaço é compreensível, mas...
O olhar deles a atingiu em cheio; ela sorriu de modo inocente.
- Que foi? – ela perguntou, fingindo que não tinha feito provocação nenhuma.
- Vou te mostrar “a idade de vocês” um dia, mocinha – disse Voldemort.
- Não se preocupe, daqui a muitos anos eu saberei como é – ela disse, rindo. – Ah, me desculpem. Esse olhar malvado tá começando a me dar medo. Mas é sério, não dançam?
- A idéia era me deixar irritado com a falsa alegria de vocês, certo? – perguntou Voldemort.
- Era – respondeu Hermione simplesmente. Ela aumentou a voz e disse, em absoluto tom de pilhéria: - Gente, o Voldemort descobriu sozinho o objetivo da festa!
Todos pararam o que estavam fazendo e olharam para lá. Aplausos. Nenhum sinal de horror perante a citação do nome em tão alto e bom som. Mesmo os três comensais ali presentes fizeram uma careta ao ouvir o nome, mas não os habitantes do castelo. Aquilo irritou Voldemort.
- O da hora é que tá dando certo – disse Hermione. – Vamos ver se fazemos eles virem se divertir um pouco, antes de voltar a destruir tudo. Alguém me ajude a convencê-los a ir dançar!
Voldemort crispou os lábios.
- Só danço com os líderes – ele disse.
- Ah... mas o senhor não iria querer tocar em uma sangue-ruim, iria? – ela perguntou.
- Não, não me rebaixo tanto – disse Voldemort.
Mestiço de merda, ela pensou. Acha que pode falar de mim; ele também tem sangue de trouxa!
Ela ensaiou um sorrisinho.
- Mas eu posso dançar com a Bella – anunciou Voldemort, com os dentes cerrados. – Contanto, é claro, que vocês jovens continuem a dançar. Não quero estragar a diversão de vocês.
Dumbledore se levantou para dançar com Minerva. Era um desafio simples, sem lutas ou feitiços. Era uma Guerra Fria do mundo bruxo, uma guerra de nervos.
Malfoy fez uma cara de nojo e perguntou se não tinha alguma sangue-puro ali para lhe dar o prazer de uma contradança. Hermione chamou Regina Black e cochichou algo com ela, em códigos ininteligíveis. Regina abafou um riso e disse que dançaria com Malfoy.
Por fim, só Snape estava sentado. Hermione olhou em volta e, voltando a encará-lo, ela disse:
- Só um momento, Snape, acho que alguma das suas ex-alunas pode querer dançar com você e...
- Quero você, Granger – ele disse, muito cinicamente.
- O que? – ela perguntou.
- Você ouviu – ele disse, levantando-se. – Você tem a missão de afrontar o Lorde das Trevas. Para isso, tem que fazer tudo bem certo.
Ele estendeu a mão para ela, como se fosse um cavalheiro.
- Me concede a honra desta dança? – ele perguntou, naquele tom letal bem dele, com toda a sua ironia cruel embutida.
Hermione suspirou e olhou em volta. Teve que aceitar.
Foram para o centro do salão. Snape mostrou-se um bom guia: envolveu-a pela cintura com fingida delicadeza, mas tratou de aproximá-la bastante de si. Olhava para dentro dos olhos dela. Desconcertada, a jovem olhou para o outro lado. Deixava-se guiar como se aquela fosse a mais torturante parte de sua missão.
- Sabe, Granger, eu pensei que você fosse uma pessoa inteligente, só para variar um pouco a minha rotina – ele começou, num tom sussurrado.
- Por que está me dizendo isso? – perguntou ela, voltando a olhar para dentro dos olhos dele.
- Oras, Granger, se você não sabe, não serei eu a esclarecer – ele disse, com um suspiro entediado.
- Merda – ela sussurrou baixinho.
- Que é? – ele perguntou.
- O que você quer comigo? Além de prazer, é claro.
Snape fitou-a, sério.
- O que mais eu poderia querer, além disso? – ele perguntou, em seu característico tom cruel.
Hermione olhou para outro lado, constrangida.
- Seu canalha – ela murmurou, baixinho, desejando que a música acabasse logo.
Snape deu um sorrisinho no canto da boca.
- Já ouvi dizer que esse é o tipo de homem que as mulheres mais gostam – sussurrou, muito calmamente.
Hermione teve um impulso de estapeá-lo, mas se controlou.
- Eu te odeio – ela disse.
- Eu sei – retrucou Snape cinicamente.
A dança acabou. Houve aplausos e Voldemort disse que ia voltar para o lugar. Os três comensais iam acompanhá-lo, mas todos pararam quando a porta se abriu. Harry Potter e Ronald Weasley estavam parados a ela.
Hermione abriu um sorriso que, para alguém, era estonteante, e correu até a porta. Abraçou demoradamente cada um dos dois e manifestou toda a alegria de vê-los. Mas os dois olharam para o quarteto.
- Isso é muito estranho – murmurou Harry entre dentes.
- Eu sei – disse Hermione séria. – Mas vocês dois não vão fazer nenhuma estupidez. Está tudo planejado para uma guerra de nervos, não para um duelo. Tratem de parecer muito alegres e bem humorados.
Ela sorriu e entrou com os dois no salão.
Dumbledore foi pessoalmente cumprimentá-los com seu olhar calmo, e depois muitos foram.
- Parece que deixamos de ser as estrelas da festa – comentou Voldemort em alto e bom som.
Harry engoliu a raiva e, olhando em volta, viu o vaso, e comentou:
- Nossa, Mione, que legal o vaso, parece com a minha cicatriz!
Hermione deu uma risada deliciosa aos ouvidos de alguém e disse:
- Não lembro de quem foi a idéia, mas foi apropriada – ela disse.
- Nossa, até a Fawkes tá aí! – exclamou Rony.
- E o ranhoso também – disse Harry.
Snape ajeitou-se em sua cadeira.
- Posso agüentar alguns dementadores se for para ver o Potter engolir o que ele diz – murmurou Snape, cerrando os dentes.
- Acalme-se, Snape. Sabemos que isso é só provocação. Eles ainda estão tendo que se entocar como ratos neste castelo – disse Malfoy.
- Sem ofensas aos mais velhos, Harry – disse Rony, sarcástico.
Mais algumas risadas.
- É mesmo – disse Harry. – Senão ele vai respirar, acabar com o ar do salão e todos vão morrer.
Snape puxou sua varinha; Harry fez o mesmo, mas Hermione segurou-o e gritou:
- Você vai sair daqui como entrou se começar com isso!
Virou-se para Snape e disse:
- Guarde isso. Se você fosse trouxa, talvez tivesse uma resposta engraçada para dar numa situação como essa, mas é bem suja, então nem vou te ensinar.
Harry fez cara feia e disse:
- Só guardo se ele guardar a dele.
- Faço minhas as palavras do Potter – disse Snape, em pé, com a varinha apontada para o garoto.
- Os dois! – gritou Hermione. – Diretor, dê um jeito nesses dois cabeças-duras!
Dumbledore estava muito calmo e disse qualquer coisa para Harry, que baixou a varinha a contragosto. Com um sorrisinho no canto da boca, Snape fez o mesmo e voltou a sentar-se.
Hermione olhou para seus dois amigos com raiva, mas logo disse:
- Gina, cuide de tudo. Já volto.
E saiu a passos largos do salão.
- Aonde ela vai? – perguntou Eric.
- Vai ver os problemas na cozinha – disse Dumbledore calmamente. – Parece que estão tendo problemas para trazer o bolo.
- Bolo? – perguntou Voldemort, fazendo uma careta. – Já estão exagerando. Era para fazer um papel muito ridículo? Que feitiço usaram?
- Ela fez sozinha, à moda trouxa – esclareceu Dumbledore muito calmamente. – Eu tentei passar o dedo naquela cauda de chocolate, mas ela bateu na minha mão. Ainda estou sentindo meus dedos arderem.
Snape se lembrou que o tapa dela na mão doía mesmo e permitiu-se um sorriso leve.
- Sem magia? – perguntou Bellatrix. – Não acredito! Espero que não esteja queimado!
- Bom, não parecia queimado – considerou Dumbledore.
Decididamente, era mesmo o velho Dumbledore que havia retornado. Quem mais falaria absurdos levando tudo a sério? Não tinha o que dizer, não dava para duvidar.
Ainda tocaram algumas músicas; Harry e Rony lançavam olhares aborrecidos para a mesa dos convidados especiais.
Depois de uma meia hora que Hermione saíra, ela voltou, um pouco desajeitada, com os cabelos um pouco em desalinho.
- Tá tudo bem, Mione? – perguntou Harry.
- Claro – ela disse. – É só o Dobby, que faz um monte de bobagens. Os elfos não se viram sem magia!
- Muitos bruxos também não – disse Harry, lançando um olhar aborrecido para Voldemort.
- Harry, a idéia é deixar eles irritados, e não você – advertiu Hermione. – Trate de sorrir.
- Como você consegue ser tão fria? – perguntou Rony. – Eu perdi meus pais há dois meses e ainda estou que é só o pó, e você perdeu os pais há duas semanas e fica toda de risos!
Hermione virou o rosto – lágrimas começaram a escorrer por ele.
- Ahn... licença – ela disse, e saiu a passos apressados do salão.
- Rony, seu idiota – disse Harry, indo atrás de Hermione.
- Deixem-na sozinha – disse Dumbledore aproximando-se. – As mulheres não gostam de ficar com a maquiagem borrada na frente dos homens.
- Ah, mas... – começou Harry.
- Ela estará melhor se vocês estiverem jogando o jogo que ela preparou – disse Dumbledore, muito calmamente.
Harry suspirou e foi até a mesa dos convidados, tendo Rony em seu encalço.
- Bom, e aí? – perguntou Harry, querendo matar alguém, muito sem jeito, sem saber o que dizer.
- E aí o que? – perguntou Malfoy.
- O Draco já consegue executar uma cruciatus sem ajuda? – disparou Harry, cuspido fogo.
Malfoy engoliu em seco.
- Guerras de nervos podem evoluir para duelos mortais – disse Malfoy.
- Não aqui dentro, Malfoy – disse Gina, juntando-se a eles. – Mas você não respondeu. O Draco já sabe fazer alguma coisa que não seja apanhar da Mione?
- Aquela sangue-ruim suja bateu no meu filho? – perguntou Malfoy. – Quando?
- No terceiro ano – respondeu Rony. – Acho que chegou a quebrar o nariz dele, mas não estou muito certo. Essa não foi a maior proeza da Hermione.
- E qual foi? – perguntou Bellatrix, com desdém.
- Ah, foi quando ela roubou ingredientes para poção polissuco do armário do Snape – respondeu Rony.
- É mesmo! – exclamou Harry. – Estávamos no segundo ano, né? Ela disse que deu trabalho, porque ela teve que desfazer os feitiços de proteção que o Snape fez...
- Eu lembro que ela esperou um dia em que ele tava cansado, né – disse Rony. – Não foi um dia em que o Neville tinha sujado a sala toda, e quase explodiu tudo?
- É, o Snape deixou a sala destrancada – disse Harry, lembrando por fim. – E a Mione entrou e pegou tudo o que precisava.
- Bastante perspicaz – comentou Snape, sério.
- Ah, mas o melhor foi ela contando – disse Harry. – Ela dava tanta risada! O Snape ia me ver, mas ele tava tão irritado que nem viu nada, passou direto por mim. Eu quase joguei umas cascas de barata naquelas vestes dele...
- Aliás, onde está sua amiga? – perguntou Snape, olhando em volta.
- Ahn... um problema com o bolo, ainda – mentiu Rony, pouco convincente.
Snape e Voldemort trocaram um olhar, e Snape disse:
- Eu acho que ela saiu às pressas para chorar...
- ... por causa de algo que o Weasley comentou – completou Voldemort.
- Será que é sobre a morte dos pais dela? – perguntou Snape. – Não sei porque tanto ódio; eu os matei tão rápido! Não torturei ninguém...
- Aliás, Snape, isso não é muito divertido – comentou Voldemort. – Você sempre preferiu uma morte limpa!
Harry e Rony iam partir para cima de Snape e Voldemort – no braço – quase simultaneamente, mas Gina se pôs no meio deles e esbravejou:
- Vocês NÃO VÃO estragar tudo! Deu muito trabalho pra Mione montar tudo certinho!
Harry e Rony se acalmaram. Voldemort deu uma risada sem nenhuma emoção.
- Parece que eles é que estão ficando irritados, milorde – comentou Bella, quase se jogando em cima de Voldemort.
- É que ainda não tivemos tempo de ouvir seus cacarejos para dar risada – resmungou Gina, mas só os amigos ouviram.
Os três riram e afastaram-se.
Snape levantou-se.
- Estou muito interessado no bolo – ele comentou, quando Voldemort olhou-o inquisidoramente.
- Ah, entendo – disse Voldemort com um sorriso. – Só não faça nenhuma bobagem, Snape.
- Não sou o Malfoy, milorde – retrucou Snape, e calmamente saiu do salão.
Só um olhar o acompanhou, mas esse olhar, por baixo de oclinhos meia-lua, nada fez para impedi-lo de sair. Apenas assegurou-se de que ninguém mais vira.
Hermione olhava o lago, quase petrificada. Sabia que devia estar no grande salão, sorrindo, acenando, dissimulando, e fazendo tudo aquilo que nunca fizera e não queria fazer. Devia fazer a sala, devia coordenar; Dumbledore estava confiando nela, deixara tudo por sua conta.
Mas suas lágrimas insistiam em cair, seus olhos estavam vermelhos, sua maquiagem estava borrada. Ela não vira seus pais desde as férias. Não dissera vezes o suficiente o quanto os amava. Não sorrira para eles o bastante, não os abraçara como desejava poder fazer. Agora, só se lembrava de ter ido ao enterro deles, de tê-los visto mortos, brancos, frios.
Chorou mais, e lágrimas amargas. Seus amigos não a ajudavam a esquecer. Tudo o que faziam era olhá-la com pena e fazer comentários de piedade pelas costas. Tudo o que conseguiam era perguntar sobre qualquer coisa, para parecer que tinham assunto com ela.
A única que se mantivera como amiga constante, para todos os momentos, fora Gina.
Sua cabeça ia a mil, sentia o ódio por Snape querer explodir, ir até o salão e torturá-lo, matá-lo... Mas isso não combinava com ela. Eram só as circunstâncias que a tornavam diferente.
Sabia que odiar era uma falha, mas não tinha como evitar. Sentia o ódio por Snape invadir-lhe toda a alma, controlar todos os seus pensamentos. Queria se vingar, mas sabia que isso não a faria mais feliz.
Sua torrente de pensamentos foi interrompida por uma voz sussurrada que lhe chegou aos ouvidos bem de perto:
- Você devia ser mais inteligente, Granger...
Ela pegou a varinha de uma vez, surpreendentemente rápido, e apontou para o peito dele.
- Me deixe em paz! – ela gritou. – Não posso nem ficar sozinha? Até isso você vai querer tirar de mim, seu nojento?
Snape tinha um olhar cínico. Deu um passo à frente, ela ergueu a varinha e disse entre dentes:
- Não se atreva! Como você conseguiu sair sem ninguém te ver?
- Creio que Dumbledore me viu – disse Snape. – Mas não importa.
Ele deu mais um passo à frente.
- Esta guerra não precisa nos separar, Granger – ele começou.
Hermione jogou a varinha longe e partiu para cima dele com os punhos cerrados, batendo nele com toda a força que o ódio lhe permitia.
- Cretino! Maldito! Filho de uma vadia! Desgraçado! Eu te odeio! – ela gritava para Snape e para o nada ouvirem. – Te odeio, mais do que tenho capacidade de odiar! Você é...
- Cretino... maldito... filho de uma vadia... desgraçado... e você me odeia – repetiu ele, muito calmamente, depois de segurar os dois braços dela sem esforço. – Eu sei de tudo isso. Mas, quando essa guerra acabar, saiba que terá um lugar para você na...
- VÁ PRO INFERNO!!! – ela gritou, se debatendo, começando a chutá-lo, para descontar sua raiva de algum jeito.
Snape jogou-a no chão e prendeu os braços dela com as mãos e as duas pernas dela só com um dos joelhos.
- Cale-se, Granger.
Ela começou a se debater e a gritar; ele segurou as duas mãos dela com uma só e com a outra, tapou a boca da jovem.
- Granger, acalme-se. Eu não tentaria nada com uma aluna perto de Dumbledore – ele disse.
- Você já tentou matá-lo – ele disse, com a voz sufocada.
- Ele estava fraco naquele dia – retrucou Snape, naquele tom letal. – Agora, fique quieta. Não vou te soltar enquanto você não parar de se debater.
Mas ela não lhe deu ouvidos.
- Fazer um trato com você é o mesmo que assinar a derrota – ela disse. Ele tirara a mão de sua boca, e ela não voltou a gritar. – Você jogava de dois lados e escolheu o seu muito bem. Escolheu Voldemort. Escolheu ir contra todos os que o acolheram. A escolha foi sua, Snape. Agora, me largue. Já parei de me debater.
- Só me ouça um pouco antes – ele disse. – Depois eu te solto. Não me importo que você me odeie. Não me importo que estejamos de lados opostos. Eu olho para você e penso que é a única que já desejei e não tive. E penso que...
Hermione virou o rosto e perguntou, enojada:
- Conseguiu alguma mulher sem forçá-la a nada?
Snape olhou-a longamente, mas não respondeu.
- Você é uma Granger diferente da que eu conhecia. A que eu conhecia era uma tontinha quando se tratava de vida real, e uma aluna brilhante. Agora, você não parece tontinha. Ainda deve ser uma aluna brilhante. E, além disso, está muito bonita.
- Esse foi o elogio mais assustador que já recebi – ela disse, sem encará-lo. – Você está me dando medo. Diz que não faria nada com o Dumbledore por perto, mas estamos bem longe dele.
- Dumbledore está sempre por perto, mesmo quando está longe – disse Snape. – Chama-se legilimência. Se você estivesse mesmo em perigo, ele já estaria aqui.
- Estou imobilizada por um comensal da morte e não estou em perigo? – debochou Hermione. – Acho que você está com problemas, Snape. Sérios problemas. Mentais. Solte-me. AGORA!
Snape olhou-a com desdém.
- Ora, Granger, vir até me custou tempo – ele disse. – Talvez eu mereça uma pequena... recompensa.
Ele aproximou o rosto do dela; ela virou o rosto.
- Não encoste em mim!
- Não estou encostando em você – retrucou Snape. – Se eu estivesse, você saberia. Mesmo esquema de ontem à noite; enquanto você não me deixar beijar você, não vai poder voltar. Assim está bom, não está?
Hermione ia começar a gritar, a se debater, mas o castelo estava longe, e havia música no salão. Não adiantaria.
- Me solte – ela pediu, quase chorando. – Eu imploro! Eu... eu não mereço isso! Já não chega ter matado meus pais? Mas que inferno, você não pode me deixar em paz?
Snape fez que não com a cabeça.
- Implorar... implorar... implorar... Já vi muitas pessoas morrerem implorando piedade, Granger, mas você?
- Ah, sou uma trouxa, esqueceu? Sangue-ruim! Você não vai querer se misturar comigo!
- Por enquanto, é só um beijo, Granger – ele disse.
- Afaste-se dela! – gritou Harry, a uns quatro metros de distância, impunhando a varinha.
Snape suspirou.
- Potter, você sempre atrapalha tudo – ele comentou. – Não está vendo que estamos ocupados?
- Vou dizer outra vez: afaste-se dela – disse Harry, entre dentes, a varinha apontada diretamente para o peito dele.
- Diga-me, Potter, acha mesmo que se eu fosse fazer algo de ruim a ela agora eu iria deixá-la vestida, e aqui, à vista de todos? – perguntou Snape, sarcástico.
- Não me importa; só se afaste dela – disse Harry.
Snape suspirou.
- Salva de nossa conversa dessa vez, Granger – ele disse, levantando-se.
Hermione levantou-se depressa e parou ao lado de Harry. O garoto já ia lançar um feitiço em Snape, mas Hermione entrou na frente dele e disse:
- Não, não faça isso, Harry! – ela exclamou, atônita.
- Por que você está defendendo esse assassino? – perguntou Harry, empurrando-a de sua frente, de modo a fazê-la cair no chão.
Ele já ia lançar um feitiço, mas Hermione gritou:
- NÃO! Harry, não! Eu não quero que você seja igual e ELE!
Harry parou e olhou sua amiga. Depois olhou para Snape. Então, baixou a varinha lentamente e voltou a olhar Hermione. Ela tinha lágrimas nos olhos.
- Salvo desta vez, Snape – disse Harry, sério. Ele ajudou Hermione a se levantar e pediu desculpas. – Vamos, Mione.
Os dois seguiram. Um pouco mais distante, ela se lembrou de sua varinha e voltou para pegá-la. Estava quase aos pés de Snape.
Ele não se mexeu ao vê-la aproximar-se, olhando em volta.
- Que é, Mione? – perguntou Harry.
- Minha varinha – ela disse. – Eu joguei em algum lugar por aqui.
- Para me bater – esclareceu Snape muito calmamente. – Foi só por isso que eu a joguei no chão, Potter.
Harry olhou-o com desprezo e, apontando a varinha para Snape, disse:
- Não se mexa.
- Perto do meu pé direito – disse Snape, cínico.
Hermione olhou onde ele indicara e foi até lá. Pegou sua varinha do chão e guardou-a sabe-se lá onde. Depois encarou Snape e disse:
- Ah, não deixe de vir comer o bolo, Snape. Está realmente ótimo.
Ela correu para se juntar a Harry e os dois voltaram juntos ao castelo. Snape permaneceu imóvel, observando-os.
Quando eles sumiram de vista, ele tomou outro caminho. Avisou mentalmente ao seu mestre que iria embora depois deles. Tinha algo a fazer.
Enquanto todos estavam no salão principal, Snape foi para as masmorras. Sua antiga sala nas masmorras. Abriu a porta e olhou tudo lá dentro. Estava um pouco diferente, mas era a mesma sala de aula. As mesmas bancadas, os mesmos caldeirões velhos. O mesmo armário pesado, a mesma mesa. Só mudara o ocupante da sala.
Naturalmente, ele não sentiria falta de todas aquelas pestes insolentes, que achavam que sabiam alguma coisa. Ele olhou em volta. Havia uma gaveta que ele trancara antes de ir. Foi até sua antiga mesa e tentou forçá-la. Impossível abrir. Provavelmente, não havia sido aberta.
Ele pegou sua varinha e executou o feitiço certo para abrir a gaveta, que se abriu. Ninguém tinha adivinhado. Chegava a ser decepcionante.
Idiotas, ele pensou. É tudo o que se tem por aqui... muito idiotas.
Ele pegou o velho pergaminho que ali estava enrolado e desenrolou-o. Lá estava. Tudo escrito. Releu tudo e lembrou-se de muitas coisas. De tudo o que abandonara quando fizera sua escolha. Uma escolha errada para qualquer um, mas não para ele. Ele sabia que não era um erro. Ele achava que não era um erro.
O mundo é dos mais fortes, pensou com desdém.
Pôs o pergaminho de volta na gaveta e trancou-a com o mesmo feitiço de antes. Depois olhou em volta. Abriu seu antigo armário e olhou para os ingredientes.
Continua uma baderna... Esses pestinhas ainda vêm pegar ingredientes aqui durante as aulas.
Então ele olhou as fotos que Slughorn tinha presas no armário. Uma de Harry. Uma de Gina. Uma de alguns outros alunos que não tinham a menor importância. E uma dela. Ela ria na foto e acenava. Parecia feliz. Não tinha olhar de desprezo ou de ódio. Não chorava. Nunca a vira sorrir daquele jeito ao vivo. Não podia admitir que a amava. Estavam de lados opostos do tabuleiro. Não podia deixar ninguém saber. Nem ela. Ela não percebia, ainda bem. Achava que ele simplesmente a desejava. Idiota. Ele nunca tirava mulher nenhuma das garras de Malfoy. Garotinha imbecil.
Ele esperava que a guerra acabasse logo, mas tinha medo do que poderia acontecer se o lado oposto vencesse.
Ela não entenderia... não entende o que é ter que fazer as coisas que eu faço, ele pensou amargamente.
Fechou a porta do armário e virou-se para sair. Deparou-se com Dumbledore a fitá-lo com um olhar tranqüilo.
- Ah, você – disse Snape, com desdém. – Não vou matar ninguém hoje; já estou voltando para o salão.
- Ah, não tenho dúvidas quanto a isso – disse o velho diretor, com um meio-sorriso que tentava ocultar. – Parece que me enganei com relação a você...
- É – disse Snape entediado. – Acontece bastante. Mesmo o Lorde das Trevas me julgava um traidor antes da minha tentativa de te matar. O engraçado é que você nunca desconfiou de mim, nem por um momento.
- Não, não desconfiei – disse Dumbledore com um suspiro. – Eu devia ter visto de que lado você realmente estava.
- Devia mesmo – retrucou Snape indiferente. – Mas você é um velho idiota que só enxerga o melhor nas pessoas, e acha que o dito amor muda tudo.
- E não muda? – perguntou Dumbledore muito calmamente.
- Nem sempre – disse Snape, sacudindo negativamente a cabeça e lançando um último e breve olhar para o armário, agora fechado. – Mas vamos logo. Quanto antes eu for embora daqui, melhor.
- Você não a machucaria, machucaria, Severo? – perguntou Dumbledore.
- Quem? – perguntou Snape.
- A senhorita Granger – respondeu Dumbledore.
Severo Snape permaneceu indiferente.
- Não machuco pessoas – ele disse secamente. – Prefiro matá-las de uma vez. Só machucar não resolve problemas. O Lorde das Trevas quis ferir o Potter antes e matá-lo, há três anos. Se o matasse de uma vez, não teria problemas. É o que fiz com você; mas não sabia da magia que o protegia.
Dumbledore ensaiou um sorriso triste.
- Lamento por você e pelo seu papel nessa guerra – disse o velho diretor. – Não precisava ser assim.
- É claro que precisava ser assim, Dumbledore, só você não viu – retrucou Snape.
Os dois alcançaram o salão principal.
- Aha, aí estão vocês! – disse Hermione, tentando sorrir, mas em vão. Olhava para Snape com um misto de desprezo e ódio, que tentava disfarçar. – Já posso trazer o bolo, então.
Ela acenou com a varinha, sem dizer palavra nenhuma, e um bolo imenso apareceu na mesa reservada a ele.
- Sem magia? – perguntou Gina, embasbacada.
Hermione sorriu.
- Claro – disse a jovem. – Não tava ficando legal com magia.
Era um bolo de chocolate de três andares, com decorações de morango e recheio de morango, que ninguém via ainda.
- Parece um bolo de casamento – comentou Eric Oxford. – Casa comigo, Granger!
Hermione riu, mas mesmo essa risada era forçada.
- Podem cortar o bolo – ela disse. – Estou sem fome; vou sentar logo ali, perto da janela.
Ela andou até perto de uma mesa que ficava ao lado da janela e olhou para fora. Estava abatida. Tentou não deixar transparecer, mas comentários já se formavam pelo salão. Harry aproximou-se, com um pedaço de bolo para ela.
- Oi, Mione!
Ela ensaiou um sorriso e pegou o pedaço de bolo das mãos dele, mas não comeu. Olhava para fora.
- Ainda o lance do Snape? – ele perguntou.
- Ih, não! – ela pareceu abominar a idéia. – Estive no covil deles; acredite, tem mais uns vinte iguais, só dos que eu vi.
Mas nenhum deles era igual a Snape. Mais nenhum deles era traidor. Mais nenhum deles demonstrava tanta atração por ela. Mais nenhum matara seus pais. Mais nenhum passara seis longos anos humilhando-a durante todas as aulas. Ela suspirou e procurou esquecer.
- Ah, vou dormir – ela disse, deixando o bolo em cima da mesa e levantando-se. – Trate de não criar problemas. Você e o Rony. Boa noite.
Ela deu um beijo no rosto dele e encaminhou-se para fora do salão. Olhava para o chão, evitando o olhar dos outros. Gina foi quem a viu e correu atrás dela.
- Mione, você tá bem?
- Claro que não – respondeu Hermione. – Já estou indo dormir. Cuide de tudo por aqui, Gina.
Hermione começou a subir as escadas o mais depressa que podia. Ouviu ao longe Voldemort dizendo que já era hora de ir embora. Não se importou. Puxou as presilhas de seus cabelos, soltando seus cachos – que estavam surpreendentemente perfeitos.
Acelerou o passo até parar na frente do quadro da Mulher Gorda, mas ela não estava lá.
Velha gorda e preguiçosa, foi fofocar com a vizinha, é?, pensou ela irritada, se assustando com sua própria agressividade.
- Tenho que parar com isso – ela fechou os olhos e respirou fundo. – Hermione Jane Granger. Você é Hermione Jane Granger. Granger. Não Voldemort. Não Lestrange. Não Malfoy. Não Snape. Você é... Granger.
Lágrimas vieram a seus olhos. Ela deixou-se cair de joelhos e levou as mãos ao rosto, chorando amargamente, como costumava acontecer quando se lembrava de tudo de uma vez só.
Não se ouvia som de choro nem de respiração dela. Era um choro abafado. Lágrimas pesadas escorriam por seu rosto. Seus pais, seus amigos, tudo. Mortos. Destruídos.
- Eu te odeio, Snape – ela murmurou para si mesma. – Te odeio, te odeio mais que tudo o que existe na Terra, mais do que odeio Voldemort, mais do que odeio, odiei ou vou odiar qualquer um!
Ela enxugou as lágrimas, mas as lembranças vinham. Ela chorou mais. Mas então se sentiu observada. Olhou em volta. Ouviu um farfalhar de capa.
- Você está aí, seu covarde – ela murmurou amargamente. – Se divertindo, eu espero. Pelo menos alguém tem que se divertir hoje... ou pelos próximos anos... ou até o fim dos tempos...
Hermione levantou-se, enxugando as lágrimas e engolindo todos os sentimentos de volta. Respirou fundo e contemplou a Mulher Gorda, voltando à moldura.
- Abra a porta, por favor.
- A senha.
- Não vou dar senha nenhuma, tem alguém me olhando daqui de fora. Sou Hermione Jane Granger, monitora-chefe da Grifinória.
A Mulher Gorda disse que, sem senha, não abriria, e Hermione suspirou.
- Os primeiranistas não merecem encontrar um assassino no salão comunal deles – ela murmurou. – Um dia eu volto.
Ela deu as costas e pegou a varinha. Recitou um Lumus e foi andando. Nem que tivesse que dormir no chão, não deixaria Snape saber a senha.
Snape observara-a chorar longamente. Vira como ela dissera seu nome e como ela o odiava. Não se preocuparia. Um dia ela seria feliz. Se vivesse.
Saiu de perto. Ela percebeu que ele estava ali. Escondeu-se nas sombras.
I wanted you to know
Eu queria que você soubesse
That I love the way you laugh
Que eu amo o jeito que você ri
I wanna hold you high and steal you pain away
Eu quero abraçar você forte e acabar com a sua dor
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