Idéias Saltitantes
Hagrid estava boquiaberto com a ousadia do plano e tinha certeza de que não ia dar nada certo, mas decidiu que ia ajudar a moça. Sua amiga. Ao menos, ela propusera alguma coisa, em vez de se render, como ele estava fazendo. Como todos estavam fazendo.
Hermione agradeceu pelo chocolate e correu para o castelo. Tinha que falar com Dumbledore. Não poderiam esperar mais. Qualquer hesitação poderia muito bem pôr muitas vidas mais a perder. E sua idéia era estranhamente brilhante; era ousada, mas brilhante.
Quando chegou ao salão principal – pois era hora do café da manhã – ela viu Dumbledore à mesa com todos os professores, algo que não acontecia havia algum tempo. Quando ela entrou, Dumbledore ergueu a taça e disse:
- Gostaria de agradecer aqui, diante de todos, à srta. Granger, por ter me mostrado o que sempre mostrei a todos. Mostrou-me que desistir não é o melhor caminho. Agora, quero envolver vocês em tudo. Mesmo que vocês não partam para a ação, são alunos. Os que estão aqui nos são fiéis. Srta. Granger, pelo visto você teve uma idéia, porque já voltou. Quer contá-la a mim, creio, mas eu gostaria de testar algo diferente: conte a todos.
Hermione, que se sentira desconfortável com a inesperada saudação de um Dumbledore completamente renovado, sentiu-se ainda mais envergonhada ao notar todos os olhares nela.
- Venha, não se envergonhe.
Ela caminhou para frente do salão, sentindo tantos olhares pousados nela. Cochichou para o diretor:
- Senhor, meu plano é muito esdrúxulo... Queria que o senhor o aprovasse antes de...
- Não, eu quero saber o que todos pensam. Todos pensam. Todos têm idéias. E você, srta. Granger, é a pessoa certa para fazer todos mostrarem suas idéias. Não temos pessoas para lutar, mas temos pessoas para pensar. Ganha-se guerras sem lutas. Há esperança; você me mostrou isso, e eu não estava vendo.
Hermione engoliu em seco e virou-se para o salão, que aguardava ansioso. Todos sabiam o que havia acontecido a ela. Todos sabiam que ela deveria ser a mais desesperançada dentre todos. Mas não era.
Ele voltou ao normal, pensou Hermione, entre irritada e divertida.
Respirou fundo e disse:
- Minha idéia é absurda e parecerá até engraçada a todos vocês, mas espero que me ouçam até o fim. Podem rir depois. Duvidar. Mas vou falar mesmo assim.
Ela olhou para Dumbledore, que lhe lançou um olhar encorajador por cima de seus oclinhos meia-lua. A seguir olhou para todos e, respirando fundo mais uma vez, disse, escolhendo bem cada palavra.
- Voldemort acha que está poderoso – todos fizeram caretas ao ouvir o nome. – E continuará achando sempre que todos fizerem essas caras horríveis quando ouvirem o nome dele. É Voldemort, Voldemort, Voldemort! Um nome, nada além disso! O nome apenas nos lembra um fanático. Temos que dizer; se não dissermos, será tudo perdido. Em segundo lugar, quero que ele veja que ser o Lorde das Trevas não serve para nada. Temos que mostrar a ele a derrota mesmo em meio a tantas vitórias dele. Sugiro um Baile de Primavera.
Houve alguns risos, mas nem assim Hermione desanimou. Cho Chang perguntou, incrédula:
- E como um simples Baile de Primavera em Hogwarts poderá afrontar o bruxo que tomou o Ministério?
Hermione aguardara ansiosa a pergunta. Enquanto observava todos aqueles rostos incrédulos e sarcásticos a fitá-la com desdém, ela disse:
- Simples, Chang. Voldemort quer morte. Quer tristeza. Mas estamos na primavera. Sei que é uma visão tola e romântica, mas é verdade. Temos um pouquinho de luz aqui dentro, mas podemos expandir essa luz. Não podemos sair de Hogwarts em segurança, mas ele pode entrar.
Houve muitas exclamações de assombro, mesmo entre os professores. Dumbledore, entretanto, pediu que Hermione continuasse. Ela obedeceu.
- Parece absurdo, mas já li sobre algumas magias antigas, magias que o professor Dumbledore conhece. Se dermos algum tempo a ele, quem sabe... Há como deixar Voldemort entrar sem que ele possa nos ferir. Eu só quero que ele veja, ouça, sinta, o quanto ele é impotente diante de simples jovens. A maioria de vocês perdeu os pais, a família, temos razões para chorar, para sentir raiva, para brigar, mas isso é o que ele quer. A discórdia nos torna fracos. Em vez disso, temos que erguer a cabeça, respirar e mostrar a ele que viemos para ficar. Ele não está no lugar dele, mas nós estamos no nosso. Se pudermos tornar o ambiente tudo aquilo que ele mais odeia, podemos deixá-lo frustrado. E podem perguntar ao professor Dumbledore o quanto a frustração é capaz de enfraquecer alguém. A diferença é que ele não tem amigos, como nós, ele só tem alguns seguidores que o temem.
Hermione prendeu a respiração e olhou em volta. Todos a olhavam boquiabertos. O plano era absurdo, parecia não ter sentido nenhum, mas soava estranhamente diferente. Algo em quem ninguém pensaria.
- Devolver o ódio em amor – ela sussurrou. – Tenho um professor que me ensinou assim. – Não é amor a Voldemort, mas a nós mesmos e às memórias dos que amamos.
Lágrimas encheram os olhos dela, mas ela tratou de mandá-las de volta. Gina levantou-se e começou a aplaudir. Aos poucos, todo o salão principal fez o mesmo. Hermione sorriu entre lágrimas e olhou para Dumbledore, que sorria serenamente para ela.
Quando as palmas cessaram, Gina gritou de onde estava:
- Uma dança! Uma valsa! Grifinórios com sonserinos e lufos com corvinais! Pares de casas diferentes!
- E flores bem coloridas por todo o salão! – ajuntou Cho, quase convertida. Lembrara-se de Cedrico e de sua mãe, morta.
- Isso é coisa de mulher – começou Eric Oxford, um sonserino do sétimo ano. – Mas acho que serve como desafio... E quem sabe podemos chamar também o ex-diretor da minha casa. Quero muito que ele me veja dançando com a sabe-tudo trouxa.
Hermione permitiu-se sorrir.
- Ele verá.
- Isso tudo é loucura – começou Minerva. – Mas... considerando as condições atuais... por que não um pouco de loucura?
Dumbledore sorriu e ergueu sua taça.
- Um baile que Hogwarts nunca mais esquecerá. Aulas suspensas hoje e no resto da semana. Alunos desconcentrados não fazem nada certo. Hoje é segunda. Até sábado terei feito todas as magias necessárias para que Voldemort e seus seguidores possam entrar em Hogwarts sem poder ferir aluno nenhum. Vou concentrar as minhas forças nisso. Não se esqueçam, alunos, isso é só uma declaração de guerra. Façam a parte de vocês. Srta. Granger, sugiro que escolha um aluno de cada umas das outras três casas para montarem a equipe que vai liderar tudo. Temos menos da metade dos alunos que tínhamos antes, mas estamos entre amigos. Rivalidade entre casas suspensa esse ano.
Aplausos. Hermione sorriu. Um pouco de alegria em meio à tristeza. Só o que faltava era ela pedir a autorização ao diretor para convidar os inimigos do modo como ela queria.
Quando todos saíram do salão e só estavam lá ela e Dumbledore, que notara que ela queria falar com ele, ela aproximou-se. Ele disse:
- Obrigado, Granger. Muito obrigado.
- Não agradeça, senhor, ou melhor, agradeça sim, mas de outra forma.
- Como? – ele perguntou calmamente.
- Deixe que eu vá até o Ministério convidar o Voldemort pessoalmente – ela disse o mais diretamente possível.
Dumbledore olhou-a sério por um momento.
- Você está mesmo me pedindo isso?
- Sim, senhor. E espero que o senhor permita, porque, se não permitir, eu vou mesmo assim.
- Posso perguntar por quê?
- Porque quero olhar nos olhos dele e ver a reação dele quando ele receber o convite das minhas mãos – ela respondeu. – Quero entregar um convite ao Snape também, porque quero que ele veja o senhor vivo. E vivo no sentido de alegre. Ele tem que ver que o senhor ainda está conosco. Tem que ver que fracassou, porque, senão, ele será para Voldemort o que fui para o senhor: força. Mesmo que por um breve momento.
Dumbledore pareceu considerar a questão.
- O problema, Granger, é que você estará num covil de cobras, cercado por homens que não respeitam mocinhas – disse Dumbledore, sério. – Não sei se você percebe o que é isso, mas...
- Senhor, já considerei todas as minhas alternativas. Mas estudei um pouco Voldemort, sabe, o Harry contava pra gente o que o senhor e ele viam... Acho que Voldemort, considerando o desafio, ele não vai querer me fazer muito mal – ela murmurou. – Sei que é arriscado, mas não tenho muito a perder e... O Harry e o Rony tão por aí, sem ninguém saber onde... e eu aqui segura... me parece tão injusto; éramos o trio inseparável de Hogwarts... Não me importa o que aqueles comensais nojentos queiram fazer comigo; vou dar um jeito. O senhor não deve duvidar da minha capacidade de improvisar... Sabe, para driblar as regras, é preciso conhecê-las bem.
Dumbledore suspirou.
- Não quero deixar você ir, mas como você bem disse, você vai de qualquer jeito, então é melhor que eu saiba que você vai. Mas, antes, quero fazer um feitiço para proteger você de coisas como... comensais, se é que me entende, Granger. Você vai me avisar pelo seu patrono de qualquer problema que tenha e, se não conseguir um patrono, um sinal no céu, por mais fraco que seja, eu vou ver. Vou proteger você.
- Sim, mas espero que não precise – ela disse. – Quero que eles tenham uma surpresa quando chegarem à festa e virem que o senhor ainda está conosco.
Dumbledore deu uma risadinha e assentiu.
- Bom, vou mandar uma mocinha bonita e inteligente para o meio de um monte de comensais loucos... Estou mesmo velho.
- É só um capricho meu, senhor – ela disse. – Tem certeza de que estará tudo pronto pra sábado?
- Absoluta.
- Bom, então vou reunir o pessoal que veio me procurar antes de sair do salão pra gente combinar os detalhes menores, desde decoração a convites. Quero um convite que seja bem coisa de mulher, bem trouxa.
E, satisfeita, pediu licença e foi encontrar o pessoal que já a aguardava no salão comunal da Sonserina – sim, eles haviam deixado 20 alunos além deles entrarem lá, excepcionalmente por causa daquela situação.
Uma vez todos confortáveis, sentados perto da lareira no tapete, Eric Oxford disse:
- Bom, esses detalhes de decoração vocês mulheres decidem. Temos que ver outras coisas. Pela idéia da Granger, uma recepção calorosa...
- Que tal algo como... uma dança? – sugeriu Cho. – Não a valsa, mas uma dança... sei lá...
- Bom, danças trouxas têm certa repercussão e graça – disse Hermione. – Vocês já devem ter visto ballet. Tem uma música que eu particularmente gosto que é clássica, chamada La Primavera.
- Apropriado – comentou Gina, sorrindo de verdade pela primeira vez em meses.
- Então... é uma dança bem... de mulher, como o Oxford insiste em dizer – disse Hermione sorrindo. – Dá pros rapazinhos dançarem, mas acho que eles não vão querer. Bom, as meninas que quiserem dar as boas vindas a uns comensais idiotas, todos um bando de tarados, podem dizer.
Cho Chang riu, mas foi a primeira a querer ajudar. Além dela, Mina Angels (de Lufa-Lufa) e Gina quiseram.
- Ah, se tiver mais uma só, da Sonserina, vai ser tão legal! – exclamou Luna, sonhadora. – Eu já vi ballet... É tão lindo...
- Isso, daí só quatro dançam – disse Hermione. – Gina, Cho, Luna e...
- Eu – disse a altiva Regina Black, uma bela sonserina.
- Isso! – exclamou Hermione. – Bom, eu posso ajudar vocês a montar a coreografia... daí vocês só apresentam. Vamos receber nossos visitantes muito bem...
- Acho que os brasões de Hogwarts e o símbolo da Ordem nas toalhas da mesa fariam bem – disse Gina.
- Ordem? – perguntam alguns.
- Olha, longa história, mas é uma fênix – disse Hermione. – E eu acho essa idéia muito boa.
- E podemos também tirar as separações entre as casas nesse dia... – acrescentou Luna.
- É, mas temos que deixar algum sinal que mostre de que casas somos – disse Eric. – Senão, não tem graça uma valsa intercasas.
- É mesmo – disse Hermione. – Que acham de usarmos as cores das nossas casas nos trajes?
A idéia foi prontamente aceita. E houve muitas outras, que, no devido tempo, seriam aceitas. Idéias saltitantes em meio a tanto desespero. Idéias alegres, festivas.
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